Sábado 18 de Maio de 2024

Internacional

PROJETO DE TESES SOBRE A SITUAÇÃO DA ECONOMIA E AS RELAÇÕES INTERESTATAIS EM NÍVEL MUNDIAL

Raízes e alcances da atual crise financeira e econômica internacional

30 Aug 2008 | Documento votado na V Conferência da Fração Trotskista - Quarta Internacional.   |   comentários

Tese I

O capitalismo do século XXI mostra claramente duas tendências: por um lado, um aumento da taxa de lucro, baseado em um aumento da taxa de exploração da força de trabalho, conseqüência da ofensiva neoliberal. Porém, esse aumento da taxa de lucro não tem se convertido, por outro lado, em um aumento da acumulação capitalista em forma durável e generalizada. Esse resultado paradoxal é conseqüência da forma em que se restabeleceu a rentabilidade depois da crise de acumulação da década de 1970, mediante uma saída limitada da mesma, isto é, com uma limpeza somente parcial de capital excessivo. Além de uma maior pressão do imperialismo sobre as semicolonias (privatizações, etc), a diminuição dos preços de matérias-primas, a restauração capitalista na URSS, China, e Europa do Leste, indiretamente mediante a liberalização do comércio e do mercado financeiro, mas fundamentalmente mediante um ataque aos salários e às condições de trabalho. Dessa maneira, a estagnação da renda dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que possibilitou o incremento da rentabilidade, não resolveu a fundo a sobreacumulação que se manteve em forma latente como pano de fundo da recuperação. Paralelamente à ofensiva sobre os salários restringiu o consumo de massas e implicou num estreitamento do mercado mundial. Este estreitamento que por sua vez se alimenta com um baixo consumo produtivo dos capitalistas, é parcialmente restituído mediante o crédito e o consumo de luxo, à custa de maiores instabilidades na economia mundial. Todos estes fatores contribuem para que o crescimento da taxa de lucro não equivalha a uma taxa de acumulação nos mesmos níveis. Este caminho, ainda que tenha permitido recuperar a rentabilidade, não levou a uma expansão como no boom do pós-guerra, senão a uma intensa luta pelos mercados. A nova divisão do trabalho que a estratégia produtiva das grandes corporações foi impondo implicou uma crescente gravitação da lei do valor em nível mundial. A maior influência das transnacionais, sobretudo no campo da produção de bens transáveis, mas cada vez mais em outras áreas de valorização do capital, como os serviços, tende à formação de preços mundiais em cada vez mais ramos da economia. Como resultado disso, a mundialização capitalista atual se caracteriza, então, por uma renovada circulação de capitais que conduz a um alinhamento em direção à baixa dos salários e a alta dos lucros. Isso é o que explica que a ausência de uma acumulação capitalista durável e generalizada seja acompanhada simultaneamente pela tendência a sobreacumulação em determinados nichos da economia mundial, onde é possível obter lucros extraordinários, ao mesmo tempo em que os capitais fogem das zonas onde o valor da força de trabalho é muito elevado (como demonstra a chantagem da deslocalização [1]). Neste sentido estão totalmente erradas as afirmações neokeynesianas dos reformistas e de alguns centristas em relação a uma solução da crise através de uma alta de salários. Ao contrário, a baixa da taxa de exploração só poderia agravar a crise, na medida em que reforçará a tendência à queda da taxa de lucro. As afirmações neokeynesianas superficiais não são nada mais que uma maneira, para os reformistas e alguns centristas de desviar os trabalhadores da necessidade de derrotar o sistema capitalista para liquidar as crises e satisfazer as necessidades das massas. É uma forma para iludi-las com um retorno do suposto “bom” capitalismo dos “Trinta Gloriosos” .

O outro resultado da debilidade da acumulação capitalista com respeito aos níveis de lucro é a brutal expansão da mais-valia não investida. É essa a raiz da hipertrofia da esfera financeira das últimas décadas. A função dessas é por um lado distribuir parte dos lucros das empresas na forma de dividendos ou juros, que entra por essa via no consumo das camadas superiores da burguesia e das altas classes médias e, portanto, na reprodução do capital. Por outra parte, uma porção desses lucros que não entra no consumo é poupada e entra de novo no circuito financeiro (como demonstra a forte liquidez e o crescimento do capital circulante) na busca das oportunidades mais lucrativas de investimento em nível mundial. Esse “dinheiro esquentado” (hot money) se aproveita, por sua vez (e exacerba) os presentes desequilíbrios da economia mundial. O “padrão de crescimento” norte-americano tem levado à aceleração violenta dessas tendências, aproveitando-se do seu papel de senhoriagem [vantagem obtida pelos EUA por ser o emissor da moeda internacional conversível, o dólar] do sistema monetário internacional, o que lhe tem permitido viver além dos seus meios. A evolução da acumulação associada a esse padrão de crescimento é notadamente instável. Desde 1982 podemos distinguir várias fases. Entre 1982 e 1987, a taxa de lucro se recupera fortemente, passando de 11% a 20%, mas a taxa de acumulação continua sua descida até alcançar seu ponto mais baixo nos últimos 50 anos, no início dos anos 90. Durante o período da chamada nova economia existiu um verdadeiro boom de investimento, onde a taxa de acumulação (medida como a taxa de crescimento do estoque de capital fixo) subiu de cerca de 2% para 3,5%, alcançando os níveis recordes dos anos 60. Porém, desde 1997, a taxa de lucro volta a descer, sendo seguida pela taxa de acumulação de capital. No início do século XXI, a taxa de lucro novamente alcançar um nível elevado, enquanto que a taxa de acumulação permanece ao redor de sua média histórica do último meio século.

A combinação de altos lucros com debilidade na acumulação ’ salvo no período da metade dos anos 90, quando a miragem da “nova economia” provocou uma sobreacumulação nos ramos de telecomunicações e informática ’ e o crescimento da mais-valia não investida na produção produz dois fenómenos. Por um lado um desenvolvimento considerável do crédito para os lares permite aos capitalistas se apropriarem de uma parte suplementar da mais-valia através dos juros, tornando o trabalhador mais dócil pelo peso que representa seu endividamento massivo. Isso estimula artificialmente a demanda sem resolver o problema de fundo que consiste em condições de valorização só parcialmente restabelecidas. Por sua vez, esse fenómeno se acompanha de uma inflação de preços dos ativos: um leilão em alta dos preços imobiliários e dos mercados e valores (fundado no crédito) que em um momento começa a se alimentar a si mesmo, afastando-se cada vez mais das condições e possibilidades de rentabilidade da economia real.

A subida dos preços atrai novos compradores cuja chegada empurra os preços ainda mais para cima. No caso das ações ou títulos privados das empresas, essa alta (“exuberância irracional” ) dura até que se dê uma mudança da conjuntura económica, seja uma queda dos investimentos ou do consumo ou um evento exterior. Quando se chega a esse ponto, os investidores buscam se desfazer dos títulos mais expostos. No caso do mercado imobiliário, o fim da bolha (esse termo é apropriado porque casas e apartamentos não constituem somente um valor de uso para o proprietário, mas também um “ativo financeiro” que se compra pensando em revendê-lo, e que serve de garantia para outros empréstimos) chega devido a uma saturação da demanda, ao grau de sobre-investimento resultante de “antecipações” excessivamente otimistas dos promotores imobiliários e também da diminuição do crescimento da renda dos consumidores. Nesses momentos em que a “bolha” de ativos se desinfla, dito em termos de “O Capital” : “o crédito se reduz ou desaparece em absoluto, o dinheiro se enfrenta de repente e de um modo absoluto às mercadorias como meio único de pagamento e como a verdadeira existência do valor. Daqui a depreciação geral das mercadorias, a dificuldade, ou melhor, a impossibilidade de convertê-las em dinheiro.” (Marx, El Capital, livro III, México, FCE 1973, t. 3, pág. 484). Isso é o que começou a acontecer nos EUA em meados de 2007, e é a origem imediata da atual crise financeira norte-americana, cujas causas se encontram nos desequilíbrios profundos daquele país.

Tese II

A atual crise norte-americana não é mais uma crise cíclica, e sim uma crise que coloca em questão o “padrão de crescimento” norte-americano das últimas décadas e seu papel de consumidor em última instância para a economia mundial. Nesse sentido, seu alcance é mundial, pois o consumo interno norte-americano representou entre 2003 e 2006 a principal saída para a oferta de mercadorias produzidas em outros países. Diferente das suaves recessões de oito meses de duração de 1990-91 e 2001 a atual aponta para ser mais dura e prolongada, pelos seguintes motivos:

”¢ Os preços da moradia estão caindo e poderiam cair ainda mais até alcançar um nível sustentável com a demanda solvente [2]. Os estoques não vendidos ainda seguem crescendo. É prevista uma depreciação de uns 20% (alguns prevêem até uns 30%) até o momento em que toquem seu piso em 2009-2010. Isso equivale a uma enorme perda de riqueza ou património de 6,6 bilhões de dólares se a queda for mais drástica (igual a meio ano do PIB norte-americano). Isso, por sua vez, implicaria na falência de entre 30% e 40%, segundo o nível de queda de preços das hipotecas (ao redor de 51 milhões de lares estão hipotecados), o que golpearia os bancos multiplicando suas perdas.

”¢ A crise de insolvência não se resume ao mercado hipotecário residencial, pois abarca o conjunto do sistema financeiro: mercado hipotecário comercial, crédito de consumo, empréstimos estudantis, crédito para automóveis e agora também o crédito corporativo, como os chamados “Private Equity” especializados em fusões e aquisições enormemente alavancados (utilizam o endividamento via hipotecas e títulos para suas operações de compra). Ainda que a probabilidade de um colapso do sistema financeiro, como o que esteve rondando em março, tenha se aliviado graças ao resgate do Bear Stearns pelo FED [Federal Reserve, banco central dos EUA] e a extensão de maneira sistemática da válvula de escape do FED como fornecedor de empréstimos em última instância para instituições por fora do circuito bancário comercial ’ isso não significa que o pior da crise para o setor bancário e financeiro ficou para trás. Pelo contrário, com 47% dos ativos dos grandes bancos relacionados com o mercado imobiliário (residencial, comercial etc.), e com 67% dos ativos dos bancos menores relacionados com o imobiliário, centenas de pequenos bancos das comunidades, dezenas de bancos regionais e alguns bancos nacionais poderiam entrar em falência. O aumento do custo dos seguros contra os defaults dos bónus do Lehman Brothers, Merrill Lynch e outros grandes bancos e corretoras nas últimas semanas de maio, ameaçando alcançar níveis de “stress” vistos antes da ruína do Bear Stearns, poderia antecipar que a crise financeira mundial entraria numa nova fase turbulenta nos próximos meses.

”¢ Se a crise começou no setor financeiro, agora está se transportando para a economia, como demonstra a baixa do consumo, a queda da renda do governo e dos municípios, o aumento dos preços da energia e dos alimentos, a subida dos preços das passagens e das tarifas das companhias aéreas, enquanto se reduzem os serviços, a perda de empregos na construção, no setor manufatureiro e no bancário, e os planos de redução de produção das empresas de automóveis. Essa recessão tenderá a aumentar as falências das corporações. Essas, historicamente, tinham a média de 3,8%, mas baixaram a 0,8% devido às baixas taxas de juros e à facilidade de refinanciamento. Em cada uma das últimas recessões a taxa pico de falências chegou a 15%. A profundidade da atual queda da economia faz prever que o pico será pior que em 1990-91, o que por sua vez pode agravar a crise do sistema financeiro.

”¢ Por último, é fundamental notar que o motor da atual recessão é a queda do consumo, ao contrário das recessões de 1990-91 e a crise da “bolha” da internet e das telecomunicações que tiveram como propulsor a queda nos investimentos das companhias. Essa última e a chamada “recuperação sem emprego” (jobless recovery) que a seguiu, permitiu recuperar os lucros, além dos mecanismos usuais como o aumento da jornada e intensidade do trabalho e o achatamento dos salários. Porém, seu impacto na economia real foi estranhamente curto, em parte graças a uma importante baixa das taxas de juros e a um massivo estímulo fiscal (cortes de impostos para os ricos e crescente gasto militar) que teve como conseqüência a passagem abrupta de um importante superávit orçamentário a um forte déficit (4% do PIB). O principal mecanismo de transmissão da queda das taxas foi o crédito imobiliário, que sustentou dessa maneira a economia evitando que a sobreacumulação no setor tecnológico se transformasse em uma recessão aguda ou inclusive em uma depressão. Além disso, esse impulso monetário chegou a um momento no qual o mercado imobiliário já estava em ascenso, dando lugar a um boom descomunal nos anos posteriores.

