Quinta 9 de Maio de 2024

Movimento Operário

V CONFERÊNCIA DA FT

Classe operária, subjetividade e marxismo

08 Sep 2008 | Documento votado na V Conferência da Fração Trotskista - Quarta Internacional.   |   comentários

1. Introdução

Dois grandes processos caracterizam a atual situação internacional. Como explicamos no documento sobre economia e relações interestatais, desde o ponto de vista económico, estamos em um momento de uma relativa divergência entre países em recessão, como os Estados Unidos, epicentro da crise, e países com economias “sobre-aquecidas” com processos inflacionários, onde os mais débeis resultam aqueles importadores nítidos de matérias primas, em especial alimentos e combustíveis.

Desde o ponto de vista do sistema mundial, estamos assistindo ao fim do ciclo neoconservador dos dois mandatos de Bush, que tem acelerado a decadência hegemónica dos Estamos Unidos com o fracasso da estratégia no Iraque e o ressurgir dos enfrentamentos no Afeganistão com os talibãs.

Os efeitos sociais e políticos da crise económica já começaram a se manifestar abertamente em um agravamento das contradições entre as classes fundamentais, e também em conflitos entre frações capitalistas, como no caso das patronais agrárias e o governo na Argentina. Também tem incentivado os protestos de profissionais autónimos, e pequenos patrões como no caso dos caminhoneiros e pesqueiros na Espanha e outros países europeus.

A crise dos alimentos e a carestia de vida têm dado lugar a processos de distintas naturezas e intensidades que vão desde “estouros de fome” até processos político-sociais nos que convergem os protestos pelo encarecimento dos alimentos básicos com crises políticas e governamentais. Em alguns destes processos, como no caso do Egito, participam com seus métodos setores significativos da classe operária, em outros, como na Coréia do Sul os protestos ainda têm um caráter policlassista e estão cobertas com um véu nacionalista.

A isto se soma a resistência em distintos graus e resultados, aos ataques que continuam sobre os assalariados, como o mostra a nova ofensiva da U.E. para estender a jornada de trabalho, as tendências a se impor tetos salariais na Inglaterra, os planos para reestruturar os sistemas de aposentadoria e da previdência social, etc. Esta resistência se tem expressado em lutas parciais e mobilizações (“quinta-feira do descontentamento” na Grã Bretanha, etc), mas também em greves gerais que sacudiram a Grécia durante os primeiros meses do ano.
Esta situação internacional está dando lugar a distintos fenómenos políticos e por sua vez delineando um “mapa” da luta de classes desigual e ainda não combinado que sinteticamente podemos dividir em cinco setores:

1) Oriente Médio: segue sendo a região do mundo que, por ter concentrado a estratégia do imperialismo norte-americano de conquistar uma nova relação de forças para seu domínio mundial, expressa mais agudamente fenómenos da luta de classes e também as tensões interestatais. Em geral, ainda que os processos possam ser considerados como “clássicos” , no sentido de movimentos de libertação nacional, especialmente o conflito Palestina-Israel, e a expressão política seja de resistência à ocupação norte-americana ou às políticas coloniais do Estado de Israel, esta se da por meio de movimentos islâmicos, burgueses ou de colaboração de classes, com um caráter político nacionalista ou populista. Este é o caso do Hezbollah no Líbano ou Hamas nos territórios palestinos.

2) América Latina: a tendência à ação direta nos princípios da década que levou as jornadas revolucionárias como as de dezembro de 2001 na Argentina, e a processos mais profundos como na Bolívia, foi desviada pela mudança governamental e capitalizada ideologicamente pelo populismo, seja em sua variante nacionalista burguesa de Chávez ou frente populismo de Evo Morales. No último período, o processo de recomposição social e sindical da classe operária, que impulsionou uma onda de lutas sindicais e salariais, tem dado lugar a experiências mais radicais de resistência: um exemplo disto é a luta dos trabalhadores de Sidor, que terminou com a nacionalização da empresa por parte do governo de Chávez. Em outro nível e com dimensões menores, podemos mencionar a luta dos trabalhadores de Mafissa em Argentina, apesar de ter sofrido uma dura derrota. (Ver documento específico sobre América Latina).

