Quinta 25 de Abril de 2024

Movimento Operário

MOVIMENTO OPERÁRIO INTERNACIONAL

As greves de maio e junho na China

09 Jul 2010   |   comentários

Iniciou-se, em meados do mês de maio, uma onda de greves em diversos ramos industriais na China, com centro nas montadoras de veículos. Uma greve de 10 dias em uma fabricante de componentes da Honda, a 2ª maior montadora japonesa, forçou a paralisação da cadeia de produção capitalista naquele que é o mercado automotivo que mais cresce no mundo.

Os meios de imprensa mundiais, representando os interesses imperialistas, se apressaram em compreender o fenômeno ao mesmo tempo em que ainda cresce e se alastra por todo o país, alarmados com a crescente instabilidade social e com o aumento do “custo chinês”, baseado nos baixíssimos salários, longas jornadas de trabalho e péssimas condições de trabalho e subsistência.

A greve da Honda desatou um processo de greves que afetou a Toyota, a Hyundai em Pequim e a Nissan. Produtoras de eletrônicos como a Flextronics, a 2ª maior na China, também sofrem pressão dos trabalhadores por aumento de salários correspondentes após os suicídios contra as condições opressivas de trabalho na Foxconn terem forçado a empresa a conceder um aumento de 30%.

Há notícias que a TPO Displays em Xangai, uma subsidiária da Foxconn, teve paralisação de 2.000 trabalhadores contra os planos de relocalização (e demissões) para outra província [1].

Nossa luta por direitos (“wei-chuan”)

A greve de 1.900 trabalhadores na Honda Auto Parts,em Foshan na província de Guangdong, desatou uma onda de greves em toda região sudeste da China. Também trouxe uma série de fatos sem precedentes nos últimos anos. Esses jovens trabalhadores superaram ameaças da direção da empresa, foram atacados pelo sindicato oficial (Federação Nacional de Sindicatos da China, única representação reconhecida – e controlada – pelo governo do PCCh), tendo 4 grevistas hospitalizados e superaram a ausência da amparo legal, obtendo 35% de aumento salarial para os trabalhadores efetivos e 70% para os estudantes de escolas técnicas que ganhavam o salário mínimo sem benefícios e que não são amparados por nenhuma lei trabalhista [2].

O simples fato de expressar um programa reivindicativo e não defensivo como ocorria até 2006 e, a partir deste ponto, a manutenção e extensão da organização no chão da fábrica, elegendo representantes (16), desconhecendo o sindicato da burocracia e os representantes governamentais. Da primeira proposta oferecida pela empresa (26/5) até o retorno total ao trabalho (1/7), “os trabalhadores não chegaram a nenhum acordo sem a aprovação de assembléias e exigiram da administração da empresa liberação de trabalhadores em todos os turnos da produção” para decidir os rumos da luta.

Ao desconhecer o pacto social do governo e da burocracia sindical, afirmaram: “Temos esperança em eleger representantes sindicais democraticamente eleitos e o estabelecimento de um mecanismo de negociação coletiva para garantir a proteção dos interesses tanto dos trabalhadores quanto da empresa” [3].

Em outro documento, que defendia também a organização dos trabalhadores terceirizados da fábrica, afirmavam: “Nossa luta por direitos (“wei-chuan”) não é para proteger os interesses de meros 1.800 trabalhadores. Estamos preocupados com os direitos e interesses dos trabalhadores de todo o país. Queremos demonstrar aqui um bom exemplo para a luta dos trabalhadores” [4].

Conseqüências imediatas da greve

Diretamente influenciados, trabalhadores da Honda Lock em Zhongshan iniciaram uma semana depois outra greve com as mesmas demandas; ação idêntica ocorreu na Merry Electronics em Shenzhen: algumas centenas de trabalhadores bloquearam a entrada da fábrica e nas primeiras horas da manhã já eram em torno de mil percorrendo as ruas da cidade.

Simultaneamente, em Pequim, em torno de mil trabalhadores da Beijing Xingyuche Technology Company, empresa de peças da Hyundai, exigiam os mesmos 30% de aumento: “Um dos grevistas disse ao Beijing Times que a empresa prometeu um aumento de 15% imediato e 10% em julho. ‘Nós conseguimos a compensação dos salários’, disse ele ‘Sobre todo o resto, iremos negociar com a empresa após estabelecermos um sindicato dos trabalhadores’” [5].

Outras greves paralisaram a produção nas empresas japonesas em Guangzhou, também no Sudeste da China, a NHK-UNI Spring e a Denso, que fornecem peças para a Honda e a Toyota. O programa era o mesmo – aumento salarial, sindicato independente e nenhuma punição aos grevistas - e conseguiram o aumento reivindicado. Outras paralisações ocorreram na Toyota Gosei em Tianjin.

Os salários na China

O órgão oficial China Daily recentemente informou que a participação salarial no PIB diminuiu por 22 anos consecutivos, de 56,5% em 1983 para 36,37% em 2005, enquanto os capitalistas se apropriaram da renda nacional nesta mesma proporção. Em entrevista, um diretor da Federação afirmou que “baixos salários, longas jornadas de trabalho e condições de trabalhos ruins causaram conflitos e até incidentes de massas recentemente, o que se tornou um fator determinante para a estabilidade social.” [6]

Há uma pressão enorme pela recomposição salarial, principalmente após a aprovação, recentemente, das novas leis trabalhistas, que são também conseqüência da atual situação: “A onda sem precedentes de legislação trabalhista neste período não foi acidental. Um governo comprometido em manter a ordem social e a harmonia não poderia mais ignorar as greves e os protestos iniciados pelos trabalhadores praticamente todos os dias em todo o país” [7] .