As perspectivas inflacionárias eram baixas, resultando num bom momento para pegar nova dívida, como foi o caso dos EUA, nos anos passados. A sete anos dessa crise disparada pelo desinflar do mercado acionário de 2000 e 2001, a crise atual, disparada pelo simultâneo desinflar da bolha imobiliária e creditícia, aponta para ser mais profunda e duradoura, visto que afeta o particular “padrão de crescimento” norte-americano. Esse repousava sobre um duplo mecanismo: de um lado, a baixa regular da taxa de poupança dos lares (cerca de meio ponto a cada ano, passando de 4,7% no primeiro trimestre de 1998 a 0,2% no primeiro trimestre de 2008) e, de outro, o aumento regular do déficit comercial. Nesse marco, era o consumo o que impulsionava o crescimento sustentado por um recorde crescente do endividamento (a dívida com respeito à renda disponível dos lares cresceu de 100% em 2000 para 138%). Assim, nos últimos dez anos, o PIB norte-americano tem crescido 31%, ou seja, 2,7% por ano, enquanto que o consumo dos lares tem crescido 3,4% por ano. Sem esse dinamismo do consumo, as taxas de crescimento da Europa e dos EUA não seriam muito distintas.
Digamos que quando falamos da queda da taxa de poupança estamos nos referindo aos setores altos da população (ao redor de 20%), cujas poupanças vêm baixando desde 1992, enquanto que outros setores sociais têm conservado suas poupanças. Esses setores da grande burguesia e classe média alta são os beneficiários do atual “padrão de crescimento” , submetidos a um consumismo desenfreado baseado na valorização de seus patrimónios e acima dos que por sua vez se superendividam. A contrapartida disso, no marco de uma estabilização do investimento e do consumo público, é que a demanda interna cresce tendencialmente mais rápido que a produção doméstica, dando como resultado um galopante déficit comercial (que dizer, um aumento mais rápido das importações em relação às exportações). O desmantelamento de tais excessos afetará fortemente tanto a construção como os consumidores. Esses dois setores coletivamente chegaram a um pico de 78% do PIB, seis vezes mais que o tamanho do setor que empurrou a economia em recessão no começo da década.
Os elementos expostos tornam particularmente aguda a crise norte-americana atual, já que combina uma tendência à recessão, impulsionada pela debilidade dos consumidores (flagelados pelo peso da dívida, o aumento dos preços da energia e dos alimentos e o crescimento do desemprego), com uma forte crise no coração do sistema financeiro. Nesse sentido, a recessão norte-americana de 2008 pode ser similar em qualidade ’ apesar de que não necessariamente em duração e profundidade, devido à resposta fortemente ativa do FED ’ à contração japonesa do começo dos anos 90 e que perdurou toda uma década; ou à contração alemã do início da década atual. O que está claro, muito além das comparações, é que pela primeira vez desde o começo de 1980 os EUA deverão passar por vários anos de débil crescimento (abaixo ou muito abaixo de seu potencial) antes que sua economia restaure seus desequilíbrios e encontre um novo padrão de crescimento mais sólido e sustentável, questão que está por ver-se.

Tese III

O desinflar da bolha imobiliária e do crédito nos EUA desatou o começo do naufrágio de outras economias com similares “padrões de crescimento” nos últimos anos, como é o caso da Inglaterra, do Estado Espanhol e da Irlanda, na União Européia (UE), ou da Nova Zelândia e Austrália, na Oceania, enquanto o Canadá encontra-se fortemente afetado por seu vizinho do sul.

A Inglaterra, desde a recuperação da recessão do início dos anos 90, se beneficiou de uma economia mundial favorável. Os preços das matérias primas estão baixos e a libra forte. A entrada da China no sistema de comércio internacional tem jogado para baixo os preços das manufaturas, um setor que a Grã-Bretanha tinha “abandonado” nos anos 80. O resultado foi duplo. Primeiro, um resultado positivo na área de troca, isto é, a venda de caros serviços financeiros em troca de manufaturas baratas tornou os britânicos mais ricos. Segundo, a queda dos preços chineses mantinha a inflação baixa e permitia um manejo simples da economia. Ambos os elementos estão chegando ao seu fim, assim como o boom creditício e imobiliário. Pela sua parte, a mudança das condições internacionais e o encarecimento do dinheiro na própria UE, diante da negativa do Banco Central Europeu de baixar as taxas igualmente ao FED norte-americano, junto com o crescimento da taxa Libor [3], tem significado o fim do boom de crescimento espanhol, motorizado pela “tijolo” [construção civil] que dava conta do significativo PIB (18%) e outros setores de baixa produtividade da economia, como o turismo de. Por sua parte, o chamado “tigre” europeu (Irlanda) sofre uma cruel “seca creditícia” (credit crunch), esmagada por sua vez pela desvalorização do dólar e da libra, moedas das zonas para onde se dirigem mais de 70% de suas exportações. Em outro caso, para a Itália, depois de dois anos de renovado crescimento, 2008 se apresenta novamente problemático, com um crescimento do PIB de 1% e uma marcada redução no consumo das famílias. A Itália padece de uma debilidade da competitividade de sua indústria devido, sobretudo, a sua composição caracterizada em geral por pequenas e médias empresas (em comparação com outros países europeus) ativas em setores submetidos a uma concorrência global sem piedade. Um exemplo notório é o da indústria têxtil ou da indústria branca [eletrodomésticos] e a concorrência direta do mercado chinês. Também na UE, Portugal se encontra perto do território recessivo. Na América do Norte, o Canadá, pressionado pela débil economia estadunidense que afeta suas exportações e as apertadas condições creditícias nos países industrializados, enfrenta uma importante desaceleração que pode terminar no crescimento mais baixo dos últimos quinze anos, apesar da baixa das taxas de juros pelo Banco do Canadá. E na Oceania, a Nova Zelândia está se desacelerando devido a que o aumento das hipotecas está afetando o consumo, enquanto que a Austrália está vivendo do tempo de bonança, graças aos preços extraordinários do carvão e do minério de ferro. Porém, com uma dívida dos lares em 175% da renda disponível, se prepara para seguir o caminho de seus pares do “modelo anglo-saxão” . Entretanto, simultaneamente a essa tendência recessiva (e deflacionária) que abarca quase 40% da economia mundial, vem se dando uma tendência inversa, isto é, o superaquecimento da economia em grande parte do mundo dependente e semicolonial. Esses países vêm sustentando a demanda mundial no início da crise financeira e no marco das tendências de recessão nos EUA e na maioria do mundo anglo-saxão. Contudo, por sua vez, esse superaquecimento tem dado como fenómeno o desenvolvimento de fortes pressões inflacionárias que podem deslocar os “padrões de crescimento” desses países, gerar importantes convulsões sociais e acabar mais cedo que o esperado com seu forte crescimento. A inflação é um grande problema, em particular nas economias superaquecidas de alto crescimento com taxas de câmbio subvalorizadas como China, à ndia, Rússia, os países do Golfo, Argentina e outras economias emergentes de rápido crescimento, membros informais do regime de Bretton Woods 2 (BW2). O sistema monetário de Bretton Woods [4] mantinha todos os tipos de câmbios fixos em relação ao ouro. Na prática, os tipos de câmbio permaneciam fixos com respeito ao dólar e esse era convertido em ouro a uma taxa fixa de 35 dólares por onça. Atualmente, para alguns economistas, existiria uma continuação do sistema de tipos de câmbio fixos de Bretton Woods, mas agora os países da à sia Oriental em particular têm tomado o lugar que ocupava a Europa dentro do sistema. Esses países têm acumulado uma grande quantidade de reservas internacionais para evitar que suas moedas se valorizem, investindo-as principalmente em títulos governamentais dos EUA, o que ajuda a manter baixas as taxas de juros nesse país, favorecendo o consumo e as exportações de produtos asiáticos.

Na China, à ndia, Indonésia e Arábia Saudita, ainda que duvidosas, as estatísticas oficiais mostram aumento de preços de 8-10% no ano passado, na Rússia a taxa é de 14%, na Argentina o verdadeiro quadro é de 23%, e na Venezuela é de 29%. Ucrânia chega a 30%, Vietnã 25%, Cazaquistão 19%, Letónia 19%, Qatar 17% , Paquistão 17%, Egito 16%, Bulgária 15%, Emirados à rabes 11%, Estónia 11%, Turquia 9,7%, Romênia 8,6%. Se fossem medidas corretamente, cinco das dez maiores economias emergentes poderiam ter taxas de inflação de 10% ou mais para meados do verão boreal [5]. Dois terços da população mundial provavelmente convivem com taxas de inflação de dois dígitos. Esse aumento inflacionário tem sido causado em maior medida pelo aumento dos preços do petróleo, minerais e alimentos (ver Tese V sobre suas causas). Porém, o salto sincronizado responde em grande medida, junto a essas forças estruturais, ao fato de que a queda das taxas de juros do FED tem forçado a uma política monetária por parte das economias emergentes que tem suas divisas atreladas ao dólar, apesar de que suas economias estão superaquecidas. A taxa de juros negativa nos EUA torna difícil aos sócios comerciais dos EUA que sofrem uma alta inflação tomar medidas corretivas efetivas (por exemplo, uma elevação das taxas de juros chinesas apenas resultaria num massivo fluxo de “hot money” , a menos que fosse tomada de forma coordenada com outros países). Em outras palavras, esses países estão importando o estímulo de emergência do FED quando menos precisam. Consideradas mundialmente, as taxas de juros estão em 4,3%, enquanto que a inflação global está acima dos 5%; quer dizer que a taxa de juros no mundo é negativa [menor que a taxa de inflação]. Os bancos centrais estão jogando mais lenha na fogueira do aumento dos preços dos alimentos e da energia. Isso, por sua vez, complica as opções dos bancos centrais dos países centrais, ainda que esses não se vejam ainda diante de um fenómeno similar ao dos anos 70.

