Terça 30 de Abril de 2024

Nacional

48º Congresso da UNE

UNE governista e mais burocrática

06 Jul 2003 | O 48º Congresso da UNE, encerrado no dia 22 de junho, no ginásio do Serra Dourada em Goiânia, a exemplo do que já havia acontecido na CUT semanas antes, foi palco, como já era previsto, de mais uma vitória do governo Lula, que procura reafirmar seu controle sobre as entidades do movimento operário, estudantil e popular. Estiveram presentes no congresso mais de dez mil estudantes, dos quais 6.103 eram delegados. A chapa vitoriosa foi a do PCdoB/UJS, em aliança com o PDT, PSB, PPS, PTB, PMDB e PFL, com 59,8% dos votos. A chapa da Articulação, corrente majoritária do PT, e das correntes petistas Força Socialista, Articulação de Esquerda, e Democracia Socialista obteve 27,2% dos votos. A chapa "unir a esquerda socialista", do PSTU com as correntes petistas CST, MES, Socialismo Revolucionário e Movimento por uma Tendência Proletária, com o apoio do PCO (que na última hora retirou sua chapa para apoiar a do PSTU), obteve 9% dos votos. O presidente da UNE será Gustavo Petta, da PUC de Campinas, indicado pela chapa vitoriosa.   |   comentários

Divisão de tarefas dentro do governo

Ficou evidente neste congresso que existe uma espécie de divisão de tarefas entre as correntes governistas no que diz respeito ao controle do movimento de massas. Enquanto a Articulação, na disputa pela diretoria CUT, forma uma chapa junto com o PCdoB, sob hegemonia da corrente petista; na UNE, Articulação e UJS concorrem em chapas separadas, ficando clara, porém, a pouca disposição da primeira para disputar de fato a direção da entidade. A Articulação prefere se manter com uma aparente independência para evitar problemas com os seus aliados de "esquerda", que teriam complicações para se aliar diretamente ao PCdoB, já que sua base estudantil tem um forte sentimento anti-UJS.

Essa divisão também visa que a direção da UNE mantenha um véu de independência frente ao governo. Por exemplo, a Articulação foi a única corrente que defendeu integralmente a reforma da Previdência que Lula quer aplicar, enquanto a UJS fazia o papel de tecer críticas à cobrança dos inativos, defendendo uma "reforma da reforma". Porém não existe nem um pingo de independência na UNE. Durante todo o congresso, a UJS defendeu que os estudantes "não podem ter medo" de participar ativamente das "grandes mudanças" que estão em curso no país e devem ter uma postura "propositiva" em relação ao governo que, dizem, está aberto ao diálogo com os estudantes. Esse é o discurso que visa mascarar o papel nefasto que a UNE cumprirá nos próximos anos como o braço do governo dentro do movimento estudantil.

UNE se torna ainda mais burocrática

Não é segredo para nenhum estudante que a UNE é completamente alheia aos seus interesses e não passa de uma fábrica de carteirinhas nas mãos da burocracia estudantil. Também não é segredo que no congresso da UNE não existe a possibilidade desta situação ser revertida, por mais que o PSTU afirmasse que a entidade estava numa "encruzilhada". Porém, para o governo, no marco das grandes lutas que se avizinham e dos ataques que o governo ameaça impor aos próprios estudantes (como é o caso da taxação dos estudantes das públicas depois que estes se formem), isto não era suficiente.

Para fortalecer ainda mais o controle sobre a entidade, a UJS, com apoio tácito da Articulação e da Articulação de Esquerda, votaram uma resolução que visa afastar ainda mais a UNE da base estudantil. A resolução define que a partir do próximo congresso, a proporção de estudantes por delegado aumentará para um delegado a cada 2.000 estudantes, o que, além de diminuir a representati-vidade do congresso, faz com que, na maioria dos casos, os delegados deixem de ser eleitos por curso, e passem a ser eleitos por universidade. Isso fortalece o controle da entidade pelos grandes aparatos do PCdoB e do PT, já que os estudantes independentes e as pequenas correntes de esquerda não têm condições de concorrer, no âmbito de toda uma universidade, com esses grandes aparatos. Um congresso com seis mil delegados é por demais "amplo" para que o governo mantenha o seu controle. Daqui a dois anos, se depender apenas dos acordos entre os aparatos reformista e stalinista, isto é, a menos que haja um processo de radicalização e auto-organização estudantil, o que veremos é um congresso ainda mais dócil e mais funcional aos interesses do governo, se é que isso é possível.

