Quinta 2 de Maio de 2024

Nacional

LULISMO

Para onde vai o proletariado brasileiro? Reflexões sobre os ombros dos intelectuais governistas

26 Nov 2010   |   comentários

O governo Lula com sua imensa popularidade se constituiu como um imenso desafio político para a esquerda e seus intelectuais. Como afirma Carlos Nelson Coutinho do PSOL, foi uma esfinge que nos devorou por não a ter decifrado. Como um governo com diversos aspectos comuns com FHC e a vários governos sociais-liberais pode, ao contrário destes, manter tamanha popularidade e eleger sua sucessora? A votação de Dilma repetindo com pequena diminuição os mesmos votos de Lula nas principais concentrações operárias e nos locais mais pobres do país aponta para o fortalecimento da reflexão se o lulismo seria um fenômeno duradouro ou não e a que cenários deveríamos nos preparar.

Os intelectuais ligados ao PT e ao lulismo apontam que se trataria de um fenômeno duradouro, um ciclo longo, uma Era Lula (tal como a Vargas) ou até mesmo o estabelecimento de um piso mínimo de debate e políticas sociais (valorização do salário mínimo, redução da desigualdade, Bolsa Família) que tornariam seus aportes tão indeléveis como de um Roosevelt aos EUA. Junto à tese do ciclo longo marcam imensas descontinuidades com FHC e apontam para um fortalecimento dos trabalhadores. Do outro lado diversos intelectuais ligados à esquerda apontam corretos elementos de continuidade com FHC e com a ofensiva neoliberal e se debatem em como com isto conseguiu tamanha popularidade e quais seriam as conseqüências para o proletariado e que falta de perspectivas abriria à esquerda. A correta apreensão das mudanças e continuidades operadas por Lula e que contradições se acumulam no proletariado por trás dos discursos exitistas dos governistas e do pessimismo e falta de perspectiva da maioria dos intelectuais da esquerda é o grande desafio da esquerda revolucionária. Com este artigo queremos aportar neste debate focando na situação objetiva e subjetiva do proletariado sob o governo Lula e apontar algumas perspectivas em debate com os intelectuais ligados ao governismo.

A meia-verdade (ou inteira mentira) do discurso intelectual governista

Evocando vários retratos da realidade os intelectuais afins ao PT e ao governismo procuram descrever uma parte da realidade. E a descrevem bem. Falta a descrição das outras partes e de onde viemos e para onde vamos. Entre os principais intelectuais petistas poderíamos destacar Emir Sader e Pochman (diretor do IPEA) como eminentes exemplos desta operação. Outros intelectuais governistas como André Singer sem deixar de enfatizar a “metade bonita” apontam algumas contradições e apostam tal como os outros em um avanço gradual e mecânico da realidade nacional à esquerda seguindo à condução de Lula, de Dilma e até mesmo da burocracia sindical governista. A Singer e suas hipóteses de avanços não só do governismo mas da luta de classes, dedicaremos uma discussão à parte.

Poderíamos resumir o discurso intelectual governista como uma apreensão do governo Lula, particularmente em sua relação com a classe trabalhadora e as massas, como algo histórico, tendo o ex-metalúrgico contribuído para a classe trabalhadora retomar no mínimo o patamar pré 94, senão o de 80 ou 64. Lula inauguraria um novo ciclo político (longo, comparável talvez à era Getúlio) e seria, seguindo Sader um aprofundamento “das transformações que tem feito o Brasil ser um país mais justo, solidário e soberano” [1] .

Estaríamos diante de um novo ciclo fundamentado em redução da desigualdade, da pobreza, recuperação da importância e protagonismo da classe operária e movimentos sociais como querem? O governo Lula surfando em excepcional situação econômica mundial haveria feito retroceder o retrocesso até que ponto? Se apoiando no quê e com quais contradições?

