Quinta 25 de Abril de 2024

Internacional

A queda do preço do petróleo e a teoria da renda da terra de Marx

06 Mar 2015 | Este artigo tem a pequena pretensão de se inserir no debate sobre as determinações mais estruturais que levam a formação do preço do petróleo, partindo dos elementos colocados por Marx no livro III do Capital, sua teoria da renda da terra. Fica claro que num pequeno texto como esse não serão tratadas as múltiplas mediações que para além da renda da terra agem sobre a formação do preço dessa mercadoria, tão essencial ao capitalismo hoje. Para o leitor que quiser se aprofundar na questão indico o texto de Paula Bach que trata do tema (http://laizquierdadiario.com/Causas-que-explican-la-caida-del-precio-de-las-materias-primas) e se aprofunda sobre essas mediações. Com esse escrito não busco, evidentemente, dar uma resposta fechada a questão tão complexa, mas apenas introduzir um debate teórico que vejo como importante, dado que as variações no preço do petróleo tem forte impacto sobre o conjunto da economia   |   comentários

Este artigo tem a pequena pretensão de se inserir no debate sobre as determinações mais estruturais que levam a formação do preço do petróleo, partindo dos elementos colocados por Marx no livro III do Capital, sua teoria da renda da terra. Fica claro que num pequeno texto como esse não serão tratadas as múltiplas mediações que para além da renda da terra agem sobre a formação do preço dessa mercadoria, tão essencial ao capitalismo hoje. Para o leitor que (...)

Introdução

Este artigo tem a pequena pretensão de se inserir no debate sobre as determinações mais estruturais que levam a formação do preço do petróleo, partindo dos elementos colocados por Marx no livro III do Capital, sua teoria da renda da terra.
Fica claro que num pequeno texto como esse não serão tratadas as múltiplas mediações que para além da renda da terra agem sobre a formação do preço dessa mercadoria, tão essencial ao capitalismo hoje. Para o leitor que quiser se aprofundar na questão indico o texto de Paula Bach que trata do tema (http://laizquierdadiario.com/Causas-que-explican-la-caida-del-precio-de-las-materias-primas) e se aprofunda sobre essas mediações.
Com esse escrito não busco, evidentemente, dar uma resposta fechada a questão tão complexa, mas apenas introduzir um debate teórico que vejo como importante, dado que as variações no preço do petróleo tem forte impacto sobre o conjunto da economia.

A queda do preço do petróleo

A teoria não deve ser erudição morta, adorno dentro dos livros para enfeitar as prateleiras das bibliotecas. Deve ser capaz de explicar os fenômenos reais, que vivemos concretamente, assim nos esclarecendo sobre a realidade e permitindo que possamos nos orientar frente as suas possibilidades contraditórias.

Um dos fenômenos importantes que vem impactando a economia mundial e intrigando a maioria dos economistas é a queda do preço do petróleo. O barril que até meados do ano passado custava por volta de $100,00 dólares, teve uma queda abrupta e hoje esta sendo vendido abaixo da casa dos $60,00 e a tendência é de uma baixa ainda maior.

A queda do preço daquela que é uma das principais comodites do capitalismo contemporâneo, sua principal matriz energética, teve efeitos importantes no desenrolar da crise a partir do final do ano passado, chegando a ter impactos quase catastróficos para as economias que são muito dependentes de sua exportação, como a venezuelana ou a russa. Na economia do país europeu, por exemplo, a queda no preço do barril foi o fator determinante para a forte depreciação de sua moeda no final de 2014.

Os economistas burgueses tratam a questão como fenômeno puramente casual, contingente, não dando a ele uma explicação de fundo. A teoria da renda da terra de Marx é a grande chave para entendermos tal fenômeno e buscarmos uma explicação cientifica que possa esclarecê-lo e nos permita uma orientação frente a suas contradições.

Renda da terra

A teoria da renda da terra de Marx é um desenvolvimento de sua teoria do valor-trabalho aplicada as condições de produção relativamente independentes do trabalho direto, onde a maior ou menor produtividade dos fatores naturais, a fertilidade do solo, a riqueza de poços ou minas, etc, interfere na formação do valor e do preço daquelas mercadorias.

Ex: Um produtor agrícola, um capitalista ligado ao agronegócio, produz uma mercadoria determinada (arroz) em uma terra de uma dada fertilidade.

A produção agrícola no solo mais fértil (terra A) se dá com uma quantidade de trabalho X (por exemplo, 10h) que produz uma determinada quantidade de mercadorias Y (por exemplo, 10 sacos de arroz) a um valor N (por exemplo, R$10).

Num primeiro momento do ciclo econômico, com a demanda ainda se recuperando da depressão anterior e não sendo muito estendida, toda demanda por essa mercadoria é atendida apenas pelo produto da terra A, e assim o valor do produto é igual ao preço da mercadoria.

Com o desenvolvimento do ciclo econômico e o consequente aumento da demanda essa tende a superar a oferta de produtos capaz de ser atendida apenas pelo que é produzido na terra A, mais fértil, sendo necessária a abertura de novas terras cultiváveis, menos férteis.

Na terra B (que por comodidade colocaremos como tendo a metade da fertilidade de A) para se conseguir a mesma quantidade de mercadorias que na terra A é necessário o dobro de trabalho, posto como assumimos antes essa ter a metade de sua fertilidade. Ou seja, o mesmo produto em B (10 sacos de arroz) precisa do dobro de trabalho que em A para ser produzido (20h, que dentro de nossa abstração faz com que seu valor seja de R$ 20,00)

A chave para entender a teoria da renda da terra é entender sua relação com as oscilações da demanda por produtos agrícolas (ou qualquer outro produto natural) no mercado. Por ser mais caro o produto na terra B ele só é produzido se a demanda por esse produto é suficiente para absorver toda a produção, caso contrário seria inviável para o produtor capitalista investir nessas condições, pois teria que produzir com uma margem de lucro menor que a taxa média.