Perante essa nova realidade, alguns países asiáticos já estão ajustando suas políticas monetárias para fortalecer suas moedas, numa tentativa de diminuir relativamente o preço do petróleo determinado em dólares, ainda que ao custo de fazer com que suas exportações sejam menos atrativas para o mercado mundial (com suas conseqüências para o crescimento). Porém, é improvável que alguns países do chamado BW2, especialmente os países do Golfo, abandonem rapidamente suas moedas atreladas ao dólar (“pegs” ) por razões geopolíticas: esses países gozam da proteção militar norte-americana nessa volátil região, e por isso os EUA veriam com total aborrecimento um abandono de seus “dólar pegs” [6], movimento que poderia levá-los a abandonar o dólar como unidade monetária do preço do petróleo. O resultado disso é a existência de taxas de juros literalmente negativas nesses países, que não somente estão acelerando a inflação, mas dando lugar a uma forte bolha de ativos, fundamentalmente um boom na construção civil, como atestam o crescimento descomunal de cidades como Dubai (que uma vez acabada a demanda, pode levar a um desinflar como o que agora sofrem os EUA). No seu caso, a China, apesar de sua crescente preocupação com a inflação, se nega a seguir os passos de outras economias asiáticas porque uma maior valorização do yuan (moeda chinesa) afetaria a competitividade de suas mercadorias na economia mundial ’ com seu principal destino literalmente em recessão (EUA) e grande parte do mundo afetado pela queda da locomotiva norte-americana ’, extremamente sensível ao aumento de seus custos. Por ora, está tratando de controlar o preço dos combustíveis exigindo de fato às empresas refinadoras, não diretamente controladas pelo governo, que funcionem com perdas, em troca de não agravar o endurecimento das condições de produção das empresas já submetidas a um aumento dos custos trabalhistas, à elevação do yuan e a elevação dos insumos. Contudo, isso somente posterga o problema, ao custo do surgimento de gargalos na economia, como testemunha a carência de gasolina e diesel em várias cidades. Adicionalmente, sua incerteza sobre a profundidade ou não da recessão norte-americana também impede inclinar-se rapidamente a uma saída. Porém, esse ajuste lento e gradual da China diante dos sinais crescentes de inflação em seu território tem como conseqüência que outros países emergentes não tomem, eles mesmos, medidas drásticas frente à espiral inflacionária: uma forte valorização de sua moeda poderia converter-se em uma perda de competitividade em relação às mercadorias chinesas. Até agora a maioria desses governos vem respondendo com controle de preços, subsídios fiscais e controle de exportações no caso dos países produtores de alimentos, sem modificar a política cambial ou monetária [7]. Esse é o caso da Argentina, onde o Banco Central vem controlando sua moeda artificialmente através de persistentes intervenções (apesar de um recente giro muito questionado pelos industriais que temem perder competitividade), ao mesmo tempo em que a tentativa de aumentar os impostos sobre as exportações agrícolas (“retenções” ) tem se convertido em um enfrentamento brutal entre o governo e a grande burguesia agrária. Essas medidas apenas podem postergar os desequilíbrios abertos que já se manifestam em várias economias emergentes, aumentando o risco de uma aterrissagem forçada em vez de uma aterrissagem suave. Não somente a carestia de vida atinge o poder de compra dos assalariados, mas também a crescente inflação tem levado a um endurecimento das condições de crédito, com seus conseqüentes efeitos de contração sobre a demanda e a produção, agravadas também suas margens de rentabilidade pela subida dos custos. Mesmo que a recessão norte-americana e a desaceleração da economia internacional afetarão, mais cedo ou mais tarde, o preço das matérias primas é provável que muitos dos países da periferia se vejam, antes disso, diante do difícil dilema de ter que lidar com um cenário crescente de crise, isto é, um desacelerar do crescimento económico ao lado da persistência de forças inflacionárias. Se a decisão for esfriar a economia, como pressiona o capital internacional, pode haver recessão e multiplicação dos desempregados. Se continuarem com o atual crescimento desequilibrado, como incitam os setores do capital mais fracos e nacionais, arrisca-se uma escalada inflacionária infindável.
Nesse marco, as crescentes lutas operárias e demandas salariais podem abrir passagem a processos de luta diretamente política contra os novos ataques à classe trabalhadora, desatando novas crises governamentais e maiores divisões entre os distintos setores da burguesia, convertendo muitos desses países nos elos mais fracos da crise capitalista mundial no próximo período, como já demonstra o salto na crise do paraíso da mão de obra barata, substituto da China em determinados ramos da produção, o Vietnã. O anúncio de que a inflação tocou o teto mais elevado dos últimos 16 anos, alcançando 25,2% em maio, resultou numa forte queda da bolsa, expressão da fuga de capitais. A superabundância de crédito, acompanhada pelo aumento dos preços do petróleo e dos alimentos, tem dado rédea solta à inflação. No marco de um crescente descontentamento operário, o mais importante desde quando o Vietnã estava sob domínio colonial francês, e o fracasso das medidas do governo em deter a escalada inflacionária, os capitais têm começado a meter os pés pelas mãos, o que pode significar um salto na crise económica, política e social nesse importante país do sudeste da à sia.

Tese IV

As economias japonesa e alemã, segunda e terceira economia mundial respectivamente, têm sustentado seu crescimento apesar da forte queda norte-americana no primeiro trimestre de 2008. A chave desse resultado, para alguns não vista, é a ainda forte demanda dos países emergentes que vimos na tese anterior. Assim, o Japão cresceu 0,8% ou 3,3% anualizado em relação ao trimestre anterior em termos reais, apoiado nas exportações aos mercados emergentes e à União Européia, que compensou a diminuição de suas exportações aos EUA. De sua parte, a Alemanha, principal economia da Europa, cresceu 1,5% no primeiro trimestre, o mais vigoroso trimestre em doze anos, o que impulsionou o crescimento europeu acima do trimestre anterior. As razões de sua fortaleza relativa (e de sua importante recuperação impulsionada pelas exportações desde 2006) se baseiam em dois elementos transitórios. A primeira, a melhora de sua competitividade devido à drástica redução salarial conseguida durante o governo Schröeder. O segundo é o boom dos tradicionais mercados exportadores da Alemanha: Rússia e Oriente Médio. Uma desaceleração do crescimento dos países emergentes pode ter conseqüências graves sobre os atuais números de crescimento. Já as firmas japonesas limitaram os investimentos em projetos e equipamentos em relação a uma moderação da expansão da atividade global e um aumento dos custos energéticos que afetariam a economia do Japão. Enquanto isso, a demanda interna se manteve fraca. Os investimentos em projetos e equipamentos ’ que, junto às exportações, haviam sustentado o crescimento na recente recuperação da economia japonesa depois de anos de estancamento ou crescimento muito abaixo de sua potencialidade ’ têm se debilitado. O padrão liderado pela exportação do crescimento da economia tanto japonesa quanto alemã, que não esteja acompanhado de uma forte recuperação de seu mercado interno, mostra que essas duas economias não podem ser locomotivas de substituição do papel que jogou a economia norte-americana em todos esses anos. Mais ainda, os problemas se acumulam na própria UE, zona económica que tomada de conjunto tem um peso similar ou maior que a economia norte-americana. A forte valorização do euro em relação ao dólar já está apresentando conseqüências sobre o encarecimento das exportações européias e em termos de perda de competitividade, sobretudo nos países da UE de menor produtividade do trabalho. Por sua vez, ainda que tenha conquistado fluxos financeiros, a eurozona tem perdido fluxos industriais e de investimento direto. Com efeito, o aumento das posses em euros dos bancos centrais da Rússia, à sia e do Oriente Médio, que buscam uma alternativa ao dólar como fonte de retenção para suas crescentes reservas monetárias, tem ajudado a acolchoar a crise creditícia na Europa, que se tem convertido em um encarecimento da zona do euro para fazer negócios. O Investimento Estrangeiro Direto (IED) tornou-se fortemente negativo, alcançando 149 bilhões de euros no ano passado. Caiu 19 bilhões de euros somente em março, enquanto a valorização do euro tem levado os custos trabalhistas no sul da Europa a níveis não competitivos. Isso tem acelerado uma nova onda de deslocalizações por fora do bloco monetário, encabeçada pela Airbus que está mudando suas operações para os EUA, a à ndia e o México. Somado aos efeitos da alta do petróleo ’ que está levando a protestos de numerosos setores económicos como os pescadores, os agricultores e os transportadores que vêem diminuir a rentabilidade de sua atividade ’, e fundamentalmente às conseqüências da carestia da vida sobre os salários depreciados, todos esses elementos vislumbram um debilitamento do consumo e problemas para a indústria européia na medida em que a desaceleração da economia mundial ganhe força. E se a UE começa a perder estímulo (coisa que já está se dando, como vimos em toda uma série de países), os novos países entrantes na UE vão começar a sofrer também, alguns deles enfrentando importantes crises financeiras. Já se acumulam tensões em grande parte das economias superaquecidas do vasto arco que vai do Báltico ao Mar Negro, economias financiadas pelos bancos austríacos, suecos, alemães, belgas e italianos. Em 2007, o crescimento do crédito privado foi de 62% na Bulgária, 60,4% na Romênia, 55,2% no Cazaquistão e 45% nos Bálticos. Os déficits de conta corrente têm alcançado 22% na Letónia, 21,4% na Bulgária, 16,5% na Sérvia, 16% na Estónia, 14,5% na Romênia e 13,3% na Lituânia. A diferença tem sido financiada com empréstimos externos. Uma crise “a la Argentina” desses países pode afetar fortemente os bancos dos países imperialistas mais expostos (os créditos ao velho bloco soviético dão conta de 23% do conjunto da base de ativos do sistema bancário austríaco e 10% dos sistemas financeiros suecos e belgas). Se a crise norte-americana for longa, profunda e com novos volumes financeiros, se o dólar continuar caindo, como expressão de sua debilidade e como forma de jogar sua crise sobre os seus competidores, e se não o faz contra as moedas asiáticas, afetará em um grau intolerável a Europa. Até agora, graças à máquina exportadora alemã que impulsiona o crescimento desse país e da UE, a subida do dólar vem sendo absorvida (ainda que desigualmente conforme os países). Também incide a existência de relações complexas entre esses dois blocos económicos, nas quais o número de negócios realizados por firmas norte-americanas na Europa representa o dobro de suas exportações e aqueles das multinacionais européias nos EUA superam a metade das exportações européias. Porém existe um limite. A combinação da valorização desmedida da moeda com o crash [quebras, falências] imobiliário dos países do chamado “Clube Mediterrâneo” [8] e Irlanda com a deflação [redução do nível geral de preços] creditícia proveniente da Europa Oriental pode ser brutal para a UE. A Alemanha, apesar de estar mais bem posicionada que outros países, não estará imune. Tem financiado boa parte da dívida externa desses países: 362 bilhões de dólares para a Espanha, 275 bilhões de dólares para a Itália, 129 bilhões de dólares para a Grécia, 98 bilhões de dólares para Portugal e 123 bilhões de dólares para a Irlanda. A rígida política do BCE (Banco Central Europeu) poderia nesse momento ser calamitosa para as perspectivas européias. Nesse marco, a UE, longe de um acolchoamento do choque, poderia ser um acelerador desse desenlace pós-bolha imobiliária e creditícia norte-americana.

Tese V

Como subproduto do mais forte ciclo curto de crescimento da economia mundial desde o final dos anos 70, que implicou um forte aumento da demanda de matérias primas da China, Ã ndia e outros países emergentes, não se pode manter a tendência decrescente dos preços dessas, que foi uma das questões que possibilitaram a recuperação da rentabilidade durante a ofensiva liberal (e que atuava como contratendência ao crescimento da composição orgânica do capital [9]). Como explica Marx, uma queda contínua no preço das matérias primas não pode se sustentar por tempo indefinido: “Quanto maior é o desenvolvimento da produção capitalista e como conseqüência, maior são os meios para aumentar acelerada e permanentemente essa porção de capital constante que consiste em maquinaria, etc., e quanto mais rápida é a acumulação (particularmente em tempos de prosperidade), tanto maior seria a superprodução relativa de maquinaria e outro capital fixo, e tanto mais freqüente a subprodução relativa de matérias primas animais e vegetais, e muito mais pronunciada a subida... de seus preços. Tanto mais freqüente serão as convulsões causadas pela violente flutuação de preços de um dos principais elementos no processo da produção” (O Capital, Terceiro Livro, cap. 6). Isso é a tendência fundamental que está atrás da elevação dos preços dos produtos agrícolas e, sobretudo dos produtos minerais, em especial o petróleo. No terreno agrícola, uma parte considerável do aumento dos preços se deve ao aumento da demanda da China, Ã ndia e outros países emergentes. A chave é a China. Essa, por um lado, é um importante exportador (ainda que suas magnitudes sejam muito variáveis de anos a ano) de pescados e de preparados de carne, além como de legumes, tubérculos e preparados de frutas e legumes, aproveitando a abundância de uma mão de obra barata que constitui um fator enormemente favorável a essas produções, controladas por firmas multinacionais, como é o caso dos produtos com normas biológicas. Ao mesmo tempo, as importações têm tendências a aumentar: 3 milhões de toneladas em 1999, 5 em 2004, 9 em 2005. De trigo e milho, a China é exportador (para Coréia e Japão principalmente) ao passo que importador. Seus estoques de reserva em ambos os grãos têm baixado consideravelmente no curso dos últimos anos (passando de 220 milhões de toneladas em 1999 para somente 70 milhões em 2006), enquanto que a respeito aos de arroz, sua instabilidade é menos marcada, sendo China exportador ou importador, conforme o ano, de um milhão de toneladas. Em matéria de importações, são as gorduras e óleos vegetais ou animais, assim como os grãos oleaginosos, os que estão na cabeça das importações agrícolas dos últimos anos. Isso está em relação às necessidades dos criadouros artesanais, semi-industriais ou industriais de porcos e aves (o rebanho de porcos chineses é o maior do mundo). O aumento do nível de vida de uma parte da população tem implicado em um maior consumo de proteínas animais, cuja produção implica um consumo crescente de cereais e grãos oleaginosos, em especial de soja. O déficit em oleaginosas é bem marcado, já que seu cultivo não pode avançar senão em detrimento daqueles consagrados às culturas ancestrais de cereal. No entanto as necessidades alimentares da China e outros países emergentes, devido ao aumento no nível de vida de uma parte de sua população, estão longe de significar uma nova fase para as economias dependentes das matérias primas como foi o final do século XIX e começo do XX ’ quando a necessidade de alimento para a nova classe operária de países como Inglaterra e outros países da Europa ocidental possibilitou o dinâmico crescimento das novas zonas agrícolas da América do Norte, Austrália e alguns países dependentes, como Argentina -. Pelo contrário, os preços agrícolas se recuperaram recentemente dos níveis fortemente achatados que alcançaram depois do colapso da década de 1980 e da redução adicional que teve lugar durante a crise asiática (dentro desses, o único grão que está por cima da média do pós-guerra e de 1970 é o trigo, estando o milho e o arroz na média e os frutos tropicais por baixo, assim também como o algodão e o açúcar). As receitas do FMI ’ que impuseram pagar a volumosa dívida externa mediante um incremento das exportações de matérias primas depois do default mexicano de 1982 ’, agravadas pelas fortes distorções dos mercados agrícolas devido aos subsídios e ao protecionismo nos países imperialistas, afundaram os preços dos produtos agrícolas (os produtos agrícolas tropicais foram os mais afetados). A isso se deve agregar a tendência secular à queda dos termos de intercâmbio dos produtos de origem agrícola.

