Terça 30 de Abril de 2024

Teoria

IV INTERNACIONAL, 70 ANOS DE SUA FUNDAÇÃO

A Oposição e as "Lições de Outubro"

23 Aug 2008 | As "Lições de Outubro”, de Leon Trotsky, escrito em 1924 como prólogo às suas obras editadas pelo Estado Soviético – e última a ser publicada oficialmente, iniciou um outro campo de combate nas lutas fracionais do Partido Bolchevique. O chamado “debate literário” de Trotsky se marcou pela recuperação do verdadeiro sentido da revolução de outubro, além de ser um golpe fatal ao revelar o papel da tróika (Stálin, Zinoviev e Kamenev) no ano de 1917. Expressão fundamental da luta ocorrida no seio do partido nos meses anteriores ao Outubro vermelho são as “teses de abril”, símbolo da visão de Lênin com relação as “velhas fórmulas” (ditadura democrática), que levaram importantes setores do partido a negar a necessidade de uma insurreição proletária.   |   comentários

Após a derrota dos processos revolucionários na Alemanha e na Bulgária, Trotsky afirmava naquele momento que não se realizou um estudo sistemático dos problemas que colocava a insurreição para os revolucionários. Defendia que era necessário elaborar estrategicamente e popularizar as conclusões da primeira revolução operária vitoriosa para a classe operária e para os militantes revolucionários da Internacional Comunista, apelando para que continuassem a obra iniciada pelo proletariado russo.

Consegue, com o livro “Lições de Outubro” , intervir na dura luta política iniciada no interior do partido, expondo os problemas fundamentais da revolução proletária mundial, em torno das lições da Revolução Russa de 1917 ’ posicionava-se nesse sentido contra as frações do partido russo que recontavam a história da própria revolução para justificar uma determinada política.

Os eixos centrais de sua obra são: indicar o papel fundamental do partido e da classe operária em um processo revolucionário, contrapondo a vitória na Rússia e a derrota na Alemanha de 1923; a figura de Lênin como elemento chave da direção do partido, capaz de aglutinar sua organização no momento da tomada do poder, mediante uma importante luta fracional.

Recorreu aos principais problemas do processo revolucionário, desde a concepção da revolução que guiou o bolchevismo e os debates do partido nos momentos de auge da luta de classes, que expressavam o estado de ânimo dos diferentes setores das massas no processo que culminou com o triunfo da classe trabalhadora. Isto se deu, pois esta organização possuía fortes vínculos com as massas, em especial com a vanguarda proletária. Todas estas questões conferem a esta obra um caráter polêmico, que o colocará em um confronto aberto com outras frações dirigentes do partido, desatando de uma vez por todas uma forte reação contra o seu autor.

Mais de uma vez, Trotsky ressaltava o papel fundamental do partido para a classe operária: “Uma classe exploradora é capaz de tomar o poder de outra classe exploradora apoiando-se em suas riquezas, sua ”˜cultura”™, em suas inumeráveis ligações com o velho aparato estatal. No entanto, quando se trata do proletariado, não há nada capaz de substituir o partido” [1]. Também explica que o partido bolchevique se forjou “na luta contra o czarismo, na atividade clandestina, na elaboração teórica, em sua luta contra o menchevismo, contra os narodniki, contra o conciliacionismo, na experiência da revolução de 1905, na elaboração teórica dessa experiência durante os anos da contra-revolução, sua análise dos problemas do movimento operário internacional desde o ponto de vista das lições de 1905” [2]. Estes combates prévios ao momento da insurreição foram os que selecionaram os dirigentes e militantes, seus protagonistas.

