Segunda 29 de Abril de 2024

Internacional

Terremoto político no Oriente Médio: o significado da vitória do Hamas

05 Feb 2006   |   comentários

A estrondosa vitória do Hamas nas eleições legislativas da Autoridade Nacional Palestina ocorridas em 25 de janeiro traz mais contradições ao já convulsionado cenário político do Oriente Médio. O Hamas, grupo de militantes islâmicos que possui um amplo contingente armado entre suas fileiras, obteve 76 cadeiras dentre as 132 do parlamento, se alçando como a principal força política da ANP e impondo ao Fatah, partido político do presidente conciliador Mahmoud Abbas, uma amarga derrota.

As eleições na ANP se deram em meio à continuação da insurgência no Iraque, à ofensiva dos imperialismos norte-americano e europeu contra o Irã pelo seu programa de enriquecimento de urânio, e pela retirada da cena política israelense do “falcão” Ariel Sharon, que inaugura um cenário extremamente incerto na política da região. Dessa forma, ainda que o caráter do Hamas no governo esteja por se definir no próximo período, trata-se indubitavelmente de um golpe para a política do imperialismo norte-americano na região, e principalmente ao porta-voz de seus interesses, Israel.

Uma mudança significativa no cenário político da ANP

A ascensão do Hamas ao governo da Autoridade Nacional Palestina teve como motivações o repúdio crescente das massas palestinas em relação à crescente corrupção do governo de Mahmoud Abbas e da cúpula de seu partido, somada à descrença em relação às negociações com Israel, e as péssimas condições de vida da imensa maioria.

Enquanto os militantes do Hamas comemoravam pelas ruas a vitória, um setor da base do Fatah se dirigiu para frente da casa de Abbas para pedir sua renúncia e protestar contra a corrupção. Segundo as palavras de um de seus principais dirigentes, o ex-ministro e um dos encarregados em negociar com Israel, Saeb Erakat, as causas da derrota do Fatah residem em que: “Temos cometido uns tantos erros. Estão nos castigando porque não conseguimos alcançar uma paz definitiva durante estes últimos anos, porque a corrupção que temos tido tem sido exagerada, porque a negociação com Israel tem se detido e a ocupação continuado, enquanto as condições gerais de vida não têm melhorado.”

Apesar da análise relativamente lúcida que faz Erakat a respeito dos motivos que levaram a tamanho desgaste do seu próprio partido, os líderes do Fatah se encontram numa situação adversa para mudar sua política, ainda que quisessem. Isto porque o papel cumprido pela cúpula do Fatah de buscar uma via de acordos com Israel tem sido uma constante. A corrupção, endêmica no capitalismo, assume na ANP contornos ainda mais dramáticos pelo fato de grande parte de seu orçamento provir de “doações” realizadas pelos imperialismos norte-americano, europeu, e até mesmo por Israel em troca do disciplinamento do povo palestino, explicita que os membros do Fatah no poder estão literalmente à venda.

A visão do Hamas como organização capaz de levar uma política distinta do Fatah no que diz respeito à corrupção foi crucial para a vitória do primeiro. Isto tem relação com uma mudança no próprio caráter do Fatah, cujo atual líder, Mahmoud Abbas tem surgido aos olhos da imensa maioria como pouco consistente em todas as questões mais importantes, tanto no que diz respeito ao conflito com Israel, como em relação à degradação de suas condições de vida. "O Hamas é muito bem administrado e tem a vantagem de ser muito disciplinado, a palavra de sua liderança é lei. Com o Fatah acontece o contrário: após a morte de [Iasser] Arafat, dezenas de facções passaram a disputar o poder, e ninguém sabe quem manda de verdade", afirmou o estudante Ahmad Akram.

A crise do Fatah se inicia de fato com a morte de Iasser Aaraft, líder histórico da ANP que apesar de ter sido peça chave nos reacionários acordos de cessar-fogo, mantinha muita autoridade frente à população palestina. O seu exílio forçado pelos israelenses em Ramalah, que durou até sua morte no ano passado, contribuiu para que Arafat mantivesse aos olhos da imensa maioria uma imagem de líder comprometido com a causa fundamental dos palestinos de ter um Estado próprio, ainda desde o início da década de 90 já tivesse renunciado abertamente à luta contra Israel. Porém, Abbas nunca possuiu a mesma autoridade, tendo sido sempre um burocrata que orbitava em torno de Arafat, e se dedicava a negociar com o exterior já na fase abertamente conciliadora do Fatah.

Hoje, frente à vitória do Hamas e à pressão imperialista que isto ocasiona, Abbas tenta se diferenciar reafirmando todos os esforços que têm feito desde que foi eleito para acabar com a resistência armada e honrar a “paz” imposta. Isto pode deixá-lo ainda mais isolado internamente, acelerando a decadência do Fatah como força política no interior da ANP.

Neste sentido, a ascensão do Hamas abre contradições para o próprio regime da ANP. Seu processo de fundação, fruto do Acordo de Oslo de 1993, resultou em um regime pensado sob medida para que Arafat e o Fatah comandassem toda as esferas da política palestina, visando criar as condições para que este pudesse garantir internamente os limites do acordo firmado com os israelenses sob a batuta do presidente norte-americano Bil Clinton. Assim sendo, o regime da ANP nunca esteve numa situação como a que se depara hoje, de ter um presidente do Fatah e o governo composto por outra força política, sobretudo como o Hamas, que até o momento mantém sua linha de clamar pelo fim de Israel e pela recuperação de todo o território palestino.

