Sábado 4 de Maio de 2024

Juventude

1968 e o Movimento Estudantil no Brasil

07 Jun 2007 | "A dominação da mentalidade e formação dos jovens é uma das formas mais antigas de manutenção do poder" Márcio Moreira Alves, jornal da FEUB 1968   |   comentários

O presente artigo é uma contribuição para a tarefa de recuperar a memória de fenómenos históricos nos quais o movimento estudantil cumpriu um papel protagonista no cenário da luta de classes no Brasil. No caso presente, enfocaremos a experiência e as lições do grande ascenso estudantil que se dá no ano de 1968 no Brasil, ressaltando a relação direta que existe entre as concepções políticas da geração de jovens que protagonizou tais lutas, e a experiência então recente da derrota de 1964 [1].

Buscamos com isso contribuir para a reflexão sobre quais os caminhos foram trilhados por essa geração, e o que deve ser apropriado e o que descartado criticamente nessas experiências.

Hoje, quando vivemos um processo de luta como a greve da USP e das estaduais paulistas, no qual está se formando um novo movimento estudantil e, no mesmo processo, se estão começando a destacar novas camadas de ativistas dispostos a tornarem-se verdadeiros militantes revolucionários, o momento é propício e ao mesmo tempo exige que estudemos as principais experiências anteriores, da luta de classes em geral, e das lutas estudantis e universitárias em particular. Devemos fazê-lo, contudo, buscando que o peso da história dessas gerações anteriores não seja meramente uma “saudação à bandeira” de suas lutas, mas uma verdadeira escola de formação prática e teórica frente aos desafios que já nos serão impostos. Isso é ainda mais importante se pensarmos que, enquanto a geração que protagonizou os acontecimentos relatados a seguir tinha o jugo da ditadura a radicalizar suas concepções e seus ideais, e a fresca memória do maior ascenso de massas para inspirar-lhe confiança na força e criatividade das grandes massas, a geração atual vem avançando a partir de uma posição inicial mais atrasada, dada pelos vinte e poucos anos de democracia burguesa (com seu apelo ao comodismo e à flacidez) e mais uns tantos de ofensiva imperialista “neoliberal” (com todo o ceticismo acerca do socialismo e da revolução operária que esta ofensiva destilou por todos os lados).

A crítica da UNE de 1964 e a UNE de 1968

Assim se inicia documento da UNE, redigido para o seu 30º Congresso, que teve como resultado a prisão de todos os delegados presentes: "Temos uma longa luta pela frente e só agora o movimento estudantil começa a se libertar de fato dos seus vícios de origem, da ideologia das classes dominantes que o alimentou. Antes de abril, o movimento estudantil esteve preso a uma das facções dominantes que disputava o poder. Seguindo as correntes reformistas, a UNE depositava suas esperanças de transformação social do País nas mãos da burguesia nacional progressista. Todas as grandes mobilizações dos estudantes foram canalizadas para o apoio a tais setores progressistas. Por mais violentas que fossem as palavras dos seus dirigentes, o movimento estudantil, na prática, deu mais importância aos contatos de cúpula do que à aproximação direta com as áreas populares".

É difícil exagerar a importância das lições encerradas nessa citação (ainda que a expressão sobre as “áreas populares” seja vaga e abstrata). Significa uma grande ruptura e um enorme avanço frente ao momento anterior da luta de classes, no qual as “direções oficiais” , sob a direção ideológica e prática da burguesia nacionalista levou o ascenso revolucionário à derrota. Ao mesmo tempo, como buscaremos demonstrar, em momentos como estes, quando as velhas direções oportunistas têm a sua estratégia descortinada, existirão movimentos contraditórios e insuficientes que somente podem ser constituídos em uma nova alternativa se são capazes de assumir uma perspectiva revolucionária de conjunto.