3) Europa: o que prima politicamente é um giro à direita inaugurado no ano passado com a eleição de Sarkozy, e depois com os triunfos eleitorais de Berlusconi em aliança com a Liga Norte na Itália (seguido do triunfo da Aliança Nacional em Roma), os Tories nas eleições inglesas, etc. Este clima direitista se observa, por exemplo, no endurecimento das leis anti-imigrantes na U.E., promovidas não somente pela direita, mas também pelo governo “socialista” de Zapatero, nas explosões de racismo e xenofobia na Itália, e também na ofensiva burguesa sobre os trabalhadores, com a extensão da jornada de trabalho e outras medidas flexibilizantes.

Esta situação politicamente a direita se combina com importantes lutas da classe operária que vem se desenvolvendo em distintos países da U.E.

Na Europa do Leste, distintos setores de trabalhadores têm protagonizado greves na Polónia, Romênia e mais recentemente na República Checa, onde se realizou uma paralisação geral.
Na Europa Ocidental os processos mais destacados foram as greves gerais na Grécia contra os planos anti-operários do governo da Nova Democracia, a greve dos ferroviários (e outros trabalhadores do transporte e do setor público) na Alemanha; e a crescente quantidade de conflitos sociais na Espanha que, diferentemente do primeiro mandato de Zapatero, inaugura uma situação mais convulsiva, no marco da crise económica que golpeia sua economia. Na França, o governo de Sarkozy sofreu um rápido desgaste e enfrentou a mobilização de trabalhadores e estudantes contra seus planos. No entanto, o salto na colaboração das direções sindicais, particularmente a CGT, que tem levado a derrota e o desgaste, permitiu a eles ir aplicando suas reformas anti-operárias. Isto não implica que a classe operária esteja derrotada nem tampouco que não vá manifestar descontentamento frente à queda de seu poder aquisitivo. Diante da crise persistente do OS e do PC, o fenómeno político mais importante que se vem dando, é o fortalecimento da figura eleitoral da (ex) LCR (agora em dissolução e transição em um Novo Partido Anticapitlaista), Olivier Besancenot, têm se transformado no político mais popular da extrema esquerda. Está aberta uma discussão se este giro a direita, ainda que estendido, é episódico e o desgaste de Sarkozy está antecipando uma experiência rápida com estes governos.

4) Os Estados Unidos: onde não há grandes lutas operárias e os setores que tem saído em luta, como os trabalhadores das principais automotrizes, vem sofrendo derrotas importantes, sobretudo pelo rol da burocracia que negocia com as patronais a quantidade de postos de trabalho que se vai perder e os rebaixamentos salariais [1]. Aqui o fenómeno essencialmente é político e se tem expressado nas prévias do Partido Democrata e na eleição de Obama como candidato desse partido. Calcula-se que tem participado quase 40 milhões nas prévias democratas, com uma nova geração que tem despertado à vida política e uma grande expectativa de mudança “reformista” no terreno socioeconómico e na política exterior depois de 8 anos de bushismo.
5) Por ultimo, os países do sudeste da à sia e China, onde se concentra um proletariado com um importantíssimo peso numérico e um rol central para a economia capitalista mundial. Ainda que não conheçamos em profundidade estes processos, o aumento dos preços dos alimentos já tem levado a greves no Vietnam (onde a restauração capitalista foi completada há mais de uma década) e a outros processos similares em outros países. O mais importante parece ser a mobilização e crise governamental ainda aberta na Coréia do Sul, que foi cenário das “guerras operárias” de 1996 desviadas pelo governo “centro-esquerdista” de Kim Dae Jung, que depois permitiu a contra-ofensiva burguesa. Por sua vez, distintos meios dão conta de lutas e rebeliões na China que estariam escapando do controle do PCCh, ainda que este seja um fenómeno minoritário e pontual.

Estes conflitos ainda estão longe de construir uma resposta operária de conjunto aos primeiros efeitos da crise económica, mas mostram que o processo de recomposição social e sindical da classe operária que acompanhou o último ciclo de crescimento da economia mundial tem se estendido mundialmente (ver nota de Juan Chingo sobre as lutas operárias). O distinto, entretanto, é a grande desigualdade que existe entre este incremento nas lutas salariais e reivindicativas dos trabalhadores e o atraso político movimento operário. Esta situação se manifesta no sentido de que apesar do desgaste dos partidos e do pessoal político burguês, que se expressou como crise aberta na queda dos governos na América Latina a princípios da década, a força social do proletariado ainda não se expressa politicamente em organizações próprias, que enfrentem a burguesia no terreno político com uma clara alternativa de independência de classe [2].

