IV INTERNACIONAL, 70 ANOS DE SUA FUNDAÇÃO
O centrismo e a Quarta Internacional
19 Sep 2008 | Em homenagem aos 70 anos de aniversário da IV Intenacional, fundada em 1938, publicamos este pouco conhecido texto de Trotsky, escrito em 1934. Nele, Trotsky discute o conceito de "centrismo" na década de 1930, como subproduto das crises nas II e III Internacionais e do particularmente agudo desenvolvimento da luta de classes. Entendemos que este conceito é enormemente útil para compreender a evolução da IV Internacional após a morte de Trotsky, assim como os desafios que hoje se colocam para sua reconstrução.
Após a Segunda Guerra Mundial, o trotskismo se dividiu em um movimento composto por várias correntes que levantaram posições distintas sobre as transformações do capitalismo os principais acontecimentos políticos e da luta de classes que preencheram a segunda metade do século XX. Dividindo-se entre setores que viram no boom do pós-guerra uma nova fase de desenvolvimento orgânico das forças produtivas (conhecidos como neocapitalistas) e setores que se negavam a ver nesse processo nem mesmo um desenvolvimento parcial (pois um terço do mundo estava sob economia planificada) baseado na destruição massiva de capitais na crise de 1929 e na 2ª Guerra (conhecidos como estancacionistas), o movimento trotskista em seu conjunto terminou adaptando-se às distintas direções stalinistas, frente-populistas e nacionalistas burguesas que encabeçaram as lutas de libertação nacional nas colônias e semi-colônias, seguindo uma evolução essencialmente centrista. A este novo tipo de centrismo denominamos "centrismo de Yalta", em função dos pactos de Yalta e Postdam, que após a 2ª Guerra dividiram o mundo em "zonas de influência" os EUA e a União Soviética, marcando formalmente a relação de colaboração e disputa entre o imperialismo e o stalinismo durante o período preenchido pela chamada "Guerra Fria".
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22 de fevereiro de 1934
1. Os acontecimentos da à ustria, que seguiram aos da Alemanha, terminaram de colocar uma lápide sobre o reformismo “clássico” . De agora em diante, somente os dirigentes mais tontos do sindicalismo britânico e norte-americano e seu seguidor francês Jouhaux, o presidente da Segunda Internacional, Vandervelde, e outros dinossauros políticos, ousariam falar abertamente de desenvolvimento pacífico, das reformas democráticas, etc. Agora, a grande maioria dos reformistas, conscientemente, muda de cor. O reformismo se adapta aos inumeráveis matizes do centrismo que predominam no movimento operário de todos países. Cria-se assim, uma situação totalmente nova, em certo sentido sem precedentes, para o trabalho do marxismo revolucionário (bolchevismo). A nova internacional poderá avançar fundamentalmente às custas das tendências e organizações hoje predominantes. Ao mesmo tempo, a internacional revolucionária não pode se formar de outra maneira do que através da constante luta contra o centrismo. Nestas condições, a intransigência ideológica e uma política flexível de frente única são os dois instrumentos para conseguir o mesmo objetivo.
2. Antes de qualquer coisa, deve-se compreender os traços mais característicos do centrismo moderno. Não é fácil; primeiro, porque devido a sua ambigüidade orgânica, o centrismo adequa-se com dificuldade a uma definição positiva; caracteriza-se mais pelo que lhe falta do que pelo que tem. Segundo, nunca o centrismo jogou, em tal medida, com todas as cores do arco-íris, porque a classe operária nunca esteve em um estado de efervescência como no momento atual. Pela própria essência do termo, efervescência política significa se realinhar, oscilar entre dois pólos ’ o marxismo e o reformismo ’, quer dizer, atravessar as diferentes etapas do centrismo.