Então, junto aos efeitos do mais forte ciclo curto de crescimento desde os anos 70 no mercado das matérias primas, e as conseqüências para a oferta de anos de baixa de preços desses produtos, a atual subida dos preços agrícolas responde também a: a) o efeito distorsivo da produção e do subsídio norte-americanos aos biocombustíveis; b) a crescente especulação nos mercados das matérias primas diante do desinflar da bolha imobiliária; e c) a depreciação do dólar (atuando as matérias primas como refúgio de valor ante a sua desvalorização). Isso no marco de que o mercado agrícola mundial está monopolizado por uns poucos grandes conglomerados como Archer Daniels, Cargill, Bunge, Monsanto e Syngenta, que têm o poder de mercado e a infra-estrutura para manejar estoques, investir em mercados de futuros e manipular preços em escala mundial para obter superlucros.

O setor de mineração obteve em 2007, e nos meses de 2008, o dobro da média de lucros do boom do pós-guerra. Se agregarmos o petróleo a isso, fica ainda mais claro. Junto ao aumento da demanda, nos últimos meses tem crescido o componente especulativo, levando alguns analistas e grandes burgueses, como George Soros, a dizer que o petróleo seria a nova bolha da economia internacional. No caso do petróleo, um fator central de seu alto preço é o substancial risco geopolítico que comporta, em especial a percepção de uma sempre provável guerra com o Irã e o caos no Iraque, país que conta com as segundas ou terceiras maiores reservas de petróleo do mundo (em março desse ano a produção no Iraque foi de 1,9 milhões de barris diários comparado com um pico prévio antes da guerra de 3,5 milhões de barris diários, sem contar a quantidade de zonas ainda inexploradas em 2002). O aumento dos preços, diga-se de passagem, joga um papel politicamente estabilizador na região, já que ninguém quer perder a atual bonança, além de que países como a Arábia Saudita contam com suficiente cash [dinheiro] para comprar lealdade. O outro componente desse risco geopolítico está ligado à fragilidade das multinacionais petroleiras e o avanço dos estados semicoloniais ou dependentes produtores de petróleo, e de suas companhias públicas que hoje possuem 85% das reservas mundiais.

É interessante notar que o crescimento diferenciado dos preços das diversas commodities reflita, a sua maneira, as características atuais da reprodução do capital em nível mundial. Ao contrário do capitalismo da segunda metade do século XIX ’ onde a vigorosa acumulação fez surgir poderosos mercados internos (o que depois da destruição da Segunda Guerra Mundial se repetiu durante o boom) ’, nos nichos de acumulação atual, como a China, o desenvolvimento do mercado interno é enormemente inferior à superacumulação de capital (construção de fábricas e infra-estruturas de transporte e imobiliárias). É que a forte capacidade produtiva criada não corresponde essencialmente às necessidades da acumulação interna, mas a uma oferta ilimitada de mercadorias para um mundo com acesso ilimitado ao crédito e ao capital, questão que como vimos está chegando ao seu fim (ainda que a China, localizada no final da cadeia de produção, e por isso distante do comprador último, não veja a desaceleração até que essa bata em sua cara).

Uma nova estrutura da economia mundial

Tese VI

Nos últimos quinze anos, e em especial desde a crise asiática de 1997-98, vem-se produzindo uma fenomenal mudança da estrutura e da distribuição do PIB da economia mundial, em detrimento dos países da tríade (EUA, UE e Japão) e a favor dos chamados países emergentes, em especial dos BRICs(sigla cunhada para denominar os “emergentes” Brasil, Rússia, à ndia e China). Assim, segundo Maddison, em 2003 a China e a à ndia representavam 20,6% do PIB mundial ante 9,52% em 1952, empregando o critério de paridade de poder de compra para fazer o cálculo. Segundo a mesma estatística, em 2006 o Brasil respondia por 2% e a Argentina por 1% do PIB mundial. A Rússia, em 2003, representava 3,8%, o que, no entanto, é um retrocesso em relação ao seu peso em 1952 (9,2%). Esse crescimento da China e da à ndia tem por contrapartida um retrocesso da Europa oriental (-6,7%) e dos Estados Unidos (-6,9%).

Essa nova configuração é resultado de umas taxas de crescimento do PIB diferenciadas nas principais zonas da economia internacional. Durante a década de 1960, o crescimento mundial foi de 5% e englobou dois processos de recuperação (“rattrapage” , em francês): da Europa e do Japão em relação aos EUA, e de certos países do sul em relação ao norte, seguindo o modelo de “substituição de importações” . As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas por uma desaceleração do crescimento mundial e uma nova distribuição geográfica do mesmo: os países do sul começaram acolchoando a queda do crescimento mundial, crescendo 4,9% contra 3,3% da tríade, para terminar finalmente abaixo da média mundial depois da crise da dívida (2,8% diante de 3% na tríade), ao mesmo tempo em que a década de 80 correspondeu a uma nova desaceleração do crescimento europeu (2,3%). Na última década e meia existe uma nova transformação, produto de um duplo movimento: dentro da tríade, os EUA se recuperam perante a Europa e o Japão; já no sul, os países emergentes alcançam um crescimento similar ao da economia mundial durante os anos 1960.

Tese VII

Essa modificação da estrutura da economia internacional é palpável também em toda outra série de indicadores económicos. A distribuição mundial da força de trabalho tem se modificado. Em 1960, os países da tríade agrupavam 22% da mão de obra empregada; em 2005 essa proporção caiu para 14%. Dito de outra maneira, dos 2,7 bilhões de trabalhadores no mundo, a metade (1,4 bilhão) vive nos BRIC se somente um para cada sete nos países mais avançados. A incorporação das economias dos ex-estados operários deformados e degenerados ao mercado mundial, como conseqüência da restauração capitalista, assim como a forte abertura de outras economias nacionais bastante protegidas, como é o caso da à ndia, duplicou a força de trabalho conectada ao mercado mundial, com a conseqüente pressão deflacionária sobre os salários em nível internacional. A outra conseqüência dessa extraordinária mudança é o crescimento global do desemprego, passando de 94 milhões em 1990 a 161 milhões em 2004. Esses dados apresentados pelo FMI, apesar de trazerem sérios problemas na definição, permitem, contudo, apreciar que o desemprego, que se estabilizou na tríade, tem, no entanto, disparado nos países do sul, incluindo os BRICs. Conjuntamente a essa redistribuição da força de trabalho global se desenvolve uma recuperação da produtividade nos países emergentes. As diferenças de produtividade ainda são consideráveis, da ordem de 1 a 5 ou 6 entre o sul e a tríade, mas a recuperação (“rattrapage” ) se realiza a um ritmo considerável. O dinamismo da economia mundial vai se deslocando para os países emergentes. As últimas décadas correspondem a um crescimento do comércio mundial mais rápido que o PIB mundial, nas quais também se vê a crescente importância dos países emergentes. Em 2005, a tríade realizava 58% das exportações mundiais ante 70% em 1990; ou seja, uma perda de mercado de 12% em favor dos países emergentes. Somando-se os BRICs, o México e os países exortadores do sudeste asiático, essa parte do mercado mundial durante o mesmo período passa de 14% a 24%. Por último, o investimento internacional: em 2005, o estoque mundial do investimento estrangeiro direto (IED) representava cerca de 10 bilhões de dólares ’ 64% se encontravam nos países da tríade, 12% nos BRICs (incluindo Hong Kong) e 24% no resto do mundo. Ainda que parte essencial do IED se mantenha entre os países do norte, existe uma lenta reorientação para os países emergentes: em 2005, os BRICs receberam 16% dos fluxos de investimentos contra 4% em média 15 anos antes. Essas transformações não significam que o conjunto dos países do sul siga a mesma trajetória que os países emergentes. Somente uma parte deles se integrou nas redes da economia mundial internacionalizada, mas os países mencionados são de grande tamanho: os BRICs representavam 45% da população mundial em 2005. Um informe da OIT publicado em 2004 sublinhava que 55 países do sul têm um crescimento inferior a 2% e 23 deles diretamente negativo.

Tese VIII

Após a crise asiática, houve uma mudança completa da estrutura de financiamento da economia mundial, cujo elemento motor foi o déficit comercial norte-americano. Este vinha crescendo durante a primeira metade dos anos 80, mas foi logo reabsorvido após o Acordo Plaza [10] de 1985, que implicou numa desvalorização do dólar em relação às principais moedas, em particular o iene japonês. Desde o início dos anos 90 se observa uma tendência de degradação do déficit exterior dos Estados Unidos. Seu déficit de conta corrente ou, dito de outra forma, sua necessidade de financiamento externo, cresce de 0% do PIB a 6,5% em 2006. Em 2006, o déficit externo dos Estados Unidos era de 860 bilhões de dólares, ou seja, 1,8% do PIB mundial. A contrapartida deste déficit se encontra no excedente de 300 bilhões de dólares de outros países avançados (dos quais 170 bilhões correspondem ao Japão), de 240 bilhões de dólares da China e 320 bilhões de dólares de outros países em desenvolvimento, em especial e cada vez mais, os países produtores de petróleo.

Mais surpreendentemente, em 1998, os países da periferia capitalista transferiram 685 bilhões de dólares para o centro. 316 bilhões correspondiam ao serviço da dívida soberana, 216 bilhões de dólares a capitais especulativos de curto prazo, e 131 bilhões de dólares à defasagem dos termos de intercâmbio. Assistimos a uma verdadeira inversão das transferências, posto que os movimentos líquidos de capitais vão, de agora em diante, do Sul ao Norte. Se tomarmos em conta o impacto de tais movimentos em relação aos PIBs respectivos (de 24 bilhões de dólares do Norte e 6 bilhões de dólares do Sul), o resultado é que a sucção equivale a 11% do PIB do Sul e menos de 3% do PIB do Norte. Mas esta consideração do Norte, de conjunto, mascara que a principal fonte de desequilíbrio financeiro são os EUA, que absorvem a maioria dos fluxos de capitais (84%) do resto do mundo. A hegemonia norte-americana está sedimentada parcialmente sobre esta importação de capitais ’ devido a seus crescentes déficits de conta corrente que o convertem na mais importante nação devedora do mundo, um fato inédito para uma potência hegemónica e que jamais ocorreu com a Grã Bretanha. Apesar do fato de que seu sistema financeiro atue como o centro do sistema financeiro internacional e de que durante o ciclo neoliberal tenha conseguido reexportar estes capitais com um ganho superior ao obtido pelo capital internacional investido nos EUA, a sua dependência da boa vontade, agora nem sequer dos investidores internacionais, mas sim dos governos que reciclam suas divisas para o financiamento de seus déficits, dá a sua hegemonia um caráter frágil.

Por sua vez, essa nova estrutura de financiamento internacional está acompanhada pela acumulação de reservas nos bancos centrais dos países semicoloniais e dependentes. Esta medida é um subproduto das lições que as burguesias desses países tiraram da brutal crise asiática (e das que se seguiram: Rússia em 1998, Brasil em 1999 e Argentina em 2001). Estas ’ ajudadas pelos ventos favoráveis da economia internacional do ciclo 2003-2007 ’ manejaram seu regime monetário de maneira a poder acumular reservas de divisas para não se verem submetidas, eventualmente diante de novas turbulências do mercado financeiro internacional, às condições que impuseram o FMI e o Banco Mundial em países como Coréia ou Argentina, sem evitar neste último caso o default e o crack de sua economia. Este movimento das burguesias dos países dependentes para uma posição de maior negociação e de certa autonomia com as potências imperialistas, em especial com o FMI; pode ser, no entanto, um “guarda-chuva” demasiado pequeno perante uma crise profunda da economia mundial como a que se aproxima.