Esta situação é produto de uma crise sem precedentes da subjetividade operária depois da ofensiva neoliberal dos últimos 30 anos, agravada com a restauração capitalista nos ex-estados operários que deixou descobertas as conseqüências perniciosas do stalinismo e seu chamado “socialismo real” para a causa da revolução social. Isto facilitou a propaganda burguesa de que não há alternativa ao capitalismo e à democracia liberal além do totalitarismo e da burocratização. Essa crise de subjetividade explica parcialmente, o fortalecimento transitório de partidos da direita, que como na União Européia apelam ao racismo e à xenofobia.

2. Classe operária, luta de classes e subjetividade

Durante o último ciclo de crescimento da economia mundial, a classe operária (inclusive seus setores industriais) atravessou um período de recomposição como força social, depois dos piores anos do neoliberalismo nos que se destruíram milhões de postos de trabalho. O crescimento numérico da classe operária, que com desigualdades se deu em geral em quase todos os países, também se deveu a extensão das relações salariais aos ex - estados operários burocratizados, principalmente a China. Esta recomposição foi acompanhada de uma recuperação da luta sindical, que havia alcançado níveis históricos baixíssimos, sobretudo desde meados da década de 1980 até meados da de 1990, para fazer uma generalização, ainda que existam importantes variações entre países e regiões.

Deste fenómeno dávamos conta no manifesto programático da FT de 2005, em que ademais, fazíamos referencia a um processo lento, mas significativo de recomposição subjetiva, expressada em um certo retorno da militância fabril que deu lugar em países como Argentina, ao movimento de empresas recuperadas, entre as que se destaca a experiência mais avançada dos operários de Zanon; a eleição de delegados antiburocráticos e a recuperação de comissões internas, e corpos de delegados, a lutas duras com métodos mais ou menos radicalizados de resistência como piquetes e ocupações.

Este processo de lutas, essencialmente salariais e reivindicativas continua incentivado pela perda do poder aquisitivo dos salários frente à inflação e a carestia de vida. Passada a primeira onda de lutas salariais que obtinham triunfos fáceis, em países da América Latina, como Argentina, está se dando passos a conflitos mais duros em alguns setores de trabalhadores e a uma experiência com o governo e as burocracias sindicais.

A luta de classes é uma condição necessária, mas não suficiente para a recomposição do marxismo revolucionário. A ausência de revoluções operárias desde a derrota do ultimo ascenso de 1968-81 e a desaparição da revolução socialista como projeto político da classe operária, não somente a nível de massas mas também, inclusive, em amplos setores de vanguarda, nos tem que levar a uma reflexão sobre quais são as vias para esta re-emergência do movimento operário e que relação tem isto com as tarefas de nossa corrente.

Neste terreno devemos nos separar de duas posições totalmente unilaterais, que mostram a profunda crise teórica e estratégica do marxismo, e que por caminhos opostos terminam reivindicando de fato a volta a um programa mínimo. Uma delas é a visão subjetivista que toma a consciência operária quase em sentido da de um sujeito psicológico, ou seja, em chave idealista e que, portanto, vê quase impossível a reconstrução do marxismo, exceto por uma via evolutiva e propagandística, que supõe retornar a uma situação similar a do surgimento da I Internacional.

A outra visão, diametralmente oposta, é a concepção objetivista que tinha Nahuel Moreno, segundo a qual a luta é em si mesma revolucionária, independentemente dos setores que a hegemonizem, da direção e do programa com a que esta dirige, ou seja, uma “revolução qualquer com direção qualquer” justificada em que a crise capitalista transformava em “objetivamente revolucionária” a qualquer um que se colocasse “com decisão” a frente de uma mobilização. A corrente morenista levou este paradoxo até o extremo nos processos de 1989-91 que culminaram com a restauração do capitalismo [3].

