Sábado 27 de Abril de 2024

Internacional

UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA

Que programa os revolucionários devem levantar para a luta do povo palestino

15 Feb 2009   |   comentários

Entre as organizações e setores que saíram em defesa da luta do povo palestino há diversas posições a respeito de qual programa deve ser levantado para esta luta. Que rumo deve tomar a luta pela libertação nacional e qual a direção necessária para levá-la a frente são questões da maior importância. Buscaremos aqui brevemente abrir uma discussão com a posição defendida pela direção da LIT e do PSTU, que como nós da LER-QI se colocam como parte do trotskismo, de levantar a consigna por uma Palestina “laica, democrática e não racista” .

Em um artigo intitulado “A encruzilhada palestina: dois estados ou palestina laica, democrática e não racista?” a LIT abre uma discussão com os mandelistas do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU), corrente originária do trotskismo que está num curso cada vez mais decidido à direita [1], que defendia a solução de dois estados, o de Israel e outro formado a partir do que restou dos territórios atualmente ocupados pelos palestinos como parte da Cisjordânia e a Faixa de Gaza, o PSTU corretamente coloca como esta é uma posição capituladora, que na prática reproduz a política da própria ONU e do imperialismo.

Ao argumento de um dos dirigentes do SU, Michel Warshawski, que afirmava que a política de dois estados seria a única via de “deter a loucura assassina em curso” , e que para tal seria necessária “uma intervenção internacional” , a LIT responde corretamente que “Para Warshawski, parece que “a comunidade internacional” , ou a ONU tivessem outra política, qualitativamente diferente, sobre o conflito, distinta dos “planos de paz” que vêm sendo aplicados. Como se junto com a intervenção militar da ONU chegassem os planos de paz ”˜verdadeiros”™, nos quais seriam reconhecidas as legítimas reivindicações palestinas. Não se lembra que foi a ONU que repartiu a Palestina para permitir, primeiro, que se formasse e depois desse legitimidade internacional ao Estado sionista?” .

Neste sentido, compartilhamos completamente com a posição de que não se pode chamar a ONU, organismo internacional do imperialismo, para “resolver” a questão palestina. Tampouco se pode ignorar que a “solução” de dois estados é na verdade a imposição da renúncia por parte do povo palestino em reaver seus territórios tomados para a fundação do estado de Israel em 1948 e na Guerra dos Seis Dias em 1967, e a imposição de que estes abram mão de seu direito democrático elementar de constituírem seu próprio estado no conjunto do território histórico palestino, tendo que se contentar em ter como “estado” unidades territoriais sem nenhuma ligação entre si, que representam menos de um terço de seu território original. Isso significaria na prática a renúncia da possibilidade de retorno dos mais de 3,8 milhões de refugiados palestinos. Portanto, compartilhamos com a LIT e o PSTU a posição de que o problema reside na natureza colonialista do estado de Israel, e só seu fim pode dar lugar a uma solução para o problema do povo palestino, e possibilitar que árabes e israelenses convivam em paz, e nunca acordos costurados pelo imperialismo e seus organismos internacionais que condenam o povo palestino à renúncia de suas mais elementares reivindicações.

Entretanto, ao levantar como programa a luta por uma Palestina “laica, democrática e não racista” sem dizer como pode se conquistar e quem tem que assumir o poder para que se possa obter esse conteúdo, a LIT reproduz novamente uma posição equivocada, que tem como base a teoria revisionista da revolução democrática formulada por seu fundador Nahuel Moreno que levou e leva a tantos erros na política. Em sua teoria, Moreno revisa aspectos da Teoria da Revolução Permanente formulada por Trotsky, colocando como necessária a luta por uma espécie de “etapa” democrática independente no desenvolvimento dos processos revolucionários de países atrasados ou quando este se dá no marco da existência de países em que há regimes ditatoriais, como as ditaduras fascistas ou militares. Não negamos a existência de tarefas democráticas a serem realizadas no decorrer do processo revolucionário ou de luta de libertação nacional em países atrasados. Pelo contrário. O que não se pode ter acordo é que estas se constituam como um momento independente da luta pela tomada do poder por parte dos trabalhadores e das massas oprimidas.

Vejamos o que diz Trotsky na Teoria da Revolução Permanente: “Para os países de desenvolvimento atrasado e, em particular, para os países coloniais e semicoloniais, a teoria da revolução permanente significa que a resolução íntegra e efetiva de suas tarefas democráticas e de libertação nacional somente podem ser concebidas por meio da ditadura do proletariado (destaque nosso)” .

Isso significa no caso concreto do povo palestino que sua luta pela libertação nacional deve conduzir à luta por uma Palestina laica, e não-racista, levada a frente pelos trabalhadores e o povo na luta pelo poder no caminho de uma Palestina operaria e socialista. Única maneira de garantir que a imensa disposição de resistência do povo palestino não seja usurpada por direções burguesas, ou mesmo religiosas, como aconteceu no caso da Revolução iraniana de 1979, que se iniciou como um processo de mobilização e resistência contra o xá Mohamed Reza Pahlevi, mas terminou desembocando numa república dos aiatolás, que mais importante segue mantendo todas as divisões de classe, além de negar direitos a diversos setores, como as mulheres.

