Sábado 20 de Abril de 2024

Nacional

OPINIÃO

Uma imensa crise no governo Cabral, uma inicial crise no regime

02 Aug 2013   |   comentários

Podemos e devemos levantar “Fora Cabral” mas devemos fazê-lo articulado a derrotar sua polícia e seu projeto repressivo e assassino, sobretudo da juventude negra. Podemos e devemos levantar um programa para a saúde, para a educação, para o transporte. E apoiando-se no ódio a sua corrupção, ligação com os empresários, questionar o conjunto dos políticos e oferecer uma “democracia radical” que sirva de ponte entre este questionamento e a luta por um governo (...)

Junho inaugurou um novo Brasil. Junho persistiu com mais força em alguns lugares como o Rio, onde parece nunca ter terminado (mesmo que os números na rua tenham diminuído). Ao mesmo tempo que o Rio vai mostrando a continuidade de junho pode estar marcando o passo de um novo capítulo a se abrir no país. Este novo Brasil não surge como um raio em céu sereno. Ele trás consigo várias nuvens que já vinha se formando.

É desde aí desde a continuidade-transformação do prévio que devemos entender a imensa crise que abate o governo do antes onipotente Sérgio Cabral (PMDB). Reeleito no primeiro turno em 2010 com 66% dos votos, até poucos meses peitava as críticas dos jornais a suas extravagâncias, fingia que não era com ele as intermináveis denúncias de associação com empresários (Eike, Cavendish) e suas festas dançantes e de guardanapo na cabeça (e champanhe de milhares de reais na conta do erário público) em restaurantes do guia Michelin em Paris. Recentemente até ameaçava Dilma com ruptura do PMDB do Rio com ela. Hoje encontra-se em dura crise tendo que apelar na TV para que os protestos parem.

Sua votação em bairros de classe média (como na Tijuca, Laranjeiras, e mesmo na mais afluente Copa) sempre foi aquém de sua imensa força na Zona Norte, na Zona Oeste e Baixada. Porém da baixada à Zona Sul mesmo os que não votavam nele comemoravam seu legado que poderia ser resumido em: militarização da cidade vendida como ganho de cidadania; grandes eventos e grandes investimentos para o Capital gerando empregos e uma euforia de “orgulho carioca recuperado” com Copa, Olímpiadas, JMJ. Hoje mesmo seus bastiões eleitorais estão lhe questionando (como o ato espontâneo em Campo Grande depois da tragédia com a adutora da CEDAE). Seu legado está questionado. “Da Copa eu abro mão” com este canto centenas de milhares ganharam as ruas e, para completar, as UPPs e sua polícia estão questionadas.

Cabral como forma descarada de uma casta política-empresarial

Cabral é um alvo fácil de protesto. Marx e Engels haviam definido no Manifesto Comunista (há mais de 160 anos!) o governo burguês como um comitê de negócios do conjunto da classe burguesa. Cabral fez desta definição marxista uma verdade tão elementar, tão descarada, tão evidente a qualquer um com seus negócios com Eike e Cavendish. E talvez por ser tão flagrantes suas mordomias que talvez Cabral sirva como válvula de escape que blinda outras instituições (MP, ALERJ, entre outras).

Mas fora a corrupção, intrínseca a este sistema, o governo Cabral tem outras facetas que também lhe atraem ódio. Uma saúde e educação precárias como em todo o país e uma polícia que é especialmente assassina nas favelas e repressora das manifestações. Seu decreto 43302, reescrito recentemente, ainda mantém todos os rigores de um AI-5[1] . Faz cara de coitado na TV para que poupem seus filhos das manifestações na porta de sua casa, mas ao mesmo tempo sua polícia não poupou o pedreiro negro Amarildo, não poupou 13 pessoas na Maré, e não poupam os moradores, sobretudo jovens e negros de esculachos diários nas UPPs. E, em meio a toda esta demagogia de ser pai seu governo vai quebrando o sigilo de internet e telefone de manifestantes para fazer uma caça às bruxas. Se é necessário recorrer à caça às bruxas nesta escala e apelar até a entidades como a OAB para que ajudem nesta caça (ajuda política, apoiando a iniciativa de caçar os que a OAB chama de fascistas, os supostos vândalos) é porque a crise é muito grande e com uma boa dose de bonapartismo[*] que procuram se não for saná-la, ao menos estanca-la.

