Sexta 19 de Abril de 2024

Nacional

OCUPAÇÃO DA CÂMARA DE SP 14/8

Novamente sobre métodos e estratégia no movimento

22 Aug 2013   |   comentários

Como parte dos novos tempos que se abriram no país, um novo clima de debates também se instaurou na esquerda e entre os ativistas. São várias as discussões no movimento, e grande parte delas versam sobre a questão dos métodos e dos objetivos – nas ações práticas e para o movimento como um todo –, e isso é realmente alentador!

Como parte dos novos tempos que se abriram no país, um novo clima de debates também se instaurou na esquerda e entre os ativistas. São várias as discussões no movimento, e grande parte delas versam sobre a questão dos métodos e dos objetivos – nas ações práticas e para o movimento como um todo –, e isso é realmente alentador!

A última controvérsia entre a vanguarda do movimento em SP foi em torno à ação na Câmara Municipal de SP no dia 14/08.

Ao contrário do que acreditam muitos ativistas, que condenam as discussões entre tendências como um mal em si, ou algo que enfraquecesse o movimento, acreditamos que ela é fundamental e contribui para o espírito crítico e autocrítico sem o qual nenhum movimento dos explorados pode escapar à manipulação ideológica da classe dominante. A discussão entre correntes não serve apenas para esclarecer os militantes envolvidos, mas ao contrário, se acompanhada com serenidade, ajuda a amadurecer o conjunto da vanguarda, e por essa via, o movimento como um todo.

O que se deu no dia 14/08 em SP

O companheiro Bof, militante da Juventude Às Ruas (LER-QI + Independentes), relata assim o final do ato, após o momento em que os setores ligados ao governismo foram para a ALESP, e o restante se dividiu entre os que se dispersaram na Praça da Sé e os que seguiram para a Câmara Municipal: “Aos que conhecem, o corriqueiro: Bombas, estilhaços, tiros, gás pimenta, repressão. Alguns foram presos e entraram para o rol dos perseguidos, como muitos nas favelas e periferias, e também nas universidades como USP, Unesp e UNIFESP. Ao lutarmos, hoje, gritamos ‘CADÊ O AMARILDO, PM ASSASSINA?’ e nos dirigimos, coletivamente, com diversos grupos à Câmara Municipal.
Por lá havia a Juventude Às Ruas, os Black Blocs, independentes, gente do PSTU e da ANEL. Fomos reprimidos e, numa situação interessante, dentro da câmara, já estavam negociando em nome do movimento, PSTU e seus militantes que chegaram ANTES à câmara”
.

Um militante do PSOL (MES/JUNTOS) descreveu a ação assim: “causou enorme estranhamento a postura da ANEL/PSTU durante o ato e, especialmente, no final, quando seus militantes saíram da manifestação para organizar, sozinhos, uma ‘ocupação’ da Câmara de Vereadores de São Paulo. Tratou-se de um ato planejado, organizado e executado somente por este setor, por fora do movimento, com vistas à autoproclamação de que a ‘ANEL/PSTU ocupou a Câmara’.

Ou seja, visto por distintos setores, o modus operandi do PSTU ficou claríssimo: tentou fazer uma ação que parecesse radical e os colocasse na “linha de frente” do movimento, sem qualquer articulação prévia ou objetivo político comum com o restante do ato. Ao mesmo tempo, a aparência de radicalidade não conseguiu “emplacar”, e na verdade quem teve de se enfrentar com a polícia foram os demais setores, enquanto o grupo previamente destacado pelo PSTU pôde entrar na Câmara e conquistar o objetivo nada radical de uma audiência pública para o dia 22, ao que tudo indica já previamente negociada também. Mas por que tanto barulho por nada?

O PSTU tenta se explicar

Nas palavras de um dirigente de sua juventude, o PSTU inicia sua nota explicativa tentando se colocar como “vítima”:

”A juventude do PSOL armou uma enorme e desproporcional guerra política contra o PSTU. Algum desavisado, se tomar contato com todas as acusações, poderá concluir que o dia 14 foi uma grande derrota do movimento”.

