Segunda 29 de Abril de 2024

Nacional

SOMOS CONTRA A POLÍCIA NA UNIVERSIDADE PORQUE SOMOS CONTRA AS UPPS E POLÍCIA NOS MORROS E FAVELAS

Tal como nos morros e favelas a juventude não tem nada a ganhar com a presença da polícia nas universidades

02 Nov 2011   |   comentários

A violência da polícia entrando nos corredores da FFLCH-USP para prender estudantes que estavam supostamente fumando maconha e a oposição do movimento estudantil a sua presença e prisões reabriram um grande debate nacional sobre a presença da polícia na universidade e ligado a isto sobre a polícia em geral e seu papel. Os cartazes levantados por um setor dos estudantes, que nos orgulhamos de estar juntos gera mais choque e oposição dos grandes meios, neles se diz “Fora Polícia da USP, Fora Polícia dos Morros e Favelas”.

Reacionários da Veja como Reinaldo Azevedo logo definiram o movimento estudantil e sindicato dos trabalhadores da USP como ligados ao tráfico de drogas, e ao contrário, a polícia e o reitor (indicado pelo governador em uma lista tríplice onde não era o mais votado e a partir de um estatuto imposto no AI-5) como representantes da democracia. Neste artigo não discutiremos com posições tão absurdamente saudosas da “revolução de 64” como a mesma reitoria da USP chama, mas com posições que primam em todos telejornais que procuram mostrar a presença da polícia como forma de combater assaltos, tráfico de drogas. Esta posição tem muita força no senso comum que permeia até os estudantes da USP. Para desmascarar a mesma não discutiremos sobre a polícia na USP mas sobre o principal projeto em curso no país de suposto combate ao tráfico, as UPPs no Rio de Janeiro.

UPPs: um projeto de cidade e país, não de combate ao tráfico

A primeira UPP foi inaugurada em dezembro de 2008, nem três anos depois estamos prestes à inauguração da 18ª, agora no Morro da Mangueira. Com o passar do tempo e, decisivamente, após a tomada do Alemão pelas forças do Exército no final do ano passado os governos Lula-Dilma, Cabral e Paes, e os setores da burguesia que não só apóiam como financiam este projeto (Firjan e Eike Batista através de sua OGX como consta no site do governo do Estado), conseguiram emplacar uma grande conquista para seus interesses. Grande parte da população, inclusive dos morros encara as UPPs como parte de uma possibilidade de sua ascensão social, como se a presença do braço armado do Estado favorecesse não só a expulsão do tráfico e seus abusos como se também fosse funcional a reivindicações de saúde, moradia, educação, entre outras.

Esta conquista da burguesia começa a ser questionada a partir de mobilizações no Alemão e em diversas comunidades com UPPs, bem como pela ocorrência de novos escândalos nas forças repressoras do Estado, como a que motivou a cassação de toda a força das UPPs de Santa Teresa após seu “mensalão do tráfico”. Mesmo com estes questionamentos ainda estamos muito longe de uma situação onde parte expressiva dos trabalhadores, e sobretudo da juventude e da classe média sejam contra a presença da polícia nos morros.

O primeiro empecilho para se opor a este projeto de repressão, abusos e supressão de direitos civis elementares é ver em que contexto se inserem: se tratar-se-ia de um projeto de combate ao tráfico ou, se, ao contrário se trataria de um projeto de uma cidade e país.

A geografia das UPPs não permite tergiversações. Duas cidades no país tem unidades deste modelo traçado no PRONASCI (PAC da Segurança): Rio de Janeiro e Salvador. Duas cidades que além de serem destino turístico são e serão cara do país na Copa do Mundo e sobretudo nas Olimpíadas que serão sediadas na capital fluminense. A partir do Rio de Janeiro (que ostentará a partir de terça-feira, 1/11, 14 UPPs a mais que Salvador) a burguesia brasileira joga-se em um projeto de como gerir (reprimindo) os pobres urbanos, sobretudo os negros, e ao mesmo tempo como projetar-se mundialmente.

A geografia municipal das UPPs no Rio de Janeiro também não permite tergiversações. Enquanto toda a cidade ostenta favelas, e mais de uma modalidade de crime organizado com ligações com o Estado (tráfico e milícias), as UPPs estão localizadas quase exclusivamente em áreas onde predominava o tráfico (17/18) e em áreas onde há óbvios interesses de especulação imobiliária e turismo. Na Zona Sul, região mais nobre do Rio são 4 das 18. Na Zona de expansão imobiliária da Barra e Jacarepaguá mais 1 (Cidade de Deus). No centro, Tijuca, Maracanã e região portuária, regiões com grande interesse imobiliário e para Copa outras 12, e somente 1 na Zona Oeste (Batan no Realengo, comunidade que ficou famosa depois que milicianos torturam repórteres do jornal O Dia).