Flávio Tonelli e Antônio Carlos Queiroz do DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) em “Trabalho e sindicalismo no governo Lula” [2] flertam com a idéia de que o governo Lula haveria sido um governo sem precedentes em relação ao movimento operário afirmando, que “talvez o período desses dois governos do presidente Lula seja marcado como aquele em que o acesso ao Presidente da República, a facilidade de crédito dos assalariados, a formalização do trabalho e a distribuição de renda, combinados com a democracia política, tenha sido o mais favorável à classe trabalhadora e as suas organizações sindicais.” [3]

Lula foi mais acessível que FHC, mas este argumento encobre o fato que, se Lula não primou pelo uso da força policial contra as greves, foi também o mesmo governo que atacou o direito de greve do funcionalismo. O argumento de formalização do trabalho e distribuição de renda são os argumentos que mais utilizam os governistas é a eles que temos que nos dedicar.

Estes autores remarcam como o nível de trabalhadores com carteira assinada (os formais, sem levar em consideração se são temporários, terceirizados ou precários) alcançou o nível de 51,1% da população economicamente ativa ocupada em abril de 2010 contra os cerca de 43% no ponto mais baixo de FHC. A evolução de 2004 a 2010 foi expressiva, fruto de um saldo positivo (os empregos criados menos os fechados) de 11,75 milhões de postos de trabalho formais entre 2003 e 2009. Um tremendo avanço argumentam, no entanto, seu próprio gráfico para ilustrar o “avanço” mostra que antes de Collor, em 1990, o nível era de 60%! Se a economia continuasse crescendo e havendo recuperação do emprego formal no ritmo de 2004-2009 alcançaríamos 1990 (ou seja a situação pós década perdida de 1980) em 2017...haja ciclo longo!

No governo Lula, argumentam, teria ocorrido um aumento do salário mínimo sem precedentes e que em dólares estaria equiparado aos níveis de 1964 como quer Singer [4]. No entanto, o DIEESE, órgão insuspeito de anti-governismo, oferece o seguinte quadro para o salário mínimo real no município de São Paulo, levando-se em consideração a inflação e os custos dos bens de primeira necessidade.

VER GRÁFICO AO LADO

Segundo os dados do DIEESE não estaríamos de volta ao patamar de antes do golpe empresarial-militar mas ao nível pré-Cruzado, já tendo amargado o arrocho da ditadura. Para chegar ao nível que Singer argumenta que estaríamos, precisaríamos, seguindo o ritmo lulista de aumento médio de 6% do salário mínimo real ao ano, em 2024! Novamente, haja “ciclo longo” no país para conseguir esta recuperação do atraso neste ritmo.

A valorização do salário mínimo encobre ainda a absoluta estagnação do salário real dos trabalhadores como um todo. Os mesmos Tonelli e Queiroz [5] mostram uma evolução do salário real médio entre 2002 e 2010 de R$ 1378,63 a R$ 1416,94, um aumento de R$ 38,31. No mesmo período os lucros dos bancos e das grandes empresas multiplicou diversas vezes, este é o Brasil mais justo de Sader?

Os estatísticos afins ao governo esforçam-se para mostrar o aumento da participação dos salários no PIB, no entanto, como os salários reais estão praticamente estagnados e a única coisa que avança é o salário mínimo o índice de GINI tem evoluído muito lentamente, chegando a 0,553 (0 seria igualdade absoluta, e 1 desigualdade absoluta), mesmo índice de 1980 [6]. Uma recuperação para chegar no mesmo nível do que era depois do violento arrocho salarial da ditadura. E o próprio Singer reconhece que este avanço no índice de GINI ocorreu ao mesmo tempo que houve crescimento dos ricos e milionários, a redução da desigualdade se deu devido ao aumento dos mais de baixo e perda de renda da classe média e não dos mais ricos [7] . Sader diria que é um avanço justo, a classe média perder enquanto os milionários estão mais ricos ainda?

A meia verdade argumentada pelo IPEA e outros não pode encobrir os fundamentos neoliberais não contestados por Lula. A classe operária teve aumento do salário mínimo e no nível de emprego, no entanto, ainda amarga uma herança maldita da ditadura e de FHC, agora posta em funcionamento a todo vapor sob Lula. Esta herança, e as contradições que trás consigo no marco de uma subjetividade reformista de cada vez querer mais empregos, salários e consumo são, basicamente:

1 – fim da estabilidade no emprego e criação do FGTS (como compensação ao desemprego e rotatividade no trabalho) – herança maldita da ditadura.

