Terça 30 de Abril de 2024

Teoria

IV INTERNACIONAL, 70 ANOS DE SUA FUNDAÇÃO

O surgimento da Oposição de Esquerda - Parte III

02 Jul 2008 | No último artigo, demonstramos quais eram os problemas econômicos (NEP) e políticos que foram a base para a formação de frações no partido bolchevique após a derrota definitiva da revolução na Alemanha em 1923. A troika – Stálin, Zinoviev e Kamenev – se viu obrigada a abrir o debate e o chamado a um “Novo Curso” para canalizar o descontentamento nas fileiras partidárias ao mesmo tempo em que iniciavam uma campanha de calúnias contra Trotsky e os principais dirigentes da Oposição de Esquerda. “O Novo Curso” [1], também dá o título a uma série de artigos publicados por Trotsky no jornal Pravda, no final de 1923.   |   comentários

A questão do Estado e o papel do partido

Ao contrário de considerar o burocratismo como um produto do comunismo de guerra, posição sustentada por Stálin, Trotsky defendia que era resultado das novas condições geradas após o término da guerra civil e a partir da NEP. Em termos gerais, a base do burocratismo no Estado era um fenómeno social cujas causas profundas se encontram na diferença de interesses cotidianos e fundamentais das diferentes classes e grupos da população. Na Rússia, estas classes e grupos estavam conformadas pelo proletariado, os camponeses, o kulak e a nova burguesia ’ também incluídos os intelectuais burgueses. As tendências ao burocratismo na Rússia se viram agravadas pelo pouco desenvolvimento da indústria, por falta de cultura de massas e a necessidade de um exército permanente: “Entre nós, a causa essencial do burocratismo reside na necessidade de criar e sustentar um aparato estatal que una os interesses do proletariado com os do campesinato em uma harmonia económica perfeita, da qual estamos ainda muito longe” [2].

Para Trotsky, a pressão do aparato do novo Estado se transformou na principal causa do burocratismo no partido - ou seja, isto ocorre pois o proletariado dirige a sua ditadura de classe por meio do Estado soviético e o partido comunista, como partido dirigente do proletariado é, consequentemente, imbricado como elemento central nesta relação. Assim, o Estado “Por uma parte absorve uma grande quantidade dos elementos mais ativos do partido e ensina aos mais capazes os métodos para administrar os homens e as coisas, mas não a direção política das massas. Além disso, absorve uma grande parte da atenção do aparato do partido, ao qual influi com seus métodos administrativos” [3].

Considerando o isolamento do Estado operário e a grande debilidade da economia soviética, Trotsky descreve os fatores que ameaçavam a revolução se certos problemas internos se desenvolvessem, problemas que por outra parte alimentavam o burocratismo no partido, como a crescente discordância entre a economia soviética ’ quer dizer, os setores que se encontravam sob propriedade estatal ’ e a economia camponesa [4], o fortalecimento dos kulaks no campo, sua aliança com o capital privado e internacional, estes últimos como “elementos muito mais capazes de absorver o aparato de Estado que o próprio partido” .

Para Trotsky, a ameaça de degeneração burocrática, ou ainda pior, o perigo contra-revolucionário, reside na forma como o partido se fundia com o aparato do Estado e impede diminuir e afastar estes perigos com uma política justa, já que: “conseguir eliminar um perigo pode ser a salvação da revolução e ao assegurarmo-nos disto, seja para gerarmos condições favoráveis para a economia interna, seja para o contato com a revolução vitoriosa européia” [5].

A chave neste momento residia, para Trotsky, em combater o burocratismo do partido que ameaçava separá-lo das massas, pois ainda que a gestão do Estado fosse de fundamental importância, necessitava de mais tempo a reconstrução económica, o desenvolvimento da indústria e a elevação do nível cultural das massas: “O instrumento histórico mais importante para a realização de todas estas tarefas é o partido. Evidentemente, o partido não pode prescindir das condições sociais e culturais do país. Mas como organização voluntária de vanguarda dos melhores elementos, os mais ativos, os mais conscientes da classe operária, pode, em muito maior medida que o aparato do Estado, prevenir-se contra as tendências do burocratismo. Para isso, deve ver claramente o perigo e combatê-lo sem descanso” .

