Quarta 1 de Maio de 2024

Teoria

A Revolução Russa e o Brasil

08 Aug 2007   |   comentários

“Parece que mãos ocultas atearam fogo no rastilho das desordens na Rússia e, atualmente, na Espanha, que chegaram até o Brasil, no cumprimento de uma missão de desorganizações sociais e pesando sobre as fábricas, em todos os centros de trabalho, no intuito sinistro de atentar contra a segurança das classes conservadoras, determinando a paralisação de toda a nossa vida económica. Ainda não se normalizou São Paulo, cuja capital entra, por mais de 40 horas privada de carne, de leite e pão, a lutar o poder público com uma formidável massa de 40 mil grevistas. Levas de desordeiros, de cima dos telhados, com audácia resistem à bala da polícia.”  [1]

Nesta edição de nosso jornal iniciaremos a elaboração de artigos históricos sobre os impactos da revolução russa no Brasil. Como forma de introdução a esta série de reflexões, buscamos indicar, grosso modo, algumas das definições desta etapa de formação política e organizacional do proletariado brasileiro, que culminou na fundação do Partido Comunista Brasileiro, fruto de um grande e inédito processo de mobilizações e rebeliões operárias por todo país. Tal como afirmou Astrojildo Pereira, “o Partido Comunista do Brasil nasceu das lutas operárias que agitaram o país durante os anos de 1917 a 1920 e se formou sob a influência decisiva da revolução socialista de outubro” [2].

A etapa anterior de formação do proletariado brasileiro, do final do século XIX até 1902, foi permeada de uma série de tentativas de núcleos socialistas dispersos, influenciados tanto pelo positivismo como por perspectivas burguesas, socialistas utópicos e débeis influências da II Internacional, de organizar o proletariado em partido. A marca do período posterior, de fluxos e refluxos da luta de classes, de 1906 até a guerra imperialista mundial, foi a formação de um proletariado enormemente influenciado pelas idéias anarquistas, já que o surto de industrialização desses anos aumentou muito a sua presença, principalmente em São Paulo. Este movimento operário fundou dezenas de sindicatos operários e, fruto desta febril atividade de luta de classes, buscou organizá-los na COB (Central Operária Brasileira), que teve o seu primeiro congresso de fundação em 1906, e que foi um instrumento de luta de classe da vanguarda do proletariado, tendo entre seus quadros os principais protagonistas dos processos de 1917.

A revolução russa de 1917 e a criação de um Estado dos trabalhadores atingiu diretamente as movimentações do proletariado brasileiro nas cidades, que protagonizou, em julho do mesmo ano, a greve geral de São Paulo, com influência em todos o país e abriu uma espiral de importantes lutas proletárias até 1920, quando este movimento, em parte pela debilidade estratégica de suas direções anarquistas [3] , entrou em declínio. Desta maneira, essas grandes ações de massas do proletariado brasileiro, que assumiram como programa de luta a jornada de 8 horas nas fábricas, aumento de salários, liberdade de imprensa, organização e expressão, se entrecortaram com a revolução russa de 1917 mais a partir de seus resultados do que de suas motivações iniciais.

Edgard Leuenroth, outra figura anarquista de relevo importante no período afirmou que “a greve geral de 1917 foi um movimento espontâneo do proletariado, sem a interferência, direta ou indireta, de quem quer que seja. Foi uma manifestação explosiva, conseqüente de um longo período da tormentosa vida que então levava a classe trabalhadora. A carestia do indispensável à subsistência do povo trabalhador tinha como aliada a insuficiência dos ganhos; a possibilidade normal de legítimas reivindicações de indispensáveis melhorias de situação esbarra com a sistemática reação policial; as organizações dos trabalhadores eram constantemente assaltadas e impedidas de funcionar; os postos policiais superlotavam-se de operários, cuja residência era invadida e devassada; qualquer tentativa de reunião de trabalhadores provocava a intervenção brutal da polícia. A reação imperava nas mais odiosas modalidades. O ambiente proletário era de incertezas, de sobressaltos, de angústias. A situação tornava-se insustentável” [4].

No entanto, a modo de conclusão desta introdução, a bandeira vermelha do outubro russo marcou definitivamente o proletariado brasileiro. Tal como afirmavam os operários do Centro Panífico (padeiros) que atuaram no processo: “É hoje o dia do sufrágio universal de todo o proletariado como protesto à brutalidade do capitalismo. A magia que toda esta matilha (de patrões) sonhava está sendo banida; a aurora reivindicadora que se estende em toda a Rússia não tardará com esse facho luminoso a chegar ao continente americano. O prosseguimento desta guerra é o fm dos castelos do capitalismo. Todas as nacionalidades têm de passar pela mesma fase da Rússia, que é o caminho nobilíssimo da grande caminhada” [5].

Como parte da campanha pelos 90 anos da revolução russa, que estamos impulsionando a partir da LER-QI e da FT-QI, em nossas próximas elaborações discutiremos passo a passo como se formou o proletariado brasileiro com o objetivo de compreender o que foram as greves de 1917-1918 e o que permitiu que fossem derrotadas, bem como os inícios da grande cisão no movimento anarquista em direção ao marxismo e também as suas insuficiências. Com isso queremos contribuir para superar certa “historiografia oficial” que busca reduzir todo o período de formação da classe operária, como se este fosse apenas uma longa jornada rumo à formação do Partido Comunista do Brasil, diminuindo assim as complexas teias com as quais se formou.

[1Jornal A Tarde, “A greve explodirá na Bahia?” . Salvador, 26 de julho de 1917.

[2Astrojildo Pereira, Ensaios históricos e políticos.

[3Neste sentido, afirma Astrojildo Pereira em Formação do PCB “As grandes greves e agitações de massas do período de 1917/1920 puseram a nu a incapacidade teórica, política e orgânica do anarquismo para resolver todos os problemas de direção de um movimento revolucionário de envergadura histórica, quando a situação objetiva do país (em conexão com a situação mundial criada pela guerra imperialista de 1914/1918 e pela vitória da revolução operária e camponesa a Rússia) abrira perspectivas favoráveis a radicais transformações na ordem política e social dominante” .

[4Edgard Leuenroth, O Estado de São Paulo, 17 de março de 1966

[5Operários do Centro Panífico (padarias), “saudação à Revolução Russa” . Jornal A Razão, 2 de maio de 1918.

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