Segunda 29 de Abril de 2024

Juventude

Considerações sobre a questão do pacto operário universitário

07 Jun 2007 | A universidade brasileira sempre foi extremamente elitista. Se em 2004 2,2% do total da população tem acesso à universidade, em 1961, segundo os dados do IBGE, esse percentual era equivalente a 0,14% da população; ou seja, 95,7 mil numa população de 70,7 milhões. Este extremado elitismo foi a base de uma demanda social pela democratização do acesso à universidade, que, em cada momento histórico da luta de classes no país, foi tratado de distintas formas tanto pelas classes dominantes como pelas classes exploradas e oprimidas da população. A questão do Pacto Operário-Universitário, ao mesmo tempo em que responde a essa demanda democrática, significa uma aliança estratégica, um verdadeiro pacto, entre a comunidade universitária, em primeiro lugar a massa estudantil, com as grandes massas que estão fora da universidade, com suas lutas e suas demandas imediatas e históricas.   |   comentários

O Pacto Operário-Universitário na perspectiva da luta de classes

O Pacto Operário-Universitário, em seus distintos níveis, está intimamente ligado à dinâmica da luta de classes, e à capacidade dos setores mais combativos de estudantes, trabalhadores e professores, em cada universidade, conseguirem conquistar posições na estrutura de poder das mesmas, ligando-as totalmente ou parcialmente como instituições ao movimento operário e suas lutas.

Em períodos de baixa intensidade da luta de classes como o que vivemos hoje no Brasil os momentos iniciais e elementares de um Pacto Operário-Universitário poderiam se expressar, por exemplo, caso setores combativos de estudantes, professores e funcionários das universidades públicas, impondo derrotas à burocracia acadêmica, conseguissem aproveitar pelos menos parcialmente a superestrutura das universidades para impulsionar uma campanha pela estatização das universidades privadas de modo a garantir o acesso livre e direto da classe trabalhadora e do povo pobre, em primeiro lugar dos negros, ao ensino superior gratuito e de qualidade.

Passos mais audazes no sentido do Pacto Operário-Universitário: a experiência de Zanon, na Argentina

Em períodos mais avançados da luta de classes, como por exemplo o vivido na Argentina após as jornadas revolucionárias de dezembro de 2001, já estão colocadas possibilidades mais avançadas de experiências de Pacto Operário-Universitário, como por exemplo o que pudemos evidenciar a partir da relação entre a fábrica de cerâmicas Zanon ’ ocupada e posta para produzir pelos trabalhadores sem os patrões em um estado do sul do país ’ e a universidade da região. Já há 5 anos Zanon se encontra sob gestão operária, em um enfrentamento permanente contra o Estado, a patronal e as forças de repressão, apoiando-se em uma aliança com os desempregados, a comunidade, setores universitários e sindicais combativos de todos os cantos da Argentina, e contando também com a solidariedade de setores da esquerda em vários países do mundo. Os operários de Zanon, sob a consigna de “Zanon é do povo” , seguem lutando pela estatização sem indenização e sob controle dos trabalhadores de modo a colocar a produção a serviço da construção de hospitais, escolas, habitações populares etc.

Nesta experiência, a universidade de Comahue, localizada próxima a Zanon, na medida em que a fábrica foi colocada para produzir sem os patrões, cumpriu um papel chave para além da solidariedade às reivindicações elementares dos trabalhadores ou à luta contra a repressão policial. Os estudantes e professores da Faculdade de Engenharia ajudaram os trabalhadores a planejar e controlar a produção; os da faculdade de economia ajudaram a planejar as finanças da fábrica; os de serviço social ajudaram as famílias que entraram em crise por terem que lidar com a difícil situação de ficar meses praticamente sem receber salário e em luta permanente etc. Ou sejam, os estudantes e professores colocaram o conhecimento produzido na universidade a serviço de fazer triunfar a experiência de Zanon, numa relação de troca e de síntese em que ao mesmo tempo ensinavam e aprendiam junto aos operários.

O sentido mais estratégico do Pacto Operário-Universitário

Nos momentos realmente agudos da luta de classes, com o enfrentamento aberto entre revolução e contra-revolução, a luta pelo Pacto Operário-Universitário, para além da essencial aliança nas mobilizações, significa também refletir e produzir em torno das grandes tarefas históricas da transformação social. Isso quer dizer, investigar e elaborar teórica e praticamente sobre tarefas democrático-estruturais (reforma agrária, emancipação da economia nacional em relação ao capital imperialista , reforma urbana, reforma educacional etc.) que a burguesia chegou a realizar nos países imperialistas mas que nos países semi-coloniais e atrasados ela foi incapaz, deixando-as nas mãos da classe operária; significa refletir e produzir sobre as tarefas de transição do capitalismo para o socialismo (estatização sem indenização e sob controle dos trabalhadores das indústrias e serviços essenciais para a população; planificação da economia de acordo com as necessidade da população, planos de desenvolvimento tecnológico estabelecidos por cientistas, pesquisadores, estudantes e as organizações operárias e camponesas.).

