Segunda 29 de Abril de 2024

Teoria

IV INTERNACIONAL, 70 ANOS DE SUA FUNDAÇÃO

O surgimento da Oposição de Esquerda - Parte I

31 May 2008 | A partir desta edição do jornal, motivados por recuperar historicamente a tradição do marxismo revolucionário por ocasião dos 70 anos da fundação da IV Internacional, publicaremos uma série de artigos que busquem refletir o legado do Outubro vermelho e a sua continuidade no pensamento e ação política de León Trotsky. Publicamos uma versão do artigo de Andrea Robles, do CEIP - Argentina, centro de estudos ligado ao PTS e a nossa corrente internacional, que busca refletir as algumas das condições políticas e sociais para o surgimento da Oposição de Esquerda; demonstra, além disso, como em seus últimos momentos de vida foi Lênin, o maior líder da revolução, aquele que pode ser considerado como o primeiro militante oposicionista. Luis Siebel   |   comentários

Em setembro de 1938, León Trotsky e sua
corrente fundavam a IV Internacional frente
a falência da Internacional Comunista,
disciplinada totalmente por Stalin desde
muitos anos. Este foi o resultado inevitável
do processo iniciado na Rússia em 1923,
com o começo da burocratização do partido
bolchevique e do estado operário. Trotsky,
juntamente com outros importantes dirigentes
e quadros bolcheviques, enfrentou desde o
início esse processo de degeneração
conformando a Oposição de Esquerda,
primeiro na Rússia e posteriormente em nível
internacional, processo que levaria a fundação
da nova internacional. A corrente liderada por
Trotsky se constituiu como a única alternativa
revolucionária do período entre as duas
guerras mundiais, que concentrou as mais
ricas e variadas expressões da luta de
classes, das quais vale mencionar o
surgimento e burocratização da URSS, a
Revolução chinesa de 1925-27, o fascismo
italiano, as tentativas revolucionárias derrotas
do proletariado alemão e o nazismo, a
revolução espanhola e a guerra civil e o
ascenso revolucionário francês, prólogos da II
Guerra Mundial. Durante todos esses anos,
Trotsky desenvolveu um vasto trabalho teórico
e prático que enriqueceu o marxismo diante de
problemas inteiramente novos do século XX.
Com o triunfo da primeira revolução
socialista em Outubro de 1917 na Rússia, a
exploração e a opressão dos burgueses e
latifundiários sob o jugo do czarismo ficavam
no passado. Os operários e o povo russo
tomavam em suas mãos o seu próprio destino
sob a direção do partido bolchevique. A defesa
das conquistas de Outubro contra o ataque de
14 exércitos imperialistas durante os 4 anos da
guerra civil deixou o país devastado e surgiam
agudas contradições para conservar esse
colossal triunfo do proletariado e dos oprimidos
do mundo. O burocratismo no Estado e no
partido foram uma das primeiras manifestações
destas contradições, as quais Lênin e Trotsky
dedicaram todas as suas energias para combater
os desvios que atentavam cada vez mais contra
o rumo revolucionário do primeiro Estado
operário. Em 1923, Lênin estava perto de sua
morte pela doença e o nascimento da Oposição
de Esquerda russa expressou um novo salto na
luta contra a burocracia que se apropriava do
poder.

A impossibilidade da revolução socialista
na Rússia foi motivo de controvérsias
importantes no começo do século XX. Para a
maioria dos marxistas da época, o país deveria
passar por uma etapa capitalista que resolvesse
o atraso que se caracterizava o capitalismo
russo. Lênin e Trotsky, ao contrário, defendiam
que se era correto que a Rússia não podia
construir o socialismo prescindindo do
desenvolvimento avançado de países como
Alemanha, era impossível que fossem da
burguesia as tarefas para superar o atraso
russo, tanto no que diz respeito a liquidação
dos restos de feudalismo, expropriando os
latifundiários do campo, quanto para romper a
dependência das nações imperialistas dominantes,
considerando os múltiplos laços que a
uniam a ambos.

