Quinta 25 de Abril de 2024

Cultura

90 ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA

Entrevista com Ariane Díaz

11 Dec 2007 | Membro do comitê editorial da Revista Lucha de Clases e da Equipe de Coordenação do Instituto do Pensamento Socialista – IPS “Karl Marx”. Formada em Letras (UBA), com especialização em temas filosóficos e culturais.   |   comentários

Quais mudanças se deram na arte a partir da Revolução Russa em 17?

A: A primeira coisa é um contraste grande entre a situação social e política no início do século XX desde onde se formou a URSS, e o desenvolvimento explosivo da arte nesses anos. É preciso se levar em conta que a Rússia era muito atrasada não só politicamente, com o czarismo como regime, mas também social e culturalmente. As massas urbanas e camponesas eram analfabetas. Estava, além disso, economicamente esgotada pela guerra. Se somarmos a isso o ataque imperialista e a guerra civil que seguiram a revolução, as condições não pareciam ser as melhores para a produção artística. Seguramente, por grandes peças teatrais, por exemplo, o pagamento muitas vezes era feito com casacos ou tabaco. Entretanto, em pouco tempo, nos anos 10, mas sobretudo nos anos 20, surgiram todo tipo de tendências e estilos em todos os gêneros artísticos, que influenciaram toda a arte do século XX. O que aconteceu nessas circunstâncias? A revolução, que despertou como nunca a criatividade e a vontade artística, e abriu todo um terreno de experimentação pelas vanguardas, que assim como a revolução, se desenvolveu aceleradamente.

Quais novas experiências se desenvolveram?

A: Houve o desenvolvimento de todas as tendências, desde as mais vanguardistas até as mais “folclóricas” . Por um lado as correntes chamadas “vanguardas russas” , mais conhecidas, buscavam se ligar com as mudanças sociais e políticas que viviam, e revolucionar também a arte inovando nas formas. Viam na criatividade e iniciativa das massas que faziam a revolução, a mesma que eles necessitavam na arte para sair de cima das velhas escolas, das velhas figuras, e aportar para a própria revolução. Falavam em seus manifestos que a arte deveria deixar de encerrar-se nos museus e sendo acessível para poucos: e então Maiakóvski,por exemplo, clamou que levassem a pintura às ruas, e Chagall decidiu então pintar os vagões de um trem de Petrogrado e parte da estação. Outros falavam de uma arte “utilitária” , servisse às necessidades da vida cotidiana, e desenhavam, por exemplo, roupas ou louças que fossem belas e úteis ao mesmo tempo. Por outro lado, os distintos setores sociais oprimidos, quando se livraram dessa opressão quiseram mostrar sua cultura, seus costumes, tradições, sua “personalidade” , como disse Trotsky. Então há também muito desenvolvimento de tendências folclóricas, digamos, e muita combinação entre essas linhas também, como os poemas futuristas que incluíam um trabalho com certas canções populares russas. Em todas as tendências o que existe é uma vontade explícita de aproximação da arte às massas, e de que elas sejam sua protagonista já que eram as protagonistas da revolução. Isso foi novidade dentro da URSS, porque se em geral no capitalismo a arte está limitada a ser desfrutada por poucos, no regime czarista era ainda mais limitado o espaço cultural para as massas. E também externamente à URSS, porque de alguma maneira se pode praticas as propostas das vanguardas em grande escala.

Quais políticas tinha o estado operário para o desenvolvimento da arte?