3. Por mais difícil que seja dar uma definição geral do centrismo, que necessariamente será sempre de caráter “conjuntural” , podemos e devemos assinalar as características e peculiaridades mais chamativas dos grupos centristas que nasceram do naufrágio das Segunda e Terceira Internacionais.
a) No terreno da teoria o centrismo é amorfo e eclético; na medida do possível foge das obrigações teóricas e tende (no discurso) a privilegiar a “prática revolucionária” sobre a teoria, sem compreender que somente a teoria marxista pode dar uma orientação revolucionária à prática.
b) No terreno da ideologia o centrismo arrasta uma existência parasitária. Utiliza contra os marxistas revolucionários os velhos argumentos mencheviques (Martov, Axelrod, Plekhanov), geralmente sem sequer o suspeitar. Por outro lado, toma emprestado dos marxistas, fundamentalmente dos bolcheviques leninistas, seus argumentos principais contra a direita, mas ao suavizar os aspectos mais agudos da crítica e evitar tirar conclusões práticas, retira todo significado a suas posições.
c) O centrismo está muito disposto a proclamar sua hostilidade ao reformismo, mas nunca menciona o centrismo. Além disso, considera que a própria definição de centrismo é “pouco clara” , “arbitrária” , etc; em outras palavras, o centrismo não gosta que o chamem pelo seu próprio nome.
d) O centrista, sempre inseguro de sua posição e seus métodos, odeia o princípio revolucionário que afirma dizer as coisas tal como elas são. Tende a substituir a política principista pelas manobras pessoais e pela pequena diplomacia entre as organizações.
e) O centrista sempre depende espiritualmente dos grupos de direita e inclina-se a se submeter aos mais moderados, a se calar sobre seus erros oportunistas e ocultar suas ações perante os trabalhadores.
f) O centrista freqüentemente dissimula suas oscilações falando do perigo do “sectarismo” , que para ele não consiste na passividade propagandista abstrata ao estilo bordiguista, mas ao contrário, na pureza dos princípios, na clareza das posições, na coerência política e na perfeição organizativa.
g) A posição do centrista entre o oportunista e o marxista é análoga, em certo sentido, à do pequeno burguês entre o capitalista e o proletário: humilha-se perante o primeiro e despreza o segundo.
h) No plano internacional o centrista se caracteriza, se não pela cegueira ao menos por seu pouco alcance de visão. Não compreende que na época atual somente é possível construir um partido revolucionário nacional como parte de um partido internacional. Ao eleger seus aliados internacionais é ainda menos cuidadoso que em seu próprio país.
i) Na política da Comintern o centrista vê somente os desvios “ultra-esquerdistas” , o aventureirismo e o putschismo, ignorando completamente os zig-zags oportunistas de direita (Kuomitang, Comitê Anglo-Russo, política exterior pacifista, bloco antifascista, etc).
j) O centrista está pronto para rapidamente aderir à política de frente única, mas a esvazia de todo conteúdo revolucionário transformando-na de um método tático em um princípio supremo.
k) O centrista vale-se do moralismo patético para ocultar sua nulidade ideológica; não compreende que a moral revolucionária é forjada unicamente em base a uma doutrina e uma política revolucionárias.
Sob a pressão das circunstâncias, o centrista eclético pode chegar a aceitar as conclusões mais extremas, somente para se relocalizar na prática. Aceitada a ditadura do proletariado, deixará uma ampla margem para interpretá-la de maneira oportunista; proclamada a necessidade da Quarta Internacional, trabalhará pela construção de uma Internacional Dois e Meia, etc.
4. O exemplo mais maligno de centrismo é, se quisermos, o grupo alemão Neu Beginnen [Começar Outra Vez]. Depois de repetir superficialmente a crítica marxista ao reformismo, chega à conclusão de que todas as desgraças do proletariado provêm de suas divisões e a salvação está em proteger a unidade dos partidos social-democratas. Estes senhores colocam acima dos interesses históricos do proletariado a disciplina organizativa de Wels e companhia. E como Wels e companhia subordinam o partido à disciplina da burguesia, o grupo Neu Beginnen, disfarçando-se com a crítica de esquerda roubada dos marxistas constitui na realidade uma prejudicial agência da ordem burguesa, mas se trata de uma agência de segunda categoria.
5. O chamado Bureau de Londres (agora de Amsterdã) é uma tentativa de criação de um foco de atração internacional para o ecletismo centrista que pretende unificar os grupos oportunistas de direita e de esquerda aos que não se decidem, de uma vez por todas, por uma orientação e um programa. Neste, como em outros casos, os centristas tratam de dirigir o movimento obliquamente, seguindo uma linha diagonal. Os elementos que compõe o bloco empurram em direções opostas: o NAP orienta-se cautelosamente rumo a Segunda Internacional, o ILP em parte à Terceira e em parte à Quarta, o SAP e o OSP ’ com dúvidas e vacilações ’ à Quarta. Ao explorar e manter a ambigüidade ideológica de todos seus participantes e ao tratar de competir na criação da nova internacional, o bloco do Bureau de Londres desempenha um papel reacionário. É absolutamente inevitável o fracasso desta agrupação.