O triunfo de Outubro demonstrou que “Em
determinadas condições, os países atrasados
podem chegar a ditadura do proletariado antes
que os avançados e, no entanto, mais tarde que
estes ao socialismo” [1], suprimindo desta
maneira a barreira que para os marxistas de
ontem separavam os países “maduros” e “não
maduros” para a revolução. Insistiam os
bolcheviques: “Sempre defendemos e repetimos
esta verdade elementar do marxismo,
que a vitória do socialismo exige o conjunto
de esforços de alguns países avançados” [2]. A
resolução das demandas democráticas nos
países de desenvolvimento capitalista atrasado,
por meio da ditadura do proletariado, se
entrelaçaria com o desenvolvimento da
revolução internacional e do socialismo.
Durante a guerra civil, os cálculos dos
bolcheviques se baseavam no triunfo da
revolução européia, particularmente na
Alemanha, que proporcionaria um alívio do
esforço de guerra e permitiria avançar a passos
largos para o socialismo, dado o grande
desenvolvimento das forças produtivas, seu
proletariado enormemente instruído e qualificado
e o poderoso desenvolvimento das
técnica e maquinarias. Mas, com a traição da
social-democracia a revolução européia não
venceu. Em 1921, o III Congresso da Internacional
Comunista constatava uma relativa
estabilidade do sistema capitalista e votava
preparar as condições para a revolução, como
parte da superação das debilidades dos partidos
comunistas no mundo [3]. Lênin afirmou: “A
república socialista pode subsistir dentro de um
cerco capitalista, mas certamente não por muito
tempo” [4].

Com a economia totalmente devastada
pelos anos da guerra mundial e guerra civil, as
conquistas históricas da revolução estavam em
risco. Lênin dizia ser a Rússia o país que
possuía o regime político mais avançado do
mundo, mas não havia conseguido ainda
estabelecer as bases de uma economia nacional,
a base do estado operário; “As forças inimigas
do capitalismo moribundo ainda podem
recuperar o poder” [5]. A produção industrial
representava somente 20% do que era antes de
1914, 60%das locomotivas estavam destruídas,
assim como as ferrovias.Asuperfície cultivada
era de somente 16%. O intercâmbio entre a
cidade e o campo era mínimo, dominado ainda
pelo mercado negro onde os preços era até 50%
mais caros que os preços legais. Em 1920, os
salários eram duas vezes e meia inferiores deste
mesmo período.

A “desaparição do proletariado” e o
atraso cultural russo

O atraso cultural do povo russo formado
por uma grande maioria de camponeses pobres,
as altas taxas de analfabetismo e a debilidade
do proletariado, também foram marcas na
própria conformação do aparato do Estado revolucionário.
Um vazio social se completava
com forças distintas das inicialmente previstas
e obrigaram o regime soviético a basear-se em
milhares de antigos funcionários czaristas que
sabotavam os esforços da revolução. Os postos
no Estado, na medida em que constituíam um
autêntico ponto de sustentação social eram o início
da burocracia. O regime não poderia prescindir
de um aparato administrativo, mas as
cabeças mais lúcidas dos bolcheviques reconheciam
que forças poderosas desviavam o rumo
correto do regime soviético: o semi-bárbaro individualismo
camponês, a pressão do mundo
capitalista e, sobretudo, as arraigadas tradições
do governo absolutista [6].

Quatro anos depois da revolução, a Rússia
se enfrentava com a paródia, nas palavras de
Bukárin, de uma “verdadeira desintegração do
proletariado” . Em 1919 existiam 3 milhões de
operários industriais e em 1921 eram menos
da metade, nas cidades espalhava-se a fome e
muitos operários migravam para o campo. Os
operários de vanguarda tiveram pior sorte, já
que muitos morreram na guerra, outros se
encontravam no exército e ocupavam postos
no Estado.

Nessas circunstâncias imprevistas, o
partido bolchevique se tornou na única raiz
sólida da ditadura do proletariado. Conciliar os
fins socialistas com os meios que se dispunham
era uma tarefa dificílima. O próprio partido,
ainda que fosse no momento a única instituição
capaz de sustentar o rumo revolucionário da
Rússia soviética não estava isento do drama
histórico que vivia a nação. Após o triunfo da
guerra civil, muitos de seus destacados
membros morreram milhares de oportunistas
afluíam ao partido vencedor e sua composição
social sofreu transformações em detrimento de
seu caráter proletário [7]. As fronteiras do partido
se afrouxavam os laços com suas idéias
fundadoras, enquanto Lênin atacava a rotina e
a apatia. Para ele, os comunistas se deixavam
asfixiar por uma massa estranha a revolução e
não eram eles quem decidiam efetivamente a
marcha dos assuntos de Estado.