Do ponto de vista do movimento estudantil, sob a direção do bloco cristão-stalinista, com todas suas rupturas, a UNE no período anterior a 1964 fez sua parte em defesa das “forças progressistas” . Até o golpe militar tentou manter toda radicalização das massas dentro de marcos “constitucionais” , burgueses. Tentaram “ganhar forças” , não excluir as classes médias, setores da burguesia. A UNE oscilava entre a política do PCB de defender um governo “nacionalista e democrático” e o “nacionalismo” da AP. Ambas estratégias são de conciliação de classes e serviram para esfriar os ânimos revolucionários. Ilustrativo é o que declara Betinho (Herbert de Souza), dirigente da AP no período: “Nós tínhamos saído de uma evolução política onde a maior parte das descobertas era a condenação do capitalismo. Então, ficava muito ruim admitir que o capitalismo só ia ser superado depois que houvesse a revolução burguesa. Era difícil admitir como fundamental uma aliança com a burguesia nacional e, também, que a questão passava pela burguesia nacional e do capitalismo nacional. A gente então dizia: nós somos nacionalistas.” (Citado em: Jalusa Barbosa. CPC: uma história de paixão e consciência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. p.254).

O grande desafio do movimento estudantil após o golpe militar, assim como para o conjunto do movimento de massas, constituiu-se na difícil tarefa de construir uma alternativa ao projeto burguês então derrotado. Como produto das profundas tendências revolucionárias que se desenvolveram no movimento de massas no pré-64, a sua atividade política continha um grau de intensidade ainda relativamente grande. No entanto, boa parte da atividade prática desse movimento estudantil estará voltada para a resistência, na maior parte das vezes assumida em torno das questões democráticas como liberdade de expressão e contra os planos do regime militar para a universidade. A maior parte das movimentações políticas assumia então um caráter espontâneo. Do ponto de vista da esquerda partidária houve um grande movimento de dissidência do PCB, regra geral, atrelado ao mesmo tempo à guerrilha e ao “voluntarismo” no movimento estudantil, como demonstra a afirmação de Betinho, membro da AP.

Ou seja, processos de reorganização, tal como o que agora vivemos atualmente ainda que em um marco muito inferior dos conflitos de classes, nunca trarão respostas prontas. Uma “direção oficial” como o PC ou o próprio PT nunca poderá ser mecanicamente substituída, ainda que do ponto de vista concreto (nas universidades, fábricas etc) estejam liquidadas politicamente enquanto instrumento político das massas. Todo o papel protagonista estará sempre nas mãos daqueles que assumem a dianteira do processo de “renovação” , ainda que com as suas insuficiências, e que se não assumidas estas responsabilidades, podem contribuir, como ocorreu com um amplo setor que se formou no movimento estudantil de 1968, nas aventuras da guerrilha e na liquidação política de toda uma geração. Por exemplo, nos dirá Luis Raul Machado, vice-presidente de 67 a 68 relata três tipos de erros dos diretores da UNE: um, frear o ímpeto dos estudantes, “com argumentos do tipo ”˜é hora de organizar”™, ”˜vamos voltar para as escolas”™; dois, “fazíamos proposições além daquilo que os estudantes estavam dispostos a fazer (...) deixando desgastar (...) tornando-o quase suicida pelo número de prisões” ; três, “promover o quebra-quebra” [2] (portanto, de volta ao suicídio).

Luiz Eduardo Merlino, jovem militante que se aproximou da IV Internacional e foi assassinado em 1971 pela ditadura, apontava, em certa medida na contramão das tendências e correntes do “radicalismo” estudantil, um sentido que, como abaixo veremos, poderia se desenvolver, a saber, a aliança dos estudantes com o movimento operário. A única forma pela qual isto pode se constituir concretamente é que os estudantes assumam as tarefas históricas da classe operária, a construção de um partido da revolução: “Os burgueses estão sorrindo. Pensam que a UNE foi esmagada, esquecem-se que a UNE SOMOS NÓS, milhares e milhares de universitários de todas as escolas do país. Em todas as salas de aula, em todas escolas,em todas as cidades, formaremos Comitês de Defesa da UNE, para lutar pela libertação dos colegas presos, pela conclusão do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes, pelo avanço geral da organização e da luta. Ao mesmo tempo (...) conclamamos os estudantes à greve de protesto contra a prisão dos nossos colegas congressistas, pela libertação de todos e realização do Congresso. Essa greve deve ser tirada onde [for] possível. Ao lado disso, todas as outras formas de luta devem ser usadas ’ panfletagem, pichamentos, comícios-relâmpagos, ocupação de escolas, etc. (...) À classe operária, que dá sentido à nossa luta, nós nos dirigiremos reforçando os laços que se reforçarão cada vez mais o movimento que derrubará o regime opressor. Que as nossas ações em todo o país mostrem a verdadeira força da UNE e preparem um novo avanço” [3].

