Segunda 29 de Abril de 2024

Juventude

A luta de classes no ano 1968 e o movimento estudantil

07 Jun 2007   |   comentários

Como é possível compreender a irrupção do movimento estudantil em todo o mundo no ano de 1968? Em primeiro lugar, não é, embora boa parte de seu imaginário assim o coloque, simplesmente um marco da irrupção dos estudantes no cenário político nacional de um sem número de países, especialmente nas barricadas de Nanterre, ocupações de universidades e nas portas de fábrica francesas. O grande motor de todos os fenómenos gerados nesse ano será o fim do ciclo económico que a burguesia dos países imperialistas havia alcançado como resultado da II Guerra mundial. O final dos “anos dourados” deste capitalismo em crise enfrentará uma terceira grande onda revolucionária em todo o mundo: a luta antiimperialista dos países coloniais como a Argélia e o Vietnã (primeira grande derrota política e militar dos EUA), os desenvolvimentos da revolução cubana de 1959, a primavera de Praga na Tchecoslováquia e a crise dos partidos stalinistas no Leste europeu serão algumas marcas abertas nesse período.

Diferentemente das duas outras ondas revolucionárias anteriores que surgiram após as grandes guerras, se deu ao final de um ciclo de crescimento capitalista bastante longo e isto fez com que o ascenso desta vez tenha se caracterizado por uma extensa intervenção do proletariado industrial e por uma menor radicalização política das massas em relação às anteriores, como se pode ver quando não existiram revoluções “clássicas” .

O filósofo e militante trotskista Daniel Bensaïd, que iniciou sua vida política justamente nessa época, nos relata que: “Em 1968, aproximávamo-nos sem saber do fim dos “trinta gloriosos” (mais de um quarto de século de crescimento). Nós estávamos numa situação de quase pleno emprego (menos de 200 mil desempregados de curta duração, se a memória não me falha) por isso sem grandes inquietações relativamente ao futuro. Os temas iniciais do movimento eram a crítica da função ideológica da universidade e particularmente das “ciências humanas” (inspirados na experiência da Universidade Crítica de Berlim), a crítica da sociedade de consumo e do espetáculo, a crítica da vida cotidiana (Henri Lefebvre) e da repressão sexual, e sobretudo a solidariedade internacional contra a guerra do Vietnã (a guerra da Argélia e a revolução cubana tinham marcado a experiência desta geração), mas também com os estudantes poloneses em luta contra a burocracia. Daí que a jornada de portas abertas organizada uma semana depois da data simbólica do 22 de Março na Universidade de Nanterre (que não reuniu mais do que 400 ou 500 estudantes) estava organizada em comissões sobre estas questões internacionais, sobre a solidariedade com as lutas operárias que conheciam uma retomada e sobre a imigração. O movimento definia-se a partir daí como um movimento político anti-imperialista, anti-burocrático e anti-capitalista) tanto como um movimento reivindicativo ou sindical” [1].

Pode-se dizer, portanto, reafirmando certas premissas fundamentais das quais se extrai que o movimento estudantil é “caixa de ressonância” dos fenómenos da luta de classes, que é necessário ainda reconhecer que a sua irrupção nesse período se deu, pois foi acompanhada por uma mudança estrutural do sistema capitalista em diversos países e também na sua estrutura educacional. Em primeiro lugar nos países centrais e de forma mais ou menos semelhante nos países semicoloniais, a universidade deixou de se restringir a burguesia para abarcar um setor relativamente massivo na paisagem social. Será este o novo movimento estudantil que surge com o final do “boom” do pós-guerra que assumiu um papel importante nos processos das grandes lutas operárias [2].

Na América Latina a crise capitalista assumiu a forma das ditaduras militares. No Brasil, o importante movimento de massa e revolucionário desenvolvido por anos a fio é derrotado pelo golpe de 1964. Fruto da falência política das direções do proletariado, a enorme ação política de resistência, principalmente no movimento estudantil, assumirá uma forma dramaticamente insuficiente para o cenário que se abria. De 1964 a 1968, esse movimento estudantil, deixará fragmentos de exemplos programáticos que nos devem servir de base para a reflexão política e estratégica de como pode o movimento estudantil reassumir e ultrapassar a estatura que possuiu nesses difíceis anos.

[1Daniel Bensaïd, entrevista concedida originalmente à revista ERRE ligada à corrente “Esquerda Crítica” do Partido da Refundação Comunista da Itália, traduzida para o português pela revista Combate (Portugal), publicada na revista eletrónica Marxismo Revolucionário Atual.

[2Para uma análise da mudança da universidade e dos estudantes nesse período do capitalismo do pós-guerra ver Ernest Mandel A mudança no papel da universidade burguesa, discurso na Rijks Universiteit, junho de 1970.

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