Terça 23 de Abril de 2024

Movimento Operário

A REVOLUÇÃO RUSSA E O BRASIL – PARTE IV: O MOVIMENTO OPERÁRIO E OS ANOS 1917-1920

Ano Vermelho: A greve geral de São Paulo

12 Dec 2007 | “Haveremos de mostrar que a revolução social não é uma utopia”, Carlos Dias, membro da União Gráfica, 1º de maio de 1918   |   comentários

A especificidade dos anos 1917-1920 encontra-se na extensão profunda do ascenso das massas urbanas e do proletariado em particular. A “questão social” , colocada no cenário estratégico do desenvolvimento capitalista no Brasil não poderia fugir dos vultuosos embates de classes, iniciados naquele julho de 1917 em São Paulo. O grito de guerra da greve geral se espalha por todos os cantos do país nestes que foram os principais processos de luta de classes da república oligárquica. A nova feição da cidade horroriza a burguesia “liberal” ao passo que coloca em posição de combate o Estado e as forças repressivas. Os conhecidos bairros fabris longe de constituírem partes de uma “cidade morta” , cobrem-se de trabalhadores e trabalhadoras, organizadas em suas ligas operárias, jornais, sindicatos e, em alguns casos, em suas barricadas.

Durante a guerra imperialista mundial a economia brasileira, que atendia miseráveis 5%¨das necessidades do país, teve de se enfrentar com o seguinte lema “Súbito tudo faltou e o Brasil teve de produzir” [1]. Ao passo que os capitalistas buscavam identificar a produção com o novo marco da economia mundial também o mundo do trabalho os acompanhou: a pressão da queda da carestia de vida e dos salários moldaram um cenário explosivo [2].

A greve geral e suas distintas visões

Parte considerável das posições em torno da greve geral gira em torno de eixos extremos: a visão espontaneísta, que desconsidera a especificidade histórica e não pensa além da liderança anarco-sindicalista; as visões próximas ao marxismo, que abarcam tanto as primeiras posições de Astrojildo Pereira, fundador do PCB, quanto de distintas posições “ortodoxas” ou acadêmicas, regra geral decorrentes da visão “clássica” . Para demonstrarmos uma análise justa do processo histórico sem possuir a pretensão de oferecer uma descrição de cada detalhe ou nuance da greve, passemos a entender brevemente o processo objetivo.

Os trabalhadores têxteis, neste caso com participação grande das trabalhadoras, foram protagonistas privilegiados das greves e neste ano não foi diferente [3]. Frente ao endurecimento da política patronal, estes trabalhadores iniciam um duro processo de luta de classe; lockout patronal e repressão policial foram enfrentados nas ruas. Os célebres registros em imagem do enterro do operário Martinez bem o demonstram que se espalha como um rastilho de pólvora. Não existia nenhuma preparação antecedente. A Liga Operária da Mooca, que participava da organização dos têxteis, chegou a responder negativamente, em maio de 1917, a um chamado de um centro socialista que pretendia “cuidar de questões organizatórias da ação operária, com o objetivo, se necessário, de preparar uma greve geral” [4]. Não foi um repentino ressurgir do proletariado, pois se preparavam condições objetivas (económicas, como a guerra) e subjetivas (fundação de associações operárias, jornais como A Plebe): a sua expressão foi a espontaneidade de classe baseada em um conjunto de reivindicações económicas mínimas.

A forma de expressão política das reivindicações operárias se deu pela conformação de um Comitê de Defesa Proletária, liderado por figuras importantes do anarco-sindicalismo como Edgard Leuenroth e Gigi Damiani e em menor medida de social-democratas favoráveis ao movimento, como foi o caso do jornal Avanti!. A perspectiva deste comitê não se constituiu além de encarnar uma transmissão daquelas reivindicações, nem mais nem menos. Afirmavam que “Noutras partes, noutros países, o que pede um Comitê de Defesa Operária ’ um comitê que se deve considerar subversivo ’ estaria já proposto pelas próprias classes conservadoras como medida de defesa dos próprios interesses” [5]. Os dirigentes longe estavam das inflamadas proclamações acerca da anarquia e revolução social: assim esgota-se a espontaneidade anarco-sindicalista como instrumento de luta de classe, já que ainda que não estivesse dado que as fraquezas organizativas do movimento operário pudessem limitar a profundidade de sua vitória parcial sobre a classe dominante, não havia outras formas de avançar senão trabalhando concretamente para que os sindicatos e as ligas operárias impusessem aos capitalistas a sua derrota.

Desta maneira: “A burguesia industrial paulista, setor mais astuto das classes dominantes, percebeu logo que a pura repressão não daria conta do conflito. Formou-se, então, uma Comissão de Jornalistas (todos da grande imprensa) que serviria de mediadora entre operários e patrões. Os grandes empresários aceitam uma série de reivindicações. O presidente do Estado e o prefeito de São Paulo prometeram, da parte do governo, fiscalizar as condições de trabalho de mulheres e menores, o preço e a qualidade dos gêneros alimentícios e libertar os operários presos. Os empresários concederam 20% de aumento salarial e a promessa de não dispensar os grevistas. No dia 15 de julho, em grandes comícios operários no Brás, Lapa e Ipiranga, a massa grevista aceitou o compromisso patronal, a partir da proposta de volta ao trabalho levada pelo Comitê de Defesa Proletária” [6].

