Quinta 28 de Março de 2024

Internacional

Milhares nas ruas de Israel contra o governo de Netanyahu

09 Mar 2015   |   comentários

O Oriente Médio segue sendo um grande caldeirão de instabilidades e incertezas. De um lado,está o Estado Islâmico que ocupou diversas regiões da Síria e Iraque, onde não contente em matar e oprimir os povos que ali vivem, ainda destroem relíquias das civilizações antigas consideradas tesouros históricos da humanidade. De outro, há a ofensiva imperialista protagonizada pelo imperialismo norte-americano e seus aliados, como o Egito e mais recentemente o (...)

O Oriente Médio segue sendo um grande caldeirão de instabilidades e incertezas. De um lado,está o Estado Islâmico que ocupou diversas regiões da Síria e Iraque, onde não contente em matar e oprimir os povos que ali vivem, ainda destroem relíquias das civilizações antigas consideradas tesouros históricos da humanidade. De outro, há a ofensiva imperialista protagonizada pelo imperialismo norte-americano e seus aliados, como o Egito e mais recentemente o Líbano, sob o pretexto de combater o Estado Islâmico. No plano geopolítico, seguem as tensões sobre a tentativa de aproximação dos Estados Unidos ao Irã, com negociações em torno ao programa nuclear do país persa, mas cujo objetivo de fundo é contar com o apoio do regime iraniano para lidar com as contradições abertas regionais, como no Iraque e com o Estado Islâmico. Porém, as incertezas desse diálogo obrigaram o secretário de Estado norte-americano John Kerry a realizar uma reunião de emergência com seus aliados históricos regionais, como a Arábia Saudita, Qatar, Bahrein, Emirados Árabes, e Omã para assegurar que não estavam efetuando uma troca de alianças estratégica em favor do Irã.

A esse complexo cenário, soma-se agora uma nova interrogante no interior do principal aliado regional dos Estados Unidos, o Estado sionista de Israel. As ruas da capital Tel Aviv foram tomadas por dezenas de milhares de manifestantes, que exigem a saída imediata de Benjamin Netanyahu do poder. A marcha, que ocorreu na Praça em que foi morto e que leva o nome do líder trabalhista que firmou o Acordo de Oslo, Isaac Rabin, reuniu um amplo espectro de setores. Participaram amplos setores, que vão desde pacifistas, ecologistas, e antigos chefes e oficiais do Mossad, serviço secreto israelense. O objetivo das forças políticas ali presentes era angariar os votos das eleições que ocorrerão em 17 de março, e impedir que Netanyahu obtenha o terceiro mandato seguido desde 2009, que se somam aos de primeiro-ministro em 1996 e 1999. O lema da passeata era “qualquer um pode ganhar, menos Bibi”, apelido do atual primeiro-ministro.

A imprensa estima uma participação no ato entre 26 a 40 mil pessoas. Um dos organizadores da manifestação foi a ONG “Um milhão de mãos”, que defende a retomada de negociação com os palestinos. Mas várias outras vertentes políticas atuaram. Notavam-se também no ato grandes cartazes dos partidos Meretz, de inspiração pacifista que defende a política dois Estados, um palestino e um israelense, e da União Sionista integrada pelo Partido Trabalhista e pelo Hatnuah, partido liberal de centro. A plataforma adotada pela União Sionista tem como objetivos fundamentais lograr um acordo com os palestinos, evidentemente em favor dos israelenses, mas com uma política menos embasada na guerra que a levada adiante pelo partido Likud de Netanyahu, além de aprofundar as relações com os “Estados árabes moderados”, e com os Estados Unidos. O Hatnuah, outra força política que integra a coalizão liberal União Sionista, é comandado por Tzip Livni, ex-integrante do Mossad, e que outrora também fora parte do Likud de Ariel Sharon, partido de Benjamin Netanyahu, de quem também fora aliada.

E, para tornar o panorama eleitoral israelense ainda mais indefinido, pela primeira vez em anos os partidos árabes israelenses se apresentarão em uma única lista, que reúne o partido árabe-judeu Hadash, e os três árabes Balad, Ta’al e a Lista Árabe Unidos. Os árabes israelenses constituem 20% da população do país, e são tratados como cidadãos de segunda categoria, não podendo usufruir de uma série de direitos reservados aos judeus. A coligação é nas palavras do líder do partido Ta’al, Ahmed Tibi, uma advertência coletiva da minoria árabe “a todos os racistas”.

