Sexta 26 de Abril de 2024

Teoria

IV INTERNACIONAL - 70 ANOS DE SUA FUNDAÇÃO

O surgimento da Oposição de Esquerda - Parte II

17 Jun 2008 | A NEP, a revolução alemã de 1923 e os debates no partido bolchevique   |   comentários

Um ano depois de iniciar a Nova Política Económica (NEP), votada em 1921 [1], ocorreram importantes progressos económicos que permitiram recobrar o desenvolvimento do campo e a vida nas cidades. O avanço da produção agrícola foi notório [2], e ainda que houvesse uma recuperação industrial, esta se deu de maneira mais lenta e sobretudo na indústria leve (com relação a indústria pesada) e no âmbito privado, com relação as empresas estatais. Estas diferenças entre o campo e a cidade trouxeram como resultado a diminuição dos preços agrícolas e o aumento dos produtos industriais; consequentemente privavam o consumidor camponês de uma porção de seus lucros ao mesmo tempo em que se produzia uma queda relativa do poder aquisitivo do proletariado industrial [3].

A partir do final de 1922, o aumento dos preços industriais suscitou o aumento do desemprego e da diferenciação salarial, mais elevados na indústria de bens de consumo que no setor estatal. Soma-se a isto o aumento da diferenciação social que as diretrizes da NEP ocasionavam, sendo os mais beneficiados o camponês rico (kulak) e os “nepman” , grupo composto pelos intermediários, comerciantes privados e “os quadros técnicos da pujante indústria, administradores e engenheiros, recrutados entre os especialistas de origem burguesa e preocupados somente com o rendimento e a produtividade, que cobram um preço que inquieta os sindicatos” [4].

O XII Congresso e a “crise das tesouras”

Para o XII Congresso (abril de 1923), a crise económica se agravou e Trotsky, em suas Teses sobre a indústria a denominou de “crise das tesouras” , pelo espaço que se abria entre os preços industriais e os (baixos) preços agrícolas. Os camponeses não podiam comprar os produtos industriais e não tinham estímulos reais para vender os seus próprios produtos, levando assim ao perigo de que as “tesouras” cortassem novamente o nexo económico entre a cidade e o campo, e desta maneira a aliança política entre os operários e os camponeses, base da ditadura do proletariado.

Na opinião de Trotsky, a “tesouras” deveriam fechar-se mediante a redução dos preços industriais. Para isso, era necessário um grande plano geral que tendesse a racionalizar os recursos existentes e aumentar os investimentos na indústria pesada a partir de fundos baseados em impostos aos setores mais enriquecidos, os kulaks e os nepman. Trotsky afirmou, em primeiro lugar, o papel geral que deveria possuir a indústria na economia soviética: “As relações mútuas que existem em nosso país entre a classe operária e o campesinato se baseiam em última instância sobre as relações mútuas entre a indústria e a agricultura. A classe trabalhadora pode manter e fortalecer o seu papel dirigente não mediante o aparato do Estado ou o Exército, mas por meio da indústria, que dá origem ao proletariado (...) Somente na medida em que indústria faça progressos reais e que a indústria pesada ’ que constitui a única base firme para a ditadura proletária ’ se recupera, e na medida que o trabalho de eletrificação se termine completamente, será possível, e na verdade inevitável, alterar a importância em nossa vida económica da agricultura e da indústria e mudar o centro de gravidade para a segunda. (...) Quanto tempo durará o período da importância predominante da economia camponesa no sistema económico de nossa federação dependerá não somente de nosso progresso económico interno, mas também do processo de desenvolvimento que ocorre fora das fronteiras russas, isto é, sobretudo dos caminhos que tome a revolução no Ocidente e no Oriente. A derrocada da burguesia em qualquer um dos países capitalistas mais avançados rapidamente imprimiria a sua marca ao ritmo do conjunto de nosso desenvolvimento económico, já que seriam multiplicados de forma imediata os recursos técnicos e materiais para a construção socialista” [5]. Trotsky afirmou também a perspectiva de superar gradualmente a NEP, fortalecendo a economia nacionalizada, expressão do proletariado na economia, com relação aos setores livres ao domínio de mercado, por sua vez apoiados no capitalismo mundial, mediante o controle destes setores e a transferência de recursos da agricultura para a indústria.