Este serviço de classe de Cabral aos grandes empresários amigos, e em defesa da ordem para caçar manifestantes, amedrontar quem questione e proteste, é uma expressão mais violenta do que todos governos fizeram em junho país à fora. Cabral não tem nada de especial, é uma síntese da casta de privilegiados do país.

Todos partidos políticos do país tem alguma associação com ele e tem membros com trajetórias parecidas. Talvez de tão típico ele é caricato. Ele é filho de político. Sua esposa é advogada de empresários de concessionárias públicas de transporte. Foi do PSDB, depois do PMDB, foi apoiado por seus maiores desafetos atuais (os Garotinho) para governador e senador. Antes disto havia sido presidente da ALERJ por quase uma década. Era inimigo declarado do PT nos 90, aí virou seu maior aliado na transição do primeiro para o segundo mandato de Lula, poucos meses atrás quando o PT ameaçava romper com seu governo declarou que não tinha dificuldades de bandear-se para o tucano Aécio, até porque um de seus filhos era parente do proeminente tucano. Estes vai e vem de um político profissional, ligado até a medula aos bilionários do Rio e do país, foi fazendo o mesmo também em suas políticas públicas. No primeiro mandato tinha uma política policial para as favelas que era de aberto assassinato, chegando a declarar que as mulheres na Rocinha “eram fábricas de marginais”[2] , poucos anos depois era o rei da “cidadania”, de “recuperar a cidade para os cariocas” com as UPPs (que de cidadãs não tem nada, são máquinas preventivas de controle de pobres urbanos, de trabalhadores pobres e negros, exibindo uma proporção de 1 policial a cada 80 moradores, proporção esta que é superior ao que o exército de Israel pratica em relação aos palestinos – 1 pra 100).

Este breve histórico dele mostra que ele não tem nada de especial. Cabral é mais um tucano Alckmin ou um petista como Genro e Haddad.

A crise de seu governo começa a atingir o regime

O governo Cabral antes dos protestos já concentrava alguns ingredientes explosivos. Por um lado, as sempre presentes ameaças de retirada da riqueza estadual dos royalties do petróleo, por outro, com o acelerar do cenário eleitoral de 2014, sofria as ameaças do PT em romper com seu governo para lançar Lindbergh Farias ao estado em 2014 e não apoiar seu vice, Pezão.

Todos estes elementos seguem presentes, porém em pause. O PT local não tomou ainda nenhuma posição rupturista, apesar de algumas correntes internas chamarem a fazê-lo. Nos Royalties também está tudo em pause, o congresso em recesso e toda uma série de governantes também em crise ou questionados pelas ruas. Quanto mais crise, mais os governantes batem cabeça, como vimos no final de junho.

O mais importante da crise por ora não é no que está acontecendo entre os “de cima”, mas o que ocorre entre os “de baixo”. A brutal repressão aos manifestantes em bairros de classe média ou burgueses fez o que era descontentamento eleitoral virar possibilidade de ganhar as ruas. Vimos repetidas manifestações saírem de seu ponto de partida minguadas e rapidamente ganharem adesão de milhares de jovens. Mesmo no refluxo atual ainda milhares tomam as ruas. Em cada manifestação vemos as luzes dos prédios piscando em apoio aos manifestantes. As pesquisas dão um apoio de quase 90% aos protestos.

E este apoio não é só na classe média. Cabral está com seu bastião eleitoral também questionando-o. Na Baixada aumentam os questionamentos sobre como ela tem ficado abandonada (questionamentos estes à esquerda e à direita – por exemplo à direita, demandando UPPs por lá também).

A manifestação espontânea no Mendanha (Campo Grande em 31/07) soma-se as manifestações que ocorreram primeiro na Maré e depois nas repetidas manifestações na Rocinha. Nas redes sociais e em qualquer manifestação que aconteça no Rio os manifestantes gritam por Amarildo como antes gritavam “Maré resiste”.

