Quarta 24 de Abril de 2024

Nacional

A Revolução Russa e o Brasil – Parte III

Teses sobre o anarquismo (1906 -1914)*

09 Nov 2007 | Em nosso último artigo dessa sessão especial do Palavra Operária sobre os impactos da Revolução Russa no Brasil, que indicava algumas das tentativas da social-democracia em organizar partidos operários no país, assim como as dificuldades encontradas, utilizamos uma definição segundo a qual “a história destas associações é uma longa série de tentativas isoladas e de derrotas. Às vezes, os operários triunfavam. Mas eram quase sempre vitórias passageiras”. Para estudar o movimento operário após o “período social-democrata”, não podemos mais do que destacar que ainda nesse período vigorava este desafiador prólogo.   |   comentários

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A década de atividade da social-democracia é diretamente influenciada pela dinâmica do desenvolvimento capitalista no Brasil. Como já indicamos, o primeiro surto de industrialização, que transferiu o centro capitalista para São Paulo, alterou também as formas subjetivas de organização proletária; como afirmou um importante militante socialista italiano que depois se converteu ao anarco-sindicalismo: “No Estado de São Paulo iam-se no entanto formando novos elementos sociais. A corrente migratória, italiana em sua quase totalidade, aumentando a população, permitirá o nascimento da grande indústria e a formação de um verdadeiro proletariado” (...) “Os círculos socialistas, que durante três anos [1900 - 1903] haviam sido a expressão mais saliente do movimento, passam para a segunda linha, e aparecem na ribalta com um desenvolvimento autónomo às organizações de ofício, a liga de resistência, a federação operária.”

O ano de 1903, marcado por um importante número de greves operárias, marcará definitivamente os rumos dessa transição, ainda que defendemos, contra as interpretações mecânicas a coexistência das distintas tendências políticas no movimento operário: “Apesar dos pontos de divergência nos princípios, anarquistas e socialistas agiam quase de acordo nas manifestações, comemorações e comícios de propaganda” [1].

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O ano de 1906 foi um marco do anarco-sindicalismo, pois consolidou distintas experiências parciais na fundação da Confederação Operária Brasileira (COB), mais importante organização do período pré-1917. Sua marca fundacional evidenciou sua concepção prática, o economicismo: “O Congresso Operário aconselha o proletariado a organizar-se em sociedades de resistência económica, agrupamento essencial e, sem abandonar a defesa, pela ação direta, dos rudimentares direitos políticos de que necessitam as organizações económicas” . Pautou-se também pela reivindicação da independência de classe dos trabalhadores, opondo-se a sua integração à república oligarca e seus sindicatos, mantendo-se na ilegalidade: “a sociedade de resistência não deve admitir patrões, nem quaisquer espécie de não trabalhadores, mas unicamente assalariados, que não explorem por sua conta operários ou aprendizes” [2]; no entanto, se adaptou à “norma” da espontaneidade operária em oposição à elevar politicamente sua consciência de classe.

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O ano de 1907 colocará o anarco-sindicalismo na vanguarda das mais importantes greves deste período, tendo como pauta de reivindicação central a jornada de 8 horas. Os chamados presentes no I Congresso Operário se estenderam pelos principais centros urbanos do país. Nem mesmo os socialistas, que viam sua construção enormemente dificultada, ficaram inertes a este fenómeno: “Ninguém, nem mesmo o mais otimista teria acreditado ser possível, alguns meses atrás, que a classe trabalhadora de São Paulo tivesse uma consciência tão capaz para a luta de classe e métodos para extrair dessa luta natural e inevitável as maiores vantagens e benefícios” [3].

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No entanto, ao mesmo tempo a social-democracia buscará inserir-se na disputa contra o economicismo, que negava a necessidade de elevar a luta operária ao patamar político, traçando um balanço das experiências de 1907 ao calor dos próprios acontecimentos: “Mas essa vantagem [referindo-se à ligação efetiva do sindicalismo com o proletariado], porém, resulta numa nova dificuldade para nós socialistas, à vista da direção que, sob o impulso de valorosos anarco-sindicalistas, o movimento operário tende a tomar. Ora, sendo um dos fortes elementos do socialismo a participação à vida política do país, é fácil compreender como se torna para nós difícil trazer para nossa órbita essa massa operária orientada a aderir no terreno só da resistência, isto é, ali onde tem escasso prestígio os antagonismos políticos” [4].

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Os movimentos de 1907 trouxeram conquistas efêmeras para o proletariado, já que estavam ligados a uma conjuntura bastante específica de crescimento da economia nacional. Os primeiros sinais de crise e estagnação económica deram um duro golpe nas organizações: “O proletariado aceitava a luta sindical com facilidade porque via os resultados práticos da mesma e de bom grado punha de lado os conselhos de quem pregava a calma e a legalidade, não pensando porém, nos espinhos da ação direta. À medida que esses espinhos apareciam o entusiasmo diminuía e com isso o número dos sócios nas ligas diminuía também, ficando um pequeno grupo que havia conseguido formar uma consciência própria. Aqueles que paravam no meio do caminho não retomaram, porém, a tática primitiva porque já estavam bem convencidos de sua ineficácia [5]” ; ou seja, este balanço já demonstra os aspectos contraditórios e insuficientes da tática economicista também como uma discussão viva nas distintas tendências do proletariado.

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O anarco-sindicalismo enfrentou também duras críticas dos anarquistas, tendência que sempre negou a luta económica do proletariado e que teve origens no positivismo, tendo desenvolvido em um momento posterior alguns dos esquemas teóricos europeus como perspectiva para o proletariado; desenvolveu sua crítica principalmente como subproduto da estagnação enfrentada pelo movimento operário após as espetaculares demonstrações de 1906-1908.

