Domingo 5 de Maio de 2024

Nacional

Qual é a direção?

10 Oct 2006   |   comentários

Para compreendermos a maneira como se apresentou a Frente de Esquerda nessas eleições e que conclusões temos de tirar agora, é preciso relembrar um processo muito anterior que se abriu em 2003. Como parte da política da direção petista de utilizar-se do aparato estatal para mudar sua base social para as camadas mais populares, se necessário em enfrentamento com setores da classe trabalhadora e de sua base social, o governo Lula combina concessões assistencialistas com ataques fatiados a setores do proletariado. Lança uma campanha reacionária contra os “privilegiados” do funcionalismo público e implementa a 1ª fase da reforma da previdência. Alguns parlamentares da esquerda petista, com a senadora Heloísa Helena à cabeça que nesse momento era uma figura inexpressiva, resistiram a esse ataque no parlamento votando contra o governo. A luta derrotada contra a reforma da previdência provoca um profundo processo de reorganização em todo o funcionalismo público que abre concretamente a discussão da formação de um novo partido.

A fundação do Movimento Por Um Novo Partido da ”˜Esquerda Socialista e Democrática”™ que depois resultou no PSOL já partia de tentar “preencher o espaço abandonado” pelo PT quando se tornou governo. Deixando claro que não seria um partido que falaria de revolução e, ao contrário, buscaria atuar respeitando a democracia dos ricos, como fez o PT desde a década de 80. O PSTU, frente a isso, atuava dizendo que os parlamentares eram “parte do que de melhor” existia no PT e buscava todas as vias de formar um partido com esses setores.

É verdade que, naquele momento, esses parlamentares eram o setor mais progressivo dentro do PT e votaram contra a reforma da previdência, respondendo aos anseios da vanguarda grevista do funcionalismo público e outros setores que se organizavam naquele momento. No entanto, essa vanguarda foi deixada à margem da discussão do novo partido, que foi aprisionado nos acordos de cúpula e definido mais pelos planos de cada grupo do que pelas necessidades da vanguarda.

De um lado e de outro o que primava eram as negociações em torno de qual grupo político hegemonizaria o novo partido. Ainda que formalmente o PSTU criticasse a falta de “debate amplo, profundo e democrático na base” , não fez qualquer esforço sério no sentido de abrir a discussão com os trabalhadores dos sindicatos onde atuava e daí para o mais amplo possível na classe trabalhadora.

O PSTU continuava assim uma política que trazia desde sua fundação e até antes dela, cujo eixo era formar um partido junto à esquerda petista, e que pudesse agrupar “todos os socialistas” , “esquecendo” que o projeto estratégico dos parlamentares expulsos passava longe da revolução socialista, como provou a campanha de Heloísa Helena.

Ao invés de combater esse projeto com críticas e discussões amplas na vanguarda, aproveitando o processo de ruptura para forjar frações revolucionárias importantes, a direção do PSTU optou por tentar seduzir os parlamentares ao seu projeto vago de partido “com todos os socialistas” . Apostava nas negociações de cúpula e mimava aos parlamentares expulsos dizendo “o PT não merece vocês” . Parece que eles concluíram que não mereciam o PSTU... e fundaram o PSOL.

PSOL: um partido de “novo tipo” com a cara de Heloísa Helena

O PSOL nasce com um projeto pluralista de partido “amplo” , procurando juntar reforma e revolução no mesmo saco de gatos. Dizia-se um partido de “novo tipo” onde o elemento essencial para agregar seus membros não era a necessidade de exterminar com o capitalismo, mas apenas lutar contra o modelo “neo-liberal” de capitalismo. Essa definição não era à toa. Heloísa Helena, principal figura do partido, é de uma corrente internacional que luta pela “democracia até o fim” . Também buscava abrir espaço para alianças eleitorais com setores da burguesia como o PDT, como foi tentando durante o início do ano. Nesse espírito, o PSOL é até aqui um partido praticamente sem militância, com algumas correntes que defendem a revolução, que só tem expressão significativa no campo eleitoral, através de suas figuras públicas herdadas do petismo e herdeiras das maiores aberrações políticas e ideológicas desse partido.