Nas forças policiais há uma acentuada crise. O chefe da secretaria de segurança, Beltrame, declara querer a cabeça do chefe da polícia que publicamente saiu criticando a OAB, que por sua vez defende a criminalização dos “vândalos” mas sem os excessos da PMERJ. Setores de policiais, sobretudo os ligados ao Choque – força mais questionada – declaram que se o comandante da polícia cair irão passar à oposição a Beltrame e Cabral.

O principal fator a ainda dar uma sobrevida ao governador, além do recesso das universidades que possivelmente tem lhe dado uma trégua na quantidade de jovens a tomar as ruas, é não entrada em cena, massiva e cotidiana da classe trabalhadora. Isto é fruto do papel da burocracia sindical governista (CUT, CTB, Força Sindical, etc). No dia 11 de Julho era visível a vontade de aderir à paralisação nacional. Isto pode e deve mudar.

As próprias condições econômicas excepcionais do Rio começam a entrar em crise e um velho Rio estagnado economicamente e não o “rio potência e dos grandes eventos” é o que pode se mostrar no próximo período. O bilionário Eike Batista com seus vultuosos investimentos (todos com dinheiro dos impostos via BNDES) está falindo, a Petrobrás está passando por crise. Com a queda no crescimento e consumo o comércio será afetado e este setor que é o maior empregador do Rio. Por via de cortes nos orçamentos (com a tendência a queda na arrecadação e mais aguda se o Rio sofrer perdas com os royalties) o imenso funcionalismo público na cidade e no estado (fruto de ter sido capital federal) também serão atacados. Ano passado todo funcionalismo esteve em greve, poderíamos ver um retorno deste cenário? Uma primeira medição de força deste cenário são as paralisações dos professores estaduais e municipais agendada para 8/8 e a volta às aulas em meados e final de agosto conforme a universidade.

Derrubar Cabral deveria ser todo o eixo do movimento?

É evidente que a queda de um governador, ainda mais de um Estado importante como o Rio teria um profundo efeito subjetivo na juventude e na classe trabalhadora de todo o país. Tal como os 20 centavos seria mais uma mostra da força e potencial do movimento. Porém, Cabral não deve cair facilmente. Não porque tenha muito apoio ou para onde correr, mas justamente por isto deve permanecer. Antes ele havia programado renunciar para dar mais visibilidade ao vice. Mas o desconhecido Pezão assumir este governo também é arriscado. É mais provável uma prolongada crise e sangria.

É contra a continuidade de um governador odiado que milhares tomam as ruas dia sim dia não. Temos sido parte destas manifestações e achamos que a queda do governador (ainda não tão provável) seria uma vitória parcial. No entanto, entendemos que a tendência a substituir todas reivindicações por “Fora Cabral” é indício do velho politicismo da esquerda brasileira. A justificativa para concentrar tudo no Fora Cabral pode ter motivos como interesses eleitoreiros no ano seguinte, ou por uma concepção objetivista onde a queda do governo por si só abriria um cenário favorável.

Já vimos este filme. Collor caiu e a ofensiva neoliberal iniciada por ele se agigantou com Itamar e depois com FHC. Precisamos derrotar Cabral, mas também seu legado. E mais que isto partir deste questionamento massivo ao governador para questionar toda a casta de políticos, seus privilégios, as instituições como o MP, a ALERJ, e batalhar para que os trabalhadores controlem os recursos do petróleo e assim sirvam aos interesses das massas com saúde, educação, moradia, e não das elites e seus governantes, fazendo a classe trabalhadora hegemonizar o conjunto dos oprimidos.

Uma oportunidade de desenvolver um programa que questione o regime a partir do fora Cabral

Podemos e devemos levantar “Fora Cabral” mas devemos fazê-lo articulado a derrotar sua polícia e seu projeto repressivo e assassino, sobretudo da juventude negra. Podemos e devemos levantar um programa para a saúde, para a educação, para o transporte. E apoiando-se no ódio a sua corrupção, ligação com os empresários, questionar o conjunto dos políticos e oferecer uma “democracia radical” que sirva de ponte entre este questionamento e a luta por um governo dos próprios trabalhadores.