Sobre o regime do partido

Em consonância com estes fatores objetivos e subjetivos, Trotsky desenvolve a questão do regime partidário em uma clara alusão aos setores da “velha guarda” ’ os militantes que entraram antes da revolução de 1917 ’ que pretendiam monopolizar as decisões do partido e impedir todo questionamento: “A vantagem essencial e incomparável de nosso partido consiste em que pode, a todo o momento, observar a indústria com os olhos do torneiro comunista, do especialista comunista, do direto comunista, do comerciante comunista, reunir a experiência destes trabalhadores que se completam entre si, extrair os resultados e determinar assim sua linha de direção da economia em geral e de cada empresa em particular. É evidente que esta direção somente será realizável sobre a base da democracia viva e ativa dentro do partido. Quando, pelo contrário, os métodos do ”˜aparato”™ prevalecem, a direção exercida pelo partido cede o lugar a administração exercida pelos seus órgãos executivos (comitê, oficina, secretaria etc.). Ao se reforçar este sistema, todos os assuntos se concentram nas mãos de um pequeno grupo, muitas vezes em um só secretário que nomeia, destitui, divide as ordens, sanciona etc. Se tivermos essa concepção da direção, a principal superioridade do partido, ou seja, sua múltipla experiência coletiva, passa para segundo plano. A direção adquire um caráter de pura organização e degenera frequentemente na estreiteza de visão e no espírito de mando. O aparato do partido entra cada vez mais nos detalhes das tarefas do aparato soviético, vive de suas preocupações diárias, se deixa influenciar por ele e, ao preocupar-se com os detalhes, perde de vista as grandes linhas” [6].

Composição do partido: a velha guarda e as novas gerações

Considerando que o aparato partidário era constituído pelos dirigentes mais experimentados da velha guarda e que, no entanto, era um pequeno grupo em relação às novas gerações, Trotsky destacava o problema de sua composição. Por exemplo, somente 1/6 do partido era conformado por operários industriais: este é um elemento central para analisar a questão da democracia no partido, assim como o questionamento do papel que cumpria a velha guarda em sua relação com as novas gerações e a juventude, considerada como um verdadeiro medidor do burocratismo do partido [7].

Particularmente, indica o perigo concreto de que o burocratismo incidisse, pelo peso da autoridade das velhas gerações, na formação do futuro do partido e da república soviética, ao anular a iniciativa e, desta maneira, impedir a elevação política geral do partido: somente por meio da colaboração ativa e constante, e nos marcos da democracia partidária, “a velha guarda conservará o seu caráter de fator revolucionário” . Em caso contrário, pode cristalizar-se e converter-se insensivelmente “na expressão mais acabada do burocratismo” [8]. Quer dizer, para Trotsky, seria puro fetichismo considerar a velha guarda somente pelo fato de ter passado pela “melhor escola revolucionária do mundo” ou buscar garantias em um radicalismo subjetivo herdado do passado, do mesmo modo que seria loucura pretender descartá-la.

A defesa da tradição leninista

Mediante a defesa da tradição leninista, Trotsky também combateu a concepção que se pretendia presa a “tradição” do partido, mas na verdade transformava o leninismo em um “culto sagrado” , sendo em 1923 uma antecipação do que viria com Stálin como dirigente do partido comunista.

Com exemplos, demonstrava como toda vez que as condições objetivas exigem um novo giro, a resistência conservadora manifesta uma tendência natural a opor as novas tarefas às “velhas tradições” . Para Trotsky, quanto mais fechado estivesse o partido, maior seria o seu sentido de auto-suficiência, mais lentamente reagiria frente às necessidades das bases para prever os problemas e mais oporia a tradição formal aos novos desafios:

“Se existe algo capaz de golpear mortalmente a vida espiritual do partido e a formação doutrinária da juventude é a transformação do leninismo, método que requer em sua aplicação iniciativa, pensamento crítico e audácia ideológica, em um dogma que somente exige intérpretes escolhidos de uma vez e para sempre. Não se pode conceber o leninismo sem poder teórico, sem uma análise crítica das bases materiais do processo político. É preciso aguçar e aplicar incessantemente a arma da investigação marxista. Nisso consiste a tradição, não na substituição da análise por uma referência formal ou citação casual. O leninismo não poderá se conciliar com a superficialidade ideológica e a negligência teórica” [9].

O fim do debate e a XIII Conferência

A publicação de O novo curso marcou um ponto alto da controvérsia e o fechamento burocrático da discussão para impedir o seu livre debate. Depois disso, Stálin controlará o Pravda e o direito de nomeação [10], o que permitiu isolar Trotsky e decapitar a Oposição, ainda que inicialmente as suas teses tivessem forte apoio nas fileiras da Komsomol (a juventude do partido comunista) e nas células do Exército Vermelho, onde naturalmente Trotsky tinha muito prestígio [11].