Heloísa Helena destaca-se não só por ser a figura mais reconhecida nacionalmente, mas por defender posições que estão longe de ser “socialistas e democráticas” . Cristã fervorosa, contrária à liberdade de aborto, adepta da repressão violenta à “bandidagem” , passou toda a campanha eleitoral divulgando esse tipo de idéias aos trabalhadores do país, além de deixar bem claro que o socialismo é para um futuro distante, como um horizonte inalcançável, uma “declaração de amor à humanidade” . Também foi quem divulgou um projeto essencialmente capitalista de governo que não ataca a propriedade privada e que o mais longe que chega é diminuir os juros e governar para os pequenos empresários. Foi ela também que defendeu que dinheiro público fosse para as mãos da Volkswagen através do BNDES, enquanto essa empresa demitia milhares de trabalhadores e a vanguarda se movia contra as demissões. Para milhões de trabalhadores do país, essa é a cara do PSOL. Essa é a cara da Frente de Esquerda. Foi isso que o PSTU fez questão de chamar de “alternativa para os trabalhadores” .

Frente à dura realidade, as correntes que apostam no PSOL, vêem suas tendências mais reformistas chamando o voto em Lula e expressando as contradições de um projeto de “reorganização da vanguarda” que não é classista nem revolucionário. O que é quase tragicómico é que são justamente algumas das figuras mais divulgadas nas eleições as que saem publicamente defendendo o voto em Lula. As correntes que defendem a revolução, mas que dentro do PSOL trabalharam durante a campanha para construir essas figuras, vêem agora que o resultado do partido amplo, com revolucionários e reformistas, só fortalece os reformistas.

Um partido como esse, passa longe de se apresentar como uma alternativa para a classe trabalhadora, e se torna inclusive um perigoso obstáculo para o avanço de sua consciência de classe, na medida em que se conforma como outra opção dentro do regime democrático burguês, propondo aos trabalhadores uma perigosa orientação eleitoreira e legalista. Esse perigo se torna ainda maior se no seu bojo o PSOL arrasta correntes que deveriam defender a revolução, mas que se calam em nome de uma abstrata “reorganização da vanguarda” sem qualquer definição estratégica, abrindo mão de um combate sério pela formação de um partido revolucionário no país.

O PSTU dos zigue-zagues

Quando a política histórica do PSTU, que pretendia formar um partido com a esquerda petista, foi derrotada, a direção do PSTU girou 180º e se lançou numa campanha fervorosa contra a legalização do PSOL. Diziam que se tratava de “um partido reformista que pretende se construir como um novo PT, com todos os vícios eleitoralistas desse partido” ao mesmo tempo em que diziam: “pode ser que estejamos equivocados, e que o P-SOL seja um partido revolucionário” (!) que para isso basta que o PSOL rompa “com todos os apoios a partidos burgueses e governistas nestas eleições” . Que teoria revolucionária pode transformar tão facilmente um partido reformista em revolucionário a depender única e exclusivamente de quem se apóia nas eleições?

Respondemos: nenhuma. Só a necessidade de adaptar a realidade às políticas de momento explica tamanho facilismo. Assim, quando a política de formação do partido “com todos os socialistas” deixa de fora o PSTU, os parlamentares que foram por anos o ideal para formar um novo partido se transformam em reformistas eleitoreiros que não merecem sequer apoio democrático para formar seu partido. Alguns meses depois, quando a pressão desse mesmo partido ameaça apertar o PSTU, os reformistas eleitoreiros se transformam magicamente em “alternativa para os trabalhadores” e todos os candidatos do PSTU fazem o máximo esforço para aparecer publicamente ao lado de Heloísa Helena escondendo suas críticas no jornal Opinião Socialista.

Não estamos aqui discutindo se o PSTU deveria ou não estar na Frente de Esquerda, mas a cada vez que o Opinião Socialista cria uma nova realidade para justificar políticas de capitulação, mais se confunde a vanguarda. O PSOL não mudou sua essência desde que foi fundado, Heloísa Helena nunca deixou de ser uma reformista com todos os vícios eleitoralistas do PT, e nada disso impediria, à princípio que o PSTU lutasse para estar na Frente de Esquerda. No entanto, ter essa caracterização precisa, declarada e discutida abertamente, impediria sim a postura capituladora de chamar Heloísa de “alternativa aos trabalhadores” aos quatro cantos. Para isso a direção do PSTU muda a realidade em seu jornal.

Tudo isso é agravado quando pensamos que o PSTU tem a responsabilidade de ser hoje o partido que está mais bem localizado do ponto de vista sindical. Tem importantes oposições no país e dirige sindicatos de peso nacional em alguns lugares. Dirige também a Conlutas, onde se organizam setores mais radicalizados da vanguarda que rompe com o petismo.