Tese IX

Este redesenho e a transformação da estrutura da economia mundial das últimas décadas tornam complexas as relações hierárquicas da época imperialista (o que a sociologia ou o jornalismo vulgar chamam de relações Norte-Sul), mas não as eliminam, como definem as teorias globalizadoras, ou, por outra via, sociólogos como Arrighi, que dizem que nos aproximamos de um Século Asiático baseado no ressurgimento chinês. Nesse sentido, podemos distinguir três grandes níveis: os países imperialistas que compõem a “tríade” (ainda que não a UE de conjunto, já que depois de sua extensão contém países semicoloniais ou que são pátio traseiro das potências européias).

b) os países semicoloniais, que são a imensa maioria, ou seja, todos aqueles países subordinados, não só economicamente, mas política e militarmente, ao imperialismo. No entanto, dentro desta categoria tão ampla é preciso distinguir que não são todos iguais, pois há uma hierarquia de países mais importantes, seja pelo peso de sua economia, seja por seu peso demográfico, por seus recursos ou por sua localização geográfica. Por exemplo, o Brasil ’ pelo tamanho de seu mercado, por seu peso demográfico, por seu caráter de país continente e pelo novo papel como potência agrícola ’ aspira a ser a potência hegemónica na América do Sul. Seu novo papel como “celeiro do mundo” ’ exportando em 2006 50 bilhões de dólares em produtos agrícolas e alimentícios, e sendo o primeiro exportador mundial de café, de açúcar, de grãos de soja (o segundo em farelo de soja) e de suco de laranja, além de ser o primeiro e segundo exportador mundial de carne bovina e de aves, respectivamente ’ se viu refletido em sua localização dirigente no G20 (associação informal de países agrícolas que bloquearam as demandas dos EUA e da UE no quadro das negociações da OMC ’ conhecida como a rodada de Doha). Na à frica subsaariana [abaixo do deseerto do Saara], Angola (o segundo produtor de petróleo depois da Nigéria e também grande produtor de diamantes), terminada a guerra civil, tenta avançar como poder regional rivalizando com o papel tradicional da à frica do Sul e em menor medida da Nigéria (o primeiro produtor de petróleo do continente negro). No sul da à sia, o novo peso da à ndia é crescente, como se pode ver em seu intenso peso no mercado de serviços em nível internacional e seu cortejo pelos EUA (que promoveu um acordo nuclear comum), sendo que a China e a Rússia (velho aliado no mundo de Yalta), a consideram uma peça chave para seus esquemas geopolíticos na região. No Oriente Médio e no Mediterrâneo oriental, a Turquia, um subordinado dos EUA durante a Guerra Fria, baseada em sua economia e em seu exército, vem aproveitando o espaço aberto pela derrocada da ex-URSS em relação às repúblicas do Cáucaso e da à sia Central, ainda que sem encontrar um rumo estratégico. No Golfo Pérsico, a Arábia Saudita, cuja segurança nacional depende em última instância dos EUA, se fortaleceu como conseqüência da alta do petróleo e do papel determinante que esta tem no mercado mundial. Seu novo peso conjuntural pode ser observado em seu papel pacificador na região, que busca aproveitar o auge petroleiro promovendo o acordo de governabilidade do Líbano; encorajando, conjuntamente com a Turquia, as conversações de paz entre Síria e Israel ’ o que seguramente traz promessas de investimentos sauditas no Líbano e na Síria, das quais Damasco [capital Síria] pode tirar proveito; pressionando o Hamas para que chegue a uma trégua com Israel, e a todas as frações iraquianas com o objetivo de alcançar um acordo para se beneficiar da extração do petróleo iraquiano, da qual até agora só os curdos tiraram proveito.

c) os países dependentes, que têm uma estrutura económica dependente do capital estrangeiro, do investimento estrangeiro direto e do mercado mundial, mas que não estão subordinados à política imperialista, e, portanto, têm um grau maior de autonomia política e mais probabilidades de ter atritos importantes com o imperialismo. Ainda que não estejamos falando de muitos candidatos (Venezuela, Irã, Rússia e China) é fundamental diferenciar estes países. Em primeiro lugar, Venezuela e Irã: o primeiro, um regime com traços bonapartistas sui generis, obteve maiores margens de manobra política em relação aos EUA como subproduto da liquidação do regime pró-imperialista do Ponto Fijo, dos altos preços do petróleo e, fundamentalmente, por seu apoio relativo na mobilização das massas, em especial dos pobres urbanos e em menor medida da classe operária (o outro pilar chave são as Forças Armadas). Por sua vez, o Irã é o principal beneficiado pela derrocada norte-americana no Iraque, o que lhe dá uma enorme importância para determinar a sorte final da operação militar norte-americana e, por conseqüência, na configuração da ordem regional pós-fracasso da invasão iraquiana. No entanto, ambos regimes têm um caráter instável. Chávez está submetido às contradições do caráter de rendimento da economia, o que faz com que dependa estrategicamente do grande capital nacional (e, portanto, estrangeiro), como demonstra seu atual giro depois de haver dado seus passos mais de esquerda, como foi a nacionalização da Sidor. Já o avanço temporal do Irã vem sendo combatido pelos países árabes reacionários da região, em especial a Arábia Saudita, que adquiriu um novo peso na região em função da expressiva alta do petróleo e do papel determinante que esta tem no mercado mundial. Por sua vez, internamente, as contradições do regime dos aiatolás, com o fato de que o Irã não tomou partido pela alta dos preços do petróleo como os demais países produtores da Opep devido à baixa qualidade de sua produção, impõe limites aos seus planos mais ambiciosos. A Rússia, e em particular a China, ainda que possamos englobá-los dentro desta categoria, estão em outro patamar: ambos aspiram a se converter em potências regionais e projetar seu poder em nível mundial. Por outro lado, ambos mostram o caráter contraditório da restauração capitalista: enquanto o avanço desta garantiu vultosos lucros para a recuperação da rentabilidade do capital ’ desvalorizando o valor da força de trabalho em nível internacional ou reincorporando ao mercado mundial um dos “celeiros” agrícolas mais antigos (como é o caso das regiões situadas ao norte do Mar Negro, em especial a Ucrânia), entre outras coisas ’, a incorporação desses dois países ao mercado mundial foi muito mais complexa do que as potências imperialistas esperavam, e ainda permanece frágil. Dito de outra maneira, ainda que as velhas relações de produção tenham sido liquidadas e que se começou a estabelecer um regime capitalista, o lugar que estes países ocupam na ordem mundial dominada pelo imperialismo ainda não está decidido, o que é uma das principais fontes de tensão da situação mundial no início do século XXI. A política do imperialismo, de uma integração harmónica e pacífica da China e da Rússia à economia mundial, como previam os escribas neoliberais no início dos anos 90, fracassou, e hoje em dia as potências imperialistas se vêem diante de duas potências que se negam a obedecer aos seus mandos e o papel de subordinados que a ordem mundial imperialista lhes reserva. Neste marco, a Rússia vem avançando em relação à década de 1990 na recuperação de sua influência no seu pátio traseiro, além do fato de que seu novo papel como potência petrolífera e de gás (e outros minerais) a converte num ator chave diante da alta desenfreada das matérias-primas. Além disso, conserva grande parte do arsenal nuclear e militar, que em grande medida se modernizou, da velha URSS. Ainda que as tendências ao seu declínio não tenham se revertido historicamente e que possam voltar a se manifestar abertamente ’ como na época seguinte à desintegração da ex-URSS ’, está, devido à preocupação dos EUA em outras frentes, em seu melhor momento económico, político e sobretudo geopolítico depois do fim da Guerra Fria para recuperar seriamente o terreno perdido e consolidar-se como potência regional. Já a China teve um ascenso extraordinário, comandado por um arcaico Partido Comunista, através de um duplo movimento de liberação e de abertura aos capitais. Estes provêm fundamentalmente da à sia (60%), dentre os quais se destaca Hong Kong (35%), Japão (9%) e Coréia do Sul (7%), e secundariamente dos EUA (8%) e da Europa (8%). As características de seu crescimento têm dotado o país de alguns atributos que tornam difícil vê-las como mera relação de dominação semicolonial entre o centro e a periferia, mas em alguns casos como uma relação de complementaridade contraditória. Assim, em primeiro lugar, suas grandes necessidades como comprador de bens de capital e intermediários, e seu enorme mercado potencial, permitem negociar e obter concessões ’ como a transferência de tecnologia e a associação dos capitais estrangeiros às empresas chinesas ’ com as distintas potências imperialistas que disputam os fabulosos negócios chineses. Em segundo lugar, o fato de ter uma gigantesca acumulação de reservas internacionais, a maioria depositada em ativos em dólares, lhe dá uma localização especial em relação aos EUA e seu descomunal déficit de conta corrente (que por sua vez a torna conjunturalmente dependente de da sorte norte-americana, já que uma forte desvalorização do dólar implicaria significativas perdas para a China, daí as pressões para a diversificação). Por último, o peso de seus investimentos estrangeiros diretos em determinadas zonas da economia mundial, como é o caso da à frica, onde rivaliza em influência com os EUA e com as velhas potências européias, ou seu enorme poder perante os países produtores de matérias-primas que dependem cada vez mais de seu mercado, como é o caso dos países da América Latina. Estes elementos não implicam que sua economia tenha superado os limites impostos ao desenvolvimento dos países dependentes, em razão do domínio do mercado mundial pelo imperialismo, como se pode observar na forte dependência importadora de sua maquinaria exportadora, na deterioração dos termos de intercâmbio com a crescente “comoditização” da produção manufatureira, e sobretudo pela pequena margem da qual se apropriam os empresários chineses de uma produção determinada pelo peso da negociação sobre os preços dos gigantes da distribuição como Wall Mart ou das grandes marcas internacionais de roupa, brinquedos, linha branca ou produtos de informática. Estes elementos e a forte dependência em última instância dos mercados de fora da à sia, apesar da crescente integração da mesma, tornam a China especialmente sensível às alterações na divisão mundial do trabalho. Se até agora têm primado suas vantagens, a continuar a evolução atual é provável que comecem a primar os inconvenientes da concorrência, o que pode disparar uma crescente agressividade, não só político-militar das potências imperialistas, mas também em termos económicos, com a imposição de crescentes medidas protecionistas a seus produtos. Esta debilidade estratégica, juntamente com os fortes desequilíbrios internos que seu desenvolvimento gerou ’ que se expressam em crescentes disparidades regionais, étnicas, entre as zonas urbanas e o campo ’, a existência de uma nova classe burguesa próspera nas regiões costeiras com enormes laços com o capital internacional, que potencialmente podem distanciá-la dos interesses das regiões e de Pequim, o debilitamento do centro (como foi o caso no final do século XIX e início do século XX), e, fundamentalmente, a formação de uma poderosa classe operária superexplorada e concentrada em gigantescas unidades de produção que começou a reclamar sua parte nos benefícios do crescimento, podem transformar sua atual fortaleza numa fonte potencial de grande instabilidade interna, com enormes repercussões em nível mundial.

Um salto na decadência hegemónica norte-americana

Tese X

A derrocada norte-americana no Iraque assinala o fim do chamado “momento unipolar” norte-americano, aberto com a queda da ex-URSS. A estratégia neoconservadora de passar do “momento unipolar” à “era unipolar” , conquistando um “novo século americano” através da guerra preventiva e do unilateralismo, fracassou completamente. A guerra do Iraque, que estava destinada a ser uma contundente demonstração do poderio norte-americano (hard power), se converteu, ao contrário, em uma constatação dos limites de seu poder. Os efeitos disso sobre os EUA e o mundo são profundos e duradouros. A ocupação do Iraque e do Afeganistão desgastou os EUA. A confiança norte-americana em seu predomínio indiscutível se desvaneceu. Isso é percebido em nível mundial. Por sua vez, a política imperialista agressiva e unilateral e os golpes a sua imagem que significam a existência da prisão de Guantânamo ou as torturas de Abu Ghraib significam, elevaram o antinorteamericanismo e a perda de seu poder de influência ou emulação (soft power) a seus pontos mais altos, não somente no Oriente Médio, mas também na América Latina e na Europa; e não só entre as massas, mas também entre as elites dos principais países do mundo. Todos esses elementos assinalam, como já vínhamos discutindo, um salto na decadência hegemónica dos Estados Unidos.