A seguir, daremos uma breve cronologia resumida com alguns dos principais processos em que o movimento estudantil esteve presente no período entre o golpe contra-revolucionário de abril de 1964 e a “contra-revolução na contra-revolução” em fins de 1968.

Fragmentos da luta estudantil

Abril de 1964: um dia após a deflagração do golpe militar, era incendiado pela direita o prédio da UNE, que fora no imediato período subseqüente dissolvida.

Abril de 1964. Poucos dias depois, no dia 9, a Universidade de Brasília era invadida pela Polícia Militar. A UNB, como demonstra o artigo também presente nesta edição, foi palco das maiores esperanças dos “nacionalistas” , enquanto modelo para o desenvolvimento futuro da universidade. A contra-revolução a entendia como um bastião da esquerda contra os seus interesses e não é à toa que a repressão encadeada a tivesse como alvo privilegiado. Afirmará Perseu Abramo: “O que acontecera com a Universidade de Brasília era um símbolo premonitório que, estranhamente, muitos educadores e professores de outras universidades do país se recusaram a compreender no momento adequado e, quando mais tarde vieram a senti-lo, não mais como símbolo, mas como realidade na própria carne, já então era muito tarde” [4].

Como atesta depoimento da época: "Naquele dia, as primeiras prisões se deram em frente à Direção Central, antiga reitoria, hoje Secretaria da Faculdade de Educação. Os primeiros a serem presos foram o professor José Albertino Rodrigues e mais oito colegas seus. Só naquele dia foram presos 14 professores, e, como já disse, o reitor tinha entregue o cargo. O vice-reitor, frei Mateus, foi exonerado; este ficou apenas tomando conta de sua obra, o Instituto de Teologia, hoje Fundação Educacional, vizinha à UnB. Frei Mateus ficou visitando os colegas presos. Era quem dava as notícias de como andavam as coisas" [5].

Em breve seria decretada a intervenção na universidade, que extinguia todos os mandatos dos membros do Conselho Diretor e de seu presidente, o reitor Anísio Teixeira. No entanto, ainda faltariam alguns anos para o chamado “golpe dentro do golpe” , com a sua expressão “institucional” máxima, o AI-5. Durante o período que percorre essas transformações, 1964 ’ 1968, o movimento estudantil teve uma expressão política nacional e de resistência marcantes.

As medidas da ditadura militar para a universidade, ainda que não acompanhemos todos os seus desenvolvimentos nesse artigo, regra geral, seguiam o projeto pró-imperialista da contra-revolução. Em novembro de 1964 os militares promulgam a lei Suplicy, de caráter fascista, com o propósito de restringir a atividade política dos estudantes, já que era proibida a liberdade de organização e manifestação. Outra política, inclusive esta de caráter histórico para as classes dominantes do país até hoje, eram os acordos MEC-USAID (Agência de Desenvolvimento dos Estados Unidos). Estas duas questões se tornaram as principais reivindicações e motores de toda a luta durante esses anos.

Abril de 1964: O reitor nomeado para a intervenção, o professor da USP Zeferino Vaz, e confirmado no cargo em junho do mesmo ano será “eleito” pelo novo Conselho Diretor. A instabilidade desse período será grande: enquanto a imprensa burguesa cantava odes à repressão aos subversivos e aos princípios da “contra-revolução de 1964” contra a UNB, o novo reitor “conciliava” entre os pólos opostos em luta: ao mesmo tempo que anunciava a libertação dos professores presos na ocupação da polícia, dispensava outros por “questões administrativas” , ou seja, realizando expulsões arbitrárias.

Nesse mesmo momento, inicia-se uma greve de estudantes e nova ocupação de uma semana é organizada pela polícia. A FEUB, ou Federação dos Estudantes Universitários de Brasília, exigia a readmissão dos professores.

O reitor, figura de fraca localização política, pois desejava ao mesmo tempo se apropriar do projeto da contra-revolução e cooptar professores e estudantes da UNB para transformar o “legado de Darcy Ribeiro” em modelo para a ditadura, cai em agosto de 1965 e é substituído por um quadro diretamente ligado ao regime militar.

