Quarta 1 de Maio de 2024

Teoria

O levante de julho

08 Aug 2007 | No 67º aniversário da morte de Leon Trotsky, assassinado pelo stalinismo em 21 de agosto de 1940, o homenageamos com a abertura de uma seção do Jornal Palavra Operária na qual publicaremos textos inéditos de Trotsky em português. O presente texto foi publicado em Vperiod (Adiante) – órgão ilegal da Organização Inter-distrital de Social-Democratas Unidos), tradução inédita ao português, a partir da versão em espanhol publicado no Boletim Electronico N.9 do Centro de Investigaciones y Publicaciones Leon Trotsky, da Argentina, cotejada com tradução inglesa de artigo parte do folheto “The Struggle for the State Power” publicado em Marxists Internet Archive. A versão digital foi tomado do livro “The Proletarian Revolution in Russia” editado pelo comunista norteamericano Louis C. Farina, publicado pela Communist Press em Nova Iorque em 1918. O Livro continha artigos de Lênin e Trotsky.   |   comentários

Sangue foi derramado nas ruas de Petrogrado [1]. Foi acrescentado um capítulo trágico à Revolução Russa. Quem é culpado? “Os bolcheviques” , dizem as pessoas pela rua, repetindo o que seus jornais lhes dizem. A soma total destes trágicos eventos, no que diz respeito à burguesia e seus políticos servis, se esgota nas seguintes palavras: prender os líderes e desarmar as massas. O objetivo desta ação é estabelecer a “ordem revolucionária.” Os SRs e os mencheviques se preparam para estabelecer a “ordem” com a prisão e desarmamento dos bolcheviques. Existe somente uma pergunta: que tipo de ordem, e para quem?

A revolução despertou grandes esperanças nas massas. Nas massas de Petrogrado, que desempenharam um papel de liderança na revolução, essas esperanças e expectativas foram abrigadas com uma excepcional seriedade. A tarefa do partido social-democrata era transformar essas esperanças e expectativas em programas políticos claramente definidos para levar a impaciência revolucionária das massas ao canal da ação política planejada. A revolução ficou cara a cara com a questão do poder estatal. Nós, assim como a organização bolchevique [2], defendemos que seja cedido todo o poder ao Comitê Central dos delegados dos conselhos de operários, soldados e camponeses. As classes altas, e entre elas devemos incluir os SR e os mencheviques, exortavam às massas a apoiar o governo de Miliukov [3]-Guchkov [4]. Até o último momento, quer dizer, até quando, as figuras mais claramente imperialistas do Governo Provisório apresentaram sua renúncia, ambos partidos acima mencionados estiveram unidos com firmeza ao governo em toda linha. Somente depois da reorganização do governo deram a entender às massas, através de seus jornais, que não haviam dito toda a verdade, que haviam sido enganados. Logo estavam dizendo que as massas deveriam confiar na nova “coalizão” de governo. A social-democracia revolucionária previu que o novo governo não se diferenciaria no essencial do velho, que ele não daria nenhuma concessão à revolução e outra vez trairia as esperanças das massas. E foi o que aconteceu. Depois de dois meses de política de fraqueza, de pedidos de confiança, de exortações verborrágicas, a atitude do governo de obscurecer todos os temas não podia mais ser escondida. Tornou-se claro que outra vez as massas ’ neste momento mais cruelmente do que nunca ’ haviam sido enganadas.

A impaciência e desconfiança da grande massa de operários e soldados em Petrogrado não crescia de um dia ao outro, mas de hora em hora. Estes sentimentos eram alimentados pela prolongada guerra, tão sem esperança para os que participam, pela desorganização económica, pelo estabelecimento de uma invisível paralisação nos principais ramos da produção, e eles encontraram uma expressão política imediata no slogan: “todo poder aos soviets!” . A retirada dos cadetes e a prova definitiva da falência interna do Governo Provisório, convenceu as massas ainda mais minuciosamente que estavam corretos, o oposto dos líderes oficiais do soviet. As vacilações dos SR e mencheviques simplesmente acrescentaram lenha à fogueira. As exigências, quase uma perseguição, que eram dirigidas à guarnição de Petrogrado, requisitando deles o impulso para uma ofensiva [na guerra], tiveram efeito similar. Uma explosão tornou-se inevitável.

Todos os partidos, incluindo os bolcheviques, tomaram todos as medidas para evitar que as massas realizassem a demonstração do dia 16 de julho; mas as massas realizaram a manifestação, e além do mais, com as armas nas mãos. Todos os agitadores, todos os representantes de distrito declararam na tarde de 16 de julho que a manifestação do dia 17 de julho estava destinada a ocorrer já que a questão do poder permanecia incerta, e que não poderiam ser tomadas medidas para conter o povo.