De 2006 a 2008, com o aumento do custo de vida, diversos governos locais começaram a aumentar o salário mínimo, em alguns casos anualmente, contrariando o prazo recomendado pelo governo central de 2 anos. Em Shenzhen, que foi particularmente atingida pela inflação, o salário mínimo subiu de 690 yuan em 2005 para 895 em 2007. Em 2008 chegou a 1.000 yuan. Com o início da crise capitalista mundial no final de 2008, o Ministro da Previdência Social publicou uma circular (17/11) que demandava a suspensão de todos os aumentos salariais até que a situação econômica se estabilizasse [8], algo que os trabalhadores demonstram não hoje não haver mais vigência alguma.

Contraditoriamente, são justamente os baixos salários o principal motor da economia chinesa, pois é visando os lucros extraordinários que as multinacionais se instalaram na China. Aumentar os salários significa tocar nas bases do padrão de crescimento atual, e isso poderia gerar grandes tensões com os imperialismos sede destas empresas.

A Federação Sindical, o Partido Comunista Chinês e as greves

O direito de greve foi removido da Constituição da República Popular em 1982, dez anos antes do “socialismo de mercado”, sob a alegação de que não era necessário no sistema socialista Chinês. De acordo com o estudo sobre 100 casos ocorridos entre 2007 e 2008, nenhuma greve foi convocada pelos sindicatos oficiais [9].

Embora não sejam ilegais, as greves também não possuem nenhum marco jurídico para que os trabalhadores tenham amparo legal. Contrastando com a conjuntura até o início dos anos 2000, é possível definir que a ausência de repressão brutal e aberta por parte do governo – ainda que em diversos casos ainda existam demissões dos grevistas, prisões etc. – se deve diretamente à ofensiva dos trabalhadores e à amplitude geral da luta de classes no país.
A estratégia do governo também é de aprender com a história e buscar por via da Federação Sindical meios de conformação de um sindicalismo “moderno”, nos moldes de países como a Coréia nos anos 1960-70. Em 2007, o governo criou um sistema de proteção dos direitos dos trabalhadores com cinco facetas unificadas (“wuwei yiti”) para orientar os seus sindicatos: liderança e apoio ao governo, cooperação com a sociedade, mediação por via dos sindicatos e participação dos trabalhadores.

Contudo, os efeitos práticos ainda os deixaram do lado de fora das fábricas, sendo irrelevantes para influenciar os trabalhadores - , à exceção de um inicial processo de cooptação – chamada “profissionalização” de líderes de base, basicamente com o mecanismo de eleição em comitês de conciliação de classes nas fábricas; além disso, realizaram campanhas como a sindicalização da “Fortune 500”, já que mais de 400 multinacionais do reconhecido ranking atuam na China, o que criou um paradoxo: a Federação Sindical é a maior do mundo em número de filiados e absolutos (77,2%), mas tem sido incapaz de acompanhar a atual onda de greves e controlar os trabalhadores por meio de uma “mediação pacífica” com os patrões.

Conclusão

Consideramos que a greve da Honda como uma primeira inflexão na luta de classes chinesa, já que combina a adoção de métodos proletários de combate, com uma consciência ainda confusa, o que se expressa na ausência de uma perspectiva anti-capitalista (ou anti-patronal) e da necessidade de se organizar como partido. Contudo, onda de greves na China é tão somente o primeiro despertar de um dos mais importantes batalhões da classe operária mundial. Ainda há um longo caminho a ser superado!

Gráfico: No. de casos aceitos nos Comitês de Arbitragem Trabalhistas após a aprovação da nova legislação, Fonte: China Labour Statistical Yearbook.

Super-exploração da força de trabalho: De acordo com a agência de notícias imperialista Bloomberg, a média salarial dos trabalhadores da Honda é de 586 dólares, incluindo as horas extras. No Japão, país de origem da empresa, é de $ 3.800.

O cenário do confronto: A Província de Guangdong, na região Sudeste, foi o berço da restauração capitalista chinesa. No início da década de 1980 abrigava 3 das 4 zonas econômicas especiais, Shenzhen, Zhuhai e Shantou. Representa hoje em média 40% das exportações nacionais. A assim chamada reestruturação das empresas estatais (“qiye gaizhi”) teve como conseqüências: “Até o final de 2001, uma pesquisa demonstrou que 86% de todas as empresas estatais foram privatizadas total ou parcialmente. O número de empresas caiu de 64.737 em 1998 para somente 27.477 em 2005. [...] Não menos do que 30 milhões de trabalhadores perderam o emprego durante o processo de privatização entre 1998-2004”, conf. Worker Activism in China´s State-Owned Entrerprise Reforms, CLB/Rights and Democracy, Montreal, Set./08.

[1A greve da Honda como um ponto de inflexão para o nascente movimento operário chinês, China Worker, 11/6/10.

[2Grevistas da Honda Vitoriosos na China, Talking Union, 7/06/10

[3Carta aberta de agradecimento dos representantes dos trabalhadores da Honda Auto Parts Manufacturing Co., Ltd. 7 Junho 2010.

[4Comunicado dos representantes eleitos, 7/06/10.

[5Trabalhadores grevistas conseguem aumento e desejam foram sindicato de trabalhadores, Global Times (China), 31/5/10.

[6Paul Garver, Greve na Honda-China: Demandas modestas, grande impacto, Talking Union, 1/6/10

[7O movimento operário na China (2007-2008), China Labour Bulletin Research Reports, Julho 2009.

[8Idem, CLB, Jul., 2009.

[9Idem, CLB, Jul., 2009.

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