Esta concepção que implicava uma profunda revisão da teoria da revolução permanente, tanto no que diz respeito à centralidade do proletariado como à necessidade de um partido operário revolucionário, atuou como base teórica do oportunismo político.

Atualmente, os grupos que surgiram da explosão da corrente morenista não somente conservam, mas também tem aprofundado estes desvios oportunistas, que vai desde a adaptação ao chavismo até o apoio na Argentina à reivindicação das patronais do campo, sem sequer por em questão o programa reacionário dessas mobilizações. O MST argentino inclusive concentra ambas políticas.

Nos documentos para seu próximo congresso, a LIT aprofunda as concepções herdadas do morenismo. Segundo a LIT não somente “seguimos na mesma situação revolucionária continental e mundial” como também que na América Latina, entre 2000 e 2005, houve pelo menos cinco “revoluções” : Equador (2000), Peru, Argentina (2001), Venezuela (2002) e Bolívia (2003-2005) ’ que segunda a LIT seriam “socialistas” “porque enfrentam o mesmo inimigo, o poder burguês, e ao mesmo regime político, a democracia colonial” .
A FT tem avançado em romper com estas concepções objetivistas.
Temos retomado a velha idéia de Lênin que se bem há uma estreita relação entre classe operária e marxismo, esta relação não é de identidade [4]. Isto explica, em parte, uma situação como a atual na qual a classe operária se vem recompondo social e sindicalmente depois dos anos de auge do neoliberalismo, mas o marxismo revolucionário ainda não sai de sua crise. A chave é estabelecer corretamente a relação entre a perspectiva de reconstrução do marxismo revolucionário entre a luta económica, a luta política e a subjetividade operária. Esta relação, como veremos através de uma síntese histórica, não é de nenhuma maneira linear nem evolutiva.

3. Do boom do pós-guerra ao neoliberalismo

3.1 O segundo pós-guerra e a generalização de uma subjetividade preponderantemente reformista

O resultado da Segunda Guerra Mundial teve efeitos perturbadores em todos os terrenos. Quanto à subjetividade da classe operária mundial, ao contrário do que havia previsto Trotsky, as direções reformistas se recompuseram; a social-democracia, que havia facilitado na Alemanha o ascenso do nazismo, dialeticamente se preservou pelo ataque mesmo do regime nazista que destruiu inclusive as organizações reformistas do movimento operário. O triunfo da União Soviética diante da Alemanha nazista, um elemento fundamental na derrota de Hitler, que mudou a situação da guerra em 1943, levou ao fortalecimento do stalinismo, que não somente contava com o prestigio de haver derrotado aos nazistas, mas que também havia estendido aos países da Europa Central até a porção oriental da Alemanha que se encontrava sob ocupação do Exército Vermelho.

Assim, a Segunda Guerra Mundial teve um resultado imprevisto e altamente contraditório: a derrota da Alemanha nas mãos dos aliados consolidou a hegemonia inquestionada dos Estados Unidos no mundo capitalista, mas ao preço de compartilhar seu domínio mundial com a União Soviética através dos acordos de Yalta e Potsdam. Por trás da revolução chinesa de 1949, um terço da humanidade estava por fora do sistema capitalista mundial. Nesta “anomalia” cremos que se manifestava, distorcidamente, o caráter da época imperialista.
As condições políticas e económicas que se deram no imediato pós-guerra, levaram a um desenvolvimento parcial das forças produtivas nos países centrais e em países da periferia capitalista, o que facilitou a estabilização do pós-guerra. O crescimento dos denominados “trinta gloriosos” só foi possível pelo papel traidor dos Partidos Comunistas que, como na França ou na Grécia, forma chave para desarticular os levantamentos revolucionários que aconteceram nos últimos dois anos da guerra e contribuíram de maneira decisiva à reconstrução capitalista da Europa e à implementação de regimes democrático-burgueses, o que se combinou com o Plano Marshal