A mesma ALERJ que aprova os projetos de Cabral que precarizam a saúde, a educação, que garantem a privatização da cidade, dos transportes, é uma casa de privilegiados que tem um orçamento parecido ao da UERJ. Ou seja, 52 deputados estaduais custam o mesmo que uma imensa universidade pública, incluindo seu hospital. A Câmara de Vereadores não é diferente. O judiciário, os TCUs, são amigos de Cabral e dos empresários (há incontáveis escândalos mostrando esta relação). O Ministério Público ora se faz de amigo dos manifestantes (sobretudo quando quer que sejam massa de manobra como no caso da PEC37), mas no fim das contas defende este Estado, participa da ditatorial CEIV (comissão para caçar “vândalos” mencionada acima) de Cabral.

Desde esta perspectiva poderíamos e deveríamos estar levantando, além do Fora Cabral, consignas que levem a questionar o regime. Consignas que poderíamos tomar da Comuna de Paris, como que cada deputado ganhe o mesmo que um operário, que os juízes sejam eleitos, que todos cargos sejam eleitos e revogáveis, que sejam os trabalhadores a controlar os recursos da nação (ou do estado no caso).

Esta não é, infelizmente, a perspectiva dos deputados e vereadores do PSOL. Se por um lado suas denúncias de corrupção, de assassinatos policiais, são parte das únicas vozes dissonantes em casas de privilegiados e milicianos, sua atuação e objetivos, no entanto, não contradizem radicalmente com esta casa de privilegiados. Enquanto o povo vai às ruas com pequenos cartazesinhos improvisados (havia muitos mesmo no mais despolitizado 20/6) falando que um deputado ganhe como um professor ou ganhe o salário mínimo, vai o deputado federal Jean Willys a TV defender que seu salário não é exagerado....enquanto aparecem questionamentos ao conjunto das instituições democrático-burguesas lá vem Freixo com o impeachment (para que os parceiros de Cabral votem sua saída) ou Eliomar com uma CPI para que os vereadores ligados as empresas de ônibus investiguem o cartel....

É evidente que táticas parlamentares podem ser úteis, incluindo CPIs e Impeachments. Porém só podem ser úteis se forem uma tática que esteja ligada a uma estratégia de transformação radical deste sistema e suas instituições, que só pode ocorrer com a derrubada e substituição destas instituições por outras (com outro funcionamento, métodos, sem privilégios, etc) e pela mobilização independente da classe trabalhadora e da juventude. Do contrário são válvulas de escape e reforma deste regimes. É possível usar uma tribuna parlamentar para acertar um golpe profundo nestas instituições. Mas este não é objetivo em cada caso da atuação dos parlamentares do PSOL. Ao invés de uma imensa campanha pela abertura dos livros da Fetranspor, que a partir dela possa se fortalecer a luta pela estatização e controle operário e popular de todo sistema de transporte, uma CPI; ao invés de uma imensa campanha pela investigação independente e punição de cada auto-de-resistência uma inócua campanha pela “desmilitarização da polícia”, mas que deixaria tanto as UPPs, como os autos-de-resistência, quanto forças tão ou mais assassinas que o BOPE (como a CORE da Civil recentemente denunciada por assassinatos por helicóptero) intactas[3] , e um longo etc.

É preciso desenvolver uma verdadeira “democracia radical”, que sirva de ponte desta democracia degradada de deputados-empresários, juízes-empresários, a uma democracia diretamente organizada pelos trabalhadores desde seus locais de trabalho.

Desde qual perspectiva levantamos este programa democrático-radical

Lênin procurou estabelecer uma teoria do Estado proletário combinando lições da Comuna de Paris com os sovietes, valorizando a primeira e suas consignas, a princípio formais e não de classe, como uma “viragem” da democracia burguesa à democracia proletária. Em O Estado e a Revolução ele afirma: “Neste sentido, é singularmente notável uma das medidas decretadas pela Comuna, que Marx sublinha: a abolição de todos os gastos de representação, de todos os privilégios pecuniários dos funcionários, a redução dos salários de todos os funcionários do Estado ao nível do ‘salário de um operário’. Aqui é precisamente onde se expressa de um modo mais evidente a viragem da democracia burguesa à democracia proletária, da democracia da classe opressora à democracia das classes oprimidas, do Estado como ‘força especial’ para a repressão de uma determinada classe à repressão dos opressores pela força conjunta da maioria do povo, dos operários e dos camponeses.