Os tempos da revolução e os debates no partido

Após a revolução de fevereiro de 1917 [3], a primeira crise do partido bolchevique ocorre em abril, quando a maioria de sua camada dirigente, entre eles Zinoviev e Kamenev, era de conciliadores com os mencheviques: muitos dirigentes se inclinavam a integração na república democrática, como sua ala de ultra-esquerda, já que consideravam que a Rússia deveria passar por uma etapa de “democracia burguesa” antes da revolução proletária. Trotsky, citando Lênin, afirmou: “Não devemos nos apegar às velhas fórmulas, mas sim a nova realidade. Abarca esta nova realidade a fórmula de ”˜velho bolchevique”™ de Kamenev, quando trata de afirmar que não terminou a revolução democrático-burguesa? Não, semelhante forma é inadequada. Carece de valor e está morta. Inúteis serão os esforços de ressuscita-la” . Lênin inicia, tão logo chegava à Rússia revolucionária, uma luta dentro do partido bolchevique para preparar a vanguarda operária para a tomada do poder e o estabelecimento da ditadura do proletariado.

Na época imperialista, a burguesia não pode cumprir um papel revolucionário resolvendo as tarefas democráticas: está ligada por mil laços económicos ao capital dos países mais avançados, a aristocracia latifundiária; resolver as tarefas democráticas, por exemplo, a propriedade da terra, atenta contra os seus próprios interesses. Fica nas mãos do proletariado a resolução das tarefas democráticas da revolução burguesa. Esta questão, que teve no pensamento de Lênin e Trotsky os mais profundos desenvolvimentos para o marxismo no início do século XX, tomou forma histórica na revolução russa de 1917, dando a devida razão ao segundo, e mediante a transformação do pensamento de Lênin de “aritmética em álgebra” expressa nas “Teses de Abril” , nos dizeres de Trotsky (a “velha fórmula” da ditadura democrática dos operários e camponeses dá lugar a uma visão que se conflui com a teoria da revolução desenvolvida por Trotsky desde 1905). As Lições de Outubro recuperavam, portanto, o verdadeiro sentido histórico da revolução proletária na Rússia.

Após as jornadas de julho e a tentativa de golpe de estado do general Kornilov, graças à mobilização das massas e a política do partido bolchevique, se forma o Pré-Parlamento, através do qual se tentava desviar o país do caminho revolucionário dos soviets (conselhos) para seguir a via burguesa e constitucional. Nesse momento, Lênin luta para ganhar os setores mais avançados do proletariado para tomar o poder, e através deles, os setores mais avançados do partido. É neste ponto que eminentes membros do partido, Zinoviev e Kamenev, mas também Stálin, adotam a posição de Lênin. No entanto, voltam a se enfrentar contra o importante giro nos momentos prévios da insurreição, defendendo que estavam contra um levantamento armado do proletariado e que a saída era a Assembléia Constituinte. Após a tomada do poder defendiam que era necessário restituir o poder aos partidos derrotados pela classe operária. Trotsky, cuja organização recentemente se unia aos bolcheviques [4], pelo contrário, sustenta a mesma posição de Lênin.

Em seu livro, no calor do próprio processo revolucionário, demonstra os problemas fundamentais de sua “teoria da revolução permanente” [5]. Em primeiro lugar, o fato de que a época imperialista implicava o amadurecimento das condições objetivas para a revolução em um país atrasado como a Rússia e, em segundo lugar, que se manter na etapa da “revolução democrática” e deixar o poder nas mãos da burguesia significava não resolver os grandes problemas das massas: pão, paz e terra: “O programa da revolução socialista no interior e da revolução socialista no exterior ’ era este o programa de Lênin.” , concluía Trotsky nas Lições.

A “teoria do socialismo em um só país”

Trotsky demonstrava ainda que os “homens fortes” de Lênin rumavam para o seu oposto, enquanto os problemas fundamentais da estratégia revolucionária convergiram entre as mais importantes figuras da revolução russa. A aparição do livro, anunciado no Pravda em 12 de outubro de 1924 é respondida pela tróika com uma enxurrada de artigos denunciando o “trotskismo” : Kamenev publicou “Leninismo ou trotskismo” , Stálin “Trotskismo ou leninismo” e Zinoviev “Bolchevismo ou trotskismo” . Acusavam Trotsky de revisionismo, de liquidador do leninismo etc. Em dezembro, vendo que combater no terreno de 1917 era desfavorável, lançam acusações contra o “pecado original” de Trotsky, a revolução permanente, que teve a sua primeira elaboração como produto do balanço da revolução de 1905 na Rússia e que previa 12 anos antes a dinâmica do processo revolucionário russo que finalmente a história se encarregou de mostrar.