2- alta rotatividade no trabalho, em 2010 espera-se a criação de 18 milhões de empregos, e fim de outros 16 milhões. O Brasil tem imensa rotatividade do trabalho, contribuindo para precarização do trabalho – herança da ditadura, de FHC e de Lula

3 - Trabalho temporário e banco de horas – herança da lei 10.101/2001 de FHC

4- Trabalho parcial, dispensa temporária – os “lay-offs” utilizados em 2008 – MP 2164 de FHC.

5 – Fator previdenciário – reduzindo a aposentadoria dos que começaram a trabalhar mais cedo – herança de FHC garantida por Lula que vetou lei que terminava com este fator.

6 – lei da PLR – deslocando a discussão dos salários e necessidades da classe trabalhadora para as metas de produção e das categorias às empresas – herança de FHC garantida por Lula, CUT, Força Sindical [8].

Esta é retomada de níveis pré-ofensiva neoliberal? Os estatísticos do governo contam só meia verdade, a verdade que é observável nos níveis de generalização de renda e emprego nacionais. No chão de cada fábrica as premissas neoliberais estão garantidas e é sob sua base que as empresas lucram cada vez mais e marginalmente concedem aumentos salariais. Há um pacto social informal, que os empresários ganhem cada vez mais e aos poucos distribuam um pouquinho do bolo, é isto o que Lula e seu séquito sindical garantem. Um influente ministro da ditadura falava que “era preciso primeiro crescer o bolo para depois distribuí-lo”, este ministro, Delfim Netto, hoje apóia o governo. Por que será? Com a ajuda de Lula, da CUT, Força Sindical, CTB e destes intelectuais estão vendendo seu velho plano como se fosse um avanço da classe trabalhadora.

Moradia, terra, violência, segurança no trabalho: retratos avançados do avanço do retrocesso sob Lula

Os intelectuais do lulismo centram seu argumento onde podem oferecer uma meia verdade, na renda e emprego. Em outras questões chave para compreensão se houve melhoria nas condições de vida dos trabalhadores nem tocam, não é à toa. O governo Lula caracterizou-se por um retrocesso ou estagnação em diversas áreas como moradia, terra, violência contra os negros em muito estimulada ou diretamente feita pela polícia, e segurança no trabalho.

Lula e Dilma alardeiam como “enfrentarão o déficit habitacional” através do “Minha Casa Minha Vida”. A meta deste projeto é a construção de 1 milhão de moradias até 2014, reduzindo o déficit habitacional em 14% [9]. Ou seja, para se haver definitivamente com um déficit de 7,9 milhões de moradias os trabalhadores no Brasil precisariam aguardar até 2042! Este plano do governo Lula e de Dilma é um plano que favorece as grandes construtoras e bancos financiadores e não uma garantia de condições de vida, e garantia de segurança à população exposta anualmente a enchentes e desmoronamentos evitáveis. Há mais do que plena condição de assegurar moradia, segundo o IPEA, nas Regiões Metropolitanas de Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Baixada Santista, Campinas, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre há mais imóveis vagos do que déficit habitacional [10]. Expropriando os imóveis vazios só nestas regiões, de uma vez só, garantiria-se uma redução de quase 100% do déficit nacional.

No campo o quadro é ainda mais assustador. Lula, sem oposição do MST que ainda chama voto em Dilma “contra o retrocesso”, conseguiu um feito único que deve servir de tese de pós-doutorado na química: como aumentar a concentração de algo muito concentrado? Lula ensina. Conseguiu piorar a concentração de terras. O índice de GINI no campo era de 0,842 em 1960 e hoje é de 0,854, mais algumas décadas assim e hipoteticamente conseguiríamos o feito da concentração absoluta com um só dono de todas terras [11]. O preferido de Lula para a tarefa seria Blairo Maggi, rei da soja e do desmatamento do centro-oeste, ou Eike Batista rei das propriedades no nordeste para procurar petróleo e das faixas costeiras do Sudeste para instalar portos?