Política burguesa e contradições da "questão operária"

Afirmava o editorial de O Estado de São Paulo que “A torre dos privilégios desaba. Fê-la tremer em seus alicerces seculares a teoria socialista, a equivalência, ainda não reconhecida mas já vitoriosa, do capital e do trabalho. Os capitalistas bem avisados não ignoram, os governos cautos estão fartos de o terem notado, e ambos os grupos se harmonizam e colaboram à procura de uma solução sem conflito violento com a nova força que se apresenta em campo revestida de uma pujança invencível” . A desorganização da burguesia frente o processo operário foi empurrada, no curso dos acontecimentos, a assimilar aspectos das reivindicações operárias, ou seja, “os efeitos concretos que o ascenso do movimento operário provocava sobre a política social das classes dominantes. De qualquer modo, pois, a regulamentação do trabalho foi uma conquista da classe operária obtida através de uma árdua luta [...]” [7].

Ainda que não se possa afirmar que as lideranças anarquistas tenham liquidado a capacidade política de intervenção do proletariado, prova disto é a profunda espiral de acontecimentos desencadeados até 1920, verificamos que as suas insuficiências minaram a capacidade de se tornar uma corrente orgânica do proletariado. A greve geral de 1917 iniciará, portanto, um processo de desorientação do anarco-sindicalismo. Ao mesmo tempo, é completamente insuficiente afirmar o problema da organização do proletariado em partido de forma doutrinária, tratava-se pois de organizar o proletariado com vistas a garantir não somente a vitória em torno das questões económicas e a pureza dos “princípios da anarquia” , pois o Estado assimilava parcelas consideráveis da subjetividade operária em seus “retrocessos organizados” , seja por meio das primeiras “legislações sociais” ou seja pelo surgimento de sindicatos amarelos, trabalhistas etc. voltados a subordinar o proletariado à classe capitalista.

A Revolução Russa e o Brasil

Por último, como forma de pensar quais seriam os futuros desenvolvimentos de nossa argumentação, apresentemos ao leitor dois importantes aspectos: a greve geral de julho não se realizou sob nenhum ponto de vista a partir da influência da revolução russa, mas os seus resultados sim foram determinados pela grande revolução proletária, ainda mais porque São Paulo neste ano iniciou um processo e não o encerrou em seus marcos; em segundo lugar, a história conspirava a favor dos primeiros críticos do anarquismo, que constituiriam a seus moldes a superação deste período, o que pretendemos analisar com a já mencionada fundação do PCB. Um de seus protagonistas, nos fornece quais seriam as novas ferramentas da luta proletária e um certo balanço das experiências de 1917: “A organização por ofício, localista e federalista forma uma verdadeira poeira de núcleos dispersos e dispersivos, onde as energias, ao invés de se concentrarem num bloco homogêneo, se desperdiçam infrutiferamente, e o que é mais grave, se amesquinham um estreitíssimo espírito corporativista. Temos visto os resultados de tal sistema: fraqueza particular de cada sindicato, fraqueza geral das federações, diante da força compacta e agressiva do inimigo. [...] Os ataques fracionários das massas dispersas do proletariado contra esse bloco só servem para o aniquilamento fracionário, mas gradual e constante, do proletariado...” [8].

Reivindicações da greve geral de 1917

Publicadas em A Plebe, 21 de julho (excertos)

1. que sejam postas em liberdades todas as pessoas por motivo de greve;

2. que seja respeitado do modo mais absoluto o direito de associação para os trabalhadores;

3. que nenhum operário seja dispensado por haver participado ativa e ostensivamente no movimento grevista;

4. que seja abolida de fato a exploração do trabalho dos menores de 14 anos nas fábricas, oficias etc.;

[...]

6. que seja abolido o trabalho noturno das mulheres;

7. aumento de 35% nos salários inferiores a 5$000 e de 25% para os mais elevados;

8. que o pagamento dos salários seja efetuado pontualmente, cada 15 dias e, o mais tardar, cinco dias após o vencimento;

9. que seja garantido aos operários trabalho permanente;

10. jornada de oito horas e semana inglesa

Indicações introdutórias para a história do movimento operário nos anos 1917-1920 (parte 1)

[1BANDEIRA, M. O ano vermelho: a Revolução Russa e seus reflexos no Brasil. Expressão Popular, 2004, p. 65.

[2Aproximações históricas: “111 greves operárias foram realizadas no Brasil, entre 1900’10; e 258 no período de 1910’20, de acordo com o levantamento parcial feito pelo historiador Edgar Rodrigues, que exclui a conjuntura 1917’18. Bóris Fausto pesquisando somente os anos 1917-1920 e restritos a São Paulo (capital e interior) e Rio de Janeiro (Distrito Federal) levantou a ocorrência de mais de 200 greves operárias, envolvendo, somente os casos em que neste dado era disponível a participação direta de cerca de 300 mil trabalhadores” . HARDMAN, F., História da Indústria e do Trabalho no Brasil. Global, 1982, p. 332.

[3As greves do ramo têxtil do período 1917-1920 equivalem ao número somado de greves de gráficos, metalúrgicos e sapateiros, representando cerca de 30% do total de greves de todas as categorias no período.

[4FAUSTO, B. Trabalho Urbano e Conflito Social (1890-1920). Difel, 1976, p.204.

[5A Plebe, 21 de julho de 1917.

[6HARDMAN, idem, p.350.

[7HARDMAN e LEONARDI, idem, p. 266.

[8Astrojildo Pereira, A Plebe, 04/06/1921.

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