Frente a nova crise económica, a posição majoritária do Bureau Político, ao contrário, diminuiu a importância do problema e centrou-se em continuar outorgando créditos aos camponeses, enquanto condenava toda postura a favor de uma maior planificação como uma “volta aos tempos do comunismo de guerra” . No XII Congresso, que se realizou com Lênin já muito doente e sem poder intervir politicamente, a “troika” ’ como se chamava o bloco de Stálin, Zinoviev e Kamenev -, sem confrontar abertamente as teses de Trotsky, semeará confusão, distorcendo as suas idéias e propagando entre os delegados de que Trotsky estava contra os camponeses, a NEP e os próprios operários (!).

Sobre o burocratismo no partido, o XII Congresso terá numerosas denúncias por falta de democracia, a suplantação em todos os níveis do sistema de eleições pelo da nomeação, a questão nacional expressa brutalmente por Stálin contra os comunistas georgianos [6] etc. No entanto, Stálin, que mediante manobras já havia se preparado para o Congresso, conseguira ser reeleito como secretário geral, conseguindo que a maioria do Comitê Central apoiasse a “troika” e alcançando um acordo de que não se publicasse um texto conhecido como o testamento político de Lênin, que possuía ataques e fortes questionamentos a sua figura, recomendando inclusive a sua não permanência em seu posto no partido.

A revolução alemã de 1923 e o surgimento da Oposição de Esquerda

O triunfo de Stálin no Congresso não foi a última palavra em torno das questões que se colocavam nesse momento da revolução. De certa maneira, os problemas russos se abriram devido ao início, neste mesmo momento, de uma situação revolucionária na Alemanha, cujo desenlace seria de enormes implicâncias para a Rússia. Na metade do ano, todo o partido russo vibrava de entusiasmo e seus militantes festejavam de antemão o triunfo da revolução por meio de cartazes e artigos na imprensa. A direção da Internacional, a Comintern, os dirigentes bolcheviques e a direção do partido alemão começaram os preparativos para a tomada do poder. Estes últimos terminaram aceitando essa possibilidade como real, mas abrigando ainda muitas dúvidas sobre sua capacidade para levar a frente a insurreição, solicitaram a Trotsky e a Zinoviev a presença do primeiro para dirigir-la. O próprio Trotsky pediu para ser enviado ao estrangeiro, mas Zinoviev se negou (como presidente da IC), e Stálin colocou o pretexto da impossibilidade de prescindir de seus serviços na Rússia. A derrota sem luta dos comunistas alemães (ver box), somada a da Bulgária [7], provocou uma profunda desmoralização no bolchevismo russo, que sem lugar a dúvidas, com o refluxo da luta de classes internacional, contribuiu para o fortalecimento da ala burocrática do partido.

Entre julho e agosto a situação económica piorou. Os operários consideravam que eram obrigados a suportar uma parte excessiva do peso da recuperação industrial e os sindicatos se negavam a apresentar as suas demandas para não afetar a recomposição fabril. Uma série de greves selvagens sacudiram Petrogrado e Moscou, sem que direção do partido recebesse o menor sinal prévio das dificuldades que se aproximavam. A única medida que tomou o Bureau Político dirigido pela troika foi prender os integrantes do partido que, de uma maneira ou de outra, alentaram estas manifestações, além de ordenar aos membros do partido que delatassem aqueles que se opunham aos dirigentes oficiais.

Rechaçando esta última moção, apresentada pelo chefe da GPU (polícia política), Dzerzhinsky, Trotsky dirigirá uma carta ao Comitê Central em 8 de outubro, que o constituirá deste momento em diante no chefe da nascente Oposição de Esquerda. Nesta carta, Trotsky questionou a falta de medidas com relação à crise económica, quer dizer, as causas das manifestações operárias e o aumento do domínio do poder do aparato do partido a partir do XII Congresso, sendo que “A burocratização do aparato partidário alcançou proporções inauditas através da aplicação dos métodos de seleção secretarial” .