As UPPs e a gestão dos pobres urbanos através da supressão de direitos

A urbanização acelerada do Rio de Janeiro em meados do século passado ocorreu reproduzindo um aspecto essencial do capitalismo no país: a falta de moradia ligada ao racismo de uma burguesia escravocrata e à formação de uma classe trabalhadora precária e mais barata. Este aspecto sobrevive nas favelas e no fato do Rio ainda ostentar uma porcentagem da população economicamente ativa na “informalidade” superior à média nacional, 51% a 47,2%, respectivamente [1].

A tremenda urbanização e centralização do estado do Rio de Janeiro em sua capital e região metropolitana (cerca de 75% da população do estado, a região metropolitana de São Paulo em comparação é menos de 50%) somadas a este imenso problema urbano das favelas e desigualdades colocam um problema estratégico para a burguesia: estão sentados em cima de uma panela de pressão com um fogo de desigualdade imensa a aquecê-la. A forma como tratam preventivamente este problema é forçando setores dos “trabalhadores informais” à formalização em trabalhos precários através da imensa repressão aos camelôs (Choque de Ordem), que sem poder se sustentar de outro modo precisam ir para à construção civil, telemarketing, etc, e que os trabalhadores e pobres tenham que “conviver” com uma força policial imensa na porta de sua casa. Uma força que só é comparável a de Israel em sua proporção, e tal como naquele enclave imperialista que se sustenta a partir da sistemática negação de direitos civis elementares – neste caso carioca dos negros, da juventude, dos trabalhadores e não dos palestinos.

Tomemos como exemplo a futura UPP do Alemão e da Penha (que está localizada no eixo do Aeroporto do Galeão à Zona Sul, Barra e também Maracanã). O governo estima a população da região em cerca de 170 mil, e por isto, de acordo com o projeto das UPPs necessitará de cerca de 2200 policiais (para que tenham 1 policial a cada 80 habitantes). Esta proporção é cerca de 5 vezes maior a que ocorre no conjunto do país – para se implementar este projeto nacionalmente seriam necessários 2 milhões e 465mil policiais, o que seguindo os custos do Rio de Janeiro, seria um gasto anual de R$ 147,75 bilhões, o equivalente a cerca de 9 vezes o Bolsa Família, ou um pouco mais de 4% do PIB nacional [2]. Com suas 18 UPPs o Rio de Janeiro já tem um gasto com segurança pública maior do que com educação (R$ 4,9 bilhões contra 4,2 bilhões) [3].

O que este gasto absurdo atual e projetado garante é uma repressão diária e sistemática aos trabalhadores e pobres. Não faltam denúncias de supressão de direitos civis elementares. Nas favelas com UPPs é imposto um toque de recolher às 22hs, e no caso do Alemão recentemente o Exército impôs o mesmo durante o dia e que toda atitude contrária seria tratada como inimiga (e portanto sujeita à bala). Não faltam denúncias de repressão a manifestações culturais e políticas. Nas UPPs e no Alemão os mandados de segurança são cumpridos à arrepio dos direitos constitucionais. O mandato de segurança, para busca, apreensão, prisão é parte dos direitos individuais, no entanto, nas favelas a justiça burguesa emite mandados coletivos – para toda uma área. Direitos elementares como expressão, ir e vir, reunião estão suspensos. É isto que este projeto concretiza. Fora os esculachos, abusivas revistas diárias, roubos e até estupros que são denunciados. Não há nada que se estranhar. As denúncias contra as UPPs são exatamente as mesmas do que as que são feitas ao projeto que as inspirou, a ocupação do Haiti pelas tropas da ONU, lideradas pelo Brasil.

Pode a polícia combater o tráfico e o crime?

Parte de como a burguesia tenta justificar seu projeto repressivo é que ele seria contra o tráfico e reduziria a violência. No entanto, como a própria experiência carioca demonstra o braço armado do Estado não é só inseparável do tráfico e da violência como é parte constitutiva da mesma.

O Rio viu nos últimos 5 anos dois grandes homens da segurança pública saírem de seus cargos direto para a cadeia. O chefe da polícia civil do casal Garotinho, Álvaro Lins, saiu do parlamento à cadeia depois que foi denunciado seu papel na formação de milícias e currais eleitorais a partir da designação de forças policiais conforme seu esquema. O chefe do batalhão de São Gonçalo, caveira e amigo pessoal do também caveira ex-chefe da polícia militar Mario Sérgio, foi preso como mandante do assassinato da juíza Acioli e junto de seu amigo preso caiu o chefe da PMERJ.

Estas ligações da cúpula do braço armado do Estado, seja ela civil (Álvaro Lins) ou militar (Mario Sérgio) e mesmo em sua tropa de elite, o BOPE, e até as UPPs com o mensalão de Santa Teresa, mostra como esta força inteira, sem exceções de batalhões e hierarquias esta intensamente ligada a todo tipo de violência, e como mostram as estatísticas, inclusive as oficiais, é parte constitutiva da violência.