A consigna dos bolcheviques era ganhar
tempo, o que nesse momento significava uma
tensão enorme para fortalecer as bases do
Estado operário e as conquistas da revolução,
combater o burocratismo, avançar na industrialização
e no desenvolvimento da classe
operária, aumentar a cultura do povo, quer
dizer, manter o rumo socialista, a espera da
revolução internacional, já que essa situação
não poderia durar muito tempo.

A NEP e o X Congresso do Partido
Bolchevique

No marco da crise económica, a Nova
Política Económica (NEP) foi adotada pelo
Congresso de 1921, concebida por Lênin como
uma “retirada forçada” ao mercado, com o objetivo
de conseguir o aumento da produção da
indústria e do campo. “Seu propósito imediato
era induzir os camponeses a vender alimentos e
os comerciantes a trazer alimentos do campo
para a cidade, do produtor ao consumidor” [8]. As
concessões a burguesia e a pequena-burguesia,
ao permitir o intercâmbio e a produção privada,
quer dizer, até certo ponto a possibilidade de
acumulação, eram controlados pelo Estado que
mantinha os principais recursos da indústria e
dos transportes, assim como o monopólio do
comércio exterior. Os anarquistas, por exemplo,
denunciavam que o país era burguês. Trotsky
respondia: “a burguesia exerce o seu domínio
apoiando-se em outras classes... as reformas
sociais a favor dos operários não são de
maneira alguma e em si mesmas uma violação
da soberania absoluta da burguesia em seu
respectivo país... a hegemonia continua a
corresponder ao conjunto de interesses de
classe, que é a única que decide as reformas que
pode fazer e em que grau pode levár-las a frente
sem mudar as bases de sua dominação. Da
mesma maneira se coloca o problema para a
ditadura do proletariado. Uma ditadura de uma
completa pureza química não poderia existir a
não ser em um espaço imaterial. O proletariado
dirigente se vê obrigado a contar com as outras
classes e, segundo a correlação de força no país
ou internacional, a fazer concessões as outras
classes com o objetivo de manter a sua
dominação. Todo o problema reside nos limites
destas concessões e em que grau de
conhecimento consciente são levadas a frente” [9].

A introdução da NEP se dava em um
momento de profundo mal-estar das massas. Os
levantamentos camponeses ameaçavam a
provisão das cidades e motivavam também
greves e manifestações. Nesse pano de fundo
ocorre também a rebelião de Kronstadt que, por
sua preparação e seu programa orientado cada
vez mais de forma anti-bolchevique, encontrou
eco em um amplo arco que ia desde os
socialistas-revolucionários, anarquistas e
mencheviques até o exílio contra-revolucionário
e as agências imperialistas, que converteram
em um “cavalo de Tróia” e em uma série
ameaça para o estado operário.

Ainda que fossem os bolcheviques
unânimes na questão de sufocar a rebelião
contra-revolucionária, seu X Congresso que
acontecia nos mesmos dias expressava duras
controvérsias, que estava longe de colocar-se a
altura dos desafios da revolução. Chegou ao
ponto de Lênin intervir propondo uma
resolução de proibição das frações dentro do
bolchevismo. Para ele, enquanto que em outros
momentos os desvios partidários, como as
sindicalistas ou semi-anarquistas da Oposição
Operária nesse congresso, podiam ser
corrigidas a tempo, “no qual de uma esmagadora
maioria camponesa descontente com a
ditadura do proletariado, quando a crise da
agricultura alcança seu limite....já não é tempo
de discussões sobre os desvios teóricos... o
ambiente de controvérsias está se tornando
extraordinariamente perigoso e se converte em
uma autêntica ameaça para a ditadura do
proletariado” [10]. Trotsky, que afirmou certa vez
que a história do partido bolchevique era a
história de suas frações, comentará anos mais
tarde sobre esta medida excepcional: “A
substituição do proletariado pelo partido ... foi
considerada como um fenómeno transitório, a
espera do reagrupamento dos operários das
grandes fábricas e do incremento das indústrias
por meio das futuras realizações” [11].