18 de outubro de 1965: 223 professores encaminham pedido de demissão em solidariedade aos professores afastados em 1964. Significava isto cerca de 90% do quadro docente da UNB... O outro reitor “eleito” chamava-se Laerte Ramos de Carvalho e era diretamente ligado ao regime. Diante de uma paralisação de um dia dos professores, suspende imediatamente as atividades acadêmicas e realiza um chamado a nova intervenção da polícia, também por uma semana. Isso não garante, contudo, que ao final desses 7 dias, o movimento se retraia. Pelo contrário: a ação dos professores desencadeia, na prática, a paralisação geral de toda a universidade.

A contra-revolução, ao passo que enfrentava uma série de divisões em seu seio, não conseguia ainda suplantar o crescimento exponencial da resistência nas universidades e escolas. A forma espontânea dessa resistência, destacando milhares e milhares de novos ativistas, fornecia um material humano de grande valor, que poderia formar a base para a construção de uma nova direção política capaz de lutar seriamente pela queda revolucionária do regime. Ao mesmo tempo, essa mesma espontaneidade, ao ser impactada pelas diversas teorias “foquistas” , guerrilheiras e maoístas, tão em voga naqueles tempos, terminou dificultando enormemente a formação dessa direção revolucionária, parando a meio caminho no sentido da ruptura com a anterior hegemonia do PCB.

1968: o ano decisivo

Nas palavras do intelectual burguês Raymundo Faoro, o “espírito de época” de 1968 no Brasil será descrito de forma bastante crua, demonstrando, inclusive, a quais correntes estavam atados os destinos do movimento estudantil: “O que eu senti, de imediato, foi o sentimento de cegueira das classes dirigentes, que supunham que a presença militar no governo poderia ser constitucionalizada. Os setores chamados "liberais" foram os que mais se iludiram (aludo sobretudo à União Democrática Nacional) e, depois de iludidos, associaram-se aos militares, como seus defensores e ocupantes de cargos secundários. Engano sobretudo da classe média, a que pediu 64, mas não percebeu que estava fazendo o papel do aprendiz de feiticeiro. Por incrível que pareça, nesse mar trágico, os únicos que previram o futuro foram os contestadores mais afoitos, tomados pela imprudência de desembainhar a espada sem a menor probabilidade de êxito, que o regime falsamente dizia só poder conter com a ditadura” [6].

Edson Luis, 16 anos, estudante secundarista. Morto pela polícia em março de 1968. O endurecimento do regime em 1968 enfrentará uma resistência do movimento estudantil em todo país [7], que “perigosamente” alcança apoio de parcelas importantes da população: a morte do estudante numa manifestação em defesa de reivindicações contra o abandono de um bandejão no Rio de Janeiro desencadeará uma enorme onda de protestos.

50.000 pessoas acompanharam o seu enterro, em frente à Assembléia Legislativa. Até a Igreja Católica, que apoiou o golpe, se postou diante da repressão quando, na missa de sétimo dia, foi cercada a Igreja de Nossa Senhora da Candelária pela polícia, como forma de isolar novas manifestações de rua.

O anúncio da morte de Edson Luis incendeia a UNB e os estudantes, por via da FEUB e lideradas por Honestino Guimarães, protestam ’ em 29 de março de 1968 a assembléia geral dos estudantes declara a suspensão das aulas. Nomeiam Edson Luis a praça da Faculdade de Educação. A crise com a polícia se abre novamente mas, desta vez, atinge o coração do governo Costa e Silva. A ala direita do regime militar se apressa em dizer que é necessário reprimir e “endurecer” para que os estudantes não tomem conta do país e, quem sabe, reacendam o movimento de massas contra os desmandos e brutal repressão da ditadura.

No dia seguinte, a UNB é transformada em território livre [8]: "A capital da república viveu desde às 18 horas de ontem, até a madrugada de hoje, cenas de violência, em virtude das manifestações de condenação do assassinato do estudante Edson Luís no Rio de Janeiro.As demonstrações, reuniu centenas de universitários e estudantes secundaristas, além de populares na avenida W3. Aos gritos de "Assassinos" , "Abaixo a Ditadura" e outros, os manifestantes se dirigiam para a praça 21 de abril, mas foram impedidos de ali se reunirem" [9].