Como afirma um camarada argentino do PTS, Fernando Rosso, “neste marco, as consignas “democrático-radicais” da Comuna, ainda que se mantenham no estrito terreno das formas políticas, tendem a ter um valor mais próximo ao rechaço ao capitalismo, ou melhor dito: ao questionar a forma em que a burguesia estendeu sua dominação durante os anos de restauração burguesa (democracias degradadas sob o neoliberalismo), postula uma possível continuidade entre o igualitarismo das consignas democrático-radicais e a posição de classe do marxismo, que vai do questionamento da casta que administra o sistema ao questionamento das relações que compõem o próprio sistema. Neste sentido adotam um caráter “transicional”. (...) Facilitam no combate prático a tarefa de desvelar as relações entre estes “limites” da democracia burguesa e os fundamentos econômicos e as necessidades da dominação de classe, ou seja, habilitam ou aplainam o caminho da compreensão nas massas, que têm aspirações do tipo “governo barato”, que está totalmente ligada à “expropriação dos expropriadores””[4] .

É possível adotar “táticas parlamentares” que estejam a serviço desta estratégia. Não basta só recusar receber o que recebe um parlamentar e o restante doar ao partido e às lutas, como numerosos deputados do PT faziam. É possível questionar o conjunto das assembleias, do regime, é assim que outro camarada do PTS da argentina, Raúl Godoy, ocupando o cargo de deputado estadual em Neuquén apresentou um projeto de lei para que todos deputados e funcionários de alto escalão e indicados e os deputados ganhem o mesmo que um professor, ligando isto a dura luta dos professores daquele estado.

A luta pela aliança da juventude e da classe trabalhadora como parte da luta pela hegemonia proletária

Até o momento temos dois setores policlassistas como vanguarda de colocar-se às ruas, a juventude (mas com predomínio ideológico da classe média) e os pobres urbanos moradores de favelas (que são desde o extrato mais explorado do proletariado a pequenos comerciantes e setores que oscilam entre ambas condições de classe e o lumpesinato). Dos de “baixo” o estrato superior e inferior são os que tem tomado às ruas. A grande massa “intermediária”, o proletariado propriamente dito, tem feito isto muito menos graças ao controle das burocracias sindicais.

Só a juventude, hegemonizada pela juventude universitária e secundarista de escolas públicas de elite, já mostrou sua imensa força em todo o país. Força essa que é ainda superior em uma cidade como o Rio de Janeiro e sua região metropolitana que concentram universidades públicas e escolas públicas de elite em imensa desproporção com o restante do país (proporcionalmente quase 9X a concentração de SP). A esta imensa juventude “classe média” soma-se o incrível peso do funcionalismo. Intermináveis pobres urbanos concentrados em algumas localidades a passos da burguesia e seus Leblons. Fora estes fatos mais visíveis há um grande contingente proletário e mesmo de operariado, invisibilizado, politicamente pelos governantes e por uma esquerda que tem uma estratégia eleitoralista (onde um operário vale o mesmo que um estudante) e não de hegemonia proletária e revolucionária. Mas apesar disto, é sempre o proletariado da Zona Oeste e da Baixada o peso decisivo em uma eleição – expressando distorcidamente o peso revolucionário que pode ter.