Poucos dias depois, 46 destacados dirigentes do partido, entre os quais se encontravam alguns de seus mais destacados membros e heróis da guerra civil dirigiram uma declaração nos mesmos termos colocados por Trotsky (ver box). Consciente da profundidade da crise interna, a troika se viu obrigada a tomar medidas para canalizar os descontentamentos, prometendo restaurar a democracia no partido e abriu o jornal Pravda para que os militantes escrevessem. A medida foi ultrapassada para um plano cada vez mais político, por exemplo, as células de Moscou estavam em rebelião e aclamavam a Oposição em algumas assembléias nas grandes fábricas. A troika perdeu votações por grandes diferenças, um terço do exército tomou partido pela Oposição, assim como o CC da Juventude Comunistas (KOMSOMOL) e a maioria de suas células em Moscou. As universidades e uma ampla maioria de células estudantis declararam apoio entusiasmado aos “46” . Por um lado, a troika condenou como ataque fracionalista as cartas de Trotsky e dos 46 para evitar publicar-las ao partido e iniciou uma campanha de calúnias.
Por outro lado, formulou uma resolução especial que condenava energicamente “o regime burocrático dentro do partido” em termos que pareciam plagiados dos oposicionistas e proclamaram um “Novo Curso” , que deveria garantir os direitos democráticos elementares dentro do partido, com o objetivo de confundir politicamente o partido. Para impedir essa manobra, Trotsky publicou no Pravda breves artigos que apareceram com este mesmo nome, e continham idéias que eram armas poderosas contra o burocratismo do partido e marcou um dos auges da controvérsia. A partir desse momento, a troika encerrará o debate e iniciará uma campanha de perseguição e ataques contra os oposicionistas que representavam, nos dizeres de Deustcher, a “nata e a flor do partido bolchevique” , provocando uma primeira derrota. Estes serão os temas do próximo artigo.

Fragmentos da “Plataforma dos 46”

“A extrema gravidade da situação nos obriga (no interesse de nosso partido e da classe trabalhadora) a manifestar com completa claridade que continuar com a política atual da maioria do Bureau Político ameaça todo o partido com lamentáveis retrocessos. A crise económica e financeira iniciada nos finais de julho do presente ano, com todas as conseqüências políticas e internas do partido que se derivam desta, revelaram inexoravelmente a incapacidade dos chefes do partido, tanto no domínio económico como no das relações internas do partido (...)”

“Se não se tomam desde agora medidas enérgicas, meditadas e planificadas, se continuar a falta de direção, nos enfrentaremos com a possibilidade de um colapso económico muito grave que, inevitavelmente, acarretará em complicações políticas internas e uma paralisia total de nossa efetividade externa e de nossa capacidade de ação. E este último elemento, como todos podem compreender, é agora o mais necessário para nós; é dele que depende o destino da revolução mundial e da classe trabalhadora de todos os países (...)”

“Igualmente, no domínio das relações dentro do partido, vemos como a mesma inepta direção o paralisa e o desarticula, pois isso é visível com especial claridade na crise que agora atravessamos (...)”

“O regime instituído no interior do partido é absolutamente intolerável, destrói a independência do partido, substituindo-o por um aparato burocrático recrutado que atua sem oposição em tempos normais, mas que inevitavelmente a provoca nos momentos de crise, e que ameaça transformar-se em completamente ineficiente frente os sérios acontecimentos provocados pela crise (...)”

“Se a situação assim criada não é modificada radicalmente no futuro imediato, a crise económica na Rússia soviética e a crise da ditadura de fração no partido infligirão duros golpes a ditadura operária na Rússia e ao Partido Comunista Russo (...)”

A situação revolucionária na Alemanha e o fator tempo na política

A ocupação francesa do Ruhr de janeiro de 1923 e uma inflação enorme colocou na ordem do dia a revolução proletária [8]. Os operários desertavam em massa dos sindicatos e a social-democracia que os dirigia através destes perdeu o controle. No entanto, também a direção do Partido Comunista alemão fracassou na prova da revolução. Sua debilidade, assim como a dos outros PCs, tornara-se visível em 1921, quando atuou com um desvio ultra-esquerdista [9]. Em 1923, quando a situação exigia uma mudança brusca de orientação, o partido a tomou sem convicção, com um considerável atraso e quando já era muito tarde.

Ainda assim, o balanço da direção do PCA e, posteriormente, da Internacional Comunista em seu V Congresso (1924), conduzido pela fração de Stálin e do presidente da IC, Zinoviev, considerou a revolução alemã como um simples episódio perdido e não a derrota mais importante do processo revolucionário europeu iniciado em 1917. Desta maneira, afirmavam que haveria outros “Outubros” ou mesmo diziam ter exagerado as condições que estavam colocadas para a revolução, o que impediu que a IC extraísse as conclusões necessárias para o futuro da luta de classes.