A polarização do argumento já denuncia: é claro que não foi uma “derrota” do movimento, porém a própria maneira de falar evidencia a “má consciência” dos que a conduziram.

A ação da juventude do PSTU buscava, a olhos vistos, tentar reverter a impressão negativa deixada por sua polêmica recente contra os Black Blocs. Se no período anterior fugir dos enfrentamentos foi uma marca registrada do partido no seio da reduzida vanguarda brasileira, agora pela via da polêmica com os Black Blocs o PSTU mostrava, a despeito dos argumentos abstratamente corretos (do ponto de vista doutrinário), seu grau de adaptação ao regime e sua falta de sensibilidade com o espírito de rebeldia da juventude, porém agora em escala ampliada, segundo as novas proporções que a vida política assumiu no país depois de junho. Percebe-se que, do ponto de vista do PSTU, as “ações radicais” de ocupação das câmaras e assembleias legislativas Brasil afora foram ações arquitetadas para tentar melhorar essa imagem – ainda que muitos jovens tenham participado dessas ações com um real espírito de enfrentamento.

É chamativo que tais ações tenham redundado em questionamentos ainda maiores ao partido.

A estratégia do PSTU com relação a esse tipo de ato se reduz, basicamente, a fazer aparecerem suas bandeiras. Isso não é um problema “de todos os partidos”, como muitos ativistas são levados a acreditar – como se o fato de ser um partido levasse necessariamente a esse comportamento. O problema está na estratégia específica desse partido específico, uma estratégia que deposita o grosso das suas energias em buscar um lugar na “superestrutura”, seja pela via de ocupar cadeiras nos sindicatos, seja no vale tudo eleitoral por uma bancada parlamentar, seja, simplesmente, na tentativa de aparecer na mídia a qualquer custo. Nem que seja passando o trator por cima da sensibilidade de uma juventude que recém desperta para a política e precisa ter sua confiança conquistada antes de assumir a defesa de qualquer partido.

Por isso achamos que, se é visível para amplos setores o “aparatismo” do PSTU, de nossa parte achamos importante agregar que se trata de um aparatismo eleitoreiro, no fundamental.

A crítica do ‘Juntos’: argumentos democráticos que não tocam o fundo do problema

É claro que a crítica do Juntos! ao PSTU, apesar de se basear na questão concreta do extremo burocratismo e artificialidade de sua ação, termina sendo mesquinha. Nem é preciso ir fundo nas “entrelinhas” para ver que o principal motivo da crítica é que o acordo para a “ocupação” não tenha sido feito antes com o próprio Juntos... Bastaria o PSOL ser “consultado”, e daí a ação tão duramente condenada passaria a ser considerada “por dentro do movimento”.
Mas não poderíamos esperar mais do que uma crítica superficial ao movimento tático, uma vez que o Juntos (MES/PSOL) não se encontra em posição de fazer uma crítica dos fundamentos que levaram à ação atrapalhada. De fundo, não existe entre ambos diferença estratégica fundamental, para além do fato de que o MES/PSOL esteja ainda mais moldado pela matriz petista comum a ambas as organizações – ainda que o PSTU tenha o mérito de ter saído do PT desde o início dos anos 1990, enquanto o MES é da leva que se manteve dentro até o governo Lula.

Essa “matriz”, que muitas vezes definimos como um verdadeiro “modo petista de militar”, que ainda impregna a maioria da esquerda brasileira, inclusive os que se consideram revolucionários, se expressa por distintas vias, mas podemos resumir como uma estratégia de ocupar espaços dentro do regime burguês, ou então de buscar fazer pressão sobre esse regime esperando por respostas por dentro dele, sem uma real perspectiva de superação das instituições burguesas por uma verdadeira democracia de massas baseada no poder proletário.
Dentro desse “modo petista”, a estratégia é de pressão parlamentar, o fundamental é só aparecer a bandeira na TV e depois pedir o voto nas bases.