Há intensa gritaria na mídia para consolidar uma hegemonia das classes médias e dos trabalhadores mais bem pagos junto à burguesia contra os pobres, particularmente os moradores de morros e favelas. A coroação destes “avanços” seria, segundo a grande mídia burguesa e a própria Dilma, as UPPs do Rio de Janeiro. Estas unidades de “pacificação” como dizem em seu nome, são uma declaração de guerra, especificamente contra os negros. A taxa de homicídios no país tem caído comemoram os governos, o Cidade Alerta e programas correlatos, no entanto, alerta o IPEA, esta queda é fruto de uma queda de 24,1% entre brancos e aumento de 12,2% entre negros [12] .

Toda intensa discussão de segurança encobre seus fundamentos racistas com este aumento dos assassinatos de negros, com taxas oficiais de “autos-de-resistência” superiores a 20% em diversos estados. Estes são os números racistas de uma burguesia e um
Estado herdeiro da Casa Grande. Mais oculta ainda que os assassinatos contra de negros é a situação dos trabalhadores mortos e mutilados diariamente pela sanha capitalista. Sob Lula, em 2009, morreram 2845 trabalhadores em seus trabalhos e ainda outros 9389 foram mutilados ou sofreram incapacitações permanentes, segundo os dados oficiais inconclusos [13] . Ou seja, no país mais justo e solidário de Emir Sader, a cada 43 minutos algum trabalhador é morto ou mutilado trabalhando. Onde está o “peão alerta” na TV? Isto porque o Brasil está avançando sob a direção de Lula, imaginemos se estivesse retrocedendo...

Contra as visões de derrota estrutural do movimento operário e das felizes conclusões sobre seu fortalecimento subjetivo

A expansão da economia bem como alguns projetos do PAC levaram a uma maior nacionalização da classe trabalhadora. Se alguns elementos como as fábricas de Camaçari, Bahia ou a Zona Franca de Manaus são herdeiras da ditadura e de FHC o governo Lula fortaleceu esta tendência em outros estados como Pernambuco e Ceará. Diversas empresas migraram ou abriram novas unidades em estados fora do centro-sul buscando explorar uma força de trabalho mais barata. A FORD e outras empresas em menos de dois anos foram surpreendidas por fortes greves do proletariado bahiano e hoje pagam praticamente os mesmo salários que no ABC. Esta nacionalização não tem conseguido por hora levar a uma redução dos níveis salariais nos setores mais concentrados e históricos da classe trabalhadora. Se não há elementos para argumentar um avanço também não há para argumentar um retrocesso.

Há um inegável fortalecimento objetivo da classe trabalhadora, e inclusive do proletariado industrial, mesmo que em menor medida, há mais e mais proletários e esta classe é mais nacional se compararmos ao menos com 2002. Este fortalecimento objetivo abre hipóteses não só de maiores possibilidades de hegemonia proletária em um novo ascenso operário como também marcar tendências mais nacionais ao mesmo, potencialmente mais sincrônico e mais nacional. Negar a realidade, tal como o faz Franscisco de Oliveira, não arma a esquerda a compreender o proletariado tal como está e suas contradições. O eminente professor da USP e militante do PSOL, defende que “as classes sociais desapareceram: o operariado formal é encurralado e retrocede, em números absolutos, em velocidade espantosa, enquanto seus irmãos informais crescem do outro lado de também de maneira espantosa.” [14]

Também não contribui a visão otimista que tem André Singer que se apóia não só no fortalecimento objetivo do proletariado como argumenta que este movimento operário atual, com estes níveis neoliberais de sindicalização e marcado por profunda divisão entre precários e terceirizados e efetivos, e ainda com as atuais direções conciliadoras, quando não gestoras do capital através de fundos de pensão, avança. Para o professor de ciência política da USP os avanços sob Lula tem contradições, ele argumenta como a classe trabalhadora continua submetida a uma imensa rotatividade no trabalho e como a maioria dos empregos lulistas são precários. Um avanço mais mediado do que nas teses de Sader ou mesmo do que ele mesmo havia escrito anteriormente enfatizando os imensos avanços do que ele chama de subproletariado (fazendo um corte de renda, que acaba por situar todos os trabalhadores precários e terceirizados junto aos pobres em geral). Um ano atrás ele havia defendido o lulismo como programa de classe do subproletariado, agora aponta e enfatiza como há condições objetivas e subjetivas para um aumento na luta de classes.