Como a terra B só é utilizada se existe demanda para absorver toda sua produção o capitalista que produz na terra A, pela metade do valor, pode vender seu produto acima do valor, com preço igual ao da mercadoria da terra B e existirá demanda para absorver sua mercadoria. Essa diferença entre o valor de sua mercadoria (R$ 10) e o preço pela qual o capitalista pode vendê-la (R$ 20) posto que seu preço de mercado esta sendo determinado pela terra menos fértil é a renda da terra apropriada pelo proprietário da terra mais fértil.

A renda da terra crescerá ainda mais se por um aumento ainda maior da demanda ligada ao desenvolvimento do ciclo econômico for necessário utilizar-se uma terra ainda menos fértil que B. Partamos da suposição que a terra C tem a metade da produtividade da terra B, por exemplo. Para produzir-se aqui então os mesmos 10 sacos de arroz serão necessárias 40h de trabalho e essa mercadoria terá o valor de R$40,00, partindo dos números abstratos que assumimos como pressupostos. O proprietário da terra A terá uma renda, portanto, de R$30,00 e o da terra B de R$20,00. Se for necessário à utilização de terras ainda menos férteis a renda da terra cresce dentro da relação entre a menor produtividade da terra utilizada e a quantidade de trabalho necessário para produzir aquela quantidade de mercadorias.

O preço do petróleo

Como qualquer outro produto natural que é apropriado pelo trabalho humano dentro de relações capitalistas o preço do petróleo também está submetido a variações ligadas a renda da terra, com os poços mais produtivos, aqueles que exigem menor trabalho para a extração do produto, proporcionando renda a seus possuidores.

Foi o crescimento acelerado da economia na primeira década do século XXI o fator determinante para que o preço do petróleo atingisse níveis tão altos, chegando a custar $ 100,00 dólares o barril, uma de suas maiores cotações historicamente.

Com esse crescimento acelerado e a consequente alta demanda pelo produto que é matéria prima e combustível essencial no capitalismo contemporâneo mesmo os poços menos produtivos se tornavam viáveis à exploração e determinavam o preço do conjunto da produção no mercado mundial. Os países produtores do Oriente Médio além de Venezuela, Rússia, etc, todos gozaram um momento de estabilidade e crescimento econômico, posto que era possível uma repartição da renda petroleira capaz de aplacar os ânimos de amplos setores da população sem afetar os interesses das classes dominantes.

Mas esse auge baseado em economias rentistas teria que ter um limite (como teve) e a crise econômica mundial foi um golpe (retardado por fatores que discutiremos brevemente abaixo) para os países dependentes da renda petroleira.

Por que demorou tanto o preço do petróleo a cair mesmo com a crise?

Posto ter sua produção altamente cartelizada, com seu preço de mercado sendo determinado como preço de monopólio, e aliado a isso a demanda estável de um dos maiores consumidores mesmo em meio a crise, pelo menos em um primeiro momento (a China), foi possível aos países produtores agrupados na OPEP (organização dos países produtores de petróleo) manter o preço da comodite em altos patamares mesmo durante os primeiros anos da crise.

O desenvolvimento da crise, no entanto, veio solapar as bases para a manutenção de tal situação; a baixa na demanda dos países centrais do capitalismo (imperialistas) e a desaceleração da economia chinesa a partir de meados de 2013 e que ganhou mais força no ano passado acabaram sendo sentidas como fatores que iriam baixar o preço do produto. A lei do valor se imporia por uma via ou outra mesmo com as manobras dos países produtores para manter artificialmente alta a cotação do barril.

Isso se dá porque essa manutenção artificial dos preços altos da comodite - mesmo sendo um produto essencial, o que dá maior margem de manobra aos produtores – faz com que existam distorções dentro da economia capitalista, com uma parte da mais-valia produzida pelos países que demandam o petróleo sendo transferida para os países fornecedores, situação que dada a configuração do capitalismo contemporâneo não poderia se manter por muito tempo (lembremos que entre os principais países consumidores de petróleo estão as potências imperialistas).

Uma das maneiras encontradas nos E.U.A., por exemplo, para diminuir sua dependência foi a utilização do gás de xisto, menos produtivo imediatamente, mas que dada a manutenção artificialmente alta do preço do petróleo passou a ser viável.

Essa concorrência com outras mercadorias que passavam a ter sua produção viável com a alta artificial do preço do barril e a pressão dos países consumidores iriam uma hora ou outra forçar a baixa do petróleo. Outro fator ainda para a baixa é a concorrência entre os próprios países produtores, pois os países com poços mais produtivos, como a Arábia Saudita, tentam diminuir a participação de seus concorrentes menos produtivos no mercado, garantindo assim uma maior margem de lucro para sua produção.

Conclusão

Nesse pequeno artigo tentou-se apresentar uma hipótese teórica para compreender o fenômeno que vem afetando a economia mundial; certamente existem lacunas e pontos a serem aprofundados, mas que transcendem seu espaço e pretensão.
Se aqui se conseguiu expressar uma alternativa que leve a debates mais profundos sobre o tema esse pequeno escrito já mais que cumpriu sua função. Sigamos o debate, portanto.

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