No entanto, quando o PSTU se depara com 3500 delegados reunidos no CONAT, parte da vanguarda mais avançada do país, se nega a levantar uma política que colocasse esses trabalhadores como sujeitos políticos centrais na construção de uma Frente de Esquerda. Relegou assim os trabalhadores da vanguarda ao “Lute e Vote” enquanto quem discute programa e conformação da frente é a direção dos partidos. Manteve assim a separação entre o sindical e o político, prática tão cultivada pelo petismo e pela direção da CUT, que mantém os trabalhadores longe dos problemas centrais da política nacional e internacional.

Isso mostra que o PSTU não vê a atuação partidária de um ponto de vista estratégico. Enxerga a atuação nas eleições e nos conflitos sindicais como fim em si mesmo e abandona a tarefa de forjar em cada luta e com cada política as frações revolucionárias na vanguarda que serão as bases do partido da revolução. Sem essa perspectiva o caminho mais natural é o pragmatismo, a inconsistência, a adaptação, levando a fracassos como o que teve agora na Frente de Esquerda.

Que partidos temos hoje e o que é um partido revolucionário

Os revolucionários devem sempre “subordinar a luta pelas reformas como parte do todo, da luta revolucionaria pela liberdade e pelo socialismo” . Isso quer dizer que a atuação cotidiana dos revolucionários não pode se pautar nos interesses momentâneos e muito menos a teoria pode ser construída em função desses interesses. O revolucionário faz justamente o oposto. Busca uma teoria revolucionária para frente à realidade e tirar as políticas mais acertadas que possam, em cada luta económica, avançar não só para o patamar político, mas ligar essa luta com a necessidade da revolução socialista, criando frações revolucionárias na massa e fortalecendo a vanguarda com os olhos voltados pros momentos cruciais da luta de classes.

Trotsky alertava que nos momentos em que o proletariado rompe com as antigas direções, degeneradas e corruptas, “não pode se improvisar de imediato uma nova direção” . A história comprovou esse fenómeno em diversos momentos e diversas revoluções foram derrotadas pela inexistência de partidos revolucionários.

Frente a essa tarefa os partidos que temos hoje estão anos-luz de serem suficientes. O PSTU, que tem um peso relativo na vanguarda, mas que propõe a ela uma política sindicalista de “lute e vote” não está nem parto de ser o partido da revolução, inclusive não se prepara seriamente para que ele se construa. O "saco de gatos" do PSOL, que tem significativo peso eleitoral, está longe de ter qualquer relação orgânica com a classe além de ser a legenda que divulga a política reformista de Heloísa Helena. Esse partido não tem nada que se pareça com um partido revolucionário e, reafirmamos, é um entrave para o avanço da consciência da classe.

Infelizmente, a classe operária brasileira que protagonizou o ascenso operário a partir de 1978 que deu origem ao PT e a CUT, em grande parte ainda hoje acredita que tenha construído naquele momento um partido em defesa dos seus interesses, classista e, para alguns, até mesmo revolucionário. A maioria das correntes da esquerda que hoje se proclama classista e revolucionária que, como o PSOL e o PSTU, ajudaram a construir o PT, a figura de Lula e alimentaram essa visão de que o PT tinha esse caráter. Esse é um dos elementos que explica que, com diferentes matizes e datas, defendiam até pouco tempo (ou ainda defendem) a volta ao “PT das origens” .

Para nós, essas correntes cometeram e cometem um erro profundo ao não se colocar a tarefa de fazer um balanço profundo do passado, desde as origens, sem o qual será impossível tirar as lições estratégicas necessárias para aprofundar a ruptura com toda a herança petista que se expressa em distintos níveis e aspectos da atuação hoje dessas correntes. Ao propor esse balanço não temos como objetivo primordial que essas direções façam seu próprio balanço, mas queremos que a vanguarda compreenda e supere definitivamente essa herança, apontando para uma perspectiva classista e revolucionária desde um ponto de vista orgânico e estratégico. Somente assim, estaremos armados para golpear sob as bases do petismo, que vai muito além da própria militância do PT e está incrustada nos “corações e mentes” de centenas de milhares de ativistas do movimento operário e popular em todo o país para ampliar as bases para a construção de uma direção revolucionária para o proletariado brasileiro.

Frente ao gigante proletariado brasileiro que já deu inúmeras mostras de sua potência, a direção revolucionária terá que ser das mais firmes para conduzir a classe até o poder e enfrentar os desafios da insurreição com disciplina de ferro, coerência teórica e precisão na análise. É preciso com urgência iniciar essa reflexão e discutir caminhos para forjar uma verdadeira direção revolucionária no país, calcada em princípios sólidos e que seja capaz de cumprir sua tarefa histórica.

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