Quinta 28 de Março de 2024

Teoria

Teses sobre arte

17 Mar 2015 | 1-A concepção kantiana de arte (base de todo irracionalismo filosófico alemão) vê a arte como algo metafísico, contato com o “Belo e Sublime”, algo místico e sacro; transcendente. O artista é o “Gênio”, ubermensch, homem-númeno, aquele que esta para além do bem e do mal, sua obra sendo algo indiscutível, posto ser a manifestação terrena do ‘Espírito do Tempo’. Contra essa concepção idealista o materialismo histórico/dialético concebe a arte como ideologia, em sua configuração mais alta e mais complexa, àquela que tem a relação mais mediada com a infra-estrutura. Reflexo/projeção da realidade, a arte é expressão ideológica dos conflitos entre as classes sociais na sua luta por hegemonia, com suas próprias leis e formas de manifestação.   |   comentários

1-A concepção kantiana de arte (base de todo irracionalismo filosófico alemão) vê a arte como algo metafísico, contato com o “Belo e Sublime”, algo místico e sacro; transcendente. O artista é o “Gênio”, ubermensch, homem-númeno, aquele que esta para além do bem e do mal, sua obra sendo algo indiscutível, posto ser a manifestação terrena do ‘Espírito do Tempo’. Contra essa concepção idealista o materialismo histórico/dialético concebe a arte como ideologia, em sua configuração mais alta e mais complexa, àquela que tem a relação mais mediada com a infra-estrutura. Reflexo/projeção da realidade, a arte é expressão ideológica dos conflitos entre as classes sociais na sua luta por hegemonia, com suas próprias leis e formas de manifestação.

2-Toda ideologia que aponte num sentido emancipador para as potencialidades humanas historicamente desenvolvidas, vista a partir de uma perspectiva de classe, necessita de liberdade para se desenvolver; isso se potencializa quando se trata de arte. A produção de uma grande obra, que reflete e cria os sentimentos de seu tempo tornando-se assim parte da construção da sensibilidade e dos sentimentos humanos, só pode surgir a partir de múltiplas experimentações. A construção de um ambiente livre de coações e pressões externas é essencial para o florescimento de uma verdadeira produção artística.

3- A sensibilidade, os sentimentos humanos não são algo natural, parte de uma essência humana pré-existente em relação à história concreta, mas são expressão e manifestação das ações efetivas de seres humanos reais. Sensibilidade e sentimentos se criam e educam na ação histórica concreta de seres humanos concretos; a arte tem papel central na construção desses sentimentos e sensibilidades. O olho, o ouvido, se humanizam na relação com uma realidade objetiva cada vez mais transformada por nossa ação histórica; é brutalizada a visão, a audição, a sensibilidade daquele que não tem contato com a arte.

4-A humanização dos sentimentos e sensibilidades é fruto da ação histórica de seres humanos concretos, que apontam, a partir de suas posições históricas reais, os sentidos possíveis dessa ação.
No momento presente a ação histórica efetiva, que aponta um sentido possível, se dá a partir da posição das duas classes centrais do capitalismo: burguesia e proletariado. São esses os dois sujeitos sociais que apontam caminhos plausíveis para a ação histórica, é a ação dessas classes que coloca, portanto, perspectivas possíveis para a humanização de sentimentos e sensibilidades.

Mas que possibilidades apontam cada uma dessas classes? A burguesia, como expressão dotada de consciência e inteligência do desenvolvimento do capital, esta ligada a seu destino. Cada vez mais se mostram evidentes os limites históricos do capitalismo, a necessidade de sua superação. Assim, a classe que por sua posição efetiva no metabolismo social capitalista carrega a possibilidade da emancipação das potencialidades humanas historicamente desenvolvidas é o proletariado. A arte verdadeira, que busca ser expressão e criação dessas potencialidades emancipadas se liga, cada vez mais, de maneira consciente ou inconsciente, a classe revolucionária.

5-Como forma de manifestação da ideologia que é a produção artística esta insuperavelmente ligada aos conflitos de seu tempo. Não existe arte pura ou neutra, no sentido de uma arte que busque se produzir como numa torre de marfim, isolada das demais expressões dos conflitos existentes em cada momento histórico. Uma arte que se veja como acima ou aparte dos conflitos de seu tempo tem uma posição sobre eles. Na luta entre exploradores e explorados não escolher de que lado lutar é já uma escolha.

6-A relação dos revolucionários com a produção artística é mediada pela correlação de forças da luta de classes. Nosso programa para a arte é: “toda licença à arte”; que se possa produzir sem nenhum tipo de coação ou pressão externa, de qualquer partido, estado ou direção. A arte que vai refletir e criar os sentimentos da época revolucionária só pode surgir como expressão espontânea da grandeza dessa luta; aqueles que precisam coagir a produção artística são aqueles que buscam encarcerar as potencialidades que a revolução só pode liberar.