Junto ao batido argumento de emprego que todos intelectuais lulistas ofereceram para consumo eleitoral recente, Singer argumenta que a atual taxa de 6% de desemprego se aproxima da taxa média de 1978-1988 e que objetivamente favoreceria as lutas salariais e emergência de movimentos sociais, mas que, no entanto “a menos que sobrevenha nova ascensão do movimento social, em refluxo desde a década de 1990, uma parte dos conflitos ocorrerá num plano relativamente oculto” [15] . Nesta passagem parece ter maiores dúvidas sobre esta possibilidade uma vez que mesmo com aumento dos assassinatos policiais dos negros, assassinatos diários por “acidentes de trabalho” nas fábricas, mesmo com aumento da concentração de terras, mesmo com as declarações de Dilma contrárias aos direitos democráticos das mulheres e homossexuais, o movimento negro, de mulheres, sem terra todos tem sido disciplinados pela defesa dos “avanços contra o retrocesso”.

No movimento operário, seguindo as premissas objetivas enfatizadas por ele e outros intelectuais governistas, deveríamos estar assistindo um avanço em sua organização e reivindicações. A defesa da histórica proposta de limitar a jornada de trabalho em 40hs semanais seria o exemplo máximo disto, como ele mesmo enfatiza (“a plataforma petista original, de fundamento classista”, argumenta), ou a unidade sindical (CUT-Força Sindical) como querem Tonelli e Queiroz, no entanto, não está ocorrendo um aumento da sindicalização que comprove um avanço sustentado na organização, salvo que os governistas apostem para fenômenos anti-burocráticos, o que não é o caso. Segundo o DIEESE ainda estamos em patamares muito similares aos do neoliberalismo com somente 17,7% da população economicamente ativa ocupada sindicalizada em 2007. Não há argumento do IPEA de aumento do “associativismo” que consiga mascarar esta continuidade subjetiva importante com o neoliberalismo. Os próprios números do IPEA de aumento de “associações civis” [16] não conseguem esconder que a maior parte das associações civis são religiosas ou ONGs. Este é o avanço da classe trabalhadora no lulismo?

Consciente do problema do trabalho precário e da terceirização Singer defende uma provocativa tese de que as direções sindicais já estariam vendo a situação dos precários e terceirizados e que da união do velho proletariado com este novo (lulista e precário) teríamos um salto inédito na luta operária. Infelizmente o autor não oferece indícios para mostrar esta confiança “classista” na burocracia da CUT, Força Sindical e CTB. Certamente não deve estar fazendo referência ao fenômeno mais massivo, à sindicalização de terceirizados nos sindicatos da UGT que dominam vários estados nas “colocadoras de mão de obra”, que de classistas tem tanto quanto Al Capone tinha em seus métodos e objetivos [17].

Diversos sindicatos dirigidos pelas centrais ligadas ao governo têm nos últimos anos incorporado em seu discurso denúncias da terceirização e mesmo realizado ações isoladas dos terceirizados e filiação de alguns setores ligados a atividades-fim (com em bancários e petroleiros – os terceirizados de sondas, dos outros setores não). Porém não há um exemplo sequer de uma luta pelos mesmos direitos dos efetivos para os terceirizados, uma campanha salarial comum, não há lutas comuns e menos ainda a defesa da incorporação dos terceirizados às empresas em que trabalham. Porque a burocracia da CUT não defende o piso salarial dos bancários nas empresas de telemarketing que eles dirigem? Como, sem uma unidade programática e na luta de classes, poderíamos dar o salto que aponta Singer? Avanços na filiação não são mecanicamente avanços na luta de classes. Este salto é um salto necessário para unir o conjunto das forças da classe trabalhadora contra a burguesia, no entanto, ao contrário do que pensa o professor de ciência política, este passo se dará por cima e contra a burocracia sindical que assimila esta divisão da classe trabalhadora entre outros diversos elementos da ofensiva neoliberal que assimilam.

Infelizmente estes passos dados pela burocracia, após ter aceito este nível de divisão durante todos os anos 90 e posteriores não é combatido desde posições classistas pela esquerda. Atuando de forma igual ou até mesmo inferior à burocracia sindical, limita-se a representar os funcionários próprios. O SINTUSP situa-se como exceção em sua luta pela incorporação dos terceirizados e na luta desde já para que tenham os mesmos direitos (creches, restaurantes, etc). Esta pequena mostra que nós da LER-QI contribuímos para se consolidar como programa e luta da categoria indica que este caminho não é só necessário de ser trilhado para união da classe trabalhadora, como ele é possível, mesmo no marco do lulismo e das adaptações a ofensiva neoliberal que mesmo em combativas categorias não deixam de pesar.