O que há de fundo na Teoria da Revolução Permanente de Trotsky que os membros da LIT, e as demais correntes defensoras do morenismo nunca entenderam, é o princípio da independência de classe como motor chave de todo programa capaz de orientar o triunfo dos trabalhadores e das massas em um processo revolucionário. De acordo com este princípio, uma revolução iniciada em nome da derrubada de um regime ditatorial ou de uma luta de libertação nacional num país atrasado, deve conduzir à revolução socialista, e não à instauração de um regime meramente democrático - burguês ’ como uma etapa da revolução socialista. Os revolucionários nos pronunciamos claramente pela destruição do estado colonialista de Israel, mas colocamos esta tarefa como parte da revolução socialista internacional. Chamamos em primeiro lugar a os explorados e trabalhadores judeus de Israel a romper com o sionismo e abraçar a causa de seus irmãos palestinos. E aos trabalhadores e povos do Oriente Medio que repudiam os crimes do sionismo israelense. Neste sentido uma revolução que desemboque na instauração de um regime democrático-burguês não é uma revolução democrática triunfante, mas uma revolução socialista abortada ou desviada. Isto porque a burguesia das semicolonias podem até ter enfrentamentos com o imperialismo, como foi, por exemplo, mas jamais podem sustentar uma posição de independência em relação ao imperialismo, ou mesmo atender às demandas mais profundas dos trabalhadores e das massas, inclusive as democráticas, pois estas se chocam com a existência da burguesia e a manutenção de seus interesses. E no caso dos países coloniais e semicoloniais uma das tarefas mais essenciais é a independência em relação ao imperialismo, o que no caso palestino é uma necessidade dramática, que só a revolução socialista pode conseguir.

Isso é o que demonstram os atuais governos burgueses árabes, como o de Ahmadinejad no Irã, que além de ensaiar movimentos de aproximação com os EUA de Obama segue mantendo a divisão de classe e ocultando-as sob a contradição entre “crentes e não-crentes” . E isso não se restringe apenas aos grupos que fazem parte do Islã político e, portanto mesclam a luta de libertação nacional com a religião, mas diz respeito também aos grupos laicos como o próprio Fatah, que terminou capitulando ao estado sionista ao não ter baseado seu programa na ligação da luta pela libertação nacional com a luta de classes, e cumpriu um papel criminoso na última ofensiva sobre Gaza.

Por outro lado, negar a ligação entre as tarefas democráticas e a luta pela revolução socialista formulada na Teoria da Revolução Permanente, leva que quaisquer setores democráticos sejam os aliados políticos nas lutas revolucionárias ou de libertação nacional, o que consiste um grande erro. Como revolucionários nos colocamos lado a lado da resistência palestina, ou dos demais povos oprimidos do Oriente Médio, no que diz respeito à trincheira militar. Neste sentido, apoiamos a resistência militar do Hamas ou Hezbollah no Líbano. Mas não podemos brindar apoio político a seu programa, pois este não está baseado em combater as divisões de classes e instaurar um estado socialista, única maneira de responder às demandas mais sentidas do povo palestino e do Oriente Médio.

Se o programa da LIT e do PSTU de Palestina “laica, democrática e não racista” se concretizasse hoje provavelmente levaria a um governo do Fatah de Abbas, já que esta é a força política laica, mas burguesa, que detém mais influência na região. Porém, como a realidade já mostrou, isso nem de longe poderia atender aos anseios mais sentidos do povo palestino, pois Abbas e o Fatah já deram muitas provas de estarem abertos a atuar sem ferir os interesses mais do imperialismo. Bem como as burguesias árabes, que seguiriam sendo a classe dominante mesmo que todas as ditaduras do Oriente Médio passassem a ser meramente “democráticas” . Portanto, o caráter de classe da Palestina pela qual é necessário lutar é um tema que concentra a maior importância. E nós defendemos não só que deve ser socialista, como esta é a única saída para a resolução definitiva da opressão dos trabalhadores e de seu povo, e única via de conquistar uma real libertação nacional.

É preciso retomar a campanha em defesa do povo palestino

Enquanto nas eleições israelenses a ultra-direita e a direita ganham mais espaço, segue a política assassina de bloqueio económico, que se dá continuidade às mortes e misérias impostas ao povo palestino sob outra via. O cessar-fogo obtido após o massacre desferido pelo estado sionista deu lugar a reacionárias negociações, que impõem aos palestinos condições que na prática os impedem de atuar em nome de um dos direitos democráticos mais básicos: se constituir como povo, reavendo seu território e permitindo o retorno dos milhares de refugiados. Esta política reacionária conta com o apoio dos governos imperialistas, como o de Obama.

Em nosso país formou-se um Comitê de Apoio à Luta dos Povos à rabes, que reuniu uma série de organizações da comunidade árabe, sindicais, da esquerda, de juventude, movimentos sociais e de direitos humanos que organizou atos importantes em São Paulo e outras capitais do país contra o assassinato e a opressão do povo palestino no início deste ano. É preciso que desde já esta campanha seja retomada até que o criminoso cerco sobre o povo palestino seja levantado. É preciso ampliar o apoio obtido em diversos setores, pelo fim do bloqueio económico imposto por Israel e apoiado pelo imperialismo, organizando atos, debates e marchas, que comecem por exigir a ruptura das relações diplomáticas com o reacionário estado de Israel. Este é o mínimo que deve ser feito imediatamente.

Por Simone Ishibashi

[1Os mandelistas do SU na França acabam de se dissolver em um novo partido anti-capitalista, acabando com mais de três décadas de tradição da LCR, sua antiga organização, adotando um programa difuso e sem corte de classe. No Brasil, uma parte foi para o PSOL.

Artigos relacionados: Internacional , Debates









  • Não há comentários para este artigo