No caso do PSOL, e isso vale para suas correntes internas (Juntos/MES, Enlace-CSOL, CST, etc), o impacto do reformismo sobre sua estratégia é inclusive direto, e sua adaptação sem limites ao regime se expressou, por exemplo, no RJ, onde o PSOL ocupou a câmara apenas para promover seu parlamentar Eliomar Coelho, como alternativa para a presidência de uma CPI. Enquanto voltam as costas ao movimento de massas, são sempre os campeões das CPIs e demais meios legais e parlamentares de pressão, pois não acreditam na força da juventude e dos trabalhadores.

De conjunto, uma concepção política em que a prioridade é sempre a "superestrutura" (eleições, aparatos), tomados como fins em si mesmos, em detrimento da energia para a construção nas bases, para ampliar a politização em cada escola, universidade e local de trabalho, para atos mais fortes, politizados e com maior capacidade de trazer realmente vitórias para o movimento, forjando uma vanguarda orientada estrategicamente.

Da forma ao conteúdo

Voltando ao argumento de defesa do PSTU, e já ultrapassada a crítica restrita à forma antidemocrática da ação desse partido realizada pelo Juntos/PSOL, busquemos lançar mais luz sobre o conteúdo político concreto da ação de 14/08.

Ao final de seu raciocínio, o companheiro do PSTU tenta apresentar um argumento redentor decisivo: “a ocupação foi uma grande vitória. (...) A ANEL bancou a ação sozinha, mas a vitória é de todo o movimento.”
Deixemos de lado o cinismo de que “a ANEL bancou a ação sozinha”, frase lamentável para todos os que tiveram de se enfrentar contra a repressão, bancando eles sim a ação sem estar sequer informados do objetivo da ação. E ainda mais ofensiva para nós da Juventude Às Ruas, que sequer fomos informados da ação que seria feita em nome da ANEL que construímos no dia a dia – o que só mostra mais uma vez como o PSTU trata a ANEL como uma “colateral” do partido, e não como um organismo vivo construído com outros setores da juventude.
Deixando isso de lado, o que sobra? Um argumento de eficácia, no sentido de “se os meios não te parecem ter sido os melhores, ao menos reconheça que o resultado foi bom”.

Nosso autor quer encerrar o caso apresentando como “grande vitória” o agendamento de uma audiência pública na Câmara Municipal para tratar da questão dos transportes – num momento, aliás, em que claramente o centro político deveria estar no combate ao governo estadual tucano, denunciado por seus próprios comparsas (no caso, a alemã Siemens) pelas negociatas em que o Estado burguês atua diretamente como instrumento das fraudes e partilhas do patrimônio público pelos abutres imperialistas.

A ação tática por fora de uma estratégia correta, e a visão estreita que deriva disso, levam a que o PSTU ache que indo à câmara ele golpeia o PT, enquanto a cordialidade com que o presidente da câmara José Américo recebeu e aceitou a audiência pública evidencia como essa política também serve ao PT, que quer colocar seus parlamentares para discutir um problema que atinge principalmente o PSDB.

Para além dessa discussão, o que se vê de comum tanto na ação do PSTU em SP, como na do PSOL no RJ, e de ambos Brasil afora, é uma combinação de ações que nem sequer se diferenciam tanto assim das que as entidades governistas como UNE e CUT fazem aqui e ali. No fim das contas, ocupações controladas para efeito midiático.
Inclusive, se não ficou até aqui, que fique clara uma diferenciação importante: o PSOL sair cantando vitória de CPI e qualquer coisa que sai do balcão de negócios da burguesia a gente entende, pois estão muito próximos do reformismo e acreditam mais no parlamento burguês que na força dos trabalhadores e da juventude, mas o PSTU tem que levar a cabo sua estratégia se quer continuar se afirmando como um partido revolucionário.

E agora? Perspectivas para o movimento

De uma forma ou de outra, a agenda do movimento, que tem um grande desafio pela frente no dia 30, passa agora também por definir sua atitude ante o dia 22.