É se apoiando justamente nestes elementos de adaptação da burocracia sindical, e agregaríamos nós, também pela inexistência de grandes exemplos contrários dados pela esquerda nos importantes sindicatos que dirige (por exemplo, Metalúrgicos de São José dos Campos pelo PSTU), que outro professor da USP, Leonardo Mello e Silva, um dos grandes especialistas em sindicatos no país, argumenta em seu artigo da coletânea “Hegemonia às avessas” que houve uma aceitação da ofensiva neoliberal pelos sindicatos. Segundo ele os sindicatos da CUT aceitaram a lei de PLR de FHC porque ela segundo os sindicatos forçaria negociação por empresas e facilitaria a formação de OLTs (organizações por locais de trabalho). No entanto, esta mesma burocracia não quis implementar comitês de fábrica nos 80 e lutou contra sua emergência para se consolidar como única direção deste ascenso e agora com beneplácito das empresas organiza, se tanto, verticalizadas comissões para implementar sua política. Não são organizações democráticas nos locais de trabalho quando existem, como em Metalúrgicos do ABC, mas organizações fortemente controladas pela burocracia. A aceitação desta lei ao invés de significar avanços na subjetividade e organização da classe trabalhadora contribuiu para maior naturalização das relações capitalistas de produção, onde se negocia conforme a situação da empresa, e se naturaliza suas metas de produção e lucro e não as necessidades da classe trabalhadora, sequer passando por situações de negociação por categoria mas por empresa, quando não por setor, grupo e indivíduo na produção [18].

O nível de adaptação da burocracia sindical a este elemento da ofensiva neoliberal chega a extremos. Ao contrário do otimismo que Singer argumenta, quem tiver alguma relação com o movimento operário poderá facilmente encontrar exemplos de empresas onde é a própria burocracia sindical a que propõe à empresa metas de produção [19].

Estes retrocessos subjetivos importantes tais como os exemplificados acima atravessam centenas de empresas e categorias. Leonardo Mello e Silva vê uma base objetiva para esta situação, o declínio da organização da produção fordista substituída pelo toyotismo e por combinações de formas tayloristas pré-fordistas com o salário flexível toyotista onde os trabalhadores estariam forçados a vigiar um ao outro nas “células de produção” buscando atingir suas metas e aumentar a parte flexível de seus salários. Em seu artigo fica implícito que esta alteração na produção é uma indelével alteração no proletariado (“que classe trabalhadora para que tipo de hegemonia?” [20] ) Parece predominar esta situação de retrocesso, porém este nó no parafuso operado pela patronal também é um nó no parafuso potencialmente a favor dos trabalhadores. Nestas empresas onde há células para a produção inteira, competindo com outras células idênticas, todos trabalhadores tem uma noção maior do processo produtivo (para controlar um ao outro) do que em uma empresa fordista, em outra situação subjetiva do que a atual isto é uma arma a favor dos trabalhadores para controlarem a produção e enfrentarem a burguesia. Como argumentava Marx, cada desenvolvimento do capital é também um desenvolvimento de sua negação.

A tese de Mello e Silva, tal como outras da compilação que faz parte [21], procura exagerar o retrocesso, ou não ver suas contradições para argumentar a correta brutalidade do retrocesso subjetivo que é a defesa de posições anti-operárias como tem feito Lula e a própria CUT, por exemplo nos ataques discursivos e concretos com corte de ponto ao direito de greve do funcionalismo. O exagero destes intelectuais é de um pessimismo objetivista, as mudanças na produção teria mudado irremediavelmente a classe operária e sua subjetividade. Singer oferece o exato contrário, um otimismo subjetivista, embelezador da direção sindical e suas possibilidades. A classe trabalhadora, em particular sua vanguarda, deve fugir destes dois erros simétricos e analisar a realidade com suas contradições para armar sua intervenção.