Trotsky, pelo contrário, considerou que a derrota da revolução alemã foi o ponto decisivo para a formação de grupos na Rússia, particularmente a Oposição de Esquerda, dada a escala gigantesca da luta de classes de onde se expressavam as diferenças. Respondia de forma categórica, seguindo as definições que formulou conjuntamente com Lênin sobre o desenvolvimento da revolução mundial, presentes no artigo anterior: “Estavam dadas todas as condições para o triunfo da revolução na Alemanha? Penso que teríamos que responder com absoluta claridade e firmeza, sim, todas exceto uma (...) A Alemanha não tinha um partido bolchevique, não tinha uma direção tal como tivemos em Outubro [de 1917, na Rússia]” [10].

Afirmava também que o erro fundamental foi não ter compreendido “a tempo” a necessidade de um giro tático abrupto “O que é mais difícil para uma direção revolucionária é saber no momento oportuno tomar em suas mãos a situação política, perceber sua inflexão brusca e mudar firmemente o rumo. Semelhantes qualidades de direção revolucionária não se obtém simplesmente pelo fato de prestar juramento de fidelidade a última circular da Internacional Comunista; se conquistam, se as premissas teóricas indispensáveis existem, pela experiência adquirida por si mesma e praticando uma auto-crítica verdadeira” [11]. Continua ao afirmar que “Duas grandes lições marcam a histórica do PCA: março de 1821 e novembro de 1923. No primeiro caso, o partido confundiu a sua própria impaciência com uma situação revolucionária madura; no segundo, foi incapaz de reconhecer uma situação revolucionária madura e a deixou escapar. Estes são os perigos extremos da “esquerda” e da “direita” ; estes são os limites entre os quais passa, geralmente, a política do partido proletário em nossa época” [12].

Traduzido por Luís Siebel

[1Ver edição anterior.

[2Por exemplo, em Petrogrado, cuja população diminuiu até 740.000 habitantes em 1920, chegou a 860.000 em 1923 e a colheita de trigo chegou a ¾ do que era obtido antes da I Guerra Mundial. Ver Pierre Broué, O Partido Bolchevique, Cap. VIII.

[3A pressão do partido sobre a indústria, da qual o partido tinha o poder de seus principais ramos, operava em função de diminuir os gastos gerais e aumentar a produtividade, cujos efeitos são precisamente o aumento do desemprego e o estancamento dos salários.

[4Pierre Broué, Idem.

[5Trotsky, Teses sobre a indústria, em Naturaleza y Dinámica del capitalismo y la economía de Transición, CEIP.

[6Ver edição anterior.

[7Em junho de 1923, o governo da Bulgária do chefe camponês Stambulisky foi derrotado militarmente por forças reacionária, encabeçadas por Zankov, posteriormente chefe do fascismo no país. Caracterizando a situação como uma luta entre camarilhas burguesa e desconsiderando tanto o problema camponês, quanto o nacional (os macedónios), o Partido Comunista se declarou neutro. Uma vez no poder, o regime de Zankov submeteu o comunistas a uma feroz perseguição, declarando-o ilegal. Kolarov, representante dos comunistas búlgaros em Moscou, negou ainda assim que o partido tivesse sofrido uma derrota. Em setembro do mesmo ano, sem ter em conta as mudanças ocorridas na situação como resultado de sua passividade em junho, os comunistas organizaram um “putsch” aventureiro que naturalmente fracassou por completo.

[8Esta situação não caiu do céu. A Alemanha foi derrotada na I Guerra Mundial, de caráter imperialista, e mesmo quando a social-democracia conseguiu desviar a revolução de 1918/1919, assumindo em seu governo os interesses da burguesia e implantando a República de Weimar após a queda da monarquia, o país vivia continuas crises políticas e económicas.

[9Ver edição anterior.

[10Trotsky, Discursos sobre a revolução alemã, abril e junho de 1924.

[11Trotsky, Stálin, o grande organizador de derrotas.

[12Trotsky, Os cinco primeiros anos da Internacional Comunista (prefácio).

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