Mas não somos liberais, mesmo no campo da arte. É evidente que com a agudização da luta de classes, com a guerra civil que ela pressupõe, a reação raivosa, os fascistas, os nazis, ou em outro momento os thermidorianos/stalinistas, se aproveitarão de todo espaço para lutar com todas as suas forças contra a revolução. Inclusive se aproveitarão de pretensas manifestações artísticas na sua luta. Contra isso os revolucionários se reservam o direito de se defender. Luta encarniçada à contra-revolução! seja mascarada de teatro ou dança, poesia ou música.

7- A aproximação de um artista com uma organização revolucionária implica, obviamente, alguns acordos mínimos. Luta contra a exploração, contra as diferentes formas de opressão, racismo, machismo, homofobia, são alguns dos elementos extremamente gerais que devem mediar essa aproximação. Qualquer organização que se forma, e evidente que também as revolucionárias, pressupõem algum nível de comunidade de ideias. O artista que se aproxima de uma organização revolucionária deve estar subjetivamente convencido da necessidade da superação da exploração e das diferentes formas de opressão. Isso quer dizer que sua arte deve ser sempre uma arte militante? Não! `Aquele que produz compete a escolha dos temas de sua obra. Um artista convencido da necessidade da superação das contradições da sociedade capitalista irá, em alguma medida e de maneira espontânea, refletir isso em sua obra.

8- Não existe nem irá existir uma arte ou cultura proletária. A criação de toda uma época cultural, do qual a arte é manifestação, pressupõe todo um momento de dominação de uma classe sobre a sociedade de conjunto. A cultura burguesa é fruto de todo o desenvolvimento da dominação dessa classe, desde o momento do capitalismo mercantil onde ela é sócia menor da aristocracia sob o estado absolutista, até sua dominação monopólica no imperialismo com o capital financeiro.
A dominação do proletariado sobre a sociedade, sua ditadura de classe, só pode ter caráter efêmero, transitório; não existe tempo histórico, portanto, para o surgimento de uma cultura proletária.

Além do mais os intelectuais orgânicos do proletariado, matéria prima da criação da cultura, serão absorvidos pelas necessidades mais prementes, mais pragmáticas, da luta pela superação do capitalismo. A arte não pode se desenvolver como necessidade pragmática, mas como livre manifestação da individualidade, da subjetividade do artista.

A arte do período revolucionário será em geral criação de artistas simpatizantes da revolução, mas que não lutam imediatamente por ela, “companheiros de viajem”, que não estarão ligados às necessidades mais diretas da luta de classes.
Isso quer dizer que não existirão artistas proletários, comunistas? Com certeza existirão, mas uma época cultural não se faz de exemplos individuais, mas de todo um grupo mais amplo. Quando os intelectuais orgânicos do proletariado puderem novamente se entregar a produção da arte, como forma maior da expressão de seus sentimentos, isso significará que já passamos do momento mais agudo da luta e que já transitamos não para a construção de uma cultura de classe, mas para uma cultura efetivamente humana.

9- A grande traição stalinista no campo da arte foi querer produzir um tipo de arte que fosse expressão oficial dos interesses dos trabalhadores e de seu estado, o realismo soviético. Não existe arte oficial; quando institucionalizada a arte perde aquilo que lhe é mais essencial, ser livre expressão da sensibilidade, dos sentimentos, da subjetividade do artista.

10-A arte produzida pela indústria cultural, arte venal, produto a ser vendido nos mercados e a ser consumido na sala de jantar da família cristã, também é um ataque a arte verdadeira. Proletarização do artista, apêndice de carne em engrenagens por ele desconhecidas, arte alienada, estranhamento em seu mais alto grau. O capital torna tudo mercadoria, o artista submetido à indústria da cultura se torna o animador das festas de salão da burguesia. O desenvolvimento do capitalismo, o seu tornar todos os campos de manifestação humana algo a ser comercializado e produzido para a comercialização coloca também o artista diante de uma escolha: se submeter ou lutar contra a dominação!

11-Os revolucionários tem uma visão muito grande sobre a arte para aceitar que ele a se torne mais uma mercadoria exposta nas prateleiras, ou para a partir dela pretensamente virar as costas para as contradições que vivemos. A arte está inserida nessas contradições e pode ser arma, machado, fuzil, na luta para superá-las. Pode parecer batido, mas na verdade é cada vez mais atual: “a revolução nos dará não apenas o pão, mas também a poesia”.

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