O lulismo e como lutar para recompor a subjetividade do proletariado

O Lulismo baseia-se, entre outras coisas no individualismo e no consumismo e na percepção – naturalizada das relações sociais – onde ser explorado (ter emprego) permite conseguir empréstimos (consignados, crediários, etc) para consumir mais e mais, no entanto mesmo estes elementos não se encerram sem contradição. Ocorreram diversas greves, inclusive do proletariado industrial de empresas privadas para aumentar seus salários – e consumo – necessitando gerar níveis elementares de solidariedade mesmo para o consumo individual. O proletariado mudou, é menos fordista hoje, mas é maior e mais nacional. Acumula terríveis atrasos subjetivos. As tendências de ruptura com o Lula e o PT depois da ofensiva da reforma da previdência se estancaram tanto no que se refere à CSP-Conlutas como ao PSOL. No entanto, este mesmo proletariado que quer emprego e consumo se chocará com as tendências da economia mundial que lhe cortarão justamente emprego e consumo. A burocracia sindical gestora ou parceira do capital ainda goza de prestígio, mas não um prestígio inquebrantável. Volta e meia é forçada a mostrar-se mais combativa do que queria para conseguir os aumentos salariais almejados.

Lula poderá intervir no movimento operário desde fora da presidência da República, do PT e da CUT, para o disciplinar se necessário, poderá inclusive voltar à presidência se necessário. Isto é uma vantagem estratégica da burguesia. No entanto, isto não muda uma vírgula das contradições que estão se acumulando (mudaria, hipoteticamente condições de suas evoluções, mas aí seria um exercício de futurologia).

O novo proletariado que emergiu com Lula não trás consigo sequer os elementos avançados do classismo dos 80, porém também é menos organicamente ligado ao PT e a burocracia sindical. Não há como prognositicar para que lado se desenvolverá esta contradição, mas devemos nos apoiar só no atraso ou nos exemplos microscópicos de lutas importantes de setores precários do proletariado como a greve dos terceirizados da REVAP e as greves dos correios e seus fenômenos anti-burocráticos? Nós apostamos no desenvolvimento destas tendências e para moldar um movimento operário que dê efetivamente os passos que propõe Singer, unidade de efetivos e terceirizados.

Estes passos devem ser dados contra o cenário atual da esquerda e seus intelectuais que estão no mundo dos funcionários efetivos bem pagos e do príncipe, das medidas do governo, dos governantes e das direções sindicais e não do chão da fábrica, preferem se lamentar das faltas de medidas de um suposto ex-anti-capitalista Lula (cheia de táticas de MPs, plebiscitos, etc mas não de greves e lutas concretas por medidas que imploram a Lula) e aceitam as divisões da classe trabalhadora em efetivos e terceirizados não levantando, sequer programaticamente sua defesa através da luta pela incorporação dos terceirizados e temporários às empresas e sem concursos no funcionalismo onde trabalham. Esta distância programática do novo movimento operário é ainda maior na luta de classes, sem defender os temporários de demissões como ocorreu na GM de São José dos Campos em 2008, fábrica esta dirigida pelo PSTU.

É preciso moldar uma nova vanguarda no movimento operário que ao invés de lutar para empurrar direções supostamente anti-capitalistas a realizar seu programa ajude a desenvolver milhares de novos dirigentes operários. Uma esquerda que contribua para formação de novas formas de organização criando o que o PT e Lula sempre se opuseram, comitês de fábrica e setor, democráticos, que unam o conjunto dos trabalhadores não só os sindicalizados e não só os efetivos. Esta esquerda precisa se moldar nos conflitos, pequenos e limitados que sejam no atual momento, para erguer um forte partido revolucionário dos trabalhadores ancorado nas mais avançadas lutas e experiências do imenso proletariado brasileiro e que desde suas idéias contribua para os trabalhadores confiarem exclusivamente em suas forças e organização. Para nós estas idéias são o marxismo vivo em nossa época em programa e teoria com o legado a ser retomado da IV Internacional e de Leon Trotsky.