Para Israel, que segue tendo um cenário de grandes indefinições e crescentes conflitos internos pela retirada de cena de Sharon, a eleição do Hamas vem aprofundar as tensões presentes. A eleição na ANP aprofunda ainda mais a polarização aberta entre os palestinos e a política levada a cabo por Israel de promover o assassinato de dirigentes e ativistas palestinos, demolição de casas, bombardeios a acampamentos de refugiados, e etc. O recente conflito entre os colonos que se negavam a desocupar a Faixa de Gaza e a polícia israelense que deixou 200 pessoas feridas, que afirmavam que a retirada “unilateral” promovida por Sharon fortalecia ao Hamas, é uma expressão pela direita da resposta de alguns setores extremistas israelenses. Não está descartado que no marco de um recrudescimento das tensões o governo de Israel, hoje sob o comando de Ehud Olmert, busque se apoiar justamente sobre estes setores direitistas para combater os palestinos.

Hamas: origens e perspectivas

O Hamas surgiu durante a primeira Intifada palestina em 1987, e declarava como objetivos fundamentais a luta contra Israel e o restabelecimento de um Estado com os territórios que foram arrancados dos palestinos em 1948. A recusa em reconhecer os termos estabelecidos no reacionário acordo de Oslo rendeu ao Hamas o status de “organização terrorista” disseminado mundo afora pela aliança EUA-Israel.

Uma vez no poder, coloca-se para o Hamas a questão de como este atuará frente à pressão que já vem sofrendo. Inúmeros analistas burgueses têm afirmado que o Hamas tenderá a abandonar paulatinamente a fidelidade à luta armada pela libertação nacional do povo palestino. Obviamente que esta é uma das perspectivas mais plausíveis, pois o fato do Hamas ser uma direção burguesa impede que esta leve até as últimas conseqüências a luta de libertação do povo imperialismo.

Desta maneira, a hipótese mais provável é que o Hamas tente manter ao menos em parte o seu discurso antiimperialista, numa tentativa de conter suas alas mais radicais, ao mesmo tempo em que destacará no governo setores mais moderados. Este cenário caso se consolide, pode trazer ainda mais contradições já que o Hamas foi eleito justamente por se apresentar como alternativa distinta ao Fatah, o que por sua vez emana da ligação com a luta pela autodeterminação. Capitulando, o Hamas cairia no mesmo ciclo de corrupção que hoje atinge o Fatah, e poderia ter de se enfrentar com sua própria base.

As contradições para o imperialismo e sua política de “levar a democracia” ao Oriente Médio

A política do imperialismo ianque de cortar o repasse de verbas à ANP mostra o real caráter que se encerra por detrás dos demagógicos discursos do imperialismo ianque de que “é necessário levar a democracia ao Oriente Médio” . Torna-se claro que a “democracia” só é realmente legítima quando vai ao encontro das aspirações dos EUA e de seu aliado Israel.

Mais além, a eleição do Hamas que surpreendeu os falcões de Washington, desnuda a fragilidade da estratégia dos EUA de tentar impor regimes dóceis aos seus interesses em países do Oriente Médio sob o manto da “democracia” . Isto porque as forças políticas e agrupamentos que integram o “Islã político” , surgido após o fracasso histórico do nacionalismo burguês e baseado em um discurso antinorte-americano e anti-sionista, e que tem arrastado para suas fileiras os setores mais radicalizados das massas árabes e muçulmanas, está ganhando cada vez mais espaço nas urnas.

Para os marxistas revolucionários as eleições expressam, ainda que de maneira distorcida, o estado de ânimo das massas. Desta forma, o resultado das eleições que têm ocorrido no Oriente Médio mostram a aspiração inequívoca dos povos de alguns dos países mais importantes de terem o direito democrático de se autodeterminarem atendido. Isto se mostra no Líbano, em que o grupo militante Hizbolah, também tido como “terrorista” pelo imperialismo, foi eleito como o representante dos xiitas naquele país, e no Egito onde o ditador Hosni Mubaraki para contentar aos ianques aplicou uma dose de “democracia” e realizou eleições legislativas que levaram a Irmandade Muçulmana a obter a maioria das cadeiras disponíveis. No Irã o presidente Ahmadinejad se elegeu contra um candidato que prometia aproximar mais o país do Ocidente. Dessa forma, a exportação da “democracia” ao Oriente Médio pelos EUA não tem resultado nos interlocutores desejados pelo imperialismo, mas no fortalecimento do sentimento antinorte-americano.

Faz-se necessário que estas aspirações se traduzam em uma luta aberta das massas árabes e muçulmanas pelo fim de sua opressão, pelo fim das vergonhosas condições a que estão submetidos pelo imperialismo e seu cão de guarda, Israel, e para que conquistem as suas mais que legítimas aspirações democráticas.

A posição dos revolucionários frente à eleição do Hamas

Os revolucionários nos colocamos incisivamente contra a reacionária política imperialista de qualificar como “terroristas” todos os que se colocam contra sua ofensiva e lutam pela sua auto-determinação. Neste sentido, defendemos a vontade do povo palestino, que elegeu o Hamas ao governo, contra as ameaças e chantagens do imperialismo norte-americano e seu sócio, Israel.

Entretanto, ressaltamos que a política do Hamas de instituir um estado teocrático islâmico alimenta enfrentamentos baseados na religião, e não entre as distintas classes sociais. Dessa maneira, escamoteia que a religião serve para manter a dominação da burguesia destes países. Soma-se a isso o fato de que o estado teocrático que buscam impor atenta contra as liberdades democráticas mais elementares, discrimina as mulheres, e defende a burguesia religiosa palestina contra as classes exploradas.

Defendemos incondicionalmente as bandeiras do povo palestino de ter seu estado reavendo todo o território que lhe fora usurpado, porém sustentamos que sua verdadeira emancipação só se efetivará com a consolidação da Federação das Repúblicas Socialistas do Oriente Médio

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