6. A definição da política da Comintern como centrismo burocrático mantém toda sua vigência. De fato, somente o centrismo pode saltar constantemente da traição oportunista ao aventureirismo ultra-esquerdista, somente a poderosa burocracia soviética podia assegurar durante dez anos uma base estável para a ruinosa política dos zig-zags.
Diferentemente dos grupos centristas que se formaram a partir da social-democracia, o centrismo burocrático é produto da degeneração do bolchevismo; ele conserva ’ sob forma caricatural ’ alguns de seus traços, dirige ainda uma considerável quantidade de trabalhadores revolucionários e conta com extraordinários meios materiais e técnicos. Mas sua influência constitui a mais crassa, desorganizadora e prejudicial variedade do centrismo. A derrota política da Comintern, evidente para todo o mundo, significa, necessariamente, a ulterior decomposição do centrismo burocrático. Neste terreno, nosso objetivo consiste em salvar os melhores elementos para a revolução proletária. Junto com a incansável crítica principista, nosso principal meio para influir sobre os trabalhadores que estão na Comintern é a maior penetração de nossas idéias e métodos nas amplas massas que, em sua maioria, estão fora da Comintern.
7. Precisamente agora, quando o reformismo se vê obrigado a renunciar a si mesmo se transformando em centrismo ou se diluindo nele, alguns grupos centristas de esquerda, ao contrário, se detém em sua evolução e inclusive retrocedem. Parece-lhes que os reformistas já fizeram quase tudo, que a única coisa que falta é não lhes dirigir exigências exorbitantes, críticas e fraseologias extremas; então, de um só golpe, poderá se criar o partido “revolucionário” de massas.
Na realidade o reformismo, obrigado pelos acontecimentos a desacreditar de si mesmo, sem programa claro, sem tática revolucionária, somente pode adormecer os trabalhadores avançados lhes inculcando a idéia de que já se conseguiu a regeneração revolucionária de seu partido.
8. Para um marxista revolucionário, neste momento, a luta contra o centrismo substituiu quase completamente a luta contra o reformismo. Na maioria dos casos, resulta inútil a simples contraposição da luta legal com a ilegal, dos meios pacíficos com a violência, da democracia com a ditadura. Agora, o aterrorizado reformista, desautorizando a si mesmo, está disposto a aceitar as fórmulas mais “revolucionárias” , sempre que não o obriguem a romper com sua indefinição, sua indecisão e sua passividade de esperar. Portanto, a luta contra os oportunistas ocultos ou mascarados, deve ser levada a cabo totalmente no terreno das conclusões práticas que derivam das condições revolucionárias.
Antes de aceitar o palavreado centrista sobre a “ditadura do proletariado” , temos que exigir a defesa séria contra o fascismo, a ruptura total com a burguesia, a construção sistemática de milícias operárias, seu treinamento em um espírito militante, a criação de centros de defesa interpartidários que sejam quartéis antifascistas, que eliminem de suas fileiras os parlamentares, sindicalistas e outros traidores, lacaios da burguesia e arrivistas. Precisamente neste plano deve ser levada a cabo a principal luta contra o centrismo. Para fazê-la com êxito deve-se ter as mãos livres, quer dizer, manter a mais completa independência organizativa e intransigência crítica às manifestações mais “esquerdistas” do centrismo.
9. Os bolcheviques leninistas de todos os países devem compreender claramente as peculiaridades desta nova etapa na luta pela Quarta Internacional. Os acontecimentos da à ustria e da França impulsionam poderosamente o realinhamento das forças do proletariado em uma direção revolucionária. Mas precisamente este fenómeno universal de substituição do reformismo aberto pelo centrismo, exerce uma poderosa atração sobre os grupos centristas de esquerda (SAP, OSP) que ainda ontem estavam dispostos a se unir com os bolcheviques leninistas. Este processo dialético pode produzir a impressão superficial de que o setor marxista está novamente “isolado” das massas. Flagrante erro! As oscilações do centrismo à direita e à esquerda são parte de sua própria natureza. Em nosso caminho ainda cruzaremos com dezenas e centenas de episódios como estes. Seria a pior das debilidades temer seguir adiante somente porque tropeçamos com obstáculos ou porque nem todos nossos camaradas de caminho nos acompanharam até o final.