Somente em 15 de agosto, com o pretexto de decretar e executar a prisão “preventiva” de líderes estudantis, com Honestino, presidente da FEUB e outros [10], DOPS, Polícias Civil e Militar e todo tipo de bando fascista da ditadura realizam a invasão mais violenta da UNB, alegando o cumprir mandatos de prisão aos “subversivos” .

Rio de Janeiro

Antes disso, em junho, no campo do Botafogo (RJ), o regime reprime os estudantes após uma assembléia dos 400 estudantes da Faculdade de Economia: "O que ocorreu ali chocou a cidade - uma cidade que, desde a morte de Edson Luis, achava que já tinha assistido a tudo em matéria de violência. Mais do que pela agressão física, as fotos "hediondas" indignavam como símbolos do ultraje. A descrição de soldados urinando sobre corpos indefesos ou passeando o cassetete entre as pernas das moças, junto às imagens de jovens de mãos na cabeça, ajoelhados ou deitados de bruços com o rosto na grama, eram uma alegoria da profanação" [11].

O amplo apoio popular crescia e no dia seguinte a “sexta-feira sangrenta” , um confronto de 10 horas entre o povo e a polícia tomou o centro do Rio de Janeiro. Dezenas de baleados e feridos, presos, espancados e jogados nas prisões do DOPS. Carros virados na rua com escritos contra a ditadura e a palavra “UNE” ou o slogan “A UNE somos nós” marcam o momento. 100 mil marcharam no dia 26 de junho no Rio de Janeiro. A UNE dirigia o percurso, com Vladimir Palmeira e Luis Travassos à frente e que seriam presos em outro momento por ocasião do congresso da UNE. Camadas inteiras das mesmas classes médias que apoiaram o golpe em 1964 oscilavam à esquerda e abraçavam a luta dos estudantes.

Maria Antónia e Congresso da UNE

“A partir do episódio da Maria Antónia começa o desmantelamento do movimento estudantil, sob violenta repressão. Em 12 de outubro, com a prisão de todos os participantes do XXX Congresso da UNE, o movimento é destruído” [12].

A Faculdade de Filosofia da USP foi um importante centro estudantil e da esquerda e que também após o golpe foi invadida. Embates e tentativas de repressão aberta vinham não somente do regime, como também do CCC, Comando de Caça aos Comunistas, conhecida organização de extrema direita. Em outubro de 1968, enquanto estudantes arrecadavam fundos para o congresso da UNE, foram atacados pelos direitistas na Rua Maria Antónia, que se organizavam no Mackenzie e transformaram as ruas em um campo de guerra temporário. Mais um estudante foi morto, José Guimarães e é fechada a Faculdade de Filosofia da USP.

Os resultados de 1968 serão conhecidos pelo signo do AI-5, o fechamento “institucional” e político completo da ditadura e a abertura de alguns anos de escuridão no movimento de resistência. Serão os anos da clandestinidade, da perda estratégica jogada nos movimentos de guerrilha e o abandono daquelas demandas que poderiam, se colocadas nas mãos de uma direção política então ausente, ser o estopim para uma derrota revolucionária das classes dominantes: “O ano de 1969 [...] teve início sob o signo da repressão: em 13 de dezembro de 1968, o regime civil-militar baixara o Ato Institucional número 5 (AI-5), conhecido como ”˜o golpe dentro do golpe”™. Com ele, os setores militares mais direitistas ”” que haviam patrocinado uma série de atentados com autoria oculta, sobretudo em 1968 ”” lograram oficializar o terrorismo de Estado, que passaria a deixar de lado quaisquer pruridos liberais, até meados dos anos 70. Agravava-se o caráter ditatorial do governo, que colocou em recesso o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas estaduais, passando a ter plenos poderes para: cassar mandatos eletivos, suspender direitos políticos dos cidadãos, demitir ou aposentar juízes e outros funcionários públicos, suspender o habeas-corpus em crimes contra a segurança nacional, legislar por decreto, julgar crimes políticos em tribunais militares, dentre outras medidas autoritárias. Paralelamente, nos porões do regime, generalizava-se o uso da tortura, do assassinato e de outros desmandos. Tudo em nome da ”˜segurança nacional”™, indispensável para o ”˜desenvolvimento”™ da economia, do posteriormente denominado ”˜milagre brasileiro”™” [13].