O boom do pós-guerra que durou aproximadamente 20 anos, implicou uma recuperação da taxa de lucro e do crescimento de 5 ou 6% das economias dos países centrais. Isto foi possível por uma combinação de fatores económicos (a destruição prévia de forças produtivas, a potencialidade do capitalismo norte-americano, etc) e políticos. A relação entre as classes fundamentais baseava-se no chamado “compromisso keynesiano” entre o capital e o trabalho e o estado de bem estar social, que permitiu a massificação de conquistas salariais e sociais. O “keynesianismo” ’ a legitimação da intervenção estatal na economia, as nacionalizações, a regulamentação do mercado de trabalho que se mantinha perto do pleno emprego, os altos níveis de gastos públicos em programas de assistência social ’ era considerada como a estratégia económica e política mais efetiva para o capitalismo que fazia concessões em troca de ter garantido a “paz social” . Estas condições permitiram a reemergência das velhas organizações reformistas do movimento operário e um renovado rol, sobretudo da social-democracia em frente dos sindicatos, que se construiu no principal negociador das concessões à classe operária durante o pós-guerra. Os partidos comunistas ocidentais se transformaram em organizações de massas [5] e o stalinismo, transformado com seu fortalecimento na Segunda Guerra Mundial, no “marxismo oficial” , ampliou sua base de sustentação à Europa oriental com a constituição de novos estados operários burocratizados no leste europeu.

Durante estes anos, a dinâmica permanente que havia previsto Trotsky da revolução mundial no Programa de Transição, havia sido bloqueada. Com isto queremos dizer que as condições objetivas e subjetivas determinadas pelo boom do pós-guerra (ou seja, por uma “revolução passiva” que conseguiu conter o ascenso de 1943-48, como definimos no artigo Trotsky e Gramsci), acabaram com a revolução dos países centrais ’ e a possibilidade de revolução política na União Soviética ’ até a periferia e o mundo semicolonial (China 1949, Bolívia 1952, Cuba 1959) e, no caso da esfera de influencia soviética, até os países do leste europeu que há poucos anos de finalizada a guerra começaram a experimentar processos de revolução política (Alemanha 1953, Hungria e Polónia 1956, etc) [6].

Ainda que o mundo tivesse vivido também uma sorte de “revolução passiva” com a política de “descolonização” imposta pelo imperialismo norte-americano para a saída da Segunda Guerra (libertação da à ndia, etc), as guerras de libertação nacional coloniais, sobretudo nas colónias que a França se negava a abandonar, como Argélia e Vietnam foram lutas revolucionárias que tinham a frente direções nacionalistas burguesas, populistas ou stalinistas, que eram um obstáculo importante para que estas avançassem para a revolução socialista.

As direções reformistas, burocráticas e sindicalistas que se fortaleceram no pós-guerra, não tinham como objetivo a destruição do poder burguês e a tomada do poder político mas sim a negociação e a obtenção de conquistas parciais no marco do domínio capitalista. Desta forma, foram acabando com os aspectos revolucionários do movimento operário, dando lugar a uma nova subjetividade essencialmente reformista, o que não implica que não tenham se desenvolvido lutas como por exemplo a greve geral francesa de 1953, a greve geral belga de 1963 ou a os conflitos que antecederam o “outono quente” italiano. No entanto, a influência decisiva das direções reformistas sobre a classe operária ficou nitidamente em evidência quando começaram a se esgotar as condições do boom do pós-guerra no final da década de 1960 e começo de 1970.

Se nos países centrais eram os partidos operários (ou operário-burgueses) reformistas, a social democracia, os partidos stalinistas e o Partido Trabalhista Inglês, os que moldavam esta subjetividade, nas semicolonias mais prósperas, mas com um proletariado mais atrasado politicamente, este rol reformista se representava nos movimentos nacionalistas burgueses como, por exemplo, o peronismo na Argentina, subordinando ainda mais diretamente ao movimento operário e a burguesia e o estado burguês.

Neste sentido, o triunfo da União Soviética frente ao nazismo e posteriormente as revoluções do pós-guerra e a expropriação do capitalismo, em, ao redor de um terço do planeta, obtiveram um resultado altamente contraditório: demonstravam que para avançar na emancipação era necessário liquidar as relações de produção capitalistas e destruir o estado burguês (ou seja, era uma confirmação do desenvolvimento da “revolução democrática” em socialista, formulado na teoria da revolução permanente), mas ao fortalecer direções contra-revolucionárias, bloqueavam a possibilidade do avanço do socialismo e da revolução internacional.