Nessas circunstâncias, as outras potências, grandes ou pequenas, estão tratando de tirar vantagem do seu debilitamento, questão que se expressa na emergência de novos atores e potências regionais que têm uma maior margem de manobra política perante os EUA, como, por exemplo, Hugo Chávez ou o Brasil na América Latina, a à ndia e em menor medida o Paquistão no sul da à sia, além do Irã ou a Turquia no Oriente Médio. Recentemente, o aumento dos preços do petróleo está fortalecendo novamente a Arábia Saudita. Mas em termos globais, os dois maiores ganhadores com o atoleiro norte-americano no Iraque foram a Rússia e a China. A Rússia, estabilizada por um regime bonapartista, tem, comparado com o governo de Yeltsin, uma grande liberdade de ação diplomática, sobretudo em sua periferia próxima e em relação à UE devido a alta dependência energética do petróleo e gás russos. Por sua parte, a China, com sua estratégia de “ascenso pacífico” , se consolidou aumentando seu fator atrativo sócio-económico e estratégico para muitos países para além da região da à sia Oriental.
Esta nova redistribuição de forças interestatais em nível internacional e a emergência de novos atores regionais, alguns com certa projeção global, é o que leva algumas figuras do establishment da política exterior norte-americana, como Richard Haas, diretor do Council on Foreign Relations, a falar que o mundo caminha para um “sistema não polar” . Em um artigo publicado na revista Foreign Affairs diz que o “momento unipolar” do domínio inquestionável foi um breve tempo histórico de não mais de 15 anos que ficou para trás, e que o mundo caminha claramente para um sistema “não polar” , no qual os Estados Unidos já não têm a força para dirigir e controlar as entidades estatais e não estatais entre as quais se distribuiu o poder mundial. Segundo esta influente figura, ainda que os Estados Unidos conservem certa fortaleza ’ o fato de ser ainda a maior economia nacional do mundo, de contar com o aparato militar mais especializado e de ser o principal centro de poder ’, isso “não deveria ocultar a declinação relativa da posição dos Estados Unidos no mundo, junto com sua declinação relativa no poder, uma declinação absoluta em sua influência e independência” . Essa declinação tem sua base no retrocesso não só político, mas do peso económico dos Estados Unidos. Como diz Haas “a porção norte-americana nas importações globais já caiu 15%. Ainda que o PIB norte-americano represente mais de 25% do total mundial, essa porcentagem declinará com o tempo, dada a diferença real e projetada da taxa de crescimento dos Estados Unidos e dos gigantes asiáticos e de outros países, dos quais grande parte está crescendo a uma taxa duas ou três vezes maior que a dos Estados Unidos” . A isso se somariam outros indícios de perda de domínio económico, como por exemplo “o incremento dos fundos soberanos de países como China, Kuwait, Rússia, Arábia Saudita e os Emirados à rabes Unidos” e a “debilidade do dólar em relação ao Euro e à Libra britânica” (Foreign Affairs, maio/junho de 2008).

Dentro desta transição no marco das relações interestatais ainda é uma incógnita o grau de fortaleza que os EUA terão no cenário internacional, questão que dependerá, entre outras coisas, de como os Estados Unidos saiam do Iraque (assim como do Afeganistão e da fronteira quente paquistanesa): há uma possibilidade de que acabe tendo que se retirar sem mais ’ que é a menos provável ou, pelo menos, a que o próximo governo, seja democrata ou republicano, tentará evitar; a segunda opção é se retirar, mas deixando um número considerável de bases permanentes, questão que é crucial para dar garantias aos sunitas e a si mesmo de que o Irã e seus aliados xiitas no Iraque vão se manter contidos, o que exige obter um entendimento com o Irã se não quiser ver esvair a relativa pacificação da luta sectária alcançada nos últimos meses no curso das negociações com os EUA, em grande medida graças ao controle iraniano da atividade de suas milícias aliadas.
Entretanto, desde o ponto de vista histórico, a novidade na situação atual é que esta diminuição relativa do poder norte-americano ou, dito em outros termos, uma aceleração de sua decadência hegemónica não deu lugar à emergência de um novo pólo contra-hegemónico que se prepare para disputar sua hegemonia. Ao contrário, diferente do passado, não se vê facilmente uma potência capitalista que possa abater o atual hegemon, como foi o caso da emergência norte-americana em nível mundial no final do século XIX e começo do século XX perante o domínio britânico. A UE, a mais preparada economicamente, se encontra dividida por profundos e insolúveis antagonismos nacionais. A Rússia, apesar de sua recuperação parcial em relação à derrocada dos anos 90, no cenário mundial não cumpre o papel que cumpriu no passado, sobretudo no mundo semicolonial, e é um anão no terreno económico só beneficiado pelos altos preços do gás, do petróleo e dos minerais nos últimos anos. A China, quem muitos com rapidez chamam de “a nova potência do século XXI” , apesar de seu espetacular crescimento ainda está longe em termos de PIB per capita e de produtividade do trabalho dos principais centros imperialistas em nível mundial. Sua política exterior tem um caráter defensivo e seu eixo é o controle da estabilidade interna cada vez mais perpassada por crescentes desigualdades sociais, regionais e étnicas. A Ã ndia está muito atrás da China em termos económicos, e o Japão, ainda que seja a segunda economia mundial, não tem força e não possui uma zona de influência própria que é o que explica no fundo seu estancamento depois do salto de competitividade que havia alcançado na década de 1980, aceitando os limites à concorrência impostos pelos EUA por falta de um mercado substituto a este e por sua dependência da segurança do Exército norte-americano.

Nesse sentido, estamos entrando em um período histórico entre o “já não mais” da supremacia indiscutível norte-americana e o “porém ainda não” de uma nova potência emergente. Nesse marco, diferente do período posterior à Guerra Fria, caracterizado pelo “momento unipolar” norte-americano, estamos passando para um “momento não polar” como o chamam alguns, destacando a emergência de numerosos centros de poder. Mas o relevante do ponto de vista do sistema capitalista em seu conjunto é que nenhum desses centros de poder emergentes pode preencher o crescente vazio hegemónico em nível internacional deixado pelos EUA. Esta situação é altamente instável e crescentemente perigosa para os EUA e para o resto do mundo, já que complica as possibilidades do primeiro de dirigir e/ou coordenar respostas adequadas aos desafios impostos pela situação mundial. Este elemento é um fato geopolítico de grande importância que afeta o funcionamento do sistema capitalista mundial. O fato é que, contra as teorias da globalização, o capitalismo mundial não se desenvolve sem um marco político e geopolítico estável, o que aumenta a vulnerabilidade e as ameaças da potência hegemónica e demais centros de poder, abrindo potencialmente brechas mais importantes onde possa se colar a ação dos explorados e oprimidos do mundo, elemento por sua vez que será um dos grandes fatores determinantes de até aonde vai a atual situação mundial.

Tese XI

O fracasso neoconservador e a nova redistribuição de forças interestatais em nível internacional explicam o porquê de grande parte da classe dominante e da elite política apoiar Obama numa tentativa de mudar o rosto dos Estados Unidos no mundo e recuperar terreno perdido em base a uma estratégia “multilateral” .

Ainda que seja muito cedo para descartar que John McCain consiga mobilizar para o voto republicano, e inclusive consiga o apoio eleitoral dos setores mais conservadores dos democratas ’ os quais em 1980 deram o triunfo a Reagan, sobre a base de atacar os valores “liberais” e de acusar os democratas de terem uma política débil para defender a segurança dos Estados Unidos ’, a vitória republicana em novembro parece cada vez menos provável. Mas é certo que, independente de quem termine se impondo nas eleições presidenciais de novembro, terá que lidar com uma pesada herança tanto na política exterior como no plano doméstico. No terreno interno, a explosão da bolha imobiliária e a recessão económica estão levando mais norte-americanos a perderem suas casas, seus empregos, suas possibilidades de consumo e, não poucos, diretamente à pobreza. No plano externo já colocamos na Tese anterior. Nesse marco, Obama se oferece à elite dominante como um presidente que pode, devido a sua retórica política e a seu apoio multirracial, reviver ao menos temporariamente a credibilidade do imperialismo norte-americano internamente e no estrangeiro. A aposta nesse candidato foi apoiada por um importante setor do establishment, impotente para mudar o rumo da política exterior norte-americana via pressão interna (como foi o rechaço das autoridades democratas do Congresso ao seguir as recomendações do Iraq Study Group para dar uma saída ao conflito iraquiano). Este setor viu em sua candidatura ’ diferentemente da de Hillary Clinton, muito apegada à desastrosa guerra no Iraque ’, um afro-americano com menos bagagem política que sua ex-adversária nas primárias, a possibilidade de oferecer um rosto novo à política norte-americana. Não casualmente entre seus assessores de política internacional se encontra o ex-assessor de Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter, Zbigniew Brezinski. Ainda que a situação não seja comparável com a derrota norte-americana na guerra do Vietnã, que marcou o período presidencial de Carter, é evidente que se espera que a próxima presidência administre uma herança muito difícil e enfrente desafios importantes. Assim, indica que se espera uma mudança de política que permita ganhar aliados para uma saída do Iraque mais decorosa, a desativação de alguns conflitos agudos no Oriente Médio, a recuperação do protagonismo na América Latina e, por esta via, a recriação das condições favoráveis ao domínio norte-americano. Juntamente com estes “estrategistas” que buscam a forma de tornar a política imperialista mais efetiva, outro setor chave que o apóia é a burguesia mais alta das finanças e mais internacionalizada, como o novo homem mais rico do mundo, o investidor Warren Buffet, o magnata George Soros ou o ex-presidente do FED, Paul Volcker, que viram nas políticas unilaterais de Bush e seu desprezo por meios multilaterais de alcançar influência, uma ameaça para o avanço das corporações norte-americanas e da chamada globalização. Estes setores querem um retorno ao “soft power” dos anos 90 e optaram pelos democratas para dar esse giro.

Em última instância, todos estes setores da classe dominante norte-americana vêem que o giro “multilateralista” seria a melhor opção para minimizar os riscos e vulnerabilidades da diminuição relativa do poder norte-americano e para evitar que a entrada no “momento não polar” desate uma total desordem mundial (questão que ainda está por ver).

Tese XII

Os claros sintomas do início da recessão económica, o desastre das guerras do Iraque e do Afeganistão e a desilusão com as políticas dos neoconservadores depois de oito anos de governo abriram a expectativa de uma mudança reformista, alimentando a ilusão de que um governo democrata possa devolver algo da ajuda estatal aos setores sociais mais vulneráveis e termine com a sangria da ocupação do Iraque. As expectativas criadas pela “Obamamania” também atingem importantes governos e ministros de relações exteriores no mundo, em especial os europeus. Por isso, de imediato, a principal contradição que pode surgir é que o próximo governo pós-Bush não esteja à altura das expectativas criadas não só no nível de sua base ativista (no caso de Obama), mas em relação a seus aliados.

A Europa espera um EUA muito multilateral que resolva os problemas em termos compatíveis para a UE. Os norte-americanos esperam uma UE mais responsável nos assuntos internacionais e que arrisque mais na solução dos mesmos. Mas, como demonstram as contradições da Otan no Afeganistão, o mais provável é que nenhuma das aspirações seja alcançada, provocando uma crise dos que tinham expectativas. Uma maior cooperação na política internacional também pode se ver afetada como resultado da crise económica, onde as tensões entre o dólar e o euro podem azedar as relações políticas transatlânticas. Portanto, para os EUA será mais fácil falar de grandes gestos globais de reconciliação do que implementá-los. Um giro na política ambiental, tema tão sensível aos europeus (e à qual a administração Bush se opós veementemente, no Tratado de Kioto), que leve a um imposto ao consumo de petróleo ’ a forma mais rápida de solucionar o problema do aquecimento do planeta ’ é pouco provável. É provável que o próximo presidente dos EUA feche Guantânamo, mas a questão é o que fará com os prisioneiros. Os EUA, por sua vez, esperarão gestos recíprocos dos europeus. Em outras palavras, quanto maior a expectativa (Obama), maior pode ser a desilusão e as novas tensões. Já a reticência da UE em assumir uma maior carga nas tarefas de lidar com os desafios e perigos da situação internacional pode fazer com que duvide da nova administração em prosseguir no esforço multilateralista. Cada fracasso diplomático desta, por sua vez, será utilizado pelos neoconservadores para rechaçar o multilateralismo. Mais estruturalmente, a tendência do poder norte-americano é à supremacia, questão que não pode ser anulada por uma mudança do pessoal político na Casa Branca. Durante o pós-guerra, uma vez solidamente instalada sua hegemonia mundial, os arquitetos da política exterior norte-americana impulsionaram uma forte presença política e militar norte-americana no estrangeiro ’ com o desdobramento de uma força militar sem precedentes, com bases semipermanentes, em uma importante quantidade de países ’, mas encravado numa série de alianças político-militares como a Otan ou o Tratado de Defesa Norte-americano-Japonês ou em instituições multilaterais como as Nações Unidas ou, no terreno económico, o FMI ou o sistema monetário de Bretton Wodds, que davam a forma de um domínio consensual, o que ao menos era sentido assim em grande parte pelas outras potências (a decisão de De Gaulle de retirar-se da Otan em 1966 para conseguir autonomia com relação aos EUA mostra como estas instituições garantiam o apoio político-militar das demais potências capitalistas aos mandos dos EUA).