Desse modo, o novo golpe da contra-revolução se mostrou ainda mais cruel que aquele que o antecedeu. Os anos de 1964-68 foram entrecortados por uma série de lutas e processos que destacaram novos setores de vanguarda e preparam um enorme ascenso estudantil, dando vazão a todo tipo de tendências contraditórias, avanços parciais, retorno a certos erros antigos, desenvolvimento de novos. O processo conduzia, no entanto, a novos embates maiores da luta de classes. O golpe dentro do golpe, simbolizado pelo AI-5, fechou de forma abrupta esses desenvolvimentos, e assim as massas brasileiras, em particular a classe operária, tiveram de passar mais quase uma década antes de voltar a levantar-se e impor seu peso na política nacional.

[1Para uma análise da luta de classes no Brasil e do golpe de 1964 ver as últimas edições do Jornal Palavra Operária.

[2Entrevista a Luis Raul Machado em História da UNE, v.1: Depoimento de ex-dirigentes. p. 61

[3Luiz Eduardo Merlino Quem é ela? Folha da Tarde, 14 de outubro de 1968

[4Extraído do livro Um trabalhador da notícia: Textos de Perseu Abramo, organizado por Bia Abramo. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 1997, p. 112-13.

[5Sebastião Varela "Passados Que Não Se Apagam"- 1989

[6Site Perseu Abramo

[7Ocorreram manifestações massivas durante a ditadura. Elas se deram por questões “estudantis” , mais verbas, vagas, contra os acordos MEC-USAID, lei Suplicy e também por liberdades democráticas, contra a ditadura. A primeira grande manifestação estudantil ocorreu, em Salvador, em agosto de 67 onde os secundaristas encabeçaram uma luta contra as anuidades nas escolas, Nilton Santos da dissidência da Guanabara do PCB (depois vira distintos grupos guerrilheiros), declara que nesta manifestação havia de 80 a 100 mil pessoas. Por mais exagerado que pareça este número, esta manifestação é a primeira de uma onda de radicalização que percorre o movimento estudantil em todo país. Entrevistas José Luis Guedes e Nilton Santos. História da UNE, v.1: Depoimento de ex-dirigentes. pág. 51-2 e pág. 69.

[8Território Livre: inspirado no termo cunhado na guerra do Vietnã, quando a resistência libertava territórios ocupados pelos imperialistas, no nosso caso referindo-se a ocupações de escolas ou universidades, que passavam por um processo de auto-organização. Tal processo fora desencadeado por uma série de demandas estudantis: livros nas bibliotecas, almoços mais baratos, expulsão de professores. A 25km de Brasília o Colégio Agrícola fora tomado pelo “Diretório Revolucionário Che Guevara” , no colégio Elefante Branco os estudantes expulsaram os professores e funcionários que se colocaram contra as decisões das assembléias e comissões estudantis, sendo sua participação permitida desde que contando como uma pessoa, e não de forma paritária. Argumentavam que nas escolas a maioria são os estudantes, lutavam pela ditadura da maioria, nas fábricas e na sociedade ditadura do proletariado, nas escolas ditadura estudantil em aliança com os trabalhadores. Este processo era dirigido por trotskistas organizados no POR, Partido Operário Revolucionário.Cf. António de Pádua Gurgel. A rebelião dos estudantes, Brasília, 1968. Brasília: UNB, 2002

[9Correio Brasiliense - 30 de março de 1968

[10Honestino Monteiro Guimarães (Presidente da FEUB), Mauro Mota Burlamaqui, José António Prates, Paulo Sérgio Ramos Cassis, Paulo Speller, Samuel Yuzuru Babá e Lenine Bueno Monteiro.

[11Zuenir Ventura - 1968 o ano que não terminou.

[12Livro negro da USP: o controle ideológico na universidade. São Paulo, Adusp, 1978, p. 33-42.

[13Marcelo Ridente Que história é essa, Versões e ficções: o seqüestro da história. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 1997, p.11-25.

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