Este é o único motivo pelo qual o partido bolchevique, e com ele nossa organização, decidiu não permanecer isolado e lavar suas mãos das conseqüências, mas pelo contrário fazer tudo que estava a seu alcance para transformar a jornada do dia 17 de julho em uma demonstração pacífica. Não havia outro significado para o chamado do dia 17. Isto era, obviamente, compreensível levando em consideração certas intervenções de bandos contra-revolucionários que produziram sangrentos conflitos. Teria sido possível, é verdade, privar as massas de qualquer direção política, decapitá-las politicamente, se negar a dirigi-las e abandoná-las a seu destino. Mas nós, sendo o partido de trabalhadores não poderíamos nem seguiríamos as táticas de Pilatos: decidimos acompanhar as massas e nos grudar nelas, para introduzir em seu tumulto elementar as melhores medidas de organização realizáveis sob estas circunstâncias, e assim reduzir ao mínimo o número de prováveis vítimas. Os fatos são bem conhecidos. Sangue foi derramado. E agora a imprensa “influente” da burguesia, e outros jornais a seu serviço, estão tentando descarregar sobre nossos ombros a completa responsabilidade pelas conseqüências ’ pela pobreza, esgotamento, pelo desafeto e pela rebeldia das massas. Para conseguir este objetivo, para completar seu trabalho de mobilização contra-revolucionária contra o partido do proletariado, há publicações de ardis anónimos, semi-anónimos ou de classificações variadas, nais quais circulam acusações de suborno: o sangue foi derramado por culpa dos bolcheviques, e os bolcheviques estão agindo sob a ordens de Guilherme [5].

No momento estamos atravessando dias de prova. A persistência das massas, seu autocontrole, a fidelidade de seus “amigos” , todas estão coisas estão sendo postas em um teste ácido. Estamos também sendo sujeitos a este teste, e sairemos dele mais fortalecidos, mais unidos, do que de nenhuma prova anterior. A vida está conosco e lutando conosco. A nova reconstrução do poder, ditada por uma situação inevitável e pela miserável falta de entusiasmo dos partidos dirigentes, não mudará nada nem resolverá nada. Devemos ter uma mudança radical de todo o sistema. Precisamos de um poder revolucionário.

A política de Tseretelli [6]-Kerensky [7] está diretamente interessada em desarmar e enfraquecer a ala esquerda da revolução. Se, com a ajuda de seus métodos, tiverem êxito em estabelecer uma “ordem” , serão os primeiros ’ depois de nós, obviamente ’ a cair vítimas de sua “ordem” . Mas não terão êxito. A contradição é muito profunda, os problemas são muito grandes para que sejam solucionados somente com medidas policiais.

Depois dos dias de juízo virão os dias de progresso e vitória.

Leon Trotsky, Julho de 1917

[1As Jornadas de julho começaram com uma crise ministerial com a demissão dos ministros do partido cadete no dia 16. As manifestações anti-governamentais espontâneas foram reprimidas à força. Lvov (um príncipe, membro do partido cadete. Foi o primeiro ministro do primeiro Governo Provisório depois da Revolução de Fevereiro) renunciou no dia 20 e Kerensky foi nomeado Primeiro Ministro. A perseguição aos bolcheviques se intensificou.

[2Leon Trotsky era nessa época da organização Inter-distritos de Social-democratas Unidos (mezhrayontsi em russo) que se fundiu com os bolcheviques em julho de 1917. Ela agrupava 4000 membros em PEtrogrado e 1000 membros nas organizações militares. Entre seus membros mais destacados figuravam além de Trotsky, Lunacharsky, Volodarsky, Uritsky, Joffe, Manuilsky, Karakhan, Riazanov, Pokrovsky e Uren. A fusão com os bolcheviques ocorreu no VI Congressos destes, que se realizou do dia 8 ao 16 de agosto de 1917.

[3Miliukov: historiador e liberal russo, fundador e dirigente do partido Cadete, ministro das relações exteriores no Governo Provisório. (Nota da Edição Brasileira)

[4Guchkov, Aleksandr (1862-1936): latifundiário e capitalista russo, líder do Partido Outubrista (liberal de direita), presidente da Duma de 1907 a 1912, ministro da Guerra e Marinha do primeiro Governo Provisório.

[5Refere-se a Guilherme II (1859-1941), imperador da Alemanha desde 1888. Abdicou do trono durante a revolução alemã de 1918.

[6Tseretelli, Iralii (1882-1932): menchevique georgiano, deputado na segunda duma. Depois da Revolução de Fevereiro foi um dos dirigentes dos chamados “defensistas revolucionários” e participou no Governo Provisório como ministro dos Correios e Telegráfos.

[7Kerensky, Alexander (1881-1970): social-revolucionário russo. Depois da Revolução de Fevereiro de 1917, foi ministro da Justiça, da Guerra e Marinha, e finalmente chefe do Governo Provisório de julho até a Revolução de Outubro. Em 1918 fugiu ao exterior, de onde iniciou uma campanha de propaganda anti-soviética.

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