Em primeiro lugar, opunham à luta económica a propaganda da doutrina anarquista, para justificar o seu descolamento prático das lutas da classe operária, tendo-se constituído como tendência adversária do anarco-sindicalismo, influenciados por sua vez pela CGT francesa: “A nossa propaganda não é ainda bem entendida pela maior parte dos companheiros. Se é bem entendida certamente é muito negligenciada (...) Em tempo de calmaria deve-se fazer a propaganda, com as nossas palavras e publicações indo à procura dos trabalhadores e os obrigando a nos ouvir para sermos compreendidos e considerados por aquilo que somos” [6].

Em segundo lugar, criticavam a “ação direta” tendo em vista a afirmação da doutrina anarquista, indicando todo o conteúdo anti-operário e de luta prática revolucionária que o proletariado deveria assumir como programa, algo que Marx e Engels combateram duramente na I Internacional contra a tendência de Bakunin: “Eu não hesito em afirmar e demonstrarei com minha exposição que o sindicalismo nada tem de comum com o anarquismo, ou melhor, tem de mais: o caráter efetivo de ação do sindicalismo é uma negação do anarquismo. (...) Na prática, o sindicalismo luta para melhorar o regime do trabalho assalariado. Como melhorar uma coisa significa também conservá-la, sucede que, como conseqüência lógica, o sindicalismo trabalha para a consolidação do regime burguês” .

Afirmavam, ainda neste sentido que “O sindicalismo é o ideal da gente prática. O anarquismo é o ideal dos utopistas, que não crêem na grande utilidade de se conquistar dois vinténs à custa do sacrifício de pobres coitados que na praça pública combatem policiais que não valem dois vinténs, bem vestidos que estão de reis ou republicanos imundos (...) Já não disse talvez Sorel que o domínio do sindicato devia substituir o domínio da burguesia? O sindicalismo quer destruir o privilégio do patrão para estabelecer o próprio“ [7].

7. Seguindo Moniz Bandeira em seu clássico sobre “O Ano Vermelho” no Brasil, podemos afirmar que se por um lado “pouco evoluiu o proletariado nesse longo período (1900-1914)” do ponto de vista subjetivo, o sindicalismo revolucionário teve o mérito de iniciar um processo de luta de classes aberta contra o regime burguês e, em certa medida, maior do que a sua própria estatura política e maturidade. O fato de se negarem a perceber que a “tática” economicista, evidenciada no II Congresso da COB, realizado após as experiências de declínio em 1913, reforçou esta debilidade subjetiva ao mesmo tempo em que preparou o maior embate da luta de classes, com tendências pré-revolucionárias, as greves e processos insurrecionais de 1917-1918, tema de nosso próximo artigo.

 [8]

Em vez de dizermos aos nossos companheiros: ”˜aceitai as imposições dos patrões e as arbitrariedades da polícia; abdicai dos vossos direitos; submetei-vos a um jogo sempre mais pesado sem protesto; afogai na nossa passividade o nosso próprio sentimento de revolta”™ ’ nos dissemos:

TRABALHADORES!

Agora que vossos companheiros abrem resolutamente o caminho das reivindicações, imitai o forte exemplo, procurai melhor a vossa situação ’ menos horas de fadiga, mais descanso, isto é, menos necessidade de álcool para chicotear os nervos num trabalho brutal, mais alegria no lar, mais pão para a boca, mais instrução para vós, mais bem estar para a educação, para os filhos!

Não deis força aos vossos inimigos de classe ’ que tão hipocritamente falam em ”˜liberdade de trabalho”™ ’ traindo os vossos companheiros em luta, rompendo a sua solidariedade, forçando-os com a vossa traição à volta ao mesmo jugo.

TRABALHADORES!

Os patrões e a política empregam contra vós a violência, a arbitrariedade, o engano, a mentira na imprensa, os sofismas, os manejos jesuíticos que desconcertam e intimidam, mas não desanimes. Além do direito, tendes também a força ’ que é a força do vosso braço indispensável, e da vossa união.

A união dá a confiança mútua e a coragem: associai-vos e agi!
VIVA A SOLIDARIEDADE OPERÃ RIA” [9]

*Nota introdutória ao leitor: utilizamos a breve forma de “teses” a modo de indicar elementos que consideramos importantes para entender a formação do anarco-sindicalismo e sua delimitação com o anarquismo e a social-democracia. Em breve disponibilizaremos em nosso site o percurso histórico desta tendência no proletariado, buscando encadear em uma reflexão de maior fôlego a complexidade do tema.

[1Notas para a História ’ Violências Policiais contra o Proletariado ’ Ontem e hoje. A Plebe, 31/05/1919, pág.3-4 (Arquivo Edgard Leuenroth).

[2Resoluções do I Congresso Operário brasileiro, 15-20 de Abril de 1906, Rio de Janeiro.

[3Gli Insegnamenti dello Sciopero, Avanti!, 31/05/1907.

[4Il partito socialista in Brasile, Avanti!, 13/02/1907.

[5O sindicalismo em São Paulo, La Scure, ano 1, no.3, 01/05/1910.

[6Mastr´Antonio, Per la propaganda, La Barricata, no. 389, 16/03/1913.

[7Acratibis, Sindicalismo e anarchismo, La Barricata, no. 389, 16/03/1913.

[8APELO DA FEDERAÇÃO OPERà RIA DE SÃO PAULO ’ 1907

[9Federação Operária do Estado de São Paulo, “Aos Trabalhadores” , Avanti!, 24/05/1907.

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