Considerando que a oposição “não se organiza em fração para evitar incorrer na acusação de indisciplina, o aparato consegue isolar com facilidade os delegados que a representavam” e conseguem manipular as eleições de delegados na véspera da XIII Conferência, que teve a troika como dirigente da única fração, secreta e organizada [12]. Desta maneira, a fração dirigente do partido conseguiu condenar a atividade de Trotsky e da oposição de “fracionalista” , de “abandono do leninismo” e de “refletir a pressão exercida pela pequena burguesia” , constituindo a primeira derrota da Oposição de Esquerda. Um dos mais destacados biógrafos de Trotsky, Isaac Deutscher, comentou a respeito: “Na longa história das oposições internas no partido, nenhuma teve que suportar uma quantidade tão grande de imputações e nenhuma foi esmagada como a Oposição de 1923” [13].

Sobre a repercussão no partido, um grande número de militantes nem chegou a compreender a gravidade do assunto e a considerou uma crise passageira e superada; entre os de maior tradição, reinou a confusão ao ver os ataques que a velha guarda lançou contra Trotsky, que junto com Lênin era um símbolo do partido em 1917. Por último, no caso dos arrivistas, viram o momento para escalar em seus postos no partido. Nas fileiras da Oposição vivia a desmoralização. Trotsky chegou a conclusão de que a revolução entrava em refluxo e que ele e seus companheiros sofriam com os embates de uma onda reacionária.

A morte de Lênin

Lênin morreu em 21 de janeiro de 1924. Stálin conseguiu, inclusive, que Trotsky não assistisse o funeral, presidido pela troika, pois estava fora de Moscou por recomendações médicas. O discurso de fechamento foi realizado por Stálin e se resumiu a uma exaltação mística que se assemelhou mais às doutrinas da época czarista na Rússia do que aos ensinamentos de Marx.

Posteriormente, cumprindo as resoluções da XIII Conferência, o triunvirato desenvolveu uma campanha de recrutamento de operários industriais e mais de 200.000 novos filiados aumentaram em cerca de 50% o tamanho do partido. O motivo da incorporação desta ampla camada não foi motivado pela convicção ou dedicação à causa do comunismo, mas pela pressão dos secretários que careciam de meios para conseguir a filiação de operários e que se preocupavam em conservar o trabalho, com pouca instrução, sem experiência política e, portanto, manejáveis.

O “Chamado de Lênin” , apelação religiosa que consagrou o recrutamento por parte do triunvirato, esteve a serviço de proporcionar uma base reverente que inegavelmente contribuiu para aumentar a degeneração do partido bolchevique: constituiu uma ruptura com os métodos de construção leninistas e como disse o próprio Trotsky anos depois, “de um golpe mortal ao partido de Lênin” [14], ainda que quando ocorria nem ele previa os resultados das profundas modificações no partido, tal como afirma Deutscher.

Nos preparativos do XIII Congresso e a pedido de Krupskaia, a companheira de Lênin, o devoto Comitê Central aprovou a leitura do testamento de Lênin. Ainda que desferisse ataques diretos a Stálin, propondo inclusive a sua remoção do cargo de Secretário Geral, o congresso aprovou moções contrárias às últimas observações de Lênin. Realizado no final de maio, o Congresso se converteu em um palco de denúncias contra a Oposição, ao mesmo tempo que Zinoviev, chefe da Internacional Comunista, levantava a nefasta idéia de que “agora é mil vezes mais necessário que nunca que o partido seja monolítico” .
Após a primeira derrota da Oposição, começa a repressão contra dirigentes de diferentes países que se levantaram em defesa de Trotsky. A troika, no entanto, conseguiu que o V Congresso da IC, denominado de “bolchevização” da IC, fosse mais parecido com uma stalinização! Todos aqueles que ousaram levantar a voz contra o curso adotado pela direção oficial fora expulsos, ameaçados etc. e desta forma a fração dirigente conseguiu domesticar a IC e começar a anular a sua capacidade revolucionária.

A batalha, no entanto, terá novo impulso com a publicação de um texto de Trotsky chamado As lições de Outubro. Stálin, pela primeira vez, enunciará a “teoria” da construção do socialismo em um só país. Este será o tema do próximo número.