3.2 A marginalidade do trotskismo no segundo pós-guerra

Estas difíceis condições, da consolidação de uma subjetividade reformista cristalizada nos partidos social-democratas, comunistas, e do nacionalismo burguês nas semi-colónias junto com a imposição do stalinismo como o “marxismo” triunfante, deixou os trotskistas reduzidos a pequenos grupos marginalizados da classe operária.
Em várias oportunidades nos referimos a esta situação, podemos dizer sinteticamente que os trotskistas adotaram duas posições unilaterais e se dividiram entre aqueles que negaram as condições do boom e insistiram em se ater ao “estancacionismo” das forças produtivas (Lambert, Moreno) e os que ao contrário, viram nos anos do boom uma nova etapa do capitalismo (Mandel).

Depois da política de dissolução, dos primeiros anos do pós-guerra nos partidos stalinistas, imposta sob a direção de Michel Pablo com a hipótese de que, logicamente, o imperialismo iria pór à derrota a União Soviética e que isso empurraria os partidos comunistas a uma luta revolucionária, os trotskistas do pós-guerra tentaram ligar-se a este movimento operário reformista pela via do entrismo em suas organizações. Mas diferente do momento em que Trotsky aconselhou a tática de entrismo, não ocorriam processos de radicalização no interior destes partidos ’ que em muitos casos estavam no governo ’ com os quais confluir, o que fazia com que a tática tivesse conteúdo profundamente oportunista (por exemplo, “se colocar sob as ordens do General Perón” , como dizia o jornal da corrente morenista) e não mantivera relação com uma estratégia revolucionária. Este foi o caminho de um setor do trotskismo britânico (a ex-corrente The Militant, atual CIO) que fez um “entrismo” dentro do Labour Party que se prolongou por décadas (até sua explosão em 1991). Outro exemplo é do morenismo na Argentina que praticou de fato um entrismo “sui generis” no peronismo, através das organizações sindicais que este controlava.
Nossa crítica central às correntes trotskistas do segundo pós-guerra não é de nenhuma maneira de que não mudaram estas condições objetivas, coisa que efetivamente era impossível para as forças dispersas do trotskismo, mas de que não foram capazes de estabelecer um novo marco estratégico para o projeto revolucionário nestas difíceis condições do segundo pós-guerra, ou seja, de poder definir de maneira concreta como se expressavam as condições revolucionárias da “época de crises, guerras e revoluções” , que sustentavam e sustentam o Programa de Transição [7], e quais eram as perspectivas para as que tinham que se preparar. Isto ficou em evidência na debilidade da maioria destas correntes quando começou o ascenso no final dos anos 60.

Pela via de reafirmar que, tal como dizia Trotsky no Programa de Transição em 1938 “a crise da humanidade” seguia reduzida às “crises de direção revolucionária do proletariado” , terminaram se adaptando às direções e processos realmente existentes, desde Tito e Mao até Fidel Castro e Ho Chi Min.

Por exemplo, para Nahuel Moreno, o maoísmo podia ser avaliado desde distintos pontos de vista, mas “um dos mais importantes é dos colossais aportes que fez ao programa da revolução permanente com sua teoria político-social-militar da guerra de guerrilhas (”¦) Podemos dizer que a teoria maoísta é um enriquecimento de enorme importância ao Programa de Transição do trotskismo, que este reconheceu e incorporou” [8]. Com a “incorporação” ao Programa de Transição, Moreno se referia às conclusões do V Congresso da IV Internacional, realizado em 1957, no qual se reconhecia a importância estratégica da guerrilha e também do camponês como sujeito revolucionário. Com base nestas afirmações, o IX Congresso de 1969 votou a Resolução sobre a América Latina, no qual se define o caráter camponês do ascenso latino-americano, desta vez com a oposição de Nahuel Moreno.

Longe de ter “enriquecido” a teoria e o programa revolucionário, a revolução chinesa sob a direção de Mao, constituía ao mesmo tempo a demonstração da validez da teoria da revolução permanente e a sua negação como programa para o avanço ao socialismo e à revolução mundial.

Sintetizando, os trotskistas durante o boom, para além de terem sustentado algumas posições corretas ’ o que chamamos de “fios de continuidade revolucionária” ’ tenderam a adaptarem-se politicamente aos aparatos reformistas que dirigiam o movimento operário ou à direções que, eventualmente, encabeçavam processos revolucionários. Por isto, se transformaram em correntes centristas que oscilavam entre o reformismo e a revolução.