O significado da manifestação

É evidente que não se pode esperar uma resolução favorável aos interesses palestinos mais profundos, vindo de tais setores do establishment israelense, como o representado por Tzipi Livni, que protagonizou inúmeros ataques aos palestinos. Porém, é um sintoma de significativa importância que o clamor por mudanças na política israelense se faça ouvir nas ruas. Trata-se de uma resposta à crescente sensação de insegurança que os israelenses sentem após o recrudescimento da polarização regional com a expansão do Estado Islâmico, as dificuldades em que se encontram os regimes árabes moderados e aliados do imperialismo, e a tentativa de aproximação entre os Estados Unidos e o Irã. Mas acima de tudo é o resultado de uma percepção que começa a ganhar terreno de que a última, dentre as tantas guerras contra a Faixa de Gaza, levada adiante em julho de 2014, que matou milhares de pessoas foi um erro.

Nas palavras do ex-chefe do Mossad, Meir Dagan, a guerra foi diretamente um equívoco, que coloca em risco a própria existência de Israel. Essa opinião repercute em diversos outros militares de alta patente do país, que depois de anos de ofensiva beligerante contra os palestinos, começam a sentir as contradições provenientes da tensa e incerta situação regional que os circunda.

Pela primeira vez se há um questionamento dessa natureza, desde que o Estado de Israel perdeu a guerra do Líbano em 2006, o que levou naquela ocasião a uma radicalização à direita importante da sociedade israelense. Isso foi utilizado por Netanyahu para aprofundar a intensidade dos ataques militares e orientação expansionista dos sionistas contra os palestinos. Esse auge do racismo e do apoio de amplas camadas da sociedade israelense à política de matança e perseguição dos palestinos tomou formas ainda mais aberrantes recentemente. Episódios como o “cinema de Siderot”, em que israelenses assistiam da fronteira o bombardeio aos palestinos em Gaza como se fosse entretenimento. Ou ainda as fotos de crianças israelenses gravando mensagens de “saudações de Israel” nos mísseis utilizados nos ataques que chocaram o mundo.

No entanto, ainda que parte dos movimentos pacifistas tenham aderido ao movimento que tomou as ruas em Tel Aviv, os questionamentos a Netanyahu também englobam setores que não buscam rever a política beligerante de Israel contra os palestinos de conjunto, mas apenas advogam a que ela seja executada de maneira mais hábil. No jornal israelense Yediot Aharonot, Yuval Diskin, ex comandante da Shin Bet, força de contra espionagem no exterior, afirmava que a política de Netanyahu para o Irã fora incapaz de impor limites ao desenvolvimento do programa nuclear aquele país, e que seu discurso nos Estados Unidos não passara de uma “cortina de fumaça”.

Yuval Diskin criticara a recente viagem de Netanyahu aos Estados Unidos, onde o chefe do governo israelense proferiu um discurso apoiado pelos membros do Partido Republicano norte-americano, numa sessão conjunta do Congresso do país, em que condenava a política adotada por Obama em relação a Israel. O presidente norte-americano não esteve presente, e preferiu reunir-se com seus pares europeus no momento dessa sessão do Congresso. A fala de Netanyahu evidencia que as relações entre seu governo e a administração Obama, ainda que a aliança estratégica entre os dois países não esteja em questão. Mas não se pode descartar que a administração Obama busque atuar como apoiador velado das iniciativas do Meretz e Hatunah contra Netanyahu. Isso poderia ter um impacto importante para os resultados eleitorais israelenses.

Como solucionar o problema entre a Palestina e Israel

Além das questões referentes aos conflitos com os palestinos, há também demandas da população israelense por moradias e serviços básicos que vem se deteriorando. Mas por mais que a cúpula do próprio establishment israelense esteja capitalizando essa insatisfação, o conjunto desses elementos demonstra que há um desgaste da política representada por Benjamin Netanyahu. E, mais importante, uma sensação de insegurança crescente no interior do Estado de Israel, que ao longo de todas as últimas décadas aprofundou os níveis de racismo e beligerância da sociedade para seguir existindo.

Porém, a demarcação definitiva das fronteiras defendida por aqueles que colocam suas esperanças numa política de dois Estados, um palestino e outro israelense, não pode acabar com os conflitos existentes. Tampouco se pode acreditar que as ofensivas contra o povo palestino cessarão com a eleição de organizações como a União Sionista. É preciso garantir o direito de retorno de todos os refugiados palestinos, que foram expulsos de suas terras, e avançar para a instauração de uma Palestina operária e socialista, onde possam conviver em paz árabes e judeus.

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