Como se vê pelo desfecho da nota do PSTU citada, depois da trapalhada do dia 14 o partido está bastante preocupado em convencer os companheiros do PSOL a “encampar” um novo ato no dia 22 (bem diferente do que seria se de fato se tratasse de uma vitória do movimento, que obrigaria qualquer corrente que não quisesse cometer suicídio político, a participar do próximo ato).
No entanto, a discussão entre essas duas correntes, que são importantes principalmente do ponto de vista da intervenção do movimento estudantil nos próximos atos, já que ambas dividem o DCE da USP, segue se mostrando uma discussão mesquinha, que no fundo fica no âmbito da “superestrutura” das correntes, do “quem consultou a quem”, sem qualquer preocupação séria com a construção de um fórum democrático para organizar o movimento. E o que é pior, totalmente de costas para a necessidade de ligar a realização dos atos à auto-organização dos jovens e estudantes a partir de seus locais de estudo, trabalho e moradia, como o que a Juventude Às Ruas vem defendendo desde junho.

Esse contraste, entre uma perspectiva de impulsionar a construção pelas bases e a auto-organização, por um lado, e a mera disputa burocrática de aparatos, por outro, se mostra com tudo no movimento estudantil da USP.

O DCE da USP, hegemonizado pelo Juntos/MES , aprovou uma nota em que corrobora as críticas táticas à ação do PSTU no dia 14, e sequer convoca o novo ato no dia 22 que derivou daquela ação. Ao que parece, o PSTU que compõe a mesma gestão, chegou a se retirar da reunião que aprovou a tal nota. Depois disso, cada setor buscou organizar uma reunião “sua” para reordenar o movimento, enquanto a Assembleia dos estudantes da USP, o verdadeiro espaço onde se deveria deliberar sobre os próximos passos, inclusive a participação ou não no dia 22 e sobretudo o conteúdo político dessa participação (qual será nossa tática perante a audiência, quem serão nossos representantes ali e o que eles dirão?), está agendada para o dia 21, sem que nenhuma das correntes que compõem o DCE deu peso para convocar seriamente esse espaço democrático.

Se os estudantes da USP comparecessem em peso ao ato, organizados a partir dos cursos e faculdades, o movimento certamente ganharia um novo impulso e toda a situação política poderia voltar a mudar.

Conclusão

Se o ruim é ver os mesmos erros do passado serem repetidos, o bom é ver que a situação mudou. Vários movimentos acontecendo pelo país com demandas progressistas, com as organizações de esquerda participando e tendo que colocar sua política à prova da experiência da vanguarda e setores das massas.

Nas diversas ocupações que ocorreram em todo o país, fossem elas bem ou mal sucedidas, se expressou claramente o anseio da juventude por que o “espírito de junho” volte a se manifestar em grandes ações de massas.

Além de SP e RJ, também em Natal, Porto Alegre, Belo Horizonte e outras capitais e cidades importantes do país, centenas e milhares de jovens se manifestaram, e o processo de politização de camadas cada vez maiores da juventude prosseguiu seu curso, sendo que em um setor o direcionamento do protesto aos órgãos do poder público representou um avanço.

É com base nesse setores de juventude, especialmente aqueles dispostos a acompanhar as discussões entre as correntes do movimento e tirar suas próprias conclusões em vista de construir uma alternativa de fato revolucionária, que o movimento poderá realmente avançar e alcançar um novo patamar político e orgânico.

A Juventude Às Ruas, junto à LER-QI e demais correntes e agrupamentos de trabalhadores que impulsionamos, está inteiramente voltada a essa perspectiva, assim como ao diálogo com todos os militantes da esquerda interessados em levar até o final as discussões estratégicas e programáticas que necessitamos para construir uma verdadeira alternativa à altura das aspirações que as massa brasileiras puseram em movimento de junho para cá.

O que precisamos é de uma estratégia revolucionária para vencer!

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