Uma configuração de classe muito especial e explosiva que marca a história do Rio de Janeiro e seus governantes que sempre expressaram tendências mais bonapartistas que o restante do país (a esquerda e direita, Lacerda, Brizola, Garotinhos, e agora Cabral). É neste marco de uma hegemonia muito instável para a burguesia (que é ainda mais fraca que de outros estados como SP e MG porque ela não é muito “dona” de nada, mas antes de mais nada rentista do petróleo e administradora de estatais, tendo que portanto negociar cada passo seu com o restante da burguesia nacional e imperialista) que sempre ela deve fazer efetivas caça às bruxas, ou realizar um jogo de mobilizar as massas para no fim das contas se defender.
O potencial revolucionário da aliança desta imensa juventude com o proletariado do funcionalismo e o proletariado industrial e do restante da cidade é a perspectiva estratégica que devemos ter. Esta aliança expressaria uma força social difícil de parar em qualquer situação e especialmente na configuração de classe e geográfica do Rio. Para esta perspectiva é necessário desenvolver uma juventude universitária e secundarista que coloque seu corpo e suas ideias na luta em apoio às lutas dos trabalhadores (e não pense só em suas demandas), mas também uma atuação na classe trabalhadora que fuja como o diabo da cruz de todo corporativismo de defender só os interesses econômicos e dos funcionários próprios ou mais bem pagos de um setor, e busque a agrupar o conjunto da classe (os terceirizados, os negros, as mulheres). Desde esta posição de luta pela hegemonia proletária (e não corporativista, economicista) levante um programa para o conjunto dos oprimidos incluindo os moradores de favela e a juventude universitária.

Um programa concreto para a situação concreta

Lutemos pela derrubada de Cabral articulado a questionar o conjunto da casta de políticos parasitas e seus parceiros no judiciário! Fora Cabral! Que nenhum deputado, vereador, juiz, funcionário de alto escalão ganhe mais que um professor da rede estadual! Eleição e revogabilidade de todos os cargos! Fim de todos colegiados superiores do judiciário, quanto mais longe do povo mais aberto a negociatas! Pelo julgamento por júri popular de todo caso de violência, especialmente policial, acidente de trabalho, corrupção!
Uma geração de jovens tem se forjado no gás lacrimogênio. Sua parcela mais pobre e negra vive há muitos anos no esculacho, no caveirão e na bala. Finalmente uma contestação à polícia está ganhando as ruas. É hora de lhe dar força. A consigna de desmilitarização da polícia que tem ganhado às ruas é para nós um desvio da efetividade do que está acontecendo que é um questionamento do que ela faz na prática e não suas regras formais. A Civil é tão assassina como a militar, e uma alteração no estatuto de uma ou outra não muda sua prática assassina e repressiva baseada na impunidade. Levantemos um programa que vá organizando mais e mais trabalhadores a cada passo, incutindo confiança somente em suas forças e que possa caminhar no sentido da auto-organização e auto-defesa! Exigimos a aparição de Amarildo! Investigação independente por familiares, organizações de direitos humanos, sindicatos, centros acadêmicos dos responsáveis por seu desaparecimento! Pela punição dos responsáveis! Pela apuração independente e punição dos culpados da chacina da Maré! Apuração independente e punição de cada auto-de-resistência! Nenhuma confiança no MP que também persegue manifestantes! Pelo fim do caveirão e todas tropas especiais (Choque, BOPE, CORE)! Pelo fim das UPPs! Dissolução de todas as polícias e órgãos repressivos!

Muitos jovens e trabalhadores se questionam onde foram parar as bandeiras de junho, de saúde, educação, transporte. É preciso retomar a “agenda de junho” em si e em meio a luta do “Fora Cabral”:

Lutando pela abertura das contas da Fetranspor e todas empresas de transporte. Com estes livros abertos veremos os intermináveis benefícios fiscais, os lucros, que se somam as terríveis condições dos usuários e dos trabalhadores do transporte. Sob o controle desta casta de políticos e de empresários o sistema de transporte só pode ser caótica, inseguro, e terrível para trabalhar. Uma medida elementar para garantir a racionalidade, segurança e qualidade do transporte é luta pela estatização e reestatização de todo o sistema de transportes sob controle dos trabalhadores e usuários, sem dar um centavos aos Barata e outros parasitas que lucram a tantos anos a nossas custas! Sob controle dos trabalhadores e usuários, mediante impostos a grandes fortunas, poderemos garantir uma das demandas que ganhou às ruas em junho: transporte gratuito.