Nas palavras do historiador Pierre Broué: “Stálin, em uma de suas primeiras incursões na teoria conclui com seu particularíssimo estilo: ”˜o abismo que separa o leninismo da teoria da revolução permanente”™” [6]. O aparato do partido usa contra Trotsky o controle da imprensa partidária, são exibidos “documentos” que existiam em arquivos empoeirados para distorcer velhas divergências etc. “O aparato, em centenas de colunas de jornais, por meio de todos os órgãos possíveis, escolas, oradores e propagandistas, forja o conceito de ”˜trotskismo”™” [7], que espalharia uma suposta desconfiança e subestimação do papel do partido e desprezo pelos camponeses, que seriam as concepções, segundo os epígonos, que explicariam os desacordos de Lênin e Trotsky no passado.

Em 1924 Stálin formulou pela primeira vez a “teoria do socialismo em um só país” [8], que de acordo com Trotsky se reduzia a uma “concepção estranha à história e estéril, de que as riquezas naturais permitem que a URSS construa o socialismo dentro de suas fronteiras geográficas” [9]. Em 1925 Stálin a definiu como “a possibilidade de resolver entre o proletariado e os camponeses, com as forças interiores em nosso país, a possibilidade de que o proletariado tome o poder e o utilize para edificar a sociedade socialista completa em nosso país, contando com a simpatia e o apoio dos proletários dos demais países, mas sem que previamente triunfe nestes países a revolução proletária” [10]. Queria, dessa maneira, impor a idéia de que a revolução já havia terminado, que as contradições sociais desapareceriam de forma gradual, que o kulak [camponês rico] seria assimilado pelo socialismo e que tudo evoluiria pacificamente, à margem do que ocorria nos outros países.

Até a morte de Lênin, não se sugeria nos círculos dirigentes a mínima possibilidade de que o socialismo pudesse se construir dentro das fronteiras nacionais, nem da URSS e nem de qualquer outro país. De fato, Lênin se opunha frontalmente a esta idéia [11]: “Sempre nos comprometemos a desenvolver uma revolução internacional, e isto é certo incondicionalmente...que sempre afirmamos no fato de que em um só país é impossível concretizar uma tarefa tal como a revolução socialista” [12].

No entanto, como afirmava Trotsky “As grandes derrotas do proletariado europeu e os primeiros êxitos da economia soviética, apesar de tudo muito modestos, sugeriram a Stálin, durante o outono de 1924, que a missão histórica da burocracia era construir o socialismo em um só país” [13].Desta maneira, a “teoria” de Stálin constituiu inicialmente como uma resposta pragmática ao cansaço das massas após o país ser assolado por 14 exércitos imperialistas, de ter suportado os duros anos da guerra civil e os primeiros avanços da economia no período da NEP. Deste estado de ânimo os epígonos se aproveitaram de preciosos momentos para desacreditar Trotsky na luta fracional, que a partir deste momento batalhou por reconstruir o marxismo revolucionário até o final de sua vida.