Estas correntes chegaram ao ascenso de 1968-76 praticamente sem nenhuma influência entre os trabalhadores e, portanto, não puderam jogar um papel chave neste último ensaio revolucionário da classe operária e seus aliados, ainda que muitos destes grupos atraíram à suas fileiras setores da vanguarda (por exemplo a JCR ’ e posteriormente a LCR ’ no maio de 1968 ou o PST argentino no ascenso dos anos 70).

3.3 O ascenso de 1968-81

As condições do boom do pós-guerra começaram a esgotar e com elas os mecanismos tradicionais com os quais a burguesia mantinha a “paz social” . Entre 1968 e 1981 (se tomamos como últimas expressões deste ascenso as revoluções nicaragüense e iraniana e a revolução política na Polónia) a ordem do pós-guerra sofreu um desafio mais sério.
Este ascenso pode dividir-se em duas fases. A primeira que abarca desde o maio francês de 1968 até as derrotas dos processos revolucionários no cone sul da América Latina em meados da década de 70; e um segundo momento, onde por trás da derrota dos processos revolucionários por métodos contra-revolucionários ou os desvios, se dão os processos revolucionários na América Central (Nicarágua, El Salvador, etc.), a revolução iraniana, a revolução sul-africana e por último a revolução política na Polónia. Este ensaio revolucionário se desenvolveu em uma situação internacional altamente instável, marcada pelas crises económicas de 1973-75 e a derrota norte-americana no Vietnã. Pela primeira vez desde o ascenso da segunda guerra, a revolução atingia os centros imperialistas, ainda que a profundidade destes processos era muito desigual.

Na França os acontecimentos de maio de 1968 tinham posto em cheque o poder burguês, e a incorporação do proletariado massivamente ao movimento grevista, colocava uma perspectiva revolucionaria. Entretanto, esta perspectiva não se materializou porque mesmo tendo amplos setores da vanguarda operária se radicalizado politicamente, a maioria dos trabalhadores seguia à direção do PCF, cuja crise e desprestígio era muito superior no movimento estudantil do que no movimento operário. Na possibilidade do desvio do maio francês, se combinaram, sobretudo o peso do reformismo sobre a classe operária, a situação económica que permitiu outorgar um aumento de salários e assim cortar base no movimento.

No ano seguinte, deu-se o chamado “outono quente” na Itália. Este processo operário questionava, para além do problema salarial, os ritmos e a organização do trabalho, reivindicando para si o controle do processo produtivo. Ia acompanhada, sobretudo por um processo profundo de auto-organização, que em certo sentido retomava a tradição histórica dos conselhos operários. Politicamente, este processo de radicalização fortaleceu as correntes comunistas à esquerda do PCI como Izquierda Proletaria, Lotta Continua e Avanguardia Operaria, alguns dos quais fundaram as Brigadas Vermelhas. Tomando-o historicamente, este processo se prolongou durante uma década e terminou com a derrota da greve da FIAT em 1980.

Nos Estados Unidos que já levava a guerra do Vietnã por mais de três anos, a ofensiva de Tet e a revelação do massacre de My Lai em janeiro e março de 1968 respectivamente, deram um impulso incontestável ao movimento anti-guerra, em parte este movimento se expressava na crise do Partido Democrata com sua base que assaltou a convenção partidária neste mesmo ano. Este movimento foi antecedido pelo desenvolvimento do movimento pelos direitos civis que tinha dado uma ala radical dirigida por Malcom X e posteriormente organizada nos Panteras Negras. Entretanto, diferente da França, o movimento operário não era um ator chave na oposição à guerra. A derrota dos Estados Unidos no Vietnã marcou o ponto mais baixo do domínio norte-americano. A presidência de Carter foi de uma crise sem precedentes, durante esses anos ocorreram processos como a revolução iraniana, implicando a perda de um aliado estratégico para os Estados Unidos no Oriente Médio. Mas por sua vez, iam sentando-se as bases para recompor o poderio norte-americano indo diretamente ao enfrentamento com a União Soviética no Afeganistão.

