Quinta 28 de Março de 2024

Internacional

Rússia e China no centro das divisões imperialistas

23 Mar 2015   |   comentários

Quando ainda não se fecharam as brechas abertas no conflito ucraniano, que os falcões norte-americanos descontentes com o processo de paz de Minsk estão buscando arruinar e que a guerra possa reiniciar-se com uma Ucrânia armada com armas estadunidenses, uma nova disputa estoura entre EUA e seus sócios Europeus, incluída a Grã-Bretanha.

A decisão de Londres de participar no BAII abriu uma brecha na qual se colaram agora os pesos pesados do continente, em especial a Alemanha. Esta decisão dos principais imperialismos europeus obriga a Austrália a rever sua decisão de manter-se à margem, pela enorme pressão que sofreu meses passados seu governo da parte de Obama.

Ambos acontecimentos são um sinal claro de que, em meio ao aprofundamento da estagnação global, as instituições financeiras por meio das quais os EUA têm exercido a sua hegemonia estão rachando, nos marcos de que outras potências imperialistas fazem valer os seus interesses independentes.

Este deslocamento ao leste das zonas de disputa entre as principais potências imperialistas à nível mundial mostra que, sem que ainda esteja resolvida a guerra financeira entre os Estados Unidos e a Alemanha em torno à eurozona, o que divide os imperialistas é cada vez mais a questão de quem aproveita a seu favor a emergência da China. Dizemos a China, pois como dizemos aqui o conflito ucraniano é em última instância uma tentativa brutal de Washington de impedir uma “perspectiva ao leste” da Alemanha, em especial a possibilidade ainda distante de que surja um eventual eixo Berlim-Moscou-Pequim que dispute o exorbitante privilégio do dólar e sua hegemonia financeira à nível mundial.

Uma crescente brecha entre as potências imperialistas

Que a China ou outros “países emergentes” se queixem dos organismos financeiros internacionais dominados por Washington é moeda corrente. A novidade é a súbita avalanche de países imperialistas que se unem ao BAII, incluindo supostos aliados próximos dos Estados Unidos como o Reino Unido. Isto demonstra que o desejo de ter acesso às instituições internacionais que não estão dominadas pelos EUA não só alcança os “países emergentes”, senão que – repetimos, isto é o inédito – países imperialistas consolidados.

EUA se opõe ao BAII pois vê que este projeto pode aumentar a margem de manobra da burocracia de Pequim e debilitar o domínio econômico norteamericano na região do Ásia/Pacífico e enterrar sua política de “pivô para a Ásia” que busca estrategicamente semicolonizar a China.

Por sua vez, as potências europeias que seguem um caminho diferente para subordinar a China ao domínio imperialista mundial, não veem nenhuma razão de por que devem sacrificar valiosas oportunidades econômicas com o fim de alinhar-se detrás dos objetivos estratégicos dos EUA, quando os EUA é incapaz ou não está disposto a oferecer nada em troca.

Quão distante estamos da ordem mundial posterior à Segunda Guerra Mundial, quando os EUA estabeleceram tanto o FMI como o Banco Mundial, detrás de uma hegemonia econômica indiscutível não só frente aos países da periferia capitalista senão que também frente aos outros centros imperialistas. Esse já não é o caso e as potências imperialistas europeias estão afirmando uma vez mais seus interesses, em especial a Alemanha, a única potência imperialista que se reforçou nas últimas décadas aproveitando a seu favor a queda do Muro de Berlim, anexando a ex-República Democrática Alemã e sendo o ator preponderante na semicolonização do leste europeu. Esta zona de influência está integrada ao sistema de produção alemão e é um dos motivos centrais da competitividade exportadora alemã.

Na década de 1990 os EUA e a Alemanha marcharam juntos até o leste, sendo a incorporação à OTAN e à União Europeia dos países do leste suas distintas cartas mas complementárias na sujeição destes países. Hoje, como vemos na Ucrânia e em especial em relação à Rússia, já não é o caso.

O Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, uma medida de resguardo para Pequim

Atordoados com a posse astronômica de reservas de divisas e com o aumento do fluxo de investimentos estrangeiros diretos (IDE) chineses, a imprensa ocidental tende a ver na criação deste organismo financeiro por Pequim uma mostra do inevitável ascenso da China como próxima potência hegemônica a nível mundial. A realidade é que a expansão tardia internacional do capital chinês choca não só com um mundo onde as multinacionais dos países imperialistas estão bem estabelecidas há algum tempo, senão que por sua vez a China todavia está longe de ter a força militar e geopolítica que lhe permita impor suas condições em seus tratados econômicos com os países da periferia capitalista.

Esta debilidade da expansão do capital chinês o faz vulnerável à sorte econômica e/ou política de seus novos clientes. Assim, o risco creditício chinês vem crescendo exponencialmente, em particular na América Latina onde o fim do ciclo crescente das matérias-primas põe um grande sinal de interrogação sobre a capacidade de cumprimento dos governos como o da Venezuela da dívida com a China. Caracas é o principal destino de seus empréstimos na região, com a bagatela de 56,3 bilhões de dólares. O risco político já pôs em questão a “associação estratégica” entre a China e a Ucrânia, assinada antes da queda do governo de Viktor Yanukovich em investimentos e créditos por mais de 18 bilhões de dólares.

Recentemente, o novo governo de Sri Lanka chamou a revisar e renegociar potencialmente uma série de projetos de infraestrutura financiados pela China, sendo o mais proeminente o desenvolvimento comercial de uma "cidade portuária" de $ 1,5 bilhões de dólares que estava sendo construída em terrenos ganhados ao mar fora da capital Colombo. O novo governo também criticou a falta de transparência e os altos custos dos projetos chineses desenvolvidos pelo ex-presidente. O mesmo aconteceu em Mianmar (ex-Birmânia) depois da passagem do poder da junta militar a um governo civil em projetos de infraestrutura mais custosos que somam aproximadamente 20 bilhões de dólares.

Nestes marcos que a criação de um banco internacional da mesma estatura que o Banco Mundial ou o FMI é uma necessidade vital para Pequim. A China deve garantir seus investimentos e seus empréstimos frente a seus devedores: assim como estes não reduzem ou cancelam a dívida externa às instituições multinacionais como o Banco Mundial ou o FMI, deveriam fazer o mesmo com o BAII ao incorporarem-se países com a credibilidade da Alemanha, França, Itália, Inglaterra, em uma instituição formada até agora só por países semicoloniais asiáticos. Mas contraditoriamente, esta busca de legitimidade de Pequim em seus empréstimos bilaterais e projetos de infraestrutura somando atores ocidentais, ainda que incomode fortemente os EUA, vai mudar a relação de forças no seio do banco, obrigando Pequim a respeitar os padrões ocidentais, o que pode esfriar o entusiasmo da China pelo projeto.

O antecedente e as dificuldades para por em prática o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, de que se falou tanto durante anos e que se esperava que fosse afirmar-se como um contrapoder à influência do Ocidente com o Banco Mundial, é um bom exemplo que obriga a ser cauteloso em relação à visão um pouco apressada de um rápido ascenso da China na hierarquia de países na qual está dividido o mundo sob dominação imperialista neste começo do século XXI.

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