As condições gerais para a formação da Quarta Internacional em base ao genuíno bolchevismo se tornam cada vez mais favoráveis, independentemente de que as novas vacilações oportunistas de nossos aliados centristas demonstrem ser conjunturais ou definitivas (na realidade haverá de ambos tipos). A perseguição dos esquerdistas comuns pelos centristas de “extrema esquerda” , ou a dos moderados pelos esquerdistas, ou a dos direitistas pelos moderados, ao modo como um homem persegue sua própria sombra, não pode criar nenhuma organização de massas estável; a miserável experiência do Partido Independente da Alemanha (USP) conserva toda sua vigência. Sob a pressão dos acontecimentos e com a ajuda de nossa crítica e de nossas consignas, os operários avançados superarão as vacilações da maior parte dos dirigentes centristas de esquerda, e, se for necessário, superarão também a estes mesmos dirigentes. No caminho a uma nova internacional, a vanguarda proletária não encontrará outras respostas que as elaboradas pelos bolcheviques leninistas baseadas na experiência internacional, durante dez anos de constante luta teórica e prática.
10. No ano passado nossa influência política aumentou em vários países. Com as seguintes condições poderemos desenvolver e ampliar estes êxitos em um prazo relativamente breve:
a) Não burlar o processo histórico, não esconder a verdade, mas dizer as coisas tal como são.
b) Analisar teoricamente as mudanças na situação geral, que na época atual, freqüentemente são muito bruscas.
c) Avaliar cuidadosamente o estado de ânimo das massas, sem preconceitos, sem ilusões, sem auto-engano, e assim, baseando-se em uma apreciação correta das relações de força dentro do proletariado, evitar o oportunismo e o aventureirismo e impulsionar as massas adiante, não fazê-las retroceder.
d) Todos os dias, hora a hora, nos perguntar qual deve ser nosso próximo passo prático, prepará-lo infatigavelmente e, nos apoiando na experiência, explicar aos trabalhadores as diferenças de princípios entre o bolchevismo e todos os demais partidos e correntes.
e) Não confundir os objetivos táticos da frente única com o objetivo histórico fundamental, a criação de novos partidos e de uma nova internacional.
f) Não desprezar nem o aliado mais débil em função da atividade prática.
g) Analisar criticamente até o mais “esquerdista” dos aliados como um possível adversário.
h) Tratar com a maior atenção os grupos que realmente se inclinam a nós; escutar paciente e cuidadosamente suas críticas, dúvidas e vacilações; ajudá-los a avançar ao marxismo; não se assustar com seus caprichos, ameaças e ultimatos (os centristas são sempre caprichosos e suscetíveis); não lhes fazer nenhuma concessão de princípio.
i) E, mais uma vez, não ter medo de dizer as coisas tal como são.
O centrismo e a Quarta Internacional. The Militant, 17 de março de 1934.
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Para entender mais
Durante o ano de 1933 o regime de Dolfuss na à ustria foi eliminando os direitos operários e democráticos, enquanto a poderosa social-democracia austríaca protestava e ameaçava se lançar à luta se Dollfuss fosse longe demais. A crise eclodiu no começo de 1934, quando as provocações do governo se aceleraram tanto, que a social-democracia chamou a greve geral e os trabalhadores de Viena lutaram, com armas na mão, de 11 a 16 de fevereiro, até que a artilharia do governo os esmagasse e os submetesse. Houve centenas de mortos, milhares de presos e a social-democracia, em que pese o heroísmo dos trabalhadores, foi destruída.
Leon Jouhaux (1870-1954): secretário geral da CGT, a principal federação sindical da França. Foi reformista, social-patriota e partidário da colaboração de classes.
O Partido Social-democrata Independente (USP) da Alemanha foi fundado em 1917 por elementos centristas do Partido Social-democrata. A maioria do USP entrou no Partido Comunista Alemão em 1920, enquanto a minoria seguiu existindo como organização independente membro da Internacional Dois e Meio até 1922, quando o USP voltou às fileiras do Partido Social-democrata oficial, com exceção de um pequeno grupo centrista dirigido por Ledebour.
Traduzido por Luis Siebel
Leon Trotsky, 1934
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