A luta de Lênin contra o burocratismo

O círculo dirigente concentrou cada vez
mais poder de decisão na medida em que o
Comitê Central se absorvia por responsabilidades
administrativas. A resolução das frações
começava a liquidar também a democracia interna
do partido. A “velha guarda” bolchevique
concentrava setores inteiros de poder. Stálin,
por exemplo, era Comissário para as Nacionalidades
e Comissário para a Inspeção Operária e
Camponesa (R.K.I.), quando foi nomeado Secretário
Geral do partido em 1922, posto que
era antes de caráter técnico. Lênin e Trotsky,
entre outros dirigentes, serão conscientes das
tendências burocráticas que se gestavam no
partido. Em maio de 1922, Lênin sofreu os
primeiros golpes da doença, mas dedicou ainda
grande parte de suas forças para combater
Stálin, como melhor exemplo das tendências
burocráticas, ao aproveitar o seu cargo, que lhe
dava o poder de eleger e mudar comunistas de
seus postos, mas cada vez mais em função da
lealdade a sua pessoa.

Lênin e Trotsky combateram contra uma
resolução do CC que propunha a abertura do
comércio com o exterior, um dos pilares da ditadura
do proletariado, votada na ausência de
ambos e que rapidamente foi retirada, mas a
crise estourou com a questão da Geórgia [12], pois
Stálin utilizava o seu posto para forçar a integração
desta república cometendo todo tipo de
brutalidades contra os próprios comunistas
georgianos. No Pravda, Lênin dizia que “O
georgiano que contempla com desde este aspecto
do assunto, que profere depreciativas
acusações de ”˜social-nacionalismo”™, esse georgiano,
na realidade o que faz é atacar a solidariedade
proletária” e apela para Trotsky
encarecidamente que tome conta do assunto
para levar a frente a sua luta, pois estava muito
doente. Também o último artigo escrito por
Lênin, “Mais vale poucos, porém bons” , que
apareceu no Pravda em 4 de março de 1923,
proferia críticas tácitas contra Stálin: “Nosso
aparato estatal é deplorável a tal ponto, para não
dizer detestável... Todos sabem que não há instituições
pior organizadas do que a R.K.I.” .

O ano de 1923, de forma conclusiva, foi
marcado pelo agravamento da saúde de Lênin,
o que o excluirá da vida política, o surgimento
de uma campanha contra Trotsky por parte de
Stálin, Kamenev e Zinoviev; além disso, os
acontecimentos da Alemanha colocaram novamente
a revolução como parte das esperanças
e centro de atenção dos operários soviéticos,
além do surgimento efetivo de uma oposição
organizada no partido, a Oposição de Esquerda,
que contra os rumos da burocratização do partido
e da formação do stalinismo, terá na figura
de Trotsky a sua maior expressão. Estas
questões serão abordadas no próximo artigo.

Traduzido por Luis Siebel

O Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) é a organização irmã da LER-QI na Argentina, e também faz parte da Fração Trotskista - Quarta Internacional

[1Trotsky A teoria da revolução permanente.

[2Lênin citado por Moshe Lewin, O último combate
de Lênin.

[3O papel de Trotsky na criação e orientação política
da III Internacional foi extremamente relevante. Foi
responsável por manifestos importantes durante o
período em que juntamente com Lênin foram os
principais dirigentes do comunismo internacional. No
3º Congresso da IC que se reuniu em 1921, depois
de um giro da situação internacional, na opinião de
seus líderes exigia que o movimento revolucionário
desenvolvesse táticas defensivas, como aprender a
promover a frente-única e a trabalhar no seio de
bases operárias reformistas e centristas. Isto os
colocou contra corrente ultra-esquerdista da IC,
ainda que tenha alcançado a maioria nesse
congresso. Os acontecimentos de março de 1921
na Alemanha foram uma série de insurreições nas
províncias centrais do país, isoladas do movimento
operário nacional. o Partido Comunista Alemão
pretendeu levar essas insurreições para além do
que permitia a situação o que provocou uma derrota
e uma forte crise entre os quadros da “tática da
ofensiva” , expressão do ultra-esquerdismo de alas
da IC que tinham como expressão o líder soviético
Zinoviev.

[4Moshe Lewin, Idem.

[5Idem.

[6Lênin citado por Isaac Deutscher Trotsky, o profeta
desarmado.

[7De 250.000 membros em março de 1919 aumenta
para 730.000 em março de 1921. Em 1919, a velha
guarda diminuiu para somente 8% dos membros do
partido que ingressaram antes de fevereiro de 1917
e 20% antes de outubro.

[8Isaac Deutscher, Idem.

[9Trotsky, A revolução desfigurada.

[10Pierre Broué, Historia do partido Bolchevique

[11Moshe Lewin, Idem.

[12Em 1922, Trotsky publica “Entre o Imperialismo e
a revolução” , que trata dos princípios bolcheviques
sobre a questão nacional.

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