Os problemas da NEP e as novas oposições

No início de 1925 Trotsky foi expulso do governo, uma das últimas conseqüências da derrota da Oposição de 1923, como já refletimos em artigos anteriores. As dificuldades originadas, sobretudo na economia, nutrirão novas oposições à fração dirigente. Ainda que a URSS tivesse alcançado a saída do período agudo de crise económica e social, se aprofundava a diferenciação social gerada pela NEP: o kulak e o nepman conseguiam um maior poder de controle da economia a ponto de se colocar perguntas, tais como, se se deveria depender a industrialização da satisfação das reivindicações dos camponeses acomodados. Este debate foi desenvolvido, por exemplo, entre importantes teóricos bolcheviques como Bukárin e Preobrazhensky.
Em setembro, na cidade de Leningrado, centro importante do proletariado russo e área de influência de Zinoviev, se iniciou um processo de descontentamento de setores dos operários frente à situação económica e a degeneração do regime do partido, que os próprios seguidores de Zinoviev e Kamenev não podiam ignorar. Surgia uma nova ala esquerda, distinta da formada em 1923, basicamente por eminentes membros do partido, pois estava ligada organicamente a uma camada do proletariado. Zinoviev e Kamenev aproveitaram a sua influência no aparato de Leningrado, enquanto Stálin fez sobre o de Moscou, para empregar os mesmos métodos utilizados contra Trotsky e a primeira oposição: destituíam os seus adversários dos postos de maior responsabilidade, censuravam e exilavam os dissidentes.

Zinoviev e Kamenev, que já vinham de certos enfrentamentos contra Stálin, após enfrentar também as “lições de outubro” , se pronunciaram por fim contra a orientação económica de Bukárin, considerada como “ala direita” por propor o aprofundamento da NEP e dos elementos burgueses, ou seja, em última instância de fortalecer o perigo da restauração capitalista. Entre outubro e dezembro, durante os preparativos do XIV Congresso do partido, terminavam de delinear as suas diferenças contra Stálin não somente no que se referia ao programa económico de Bukárin, mas também sobre a resolução sobre o “socialismo em um só país” , tomando como suas muitas das discussões da Oposição de Esquerda, mas que vinha justamente de uma derrota em grande medida pelos mesmos que assumiam parte de suas bandeiras. Ainda que no Congresso se colocaram importantes debates e inclusive voltou à tona questionamentos sobre o testamento de Lênin (Krupskaia, companheira de Lênin, reivindicou Trotsky e denunciou os métodos da tróika, após ela mesma ter participado da campanha contra o “trotskismo” ), Stálin conseguiu que fosse votada a sua linha política e pode garantir ainda a sua primazia na direção do partido.

Este momento foi um novo prólogo da nova etapa de importantes lutas dentro do partido bolchevique, caracterizadas pela aliança entre uma ala direita (Bukárin) e uma ala centro (Stálin) e a formação da Oposição Unificada, que integrava os “trotskistas” e a “nova oposição” de Zinoviev e Kamenev, tema que abordaremos em artigo posterior, após algumas seções de nosso jornal dedicadas, no mês de setembro, ao aniversário de 70 anos de fundação da IV Internacional.

[1Idem.

[2Idem.

[3Para aprofundar ver A Revolução de Outubro, editada por ISKRA e Boitempo (2007) e A História da Revolução Russa.

[4León Trotsky era nessa época membro da Organização Inter-Distrital (mezhrayontsi) que agrupava cerca de 4.000 membros em Petrogrado e 1.000 em organizações militares. Entre os seus membros mais destacados se encontravam: Lunacharsky, Volodarsky, Uritzky, Joffe, Manuilsky, Karakhan, Riazanov, Pokrovsky e Uren. Uniu-se ao partido bolchevique em julho de 1917.

[5Para aprofundar esta questão ver A Revolução Permanente (1929) de Leon Trotsky.

[6Pierre Broué, O Partido Bolchevique, Cap. IX.

[7Idem.

[8Stálin publicou em 1924 no Pravda e no Izvestia o artigo “Outubro e a teoria da revolução permanente do camarada Trotsky” .

[9León Trotsky, A Revolução Traída (1936).

[10Stálin, Questões do Leninismo (1924).

[11Outras importantes referências sobre a esta questão podem ser encontradas em Victor Serge, Ano I da Revolução, reeditado recentemente.

[12Lênin, Obras completas, vol.25.

[13León Trotsky, Idem

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