Segunda 29 de Abril de 2024

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Debate com o PSTU

A Comuna de Oaxaca e a necessidade de uma política internacionalista conseqüente

11 Nov 2006   |   comentários

A heróica luta dos trabalhadores e do povo mexicano na Comuna de Oaxaca está hoje no centro do cenário internacional, sendo a trincheira mais avançada da luta de classes na América Latina, e um exemplo para os povos de todo o mundo. Iniciada há cinco meses com uma greve de professores, este movimento tomou proporções políticas e têm colocado em xeque o poder da burguesia. Este salto se deu quando após a brutal repressão desferida pelo governo local de Ulises Ruiz Ortiz do PRI em 14 de junho passou a contar com apoio da população, e ao constituir a APPO, Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca, organismo que expressa o poder dos setores em luta. Nos últimos dias o governo reacionário de Vicente Fox, do PAN [1] , mandou sua Polícia Federal Preventiva (PFP) à Oaxaca reprimir esta heróica luta. No entanto, a imensa disposição e alta moral das bases da APPO fizeram com que esta ofensiva repressiva tenha trazido um efeito simplesmente oposto ao desejado pela burguesia e pelos governos federal e local. Ao invés de derrotar a Comuna de Oaxaca, massificou-se a resistência e fortaleceram-se as barricadas em diversos pontos estratégicos da cidade. A PFP viu-se obrigada a retroceder pela força dos trabalhadores e do povo de Oaxaca, no que já se constituiu como uma derrota importante para a burguesia e seu governo.

A atual situação mexicana combina uma crise no regime democrático burguês, como se expressou no repúdio de massas com manifestações de milhões de pessoas contra a fraude eleitoral que impós o candidato do PAN, Felipe Calderón à presidência, com o início da retomada da confiança dos trabalhadores e do povo em suas próprias forças e métodos históricos de luta. Há décadas não se via neste país ações do vulto das que agora se dão. Podemos caracterizar que fruto da combinação entre distintos processos de mobilização operária e de massas está aberta hoje no México uma situação que definimos como pré-revolucionária. Não à toa denominamos como ”˜Comuna”™ de Oaxaca. Isto porque a tendência dos setores em luta a constituírem seus organismos de poder no calor do processo se expressa aqui de maneira superior à de fenómenos anteriores, como na Bolívia e na Argentina, já que hoje ninguém tem dúvida de que quem manda em Oaxaca é a APPO, que inclusive estende sua influência para além da capital e depois da intervenção reacionária do governo federal com a PFP ganha referência em todo o país. Por isso, os desafios, perspectivas e lições deste processo têm que se colocar no centro da reflexão e ação de todas as organizações que se colocam no campo da revolução, já que esta luta que se desenvolve no México pode inaugurar uma nova correlação de forças para os trabalhadores e o povo não apenas daquele país, como de todo o continente.

A necessidade de uma atuação internacionalista, capaz de transcender a mera solidariedade abstrata, por parte de todas as organizações que se colocam no campo da revolução se faz hoje imperiosa. Ao contrário de tratar a questão do internacionalismo como uma série de consignas vazias, é preciso que as organizações que se reivindicam revolucionárias voltem todas as energias aos fenómenos protagonizados pelos trabalhadores e setores das massas em âmbito internacional, entendendo-os como parte fundamental do esforço em forjar organizações revolucionárias. Este ponto é para os marxistas revolucionários um dos fundamentos mais importantes da estratégia revolucionária, em nome do qual existe uma longa história de combates no seio de nosso movimento contra todas as variantes de chauvinismo [2] . É neste sentido que queremos abrir com este artigo uma reflexão junto aos militantes do PSTU em torno desta questão de importância estratégica. Partimos da sua, até o momento, imperdoável ausência de intervenção em torno da defesa da Comuna de Oaxaca para discutir os problemas que estão por trás desta passividade.

Que tipo de internacionalismo o PSTU defende?

A importância da Comuna de Oaxaca já rendeu inúmeras manifestações de apoio em diversos países, inclusive em muitas cidades do Brasil. Porém aqui, infelizmente, notamos nestas ações a ausência justamente de algumas das organizações que se reivindicam revolucionárias, tal como o PSTU. Em São Paulo foi realizado um ato em frente-única que conseguiu reunir cerca de 100 pessoas em frente à embaixada mexicana, do qual o PSTU simplesmente negou-se a participar. Isto obriga como mínimo, a abrir uma reflexão acerca de quais objetivos estratégicos se coloca o PSTU, já que frente aos momentos mais críticos da luta mais avançada aberta no cenário internacional, quando os trabalhadores e povo de Oaxaca se enfrentavam com a PFP e os bandos armados priistas, este partido se negue sequer a impulsionar uma campanha de apoio. Há aqui alguns problemas que devem ser aprofundados.