Crise na esquerda e a impotência do PSTU

Não foi sem traumas importantes que as principais correntes da esquerda do PT se alinharam à Articulação e à UJS. Mesmo burocratizado, o Congresso da UNE expressava, até este ano, muito mais o sentimento da base das correntes de esquerda do que o Congresso da CUT, por exemplo. Depois da votação sobre conjuntura nacional, onde todas as correntes do PT menos a CST votaram com a Articulação e a UJS, os militantes da esquerda do PT não conseguiam esconder sua decepção. Na hora de fechar as chapas, a DS e a AE (em menor medida) tiveram importantes setores de sua base pressionando por uma aliança com o PSTU. Correram boatos de que na bancada da Kizomba (DS e independentes) foi feita uma votação e a aliança com a Articulação venceu por 35 votos a 32.

Apesar da política do PSTU, em todo o congresso, ter girado em torno da aliança da "esquerda socialista" para combater as reformas do governo, o PSTU não se mostrou capaz de aprofundar a crise que se manifestava na bancada da esquerda do PT. O PSTU, pela sua própria estratégia, foi incapaz de demonstrar a incoerência que é travar a luta contra a reforma da Previdência por dentro do PT e com cargos no governo. Tanto é assim que se aliou com correntes do PT, que têm inclusive cargos de segundo e terceiro escalão no governo. Essa contradição estará mais evidente quando as lutas começarem. Como poderá o PSTU convencer alguém da necessidade de sair do PT para combater as medidas do governo quando ele próprio não vê nenhum problema em se aliar com correntes petistas "para criar uma alternativa de direção" no movimento estudantil? Além disso, ao invés de ter como eixo a democracia direta para a luta, parte fundamental de uma política revolucionária, o PSTU se manteve coerente com a sua caracterização da UNE como uma entidade na encruzilhada, dando a entender o tempo todo que havia alguma disputa ocorrendo no congresso. A única disputa que houve no congresso foi por cargos na diretoria da entidade.

Sem contrapor a burocratização da UNE à democracia direta dos estudantes e sem demonstrar a incoerência das correntes da esquerda do PT que acreditam ser possível combater conseqüentemente a reforma da Previdência estando no PT e ocupando cargos no governo, é impossível construir um verdadeiro pólo revolucionário dentro do movimento estudantil. Também é digna de nota a capitulação do PCO, que para tentar superar seu sectarismo não vacilou em apoiar a chapa do PSTU com setores da esquerda petista, fazendo os estudantes acreditarem que é possível estar no PT e combater até o fim a reforma que o próprio PT aplica. Foi perdida uma ótima oportunidade para aumentar ainda mais a crise que vivem os militantes sinceros do PT e construir uma verdadeira oposição revolucionária ao governo Lula no movimento estudantil.

Organizar a luta nas universidades

O que assistimos neste congresso foi mais uma vitória da estratégia do governo e a impotência da esquerda em armar os estudantes para as batalhas que estão por vir. Não é na UNE que a verdadeira disputa com as correntes governistas vai se dar. Essa disputa será travada nas universidades, em lutas como a que o funcionalismo prepara contra a reforma da Previdência. Uma atuação conseqüente dos revolucionários no Congresso da UNE poderia ter dado os primeiros passos para construir um importante bloco antiburocrático e de oposição ao governo e ajudado a preparar os estudantes para a difícil batalha que se avizinha.

Uma atuação verdadeiramente revolucionária no Congresso da UNE deveria ter partido da necessidade de um apoio incondicional dos estudantes à luta dos servidores. Deveria ter sido colocada a necessidade de assembléias conjuntas dos funcionários, professores e estudantes em todas as universidades e escolas que entrarão em greve a partir do dia 8. Deveria ter defendido um comitê de greve unificado de todas as categorias do funcionalismo e do movimento estudantil, com base em delegados eleitos nas assembléias de base, mandatados e revogáveis. Mecanismo este, que permite que sejam os lutadores e não a burocracia sindical os verdadeiros dirigentes da greve. Deveria ter defendido a necessidade de impulsionar comitês de apoio em todas as escolas e universidades particulares para preparar o terreno para paralisações de apoio ao funcionalismo. Deveria ter feito um claro chamado a todos os trabalhadores do país a montarem comitês de apoio ao funcionalismo em cada local de trabalho, preparando uma verdadeira greve geral para derrotar a reforma de Lula. Deveria ter demonstrado como um movimento estudantil auto-organizado serviria de referencia para que os próprios trabalhadores superassem o controle burocrático dos sindicatos governistas.

Porém, apesar do perdido, ainda podemos avançar em consolidar este importante bloco. Todos os CA´s e DCE´s dirigidos pela esquerda devem se colocar na perspectiva de organizar e preparar os estudantes do país todo para a greve contra a reforma da Previdência, colocando de pé comitês de solidariedade e defendendo assembléias unificadas e um verdadeiro comitê nacional de greve.

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