**

“A revolução de Outubro, em uma medida maior que em nenhuma outra na história, despertou as maiores esperanças e as maiores paixões das massas, sobretudo das massas proletárias. Após os imensos sofrimentos de 1917/1921, as massas proletárias têm melhorado consideravelmente sua sorte. Elas apreciam seu progresso, e abrigam ainda mais a esperança do desenvolvimento. Mas ao mesmo tempo sua experiência lhes tem mostrado o caráter extremamente gradual desta melhoria, que somente agora lhes tem devolvido o nível de vida que possuíam antes da guerra. Esta experiência é de incalculável importância para as massas, especialmente para a velha geração... Este estado de ânimo, que se desenvolveu depois da penosa experiência da guerra civil e depois dos êxitos alcançados pela reconstrução económica, e que não tem sido ainda dissipado pelas novas mudanças das forças de classe, este estado de ânimo constitui o pano de fundo político básico da vida do partido. Este é o estado de ânimo sobre o qual o burocratismo ’ como elemento de “lei e ordem” e de “calma” - se apóia. A tentativa da Oposição de colocar os novos problemas frente ao partido se choca precisamente com este estado de ânimo” .

Trotsky Teses sobre revolução e contra-revolução, 26/11/1926.

Traduzido por Luis Siebel

O Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) é a organização irmã da LER-QI na Argentina, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

[1No momento de sua publicação, Trotsky agregou alguns capítulos dedicados em parte a responder as acusações da troika, como sua suposta subestimação do campesinato, suas diferenças com Lênin ou seu desejo de romper a unidade do partido etc. O combate frontal de Trotsky foi aberto no ano seguinte, 1924, quando da publicação de um tomo de suas Obras com a introdução As lições de Outubro.

[2Trotsky, O Novo Curso, Cap. O burocratismo e a revolução, 1923.

[3Idem.

[4Refere-se ao crescente peso económico da nova burguesia, cujo papel de intermediária entre a indústria soviética e a agricultura começava a assumir, ainda que parcialmente, o papel de organizadora da produção; sua crescente influência económica se transformaria em política, abrindo as portas para a contra-revolução.

[5Trotsky, O Novo Curso, Idem.

[6O Novo Curso, Cap. A composição social do partido.

[7Trotsky, assim como Lênin, opinava que as camaradas de jovens estudantes, devido a sua composição social e seus laços, eram um reflexo de todos os grupos sociais do partido e seu estado de ânimo. Sua sensibilidade e ímpeto os levava a converter-se em força ativa deste estado de ânimo.

[8O Novo Curso, Carta a uma assembléia do partido.

[9O Novo Curso Tradição e política revolucionária.

[10O cargo de Secretário Geral permitia que Stálin nomeasse ou removesse militantes para distintos cargos no partido. Inicialmente, quando era vivo Lênin, dava a possibilidade de resolver de forma urgente determinadas necessidades. Stálin, pelo contrário, degenerou esta forma política para criar uma rede de privilégios aos que juravam lealdade a sua figura.

[11Os principais dirigentes da Oposição foram enviados para missões em outros países. Adolph Yoffe foi transferido para a China, Krestinsky para a Alemanha, Cristian Rakovsky foi nomeado embaixador em Paris, Kotzubinsky foi para Viena. Antonov-Ovseienko, um importante dirigente bolchevique, foi destituído de suas responsabilidades políticas no exército. Quinze membros da Komsomol foram desligados da direção e enviados para outras “missões” em lugares distantes. Em Moscou e Petrogrado muitos militantes também foram afastados. Ver Pierre Broué, O partido Bolchevique, cap. VIII.

[12“Em Moscou, os partidários da oposição contavam com a maioria das células, mas esta se reduz a 26% nas conferências distritais e a 18% na conferência provincial, onde Preobrazhensky consegue somente 61 votos frente a 325 de Kamenev. Apesar da oposição ser majoritária em localidades como Riazan-Penza, Kaluga, Simbirsk e Cheliabinsk e apesar de constar com a maioria, ou pelo menos 1/3 das células do Exército Vermelho e quase a totalidade das células estudantis, a Conferência Nacional terá somente 3 delegados.” Conforme P. Broué, Idem.

[13Isaac Deutscher, O profeta desarmado.

[14Trotsky, A Revolução Traída.

Artigos relacionados: Teoria









  • Não há comentários para este artigo