A universidade se divide frente à luta de classes

Numa situação de luta de classes aguda, as universidades vão necessariamente dividir-se, não só internamente, mas também entre elas regional e nacionalmente. Nas universidades em que os setores que se ligam à revolução e ao movimento operário forem hegemónicos e conseguirem neutralizar ou eliminar diretamente os setores que ficam ao lado da burguesia e da reação, poderão se constituir genuínos Pactos Operário-Universitários, nos quais a universidade como instituição se colocaria ao lado dos trabalhadores e da luta pelo socialismo. Mas, da mesma forma, também haverão universidades que serão bastiões da reação, como por exemplo a Universidade Mackenzie em 1968, que se constituiu em um centro organizador do chamado CCC (Comando de Caça aos Comunistas). E haverá as universidades que serão as expressões do nacionalismo burguês ou do reformismo que busca conter a luta de classes e conciliar “pacificamente” o movimento operário e a burguesia. Assim como também haverá aquelas onde, não podendo nenhum setor hegemonizar, estarÃo divididas ao meio ou em vários pedaços representando os distintos setores sociais em luta.

Aqueles que defendem uma universidade “crítica” , como se pudesse pairar acima das classes sociais, ou uma universidade “desenvolvimentista” , a serviço de um capitalismo “mais humano” , “nacionalista” e “democrático” , frente aos grandes embates da luta de classes, nos momentos de luta aguda entre revolução e contra-revolução, se não se ligam aos setores mais combativos do movimento operário e dos camponeses pobres, terminam servindo como instrumentos da reação, ou, mais cedo ou mais tarde, sendo massacrados por ela, como mostra o exemplo da Universidade de Brasília, criada pelo governo João Goulart em meio à etapa revolucionária aberta no país.

É necessário que a cada luta de resistência ou defensiva que se dá hoje em dia, além de colocar todas as nossas energias a serviço de que a luta se massifique e triunfe, nos coloquemos a tarefa de contribuir para que vá se forjando uma nova vanguarda, que se prepare para os momentos agudos da luta de classes quando amplos setores das massas se dispõem a lutar ofensivamente, para que surjam genuínos Pactos Operário-Universitários nas várias regiões do país; ou seja, instituições universitárias que estejam umbilicalmente ligadas ao movimento operário e à revolução. Hoje em dia, com o peso que têm as classes médias urbanas sobre o conjunto da sociedade, esta será uma aliança extremamente importante para o movimento operário na luta pela revolução socialista.

Sobre o projeto de “reforma universitária” de João Goulart

Assim como no caso de outras das suas “reformas de base”, também a reforma universitária proposta pelo governo João Goulart representava uma tentativa de silenciar as reivindicações democráticas das massas com uma política de concessões que longe estava de responder aos verdadeiros anseios dos trabalhadores e do povo pobre. Em relação à reforma universitária, a política de Jango constituía em um miserável aumento de vagas que, se em relação ao brutal caráter excludente da universidade naquele momento constituía uma “novidade”, continuava deixando a esmagadora maioria dos milhões de proletários, camponeses pobres e negros de fora do acesso ao ensino superior; e tinha como “universidade símbolo” a UNB, que, (pasmem) quando foi criada, ainda que de fato questionasse vários aspectos reacionários do ensino e da produção do conhecimento das universidades que existiam no país até então, foi fundada em 1962 através de um vestibular com 830 candidatos que resultou em 413 matrículas num país com mais de 70 milhões de habitantes (alguém pensou na palavra “elitista”?); e já em maio de seu primeiro ano de existência, o ideólogo-criador e primeiro reitor da UNB – Darcy Ribeiro, que posteriormente vai se tornar ministro da Casa Civil de Jango – encaminha o Plano de Implantação da UnB ao embaixador norte-americano Lincoln Gordon e solicita aos Estados Unidos ajuda financeira no valor de 14 bilhões de cruzeiros. Esse era o modelo de universidade “desenvolvimentista”, “nacionalista”, “reformista”, forjada numa situação de enfrentamento entre a revolução e a contra-revolução, que, infelizmente, muitos setores da esquerda até hoje reivindicam como uma referência a ser seguida.

A UnB, mesmo sendo um bastião do janguismo e das “reformas de base”, para a direita lacerdista e udenista era considerada um antro de “comunistas” e “marxistas”. Logo após o golpe, foi violentamente reprimida pela ditadura, sendo nomeados interventores como reitores e professores cassados.

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