Um primeiro nível diz respeito ao fato de que a preservação física da vanguarda que hoje se forja no calor da luta em Oaxaca, posta em risco pela repressão, se coloca como uma necessidade vital, pois é dela que poderá advir a acumulação de forças e experiência necessária para a imposição de uma derrota à burguesia mexicana. Neste sentido, toda ação que visa moralizar estes setores que resistem e repudiar àqueles que os reprimem, é de fundamental importância. Esta deveria ser uma das questões mais elementares para aqueles que se reivindicam revolucionários. Entretanto, o PSTU atua no sentido contrário. Enquanto escrevem no Opinião Socialista que “declara-se solidário aos trabalhadores mexicano. É necessário que todas as organizações de esquerda, da juventude, sindicatos e de direitos humanos e coloquem-se contra essa brutal ofensiva ao povo mexicano” , se negam a integrar as ações concretas realizadas em defesa da Comuna de Oaxaca, com uma política que reflete o tipo mais formal e estéril de internacionalismo.

Em segundo lugar há a questão de que tipo de tradição e sob quais bases o PSTU busca se apoiar. Trotsky dizia na década de 30 que “Todo centrista vê como algo natural a construção de um partido nacional, mas não dedica o mesmo esforço e recursos às suas tarefas de caráter internacional” . Apesar dos mais de 70 anos transcorridos, esta afirmação preserva imensa atualidade. Um dos elementos que está por trás dos desvios nacional-trotskistas é uma concepção pragmática e rotineira da atuação do partido, que invariavelmente está marcada pela adaptação à “normalidade” da democracia burguesa ao não orientar-se pelos principais desafios da luta de classes que se abre em cada momento. E o PSTU é um exemplo claro disso. Por mais que de palavra afirme ser internacionalista e defender a luta dos trabalhadores e do povo mexicano, suas ações demonstram que esta é na escala de hierarquia deste partido inferior a quaisquer eleições estudantis e afins.
Da mesma maneira que o PSTU separa a luta sindical da luta política ’ ao, por exemplo, ter negado à vanguarda reunida no CONAT o debate acerca das eleições, na mesma lógica que agora se expressa quando dizem que com o fim do período eleitoral chegou o “momento das lutas” , - separa também a luta travada na arena internacional da nacional. Em nenhum momento o PSTU se debruça seriamente sobre a Comuna de Oaxaca, partindo da mais elementar visão marxista de que se triunfam os trabalhadores e o povo no México, os trabalhadores e povos de todo o continente em primeiro lugar, e do mundo inteiro em segundo, estarão em uma nova correlação de forças para se enfrentar com as suas próprias burguesias. Se responderem que não ignoram esta verdade básica, esta expressão de nacional-trotskismo torna-se ainda mais imperdoável, pois não se trata de um erro, mas de um desvio consciente.

Por outro lado, o PSTU ao atuar de maneira nacional-trotskista impede que seus militantes e os setores que influencia, sobretudo de trabalhadores, avancem em sua consciência, em torno do sentido do internacionalismo. Mesmo quando lançam campanhas internacionais, o fazem mais orientados por seus interesses imediatos, que para fazer avançar a consciência da vanguarda e dos trabalhadores, e protagonizar as ações necessárias. Um exemplo foi a firme negativa em travar uma luta para que a Frente de Esquerda tivesse uma política em relação ao Oriente Médio, não aproveitando o espaço que naquela conjuntura ocupavam para agitar uma posição revolucionária em torno desta questão, preferindo preservar seus acordos com o PSOL.

Isto é totalmente oposto ao internacionalismo defendido por Lênin e Trotsky, que atestavam ser impossível forjar uma direção revolucionária nacional quando esta não parte de “(...)uma análise das condições e das tendências da economia e do estado político do mundo, como um todo, com suas relações e suas contradições, isto é com a dependência mútua que opõem seus componentes entre si [3]” . Isto porque para os revolucionários “na época atual, infinitamente mais que durante a precedente, só se deve e pode deduzir-se o sentido em que se dirige o proletariado desde o ponto de vista nacional da direção seguida no domínio internacional, e não ao contrario. Nisso consiste a diferença fundamental que separa, no ponto de partida, o internacionalismo comunista das diversas variedades do socialismo nacional” [4]. Como prova desta visão Lênin repetiu várias vezes que se fosse necessário estaria disposto em nome do triunfo da revolução na Alemanha a sacrificar a própria revolução russa. E o PSTU não se dispós a mobilizar e mudar, ou mesmo inserir, em seu “calendário de luta” a defesa da Comuna de Oaxaca.