Enquanto as lutas iam se desenvolvendo em junho e julho mais uma universidade privada ia deixando de pagar seus professores e funcionários e sucateando o ensino dos estudantes (a Univercidade – onde Cabral estudou). Todos devem ter o direito de estudar gratuitamente. Lutemos pelo fim do vestibular/SISU/pelo livre acesso a partir da estatização sem indenização das universidades privadas e um governo democrático das universidades, dos três setores (funcionários, professores e estudantes) com maioria estudantil para garantir que funcionem a serviço do conjunto da população e não através dos interesses escusos que seus reitores e alta cúpula tem em suas intermináveis ligações com os empresários e governantes. Recursos para isto já existem com o Prouni que hoje serve para financiar os lucros (em troca de algumas vagas) e através dos impostos as grandes fortunas. Esta luta permitirá fortalecer a luta por recursos que garantam condições de trabalho e educação em todos os níveis da creche à universidade, começando pelas demandas reivindicadas pelos professores como o cumprimento de um 1/3 da jornada em preparação das aulas e que ganhem no mínimo o salário mínimo do DIEESE (mais de R$ 2800 hoje)!

Enquanto escrevemos estas linhas os médicos estão paralisados em boa parte do país. Ao mesmo tempo que denunciam que falta investimento na educação estão defendendo um programa que diferencia os médicos dos outros profissionais da saúde. É preciso atacar o mal pela raiz (não questionado pelos médicos hoje): lutando por jornadas e condições de trabalho dignas e salários (no mínimo o DIESSE) para todos profissionais da saúde (da faxina à cirurgia)! Lutar contra as privatizações via OSs e Ebserh! Expansão do SUS, financiamento estatal e efetivo controle pelo conjunto dos trabalhadores da saúde (da faxina à cirurgia) e usuário para garantir uma saúde pública, gratuita e de qualidade!

Possivelmente os governantes falariam que não haveria recursos para tantas demandas. Mas sabemos onde estão, mais de 47% do orçamento federal é gasto com parasitas financeiros. Pelo não pagamento das dívidas interna e externa! Há outras fontes de recursos além destas, acabando com os privilégios dos políticos e mais ainda com o petróleo.

Lutemos pela estatização de todo o sistema de produção, refino e distribuição de petróleo! Por uma Petrobrás 100% estatal, sob controle dos trabalhadores! Com este controle nas mãos dos trabalhadores, e não de exploradores envolvidos em intermináveis negociatas com donos de empresas terceirizadas e políticos, não só poderemos usar estes recursos para saúde, educação, como para um plano de moradia e obras públicas controlado por sindicatos e moradores como poderemos ter um uso mais racional de recursos tão poluentes.

Em meio as datas marcadas pelo conjunto dos sindicatos e centrais sindicais que são a mobilização do dia 6/8 e 30/8, organizemos verdadeiras batalhas para despertar o verdadeiro “gigante adormecido”, o proletariado. Para o dia 06/08, dia de luta contra a PL 4330 que precariza a terceirização, lutemos por sua revogação, mas lutemos por muito mais que isto, para acabar com as diferenças de salários e direitos! Pela incorporação dos terceirizados às empresas onde trabalham (e sem concurso em órgãos públicos)! Façamos do dia de luta nacional, o dia 30/8 uma grande greve geral! Para isto exijamos das burocracias sindicais assembleias nos locais de trabalho! Pela organização de todos os trabalhadores, próprios ou terceirizados e outros precarizados!

[*] Por motivos de extensão e foco não desenvolveremos este conceito neste artigo, para se aprofundar ver Karl Marx: O 18 Brumário de Luis Bonaparte, e diversos artigos de Leon Trotsky sobre o bonapartismo sui generis em países semi-coloniais em Escritos Latino-Americanos.

[1] Para mais ver: http://ler-qi.org/Abaixo-o-decreto-43302-Abaixo-o-DOI-CODI-de-Cabral

[2]Ver por exemplo: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL155710-5601,00-CABRAL+DEFENDE+ABORTO+CONTRA+VIOLENCIA+NO+RIO+DE+JANEIRO.html

[3] Para se aprofundar em nossa posição neste debate da “desmilitarização da polícia”, ver: http://ler-qi.org/As-mobilizacoes-vao-comecando-a-tocar-pilares-do-regime

[4] http://blogiskra.com.br/?p=246

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