Mas a decadência hegemónica norte-americana foi minando a confiança do establishment político e militar dos EUA nessas instituições, como foi o caso em 1971 quando Nixon se viu forçado a suspender a conversão de dólares em ouro e declarar, com efeito, que o compromisso tomado no convênio de Bretton Woods estava terminado. O novo regime de câmbio flexível e a continuidade do dólar como moeda de reserva e meio de pagamento em nível mundial, manipulando em seu proveito este privilégio de dominação, permitiram aos EUA nos dias de hoje viverem além dos seus meios próprios. Esta modificação na forma de domínio norte-americano foi empregada cada vez mais no terreno da política exterior, questão que dá um salto com a queda da ex-URSS. É que, desaparecida a “ameaça” comunista, a primazia americana deixou de ser um requisito automático da segurança da ordem mundial estabelecida. A estrutura consensual do domínio americano carecia agora das mesmas ataduras externas, ao tempo em que sua superioridade coercitiva se reforçou abrupta e massivamente com o desaparecimento da URSS, já que não havia nenhuma força capaz de resistir ao poderio do exército americano. O resultado dessas mudanças foi uma política crescentemente unilateral e militarista ’ como mostrou a guerra contra a Iugoslávia, decidida pela Otan passando por cima da aprovação das Nações Unidas durante a presidência “multilateral” de Clinton ’, tendência que dá um salto com a resposta aos atentados do 11/09/2001, que permitem aplicar a fundo a agenda unilateral neoconservadora. Mas ainda que o governo Bush tenha levado estas tendências, sobretudo no terreno iraquiano, a um extremo desconhecido declarando a invasão de um país com a oposição de aliados centrais, como França e Alemanha, repetimos que as tendências ao unilateralismo surgem da tendência norte-americana à primazia, agora despojada de toda carapaça que a encobriu durante a Guerra Fria.

Internamente, essa mudança na forma de domínio norte-americano se expressa na continuidade do deslocamento da relação de forças desde o Nordeste “liberal internacionalista” (o eixo do consenso rooseveltiano do pós-guerra) ao Sul e o “sunbelt” [11], estados que estão entre os de crescimento demográfico mais rápido e que são a base de um “nacionalismo prepotente” . Esta força social conservadora combina uma aberta proclamação do interesse nacional com a promoção dos valores norte-americanos, cujo caráter universal faz com que os mesmos se imponham a outros países sem a necessidade de negociação e das quais o bushismo foi sua última expressão política. Mas, fundamentalmente, expressa que a classe dominante norte-americana não cederá sua posição no topo do sistema capitalista mundial sem resistência, impondo limites a uma política realmente multilateral ou a emergência de “um mundo multilateral” , ou seja, um equivalente moderno do “Concerto das Potências” depois da Revolução Francesa e das guerras napoleónicas que garantiu a paz européia em meio a importantes convulsões sociais durante um século.

Por último, é importante notar que a presidência Bush levou a uma forte polarização bipartidarista (e também no interior dos partidos), uma nova tendência que vem se desenvolvendo desde o fim das certezas que significou a Guerra Fria, como demonstra a ferocidade dos conservadores contra a presidência Clinton que levou ao impeachment presidencial, à disputa eleitoral fraudulenta de 2000, ou, mais recentemente, à própria campanha eleitoral democrata. Isto complica a possibilidade de um sólido consenso, o que, somado ao crescente peso dos lobbies domésticos, pode conduzir a uma política exterior mais fragmentada.

O mais provável, então, é que diferentemente da presidência de Bush com sua política exterior “revolucionária” , porém aventureira, a próxima presidência norte-americana tenha muita aversão ao risco e seja especialmente sensível às pressões internas, sobretudo quando não somente se desintegrou a base social pós 11/09, mas em meio ao fato da recessão estar abrindo novas fissuras sociais e brechas. Em outras palavras, é provável que, após um período de lua de mel, se note seu caráter defensivo.

Em direção a uma ruptura do equilíbrio instável capitalista?

Tese XIII

A crise atual assinala o questionamento dos principais fatores contratendenciais à queda da taxa de lucro, que vem operando após o excepcional período do boom do pós-guerra, isto é, da ofensiva neoliberal cuja máxima expressão era o “modelo anglo-saxão” , a liberação do sistema financeiro. Seu corolário foi um desmedido endividamento, incitado nos últimos anos pelas bondades da restauração capitalista na China e na área de influência da ex-URSS, que deprimiu o valor da força de trabalho a nível mundial e o valor das mercadorias com a conseqüente tendência deflacionária ’ ou de baixa inflação ’ na economia internacional. Esses fatores permitiram recompor parcialmente o equilíbrio capitalista, após a crise de acumulação aberta com a ruptura do equilíbrio capitalista do pós-guerra ’ baseado na ortodoxia keynesiana com a promoção do pleno emprego e as regulamentações estatais ’, uma vez esgotadas as vantagens para o saneamento do capital que significou o período entre guerras, em especial a Grande Depressão e a destruição da Segunda Guerra Mundial.
Os EUA foram os mais beneficiados por esta restauração do equilíbrio capitalista “neoliberal” . Mas a crise atual coloca em questão este “padrão de crescimento” . Por isso não é mais uma crise, uma recessão padrão do ciclo de negócios, mas uma crise mais profunda que poderia implicar longos e dolorosos anos de crise e reestruturação. É provável, portanto, que estejamos observando não só o começo da recessão, mas um ponto de inflexão na economia mundial, similar a quando chegou ao fim o boom do pós-guerra no final dos anos 60. Nesses anos, a queda da taxa de lucro e a perda de competitividade da economia norte-americana, em especial da indústria manufatureira, levaram a uma profunda reestruturação do capitalismo norte-americano. Entre 1970 e 1982, os EUA sofreram quatro recessões e/ou desacelerações (a desaceleração de 1967 e as crises de 1970-71, de 1974-75 e de 1980-82). Em 1971 foi forçado a abandonar o sistema monetário de Bretton Woods e deixar o dólar flutuar. Nos anos 70, os EUA ainda tinham os mais altos salários e a produtividade mais baixa comparadas com seus principais competidores. No final dos 1980 alcançou os salários mais baixos e uma produtividade maior que seus rivais. Esta transformação implicou num processo de ajuste estrutural e reconversão, que se traduziu em uma determinada desindustrialização que afetou profundamente um grande número de ramos industriais, cuja competitividade ficou ameaçada, como foi o caso de têxteis, confecção, fibras sintéticas, aço, construção naval, muitas dessas, indústrias tradicionais e que tiveram um papel relevante no desenvolvimento do pós-guerra. O giro para as indústrias de alta tecnologia ligadas ao complexo militar e industrial e as grandes cadeias de comercialização como Wal Mart, junto com o impulso de uma nova divisão mundial do trabalho com a relocalização de muitos desses ramos na periferia, foi a conseqüência.

Comparada com o início da última crise de acumulação de capital do final dos anos 60 e 70 (ver anexo), a atual crise norte-americana indica uma queda maior do PIB do que a leve desaceleração de 1967 e, sobretudo, sua principal diferença é a forte crise do sistema financeiro, o terceiro acontecimento destas características que afeta a economia norte-americana moderna. As crises financeiras anteriores foram a de 1929-31, com inumeráveis corridas e quebras de bancos, e a crise das Sociedades de Poupança e Empréstimo (S&L, sigla em inglês) nos anos 80, que custou ao orçamento norte-americano 120 bilhões de dólares (250 bilhões atuais). Em comparação com esta última, no início da crise atual a destruição dos lucros dos bancos já é de igual porte ou maior, e se calcula que poderia ser várias vezes superior quando chegar ao final o esvaziamento da bolha imobiliária e creditícia, impulsionando fortes tendências deflacionárias apesar de todo o alarido sobre a volta da inflação, questão que a assemelha com a Grande Depressão.

Por sua vez, a atual crise apresenta um desgaste forte (esgotamento?) do neoliberalismo como estratégia económica para o capital. Isso não significa que o mesmo desaparecerá antes que a classe dominante possa relocalizá-lo com uma estratégia alternativa. Mas isso não ocorrerá da noite para o dia, e vai estar ligado com as lutas políticas e de classe que se desenvolverão no calor da crise. No começo da crise de acumulação dos anos 70, o conservador Richard Nixon disse: “Nós somos todos keynesianos” . Ao final, não havia um só liberal que defendera o keynesianismo. Hoje, a classe dominante ainda não tem outra estratégia. Todavia, está negando a realidade, esperando que os mercados emergentes desta vez a salvem, como demonstram os resultados acionários ou a peregrina crença de que “o pior já passou” . Mas logo um novo acidente fará com que se choque com a dura realidade.

Ao mesmo tempo, a crise se dá num marco de transformação da estrutura económica e interestatal da economia mundial e de aceleração da crise de hegemonia dos EUA, como conseqüência da derrocada do Iraque, que traz seu desenvolvimento e suas conseqüências para o sistema mundial, a médio ou a longo prazo, imprevisíveis em muitos aspectos. Junto ao anterior, o fundamental é que a atual crise tem seu epicentro no EUA. Isso é um fato distintivo. Até agora a nova turbulência gerada pelas reformas neoliberais golpeavam a periferia. Falava-se do efeito contágio, como foi o socorro ao fundo de investimento LTCM em 1998, como golpe recebido pelo default da dívida soberana russa. Dessa vez a crise tem sua origem no coração do sistema capitalista mundial, o que constitui por si um fato económico, social, político e geopolítico maior.

Tese XIV

Como se desenvolverá a crise? Para alguns o principal perigo é a deflação. A brutal correção dos preços dos ativos em posse dos bancos e de outras instituições financeiras pode dar lugar a um círculo vicioso, no qual as ajustadas condições de liquidez, a queda no valor das ações, a piora da base de capital dos bancos, uma reduzida oferta de créditos e uma demanda lenta se alimentem uma a outra gerando uma espiral deflacionária. Isso é um processo já em curso na economia norte-americana, onde a “seca creditícia” é uma realidade cada vez mais preocupante. Nesse marco, as medidas que o FED aplicou para moderar a espiral deflacionária poderiam chegar a gerar um cenário setentista para evitar uma crise como a de 1930, quer dizer, tolerar uma alta inflação para rebaixar o valor real da dívida privada e o custo do desendividamento. Para outros o reajuste da economia mundial está ocorrendo sob um regime de estagflação [12] e possivelmente um crescente protecionismo. A inflação pode ter grandes implicações sobre os fluxos de capital globais. Durante o período do boom, os países com superávit de conta corrente foram exportadores líquidos de capital. Mas na medida em que a inflação nos EUA cresce esses países vão ter cada vez mais dificuldades para manter seu atrelamento monetário (“pegs” ) ao dólar. Isto poderia levar ao fim do chamado sistema de Bretton Woods II, o que eventualmente poderia conduzir a uma redução dos fluxos de capital para os EUA, e a um aumento das taxas de juros norte-americanas. Por sua vez, a China e os demais países do sudeste asiático deixaram sua função deflacionária na economia mundial (preços decrescentes ou baixos) e passaram a ser um foco inflacionário internacional, o que complica as políticas “anticíclicas” dos bancos centrais, como demonstra o atual freio do FED. No caso de nem os EUA nem a Europa poderem cumprir o papel de consumidores em última instância o atual esquema de funcionamento da economia mundial sintetizada na dupla EUA-China, um como grande consumidor mundial e o outro como grande “fábrica” do mundo, pára de funcionar. Nesse marco, diante de taxas maiores de inflação, mais forte se tornará o ajuste. No entanto, um cenário como nos anos 1930, onde primou uma brutal deflação, não se pode descartar se um novo pico na crise financeira gerar uma detonação desordenada de ativos.