A “banda pobre” das forças armadas não são soldados rasos da polícia e corpo de bombeiros mas toda sua medula. É seu modus operandi, de seu cérebro aos braços. As vezes, sem querer, O Globo deixa aparecer números assustadores como mais de 1mil bombeiros são ligados às milícias, como ele avalia a banda podre em mais de 5% da PMERJ (e curiosamente no dia seguinte somem de seu site e do Google os mesmo dados)...

Mais de 10% das mortes classificadas pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro como “letalidade” violenta são autos-de-resistência. E não há dúvidas, sequer para a ONU que este nome eufêmico esconde execuções feitas por policiais em serviço. E para qualquer ser pensante parte expressiva dos outros 90% da letalidade violenta é feita por policiais e bombeiros não quando estão em funções oficiais, mas em funções extra-oficiais na Milícia.

O Estado não pode combater a violência. Ele é agente da mesma. O Estado é garantidor de um sistema violento, o capitalismo. Violento não só em suas balas oficiais e extra-oficiais, mas em seu cotidiano de mortes evitáveis por desmoronamentos, acidentes de trabalho, trânsito, etc, tudo isto para garantir melhores negócios à burguesia.

As UPPs não diminuem o crime – a estatística criminosa de Cabral sim

Outro argumento falacioso que é usado para justificar este projeto de militarização e retirada de direitos civis elementares é que seriam ovos que se quebram para fazer uma omelete, que apesar de tudo as UPPs diminuiriam a violência. Este é o argumento do governo e da mídia.

O site do ISP ostenta uma matéria que foi divulgada intensamente nas últimas semanas. Ele afirma que “indicadores de segurança tem queda significativa em 2011”. O principal indício disto seria uma redução nas letalidades violentas da ordem de 500 ocorrências de janeiro a julho de 2011. Recentemente um pesquisador do IPEA, órgão ligado ao governo federal, aliado de Cabral, desmentiu estes números argumentando que no governo Cabral aumentou mais de 50% as mortes registradas como “motivo desconhecido”, e assim não teríamos nenhuma redução nas mortes violentas. O governo Cabral tenta desconstruir os dados do IPEA, baseados nos dados do ministério da saúde, falando que há problemas no compartilhamento das informações e que o número que valeria seria o da polícia. Finjamos que este argumento interessado fosse correto, pois bem, os próprios números da polícia desmentem a polícia.

Em todos os meses de 2011 registrou-se um aumento do encontro de ossadas e cadáveres. Em julho (último mês com dados disponíveis) a redução em assassinatos e auto-de-resistência foi de 17 ocorrências, porém o encontro de corpos que não constam como letalidade violenta (em que situação uma ossada encontrada em um rio pode ser classificado como algo não violento?) aumentou em 18 ocorrências [4]. A redução da violência é uma falácia, é uma estatística criminosa que a produz contando meia verdade, ou uma mentira por completo.

Somos pelo fora polícia da universidade porque também o somos dos morros, favelas e periferias

Nos morros e favelas a desculpa para a militarização é o combate ao tráfico. Na USP e em diversas universidades pelo país é para proteger de assaltos e outras ocorrências. Não há como aceitar nem um nem o outro argumento. A polícia produz nada além de repressão e corpos negros no chão, como do jovem Juan assassinado e que teve seu corpo sumido pela polícia do Rio de Janeiro no começo deste ano.

A retirada da polícia dos morros e das universidades é pré-condição para o direito de organização, expressão. Seja na USP, seja no Dona Morta em Botafogo no Rio de Janeiro, a polícia impede os trabalhadores e a juventude de se organizar e garante os interesses de quem os paga, os exploradores.

A confiança que a maioria dos trabalhadores deposita nesta força assassina e repressora exige muito mais decisão por parte da vanguarda da juventude, dos trabalhadores e da esquerda que se reivindica socialista e revolucionária. O caminho à nossa organização, ao nosso direito de reunião e expressão, nossa luta contra a precarização da vida e da educação passa pela mais intransigente defesa de retirada de todas tropas policiais dos morros e favelas e das universidades. Ou seja, precisamos levantar em alto e bom som o que fizeram os estudantes da USP que tentaram impedir com sua ação independente a repressão policial. Só não foram vitoriosos nisto porque a direção da FFLCH junto à direção do DCE (diversas correntes do PSOL, sobretudo o MES que aceita financiamento da TAURUS de armas no Rio Grande do Sul) escoltou, literalmente, os estudantes que haviam sido libertos da polícia por centenas de outros estudantes até a delegacia. Esta é a concretização do que sua política de reforma das forças policiais, não oposição às UPPs no Rio de Janeiro produz. Precisamos de um forte movimento não de agentes da polícia como foi o DCE da USP mas das centenas de estudantes que tentam impedir a repressão policial e sua presença seja na USP ou seja nos morros.

[1“Rio Econômico” de Agosto/11, relatório produzido pela FIRJAN, disponível em seu site.

[2O site do governo do Estado do Rio de Janeiro no verbete “UPPs” (http://www.rj.gov.br/web/mapa/exibeconteudo?article-id=566038) afirma que cada 100 policiais em UPPs custam anualmente R$6 milhões.

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