Nossa pequena atuação em algumas categorias e como parte minoritária da direção no SINTUSP, onde batalhamos pela unidade dos efetivos com os terceirizados, onde procuramos atuar enfaticamente para coordenar nossas lutas com as de outras categorias são exemplos que vemos desde onde partir para recuperar e construir uma subjetividade classista e formas de organização que levem a solidariedade de classe, à independência da burguesia e seus ditames de como e quando os trabalhadores devem lutar. É preciso superar o isolamento dentro de cada categoria e entre as categorias, superar o estreito limite das greves exclusivamente econômicas e nas datas-base. As lutas políticas que temos travado junto a professores de esquerda e estudantes contra os ataques à educação e repressão aos lutadores mostram que é possível também dar passos para que a classe trabalhadora eleve-se da luta econômica à luta política. Não achamos que o SINTUSP, e nossa atuação nele, seja um relâmpago em céu sereno, para fora da situação objetiva e subjetiva da classe trabalhadora, mas sim uma mostra do que uma intervenção dos revolucionários pode e deve fazer, e que mesmo sob o lulismo a classe trabalhadora pode dar passos para recompor sua subjetividade e organização.

[1O pós-Lula é Dilma”, 2/11/2010, em www.cartamaior.com.br, acessado em 15/11/2010

[2in Os anos Lula: contribuições para um balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010.

[3Idem, p.329

[4André Singer “O lulismo e seu futuro” n Piauí, n.49

[5op cit, p. 341

[6“Texto para discussão: IPEA 46 anos: uma breve retrospectiva sobre as políticas sociais no Brasil”. IPEA, Rio de Janeiro, Setembro de 2010.

[7André Singer “O lulismo e seu futuro” n Piauí, n.49

[8Para estes dados fornecidos contra a ditadura e FHC respectivamente, e sem crítica a Lula, óbvio, Tonelli e Queiroz, op cit, e IPEA op.cit.

[9Ipea, op cit. P.49

[10idem.

[1148% dos estabelecimentos tem menos de 10ha e ocupam 2,4% da área total, por outro lado 0,9% dos estabelecimentos, com mais de 1000ha, ocupam 44% da área. Idem, p.85

[12idem, p. 93

[13Quantidade mensal de acidentes de trabalho liquidados, por conseqüência”, capítulo 30.1 do Anuário Estatístico da Previdência Social de 2009, disponível em http://www.previdenciasocial.gov.br/conteudoDinamico.php?id=990, acessado em 15/11/2010.

[14“O avesso do avesso”, in Hegemonia às Avessas São Paulo: Boitempo, 2010. p. 375

[15Op cit.

[16Op cit, p. 19-22

[17O maior exemplo positivo que teríamos do que argumenta Singer, e muito limitado, seriam alguns sindicatos de petroleiros como em Paulínia-SP, Paraná e Pernambuco que tem promovido ações comuns entre efetivos e terceirizados na Petrobrás, empresa símbolo de nosso país, inclusive na divisão da classe trabalhadora, contando com 70 mil efetivos e 280 mil terceirizados.

[18“Trabalho e regresso: entre desregulação e re-regulação” in Hegemonia às avessas, op cit. pp 61-91.

[19Na histórica categoria de petroleiros que poderia servir de exemplo para Singer quanto aos terceirizados, as metas de produção estão sendo naturalizadas por iniciativa da Federação Única dos Petroleiros – CUT, e não da empresa e seus gestores capitalistas (inclusive vários ex-dirigentes sindicais da mesma CUT). Esta federação propôs à empresa fixar um valor mínimo para PLR em torno do atendimento de 98% de diversas metas de produção e acidentes de trabalho. Para fazer um gesto aos trabalhadores oferecem um piso elevado, à empresa, que reluta em aceitar o acordo porque, como boa gestora neoliberal não quer nada fixo, oferecem a naturalização de suas metas. Se os gerentes neoliberais da Petrobrás aceitarem terão dados grandes passos para avançar no que a divisão da empresa em terceirizados e efetivos e unidades de negócios competidoras (UNs) de FHC não haviam alcançado. Destas metas coletivas da FUP às metas por setor e individuais são um passo: só falta a empresa aceitar o favor feito pela burocracia sindical.

[20Op cit, p. 89.

[21Em artigos posteriores desenvolveremos críticas a outros autores não só sobre sua visão do movimento operário mas em suas teses sobre o lulismo.

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