Mas ainda que a realidade mundial guarde hoje em dia fenómenos económicos e monetários muito díspares todos têm uma causa comum: a forte expansão monetária para evitar que a recessão norte-americana de 2001 se transformasse numa forte queda ou depressão, e que acompanhou o ciclo anterior em sua fase madura, impulsionou um sobreconsumo nos EUA, insustentáveis taxas de investimento nos países emergentes e uma série de bolhas nos preços dos ativos ’ em imóveis, em créditos, em ações e agora em matérias-primas. O esvaziamento dessas bolhas ativou uma crise financeira que mudou abruptamente o favorável cenário internacional dos últimos anos. Seja por uma via ou por outra, estamos nos aproximando de um forte ajuste dos enormes desequilíbrios que contém a economia internacional, e que pode durar anos.

Tese XV

As medidas que o FED aplicou e outras mais radicais que poderia tomar para sair do atual descalabro poderiam levar a que o Estado assumisse custos fiscais cada vez mais altos ’ através da compra de ativos de duvidosa possibilidade de cobrança, para subir seu preço, o resgate de novas entidades financeiras insolventes etc. ’, o que poderia abrir uma crise fiscal de grandes proporções.

Mas tal saída, que poderia evitar uma depressão, pode ter um custo geopolítico a médio prazo (e não tão médio) inesperado: a aceleração da crise do dólar como moeda de reserva mundial. Desde 2001, a baixa do dólar ’ que alcança um mínimo absoluto considerando-se a evolução relativa da inflação ’ é totalmente insuficiente para restabelecer a balança comercial. No caso de uma nova depressão do dólar comparável à registrada no final da década de 1970, para os EUA seria muito mais difícil, se não impossível, retomar o controle do sistema monetário internacional.

Os EUA se encontram diante de uma encruzilhada maior: a necessidade de salvar a economia norte-americana e recuperar a competitividade de suas manufaturas, ao mesmo tempo em que mantém a confiança no dólar. Em outras palavras, o dólar necessita se desvalorizar, mas sem entrar em colapso. O Banco Central não pode arriscar um forte crescimento das taxas de juros em longo prazo, em resposta a uma perda de confiança na estabilidade de preços nos EUA e um colapso de sua taxa de intercâmbio. Essa encruzilhada é o resultado de uma contradição persistente do “padrão de crescimento” norte-americano das últimas décadas: de um lado, como potência financeira e monetária, deve ter uma moeda forte, mas necessita de um dólar débil enquanto potência económica e comercial. Se no passado foi capaz de manejar esta contradição, manipulando para cima ou para baixo sua taxa de câmbio ’ privilégio exclusivo devido a sua hegemonia não só monetária e económica, mas fundamentalmente política e militar ’, descarregando por um lado a crise sobre o resto do mundo, quando arruinava sua economia, e atraindo os fundos necessários para seu financiamento, por outro lado, hoje este manejo tem seus limites.

Na década de 1980, e como corolário da expressiva alta de juros para recuperar a posição do dólar como moeda mundial, os EUA deixaram de ser o principal credor mundial para ser o principal devedor. Hoje, os credores dos EUA são mais reticentes para continuar este financiamento sem fim e para redobrar seus empréstimos a um país que já sangrou em parte seus compromissos mediante uma depreciação gigantesca de sua moeda. Por sua vez, os EUA têm pouco para oferecer no caso de uma nova depressão do dólar, terminada a atração da “nova economia” e com os mecanismos liberadores que atuavam como incentivos extraordinários ao investimento de capital exterior em crise. Porque, se há algo distinto na atual crise, é o forte debilitamento da imagem do sistema financeiro norte-americano e do “modelo anglo-saxão” . Nessas circunstâncias, um aumento das taxas de juros como o desenhado por Reagan provocaria uma contração interna muito mais severa sem nenhuma garantia de que fosse seguida de uma enérgica recuperação, agravando assim as contradições dos EUA e do dólar como moeda de reserva mundial.

A isso devemos agregar que no final dos anos 70 havia poucas alternativas viáveis ao dólar estadunidense, como hoje é o euro, apesar de todos seus limites e contradições. Não tendo para onde ir, as potências capitalistas optavam pelo ouro, mas nenhuma delas tinha interesse em uma remonetarização do ouro em um momento de estagnação, especialmente tendo em conta a capacidade de influência que essa remonetarização haveria concedido à URSS. Em tais circunstâncias, as tentativas dos EUA de preservar o padrão dólar puderam contar com a cooperação ativa de todos os governos que gozavam de peso na regulação monetária internacional. Comparemos a cooperação internacional desses anos com as repetidas tentativas frustradas de Washington de que Pequim aprecie [valorize] sua moeda (que utiliza por sua vez como chantagem a “arma nuclear monetária” de desatrelar suas divisas do dólar), o que faz com que a queda do dólar esteja pagando de forma quase intolerável a eurozona. Mas se as relações económicas entre as potências não são como eram antes, também foram alteradas, e fundamentalmente, as relações políticas com as demais potências capitalistas: a falta de paciência dos credores dos EUA perante o unilateralismo da administração norte-americana deu um salto com o governo de Bush. Isso estreita abruptamente as opções de que os EUA saiam da crise como no passado, obrigando-o a reduzir sua dependência do financiamento externo e a reabsorver seu déficit de conta corrente, o que implica numa boa dose de recessão ou, em todo caso, uma desaceleração duradoura de seu crescimento. Assim, nos anos 60, a Alemanha tinha a vontade de pagar esses custos, enquanto os EUA a asseguraram com suas tropas durante a Guerra Fria. O Japão, por iguais motivos, comprou dólares para evitar uma depreciação violenta dessa moeda do fim dos anos 60 ao início dos anos 70 e ao final dos anos 80. E, por último, a primeira guerra do Golfo foi financiada fundamentalmente pelo Kuwait, Arábia Saudita e outros países como o Japão. Ao contrário, como vimos, a política norte-americana de todos esses anos deteriorou a legitimidade e a posição norte-americana no mundo.

Não estamos prognosticando como certeza o fim do padrão dólar. Somente mostrando como as condições de sua vigência estão sendo extremamente questionadas. No entanto, devemos ter presente que, nessas questões, a inércia é a regra e o destronamento por outra moeda pode levar anos. O que está claro é que as potenciais implicações geopolíticas de uma perda do status do dólar seriam imensas. Os EUA perderiam seu exorbitante privilégio de alcançar rendimentos de seus ativos no estrangeiro, mais altos que os rendimentos que paga aos estrangeiros que investem nos EUA. O dólar deixaria de ser “nossa moeda e vosso problema” , tomando uma frase do ministro de finanças de Nixon quando este desligou o dólar do padrão ouro em 1971. Sua influência nas instituições financeiras internacionais diminuiria. Em outras palavras, uma perda do status do dólar como moeda de reserva mundial implicaria uma perda efetiva de poder político que debilitaria ainda mais o papel hegemónico dos EUA no mundo.

[1Mudanças de empresas para outras regiões ou países.

[2Capacidade de pagamento dos compradores hipotecários. A incapacidade de pagamento chama-se insolvência. Quando há crise de pagamentos ’ insolvência ’ massiva ou de países utiliza-se o conceito default.

[3Taxa de juros no mercado interbancário de Londres.

[4As principais disposições do sistema Bretton Woods foram, primeiramente, a obrigação de cada país adotar uma política monetária que mantivesse a taxa de câmbio de suas moedas dentro de um determinado valor ””mais ou menos um por cento””em termos de ouro, e em segundo lugar, a provisão pelo FMI de financiamento para suportar dificuldades temporárias de pagamento. Em 1973, diante de pressões crescentes na demanda global por ouro, Richard Nixon, então presidente norte-americano, suspendeu unilateralmente o sistema de Bretton Woods, cancelando a conversibilidade direta do dólar em ouro. Preparando-se para reconstruir o capitalismo mundial pós-Segunda Guerra Mundial reuniram-se em conferência monetária e financeira das Nações Unidas delegados de todas as 44 nações aliadas, em Bretton Woods, New Hampshire, firmando o Acordo de Bretton Woods (Bretton Woods Agreement). Definiu-se um sistema de regras, instituições e procedimentos para regular a política económica internacional, os planificadores de Bretton Woods estabeleceram o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (International (anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-(anti-spam-Bank)))))))) for Reconstruction and Development, ou BIRD) (mais tarde dividido entre o Banco Mundial e o "Banco para investimentos internacionais") e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

[5Parte norte do hemisfério, polar, setentrional. Oposto a sul, austral, meridional.

[6Sistema de câmbio e juros atrelados ao dólar.

[7Ações do governo que regulam o intercâmbio de moeda nacional por moeda estrangeira ou vice-versa, a quantidade de moeda em circulação, de crédito e das taxas de juros, controlando a liquidez ’ montante de dinheiro vivo - global do sistema económico.

[8Reúne os 27 países da União Européia e Argélia, Egito, Israel, Jordânia, Líbano, Marrocos, Mauritânia, Síria, Tunísia, Turquia, Albânia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Mónaco e Autoridade Palestina.

[9Razão entre capital constante e capital variável. Na busca de maior produtividade as empresas investem mais capital constante ’ maquinários, matérias primas, tecnologia, processos etc. ’, e menos capital variável, fazendo com que essa razão seja cada vez menor, o que diminuirá a taxa de lucro, porque o capital variável ’ força de trabalho - sendo menor produzirá menor mais-valia, pois a fonte de extração de mais-valia está na força de trabalho (trabalho não pago). Exemplo de como o crescimento da composição orgânica do capital intensifica a tendência à queda da taxa de lucro: dois capitalistas ’ A e B ’ utilizam 100 operários e gastam igualmente R$ 50 mil em salários (capital variável), obtendo, os dois, igual taxa de mais valia de 100% (R$ 50 mil). Para obter essa mais valia o capitalista A investe R$ 50 mil em capital constante, totalizando um capital total de R$ 100 mil (capital constante + capital variável). Logo, sua taxa de lucro (mais-valia dividida pelo capital total) será de 50%. O capitalista B, para obter a mesma mais-valia, investe R$ 100 mil em capital constante, investindo um capital total de R$ 150 mil. Assim, sua taxa de lucro será de 33% (mais-valia dividida pelo capital total). O capitalista B tem maior composição orgânica (capital constante + capital variável), por isso a lei tendencial da queda da taxa de lucro se faz valer. A alta composição orgânica de capital em alguns setores (companhias aéreas, automobilísticas etc.), produto da concorrência cada vez maior, explica porque ainda obtendo mais-valia superior (intensificando a taxa de exploração dos trabalhadores) a taxa de lucro tende a cair, levando esses capitalistas a buscar planos de “recuperação” (descarregando os custos na classe trabalhadora).

[10Acordo do grupo dos cinco maiores países capitalistas (EUA, Inglaterra, França, Alemanha e Japão) assinado na reunião do Hotel Plaza em Nova Iorque, em setembro de 1985, para intervir nos mercados cambiais e baixar de maneira ordenada o valor do dólar norte-americano diante do marco alemão e do iene japonês, favorecendo a competitividade da indústria norte-americana, o que permitiu a recuperação dos EUA às custas dos demais países, principalmente o Japão.

[11“Cinturão do Sol” (sunbelt). Região dos EUA que compreende o sul e sudoeste deste país (Arizona, Califórnia, Flórida, Nevada, Novo México, Texas, Geórgia e Carolina do Sul), com grande crescimento económico e demográfico nos últimos anos, de onde provêm todos os presidentes norte-americanos desde 1964. A economia agrícola dos EUA é tradicionalmente dividida em cinturões (belts), como o cinturão do trigo (grain belt ou wheat belt), cinturão do algodão (cotton belt) e assim sucessivamente. A industrialização dos EUA também se divide em cinturões, aglomerados em torno das principais fontes de matéria prima. O “manufacturing belt” ou “rust belt” (“cinturão da manufatura” ou “cinturão da ferrugem” ) concentra a indústria metalúrgica, siderúrgica, que deram origem à produção de bens de consumo duráveis e automobilísticos, originados em torno dos Grandes Lagos e próximo aos Montes Apalaches, ricos em carvão mineral, compreendendo o nordeste (cidades como Nova Iorque) e o meio-oeste norte-americano (Illinois ’ capital Chicago, Indiana, Iowa, Michigan, Minnesota ’ cidade de Minneapolis, Missouri, Ohio ’ capital Columbus, Wisconsin).

[12Estagnação económica (baixo crescimento) com preços altos (inflação).

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