A: Foram fundadas escolas para as distintas artes, e organizados sindicatos e federações de artistas por regiões que conectavam todo o território, cada soviet tinha sua seção teatral, literária, etc. Cada representação teatral, por exemplo, que se fazia na cidade, se fazia uma reencenação em aldeias próximas ou na sede dos sindicatos. O teatro é um gênero que realmente explode nesses anos. Além das diferentes salas, para as quais distribuíam entradas grátis em vários soviets, se realizavam encenações enormes ao ar livre para públicos ainda maiores. Em 1920, se reproduz o ataque ao palácio de Inverno com 8.000 pessoas e 500 músicos, e principalmente, o próprio navio Aurora atirando para o alto como em 1917. Em 1920, por exemplo, em somente um ano, fizeram 259 representações em uma mesma região.
A bailarina estado-unidense Isadora Duncan, que então se encontrava na Rússia, também dançou ao ar livre com cinco graus abaixo de zero, e fazia tanto frio que os instrumentos da orquestra que a acompanhava congelaram. Deste ponto de vista, inclusive nesta terrível situação social e política, o Estado operário foi mais amplamente democrático que qualquer Estado burguês hoje. Basta somente ver quanto custa entradas para o cinema, ou um livro, e isso para desfrutar da arte que fazem outros, não se pode sequer falar em arte produzida por setores mais amplos.

Como era a relação entre estes agrupamentos e o Estado soviético?

A: Nenhuma destas políticas saiu facilmente. Por exemplo, em 1919, se chamou uma primeira reunião oficial dedicada ao teatro quando iam nacionalizar as salas teatrais. E assistem ...5 pessoas! (entre eles Meyerhold, Maiakóvski e Blok). Muitos artistas haviam se exilado, ou se mantinham distantes da revolução esperando para ver o que acontecia. Por outro lado, entre os que defendiam a revolução estava o problema de que cada grupo deveria falar em nome do povo e ser porta-voz da revolução. Durante os anos 20 há contínuas disputas entre eles, e todos de alguma maneira demandavam do governo soviético que os reconhecessem como “a” escola, estilo ou corrente da revolução. Por outro lado, e isto levou a muitas discussões, as aspirações da maioria das vanguardas de unir arte e vida, iam acompanhadas pela exigência de romper com toda a tradição anterior, porque ela era “czarista” ou “burguesa” , diziam. Chamavam a queimar os museus, ou “esbofetear o gosto do público” , como havia dito Maiakóvski no primeiro manifesto futurista. Diziam que assim como na política, havia que romper também radicalmente na arte. Aqui é onde sempre encontraram reprovações, tanto de outras tendências como de Trotsky, que, por exemplo, vai-lhes colocar que se romper com todo o anterior a respeito das escolas ou estilos prévios está bem para eles e é produtivo; outra coisa é para as massas, que até aquele momento não puderam desfrutar dessa cultura para a qual, no entanto, haviam contribuído com seu trabalho. Mas em geral, a política dos soviets era que todas as tendências pudessem se expressar. Não somente não houve tentativas de regimentar a arte, mas distintas tendências se promoveram. Assim dizia explicitamente, por exemplo, as resoluções das reuniões entre o Comissário e as Federações de artistas, por exemplo: que nenhuma orientação será oficial, nem estatal e que o Estado apoiará a todas as tendências artísticas. É claro que essas declarações nem sempre eram cumpridas: é só vermos os manifestos e artigos de distintos grupos, que se enfrentavam permanentemente de revista em revista, de manifesto em manifesto, mas conviviam apesar das divergências, e muitas vezes esses intercâmbios virulentos serviam a formação de novas linhas, mudanças de grupos, etc. Nestas discussões Trotsky intervém, e sem dúvida tinha muita autoridade e influência, discutindo com seus companheiros do partido e publicando artigos no Pravda, que depois foram recopilados no livro Literatura e Revolução. E era Trotsky quem insistia que a arte tem suas próprias regras, que não pode, portanto, o Estado e menos ainda o partido legislar sobre qual tendência o qual estilo servia ou não para a revolução, colocando-se contra as disputas que havia entres os grupos. E isso ainda em 1923 quando nem se imaginava o que iria ser o realismo socialista! Stálin parece ter lido este livro para fazer totalmente o contrário: impós uma linha e estilo oficial, no ano de 34, o Realismo Socialista, impós o dirigismo na arte por parte do partido, e a usou para fazer propaganda de si mesmo, construindo o mito de Stálin.

