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Teoria

PARTIDO

Do despertar político da juventude à necessidade de uma organização revolucionária

04 Jul 2013   |   comentários

Outra boa surpresa trazida pelas manifestações de massa Brasil afora – outra, porque a primeira foram elas mesmas – foi o início de um novo fermentar de uma ideia há muito desgastada e esquecida... a necessidade da organização política.

O fato é contraditório, e parece contrariar a imagem que se fez notória – do repúdio geral de amplos setores aos partidos organizados nos atos (mesmo sendo eles de esquerda e minoritários, e por isso mesmo; tratamos do tema num artigo recente – ver box na página 14).

1) A experiência de estar disperso, de estar “perdido na multidão”, de não conseguir fazer ouvir sua voz e nem sequer o sentido em que caminhar, enfim, de se sentir “ao sabor dos ventos”... Quem se sentiu assim, pode tirar por si próprio a conclusão, talvez contrária ao senso comum, porém indiscutível do ponto de vista da experiência histórica, de que quando as massas entram em ação, a necessidade da organização política se faz mais, e não menos, necessária.

2) Por mais que a massa dos manifestantes não enxerguem isso claramente logo de cara, o próprio sentimento difuso de rechaço aos partidos do regime político traz consigo a necessidade contraposta: mas, então, o que opor a eles? É claro que muitos dirão apenas “nada, oras”, ou então “a própria massa difusa”... Mas para além do entusiasmo momentâneo, para além de certo romantismo do instante, quantos não sentem que à organização dos “de cima”, da classe dos capitalistas e dos poderosos dessa terra, organização multifacetada e quase onipresente, quantos não sentem que a essa “organização”, em sentido o mais amplo possível, será preciso opor a organização firme e resoluta dos pequenos e muitos, ou então nada mudará de fato?

“Agora, afinal, estamos todos aqui! Mas então... e agora?”

3) É claro que para uma maioria, ao menos num primeiro momento, antes do anseio por se organizar, existe mais o desejo de lutar, de fazer coisas, ir a passeatas, protestar. Mas esse mesmo desejo é o embrião do anseio seguinte, por ampliar o alcance da luta, os seus objetivos, sua eficácia transformadora...

A ideia de que bastam algumas boas propostas, um bom manuseio das redes sociais (do Facebook) e a “ação direta”, para alcançar os objetivos populares – é uma ilusão atraente demais, irresistível quase para um tempo que acumulou tantos “bons e maus motivos” para desconfiar das organizações políticas, mesmo as de esquerda.

Recentemente, a profa. Marilena Chauí chamou, num debate realizado na USP, essa doce ilusão de “pensamento mágico”. E não foi sem inteligência que ela chegou a essa definição. Porém ali seu objetivo era condenar, do alto da sua autoridade acadêmica, o apoliticismo ingênuo dos jovens manifestantes... para tratar de conduzi-los de volta para baixo da asa da velha esquerda institucional reformista (em primeiro lugar, o PT e seus governos).

É claro que não podemos aceitar essa polarização, extremada na forma, mas no fundo superficial – entre o culto da “pura horizontalidade” e da “ausência de partido” (MPL), e o “culto” do partido burocratizado em máquina eleitoral, atuando por dentro da ordem institucional burguesa (Chauí/PT). Pois o que fica de fora dessa falsa dicotomia é precisamente a necessidade de lutar por uma organização revolucionária, por um partido que traga em seu programa a luta por uma sociedade sem classes, e portanto também sem partidos no sentido que eles tiveram até aqui.

4) Outro caso, já um pouco distinto, é o daqueles que mantinham certa “convicção apartidária” (não um rechaço difuso e quase inconsciente, mas certas opiniões formadas e mantidas há mais tempo), e que foram surpreendidos pela dinâmica dos acontecimentos em mais de um momento.

Como não sentir um “frio na espinha” ao ver as próprias convicções apartidárias, em geral vagamente libertárias e imbuídas de espírito de igualdade, sendo brandidas e manipuladas por setores logo identificados como de extrema direita – nacionalistas, intolerantes, racistas, homofóbicos e inimigos dos nordestinos? Como não sentir um calafrio, ao ver a facilidade momentânea com que essa “poeira de humanidade” pôde conduzir os preconceitos de tantos setores recém-despertos?

Para muitos, seguramente, o mesmo apartidarismo ingênuo não poderá persistir intocado. Sentirão, no mínimo, a necessidade de começar a distinguir melhor entre os partidos dos exploradores (os que fazem as leis e determinam os orçamentos contra o povo, e que mandam a polícia para impor a obediência e reduzir ao silêncio os que não aceitam), e os partidos dos explorados, que se lançam a organizar os oprimidos contra o estado de coisas em que vivemos.

5) Mas então até onde vai a conclusão sobre a necessidade de se organizar?