Infelizmente, o que podemos ver depois de cinco meses de luta em Oaxaca, para a qual o PSTU não dedicou muito mais do que alguns artigos no site no último mês, é que se mostra mais uma vez que sua direção sequer é capaz de se sensibilizar com os fenómenos de luta de classes mais avançados. O mais grave, é que nem mesmo quando os trabalhadores se colocam como vanguarda na luta pelos interesses da sociedade, ultrapassando os limites do corporativismo sindicalista, como tem feito os professores de Oaxaca à revelia de grande parte das direções do sindicato, a direção do PSTU se questiona se não deveria mudar um pouco a rotina do sindicalismo rasteiro no movimento operário e estudantil e se colocar a tarefa internacionalista de pensar sobre como os trabalhadores de Oaxaca podem ser vitoriosos e como utilizar as forças que tem enquanto PSTU e LIT para impulsionar uma campanha séria de solidariedade ativa.

É preciso impulsionar uma ampla campanha em defesa da Comuna de Oaxaca

Partindo desta discussão é que queremos chamar os companheiros do PSTU a abrirem uma reflexão, que possa tocar os elementos mais de fundo em torno destes problemas, entendendo que estas são questões que devem ser superadas teoricamente e na prática. Por isso, o primeiro passo para atuar orientado pelo internacionalismo revolucionário assume frente a atual situação, crescentemente marcada por importantes processos no cenário internacional, um caráter extremamente emergencial e concreto. É necessário que neste momento crítico da luta de Oaxaca, o PSTU reveja sua linha e impulsione junto com todos os setores que já estão atuando em torno da defesa dos lutadores mexicanos a mais ampla campanha de apoio. Acreditamos que faria uma diferença qualitativa se este partido voltasse as suas forças para compor esta frente-única, impulsionando em conjunto com os demais setores ações internacionalistas pela defesa de Oaxaca, e promovendo junto à sua militância e aos setores que influenciam um debate de fundo acerca das estratégias colocadas hoje para o triunfo desta importante luta, principalmente nos setores da classe operária em que influencia pela via dos sindicatos em que atua.

É neste sentido, que chamamos os militantes do PSTU, não somente a se integrarem o Comitê de Solidariedade ao Povo de Oaxaca, mas a colocar-se junto conosco na vanguarda da defesa da Comuna de Oaxaca em cada estrutura operária e estudantil que estiver presente somando-se efetivamente à campanha internacional. É necessário que o PSTU coloque a Conlutas e a Conlute à frente dessa tarefa. A entrada na campanha dos sindicatos que o PSTU não somente faria uma diferença qualitativa para a mesma, mas recolocaria a perspectiva da luta revolucionária e não somente sindical para diversos lutadores em todo o país. Não é possível que, por exemplo, o PSTU tenha a vice-presidência de um dos maiores sindicatos do país como a APEOESP (que além de tudo é de professores) e não impulsione nada na categoria. É essa atuação que os que se reivindicam comunistas devem ter nos sindicatos, cumprindo um papel educativo e se esforçando para elevar o nível de consciência dos trabalhadores. Além disso, a Conlute precisa impulsionar essa campanha nas universidades e escolas onde está presente e colocar esse tema nas eleições estudantis, principalmente agora que os estudantes universitários deram um exemplo da força da aliança operário-estudantil derrotando a tentativa da PFP de recuperar a universidade e a rádio Universidad.

Nós da LER-QI, que na campanha do Oriente Médio colaboramos para colocar o SINTUSP à frente da solidariedade internacionalista, somos parte da Fração Trotskista ’ Quarta Internacional que atuamos no México com a LTS (Liga de los Trabajadores por el Socialismo) e temos orgulho de estar sendo parte ativa não somente organizando as indispensáveis ações concretas, mas refletindo sobre o programa e a construção das ferramentas necessárias para o triunfo definitivo dos trabalhadores e do povo de Oaxaca. Que para nós tem como centralidade a luta por desenvolver a APPO como um organismo verdadeiramente soviético, ligado às estruturas e pela construção de um partido revolucionário no México como parte da luta pela reconstrução da IV Internacional.

[1Partido da Ação Nacional, que ao lado do PRI (Partido da Revolução Institucional) e do PRD (Partido da Revolução Democrática) sustentam o regime mexicano. O PAN e PRI são partidos de direita, enquanto o PRD busca se localizar na centro-esquerda tentando se apoiar no rechaço popular ao regime e aos anos de brutais ataques do governo Fox.

[2Termo usado pelos revolucionários para caracterizar os desvios nacionalistas.

[3Stalin, o organizador de derrotas ’ Leon Trotsky

[4Idem.

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