Trotsky termina esse livro falando da arte socialista”¦

A: Claro, Trotsky ao longo do livro faz análise de várias dessas tendências, critica os exageros dessas divergências no que deveria ser a arte da revolução, mas lhes reivindica ao mesmo tempo a idéia de querer unir arte e vida. Sustenta que justamente esse objetivo não se conquista de um dia para outro, que é necessário uma melhor situação social para que isso possa se dar. E que todas essas inovações seguramente aportariam à futura arte socialista, por isso não se poderia impor uma sobre a outra, e muito menos O Estado ou o partido poderiam decretar isso ou aquilo. A arte, diz, tem suas próprias regras e não se pode traçar a ela um caminho sem arruiná-la. Mas, além disso, diz que não somente faltam condições económicas, mas que uma arte socialista implicaria que já não haja ou se estejam extinguindo de uma vez as classes sociais (coisa que a guerra civil mostrava ainda distante), e que então, a arte não será burguesa ou proletária, mas “humana” ou socialista. O que queria dizer com arte socialista? Uma arte que volte a falar da intimidade sem vergonha, por exemplo, que hoje está contaminada com a competição e o egoísmo. Uma arte que esteja ligada à vida cotidiana e não somente algo para poucos ou para os dias de festa, e que participem todos dela ao ponto que haja partidos estéticos, científicos. Que não haja sequer um Shakespeare, sem que todos sejam isso e muito mais. Em síntese, ainda que Trotsky reconheça que não é o melhor tempo para a arte o primeiro período pós-revolução, a arte pode ser o melhor “termómetro” , diz, de como caminha a revolução na construção do socialismo.

O que aconteceu com essa criatividade e explosão artísticas ao surgir o stalinismo?

A: Nos anos 30, Stálin dizia que 95% do socialismo já estava feito sob seu comando na URSS. Se considerarmos que Stálin ditou o fechamento das escolas e dos museus, como o de Moscou, onde mandaram colocar nos porões ou esconderam debaixo de cortinas as famosas obras das vanguardas, sem mencionar a quantidade de artistas processados e fuzilados por suas posições políticas, como Meyerhold, parece que Trotsky tinha razão em relação do termómetro: algo andava mal na arte porque algo andava mal com a revolução. No terreno da arte, e em outros, depois das barbaridades do stalinismo se começou a dizer que a revolução estrangulou a criatividade artística, que a subordinou à política do Estado e à vontade dos líderes políticos, e que reprimiu todos os artistas que não se subordinaram. Na realidade se falamos do stalinismo, assim foi, não somente na URSS. No ano de 34 foi decretado como estilo oficial e revolucionário da URSS ou Realismo Socialista, e tudo o que não o respeitasse era reacionário, segundo Stálin e seus funcionários para a arte. Além do mais essa doutrina se estendeu e foi acatada por todos os PC”™s do mundo. Há pouco tempo o filme “A vida dos outros” tentou mostrar essa repressão na arte na Alemanha, e um personagem justamente cita Stálin que disse que o escritor tinha que ser “engenheiro de almas” . A frase soa poética, mas queria dizer, esteticamente, a imposição de um estilo apenas descritivo, naturalista, onde se contava a vida dos “heróis” positivos parecidos com Stálin ou que estavam seguindo suas políticas, e se considera decadente ou reacionária a lírica, a fantasia ou a experimentação vanguardista, por exemplo, em outras artes. Mas isso é ainda mais chocante se analisarmos que nos primeiros anos da revolução ocorreu exatamente o contrário. A revolução despertou como nunca a criatividade artística, aproximou a arte das massas, desenvolveu novas tendências em todos os gêneros, e tudo isso em um curto período de tempo. Longe de ser um período de luto para a arte, a revolução abriu um grande horizonte para o desenvolvimento e experimentação artística, que logo influenciou em toda a arte do século XX.

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