Uma coisa é se organizar para uma passeata, escolher um determinado bloco, umas bandeiras que parecem ser as mais justas, ou então ao menos justas o suficiente. Outra coisa já é agrupar-se para os dias que correm entre uma manifestação e outra... Basta um pequeno refluxo do movimento, um espaçamento maior entre as marchas ou a incerteza sobre a data da próxima, para trazer à mente a certeza de que deixar para escolher na hora o bloco ao qual se vai aderir, é muito pouco para quem já experimentou a necessidade e a verdade de lutar!

Mas daí a ligação entre a vida cotidiana e a vida politicamente ativa começa a se expor como uma necessidade intrínseca da própria luta. Em outros termos, a organização (“econômica”) da vida, e a organização (“política”) da luta, começam a mostrar sua ligação inesperada. O vínculo, sempre mascarado por todas as formas da ideologia dominante, entre a “economia” e a “política”, começa a se descortinar também “pela outra ponta”... Quer dizer, não apenas na afirmação, até banal, de que o poder econômico “manda” na política tradicional; mas na constatação seguinte (bem mais perigosa, no bom sentido) de que a insatisfação política mostrada nos protestos deve encontrar sua ligação com a organização cotidiana da vida, isto é, às estruturas econômicas onde cada um de nós exerce suas atividades sociais diárias – os locais de estudo, trabalho, moradia.

Se até aqui foi possível avançar através da força da ação direta de ocupar as ruas e praças, daqui para frente os limites desse tipo de ação também vão começar a se expressar cada vez mais claramente – como aliás tem acontecido nos diversos países em que as lutas de massas se iniciaram há mais tempo. A continuidade da luta, por si só, sem um programa claro, sem estratégia definida, tende a dissipar as energias antes que elas possam ser canalizadas para uma transformação mais profunda. Daí a necessidade de organizar o movimento a partir das estruturas; e daí a importância de a classe operária surgir como ator central, pois em suas “estruturas” é onde se produz e reproduz a vida, e portanto a partir dali o questionamento ao funcionamento da sociedade pode ser realmente radical.

6) Nesse ponto, já começamos a cruzar uma barreira importante. Organizar o movimento, organizar os revolucionários: é parte de um único e mesmo processo, mas não é o mesmo no plano imediato. Quem já não viu, sentiu, viveu as energias exuberantes que o movimento desperta quando são realmente as massas que saem à luta!

E quem, depois de participar de primeiras experiências em que a “massa” aparece tão claramente como “objeto de disputa” pelas distintas forças de classe, pelos distintos programas e ideologias, quem ainda pode, depois disso, negar a importância de um plano mais alto e consciente de organização?

Aliás, não é somente para combater os inimigos externos do movimento que se faz necessária uma organização em nível superior. Há problemas que surgem diretamente de dentro do próprio movimento. Afinal, é ou não verdade, que todo o discurso de “não temos líderes” e de que “o movimento é horizontal”, não impediu que um punhado de ativistas do MPL fossem recebidos pelas autoridades, e falassem ao público decidindo as pautas e métodos do movimento, sem que tenham sido eleitos em lugar nenhum, nem tivessem nenhum mandato claro a obedecer, sob pena de serem revogados pelos milhares e centenas de milhares que estavam em movimento?

7) E aqui começa, finalmente, a ficar claro que só há uma forma de evitar que os únicos setores realmente organizados, de forma séria e consistente, sejam os direitistas e os demagogos da classe dominante, ou então de outro lado os líderes conciliadores, que estão dentro das organizações de massas apenas para garantir que elas não “transbordem” a ordem existente – por exemplo, fazendo com que as maiores delas sequer participassem das grandes manifestações que ocorreram até agora.

Por tudo isso, a perspectiva pela qual lutamos é uma combinação de auto-organização das massas, a partir das estruturas e dos organismos de democracia direta criados no calor da luta, com a formação da organização política que ofereça uma direção clara, e possa disputar a consciência da maioria democraticamente por dentro daqueles organismos. Ou seja, buscamos sempre que o movimento estudantil e o movimento operário organizado entrem coordenados a partir da auto-organização, mas sabemos que sem uma corrente de centenas e milhares de jovens e um partido revolucionário com um programa e uma estratégia para vencer não será possível enfrentar os desvios que quer impor o governo, a burocracia e a mídia, que são fortíssimos, e sem nos organizarmos verdadeiramente se trata de uma intenção ingênua que subestima as forças do inimigo.

Essa organização em outro patamar, que agrupe os setores linha de frente, embasados num programa político – que defina claramente os objetivos – e numa estratégia política – que indique os caminhos, o “como” chegar até eles, se faz necessária pela própria forma que a luta de classes adquire quando se eleva ao plano da luta política.

Essa organização, que podemos chamar de comunista pelos seus objetivos e pelo seu sentido de existência, não pode ser menos do que um forte partido revolucionário, distinto em tudo de todos os partidos que aí estão, mas por isso mesmo ainda mais firme e resoluto; um partido revolucionário de combate, inteiramente a serviço da luta dos trabalhadores para tomar o poder e iniciar a construção de uma nova sociedade, no nosso país e em todo o mundo – uma sociedade verdadeiramente comunista, que ultrapasse todas as tragédias históricas vividas no século XX, e que ainda hoje mancham essa palavra.

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