A derrota norte-americana no Vietnã foi um triunfo tático que, produto da direção stalinista deste processo, da política de coexistência pacífica da burocracia russa e da política negociadora com o imperialismo de Mao (um ano antes tinha se reunido com Nixon) não se transformou em uma derrota estratégica do imperialismo, que há alguns anos da crise conseguiu recuperar-se e passar a contra-ofensiva.

Na Grã Bretanha a classe operária vinha protagonizando uma ofensiva que em muitos casos faziam recordar a greve geral de 1926. O Partido Trabalhista governou desde 1964 até 1970 e de 1974 até o triunfo de Thatcher em 1979. Durante esse período de 15 anos, caracterizado por uma grande crise da economia britânica (que combinava inflação, baixa produtividade, bancarrota de empresas automobilísticas como Rolls Royce e Leyland), se desenvolveram agudos conflitos de classe que primeiro à queda do governo do conservador Heath em 1974 após o triunfo dos dockers e de uma greve de sete semanas dos trabalhadores mineiros, e posteriormente, à sucessiva queda de dois governos trabalhistas, o de Wilson e o de Callaghan, que tentaram impor medidas anti-operárias. O ponto mais alto desta onda foi o chamado “inverno do descontentamento” de 1978-9 que enfrentou as medidas do governo de Callaghan. No entanto, apesar da radicalização nos métodos de muitas destas greves (sobretudo do período de 1971-74), o Partido Trabalhista seguia sendo a direção indiscutível da classe operária e através dos sindicatos e da oposição aos conservadores, mantinha o controle deste movimento e, por via da direção oficial do TUC, conseguia a colaboração dos delegados para impor cortes salariais e demissões. Desta forma o trabalhismo e a burocracia sindical desmobilizaram a classe operária e descompuseram sua organização por fábrica, deixando aberto o caminho para a reação neoliberal. Finalmente em maio de 1979, Margert Thatcher ganhou as eleições.

O processo mais radical sem dúvidas foi a revolução portuguesa de 1974, a chamada “revolução dos cravos” , que terminou com o regime do “Estado Novo” encarnado na ditadura de Caetano e levou à libertação das colónias portuguesas na à frica, ainda que tenha sido detida com a instauração de um regime democrático burguês.
Nos países semi-coloniais viveram-se anos de grande efervescência operária. Na Argentina o cordobazo de 1969 abriu um período de radicalização operária que, depois da morte de Perón tinha iniciado um caminho à ruptura revolucionária com o peronismo, colocando em pé coordenações de fábricas. Este processo só pode ser derrotado com o golpe genocida de 1976. Na Bolívia se deu o processo da Assembléia Popular em 1971. No Chile, sob o governo da Unidade Popular de Allende que tinha alimentado a ilusão da suposta “via pacífica ao socialismo” , haviam se desenvolvido os cordões industriais que insinuavam uma organização de tipo soviética, esmagados pelo golpe de Pinochet que transformou o Chile no primeiro laboratório do neoliberalismo, com a assessoria direta de um de seus principais entusiastas, Milton Friedman. No Uruguai se impunha a mesma saída contra-revolucionária.

Parte deste processo internacional, foram as tentativas de revolução política no Leste Europeu, como a Primavera de Praga, esmagadas pelos tanques soviéticos.

Como conclusão mais geral, já que aqui não podemos propor analisar a cada um destes processos revolucionários (além destes que nomeamos, Espanha, Uruguai, etc.), senão somente sintetizar as definições centrais, podemos dizer que se nos países centrais primou o desvio, na América Latina e outros países semi-coloniais, onde este ascenso tendeu a expressar-se como um enfrentamento direto entre revolução e contra-revolução, a classe operária e os setores populares sofreram uma derrota histórica e foram esmagados com métodos completamente contra-revolucionários. Esta derrota levou à imposição das ditaduras do cone sul que se mantiveram até a década de 80 e à liquidação física de toda uma geração revolucionária.

4. O neoliberalismo e a “restauração do poder de classe” burguês

No início da década de 1980, esta tentativa de enfrentar a ordem do pós-guerra que durou quase uma década já tinha sido completamente desmembrado por uma combinação de derrotas físicas e desvíos. Depois de alguns anos de crises recorrentes, com o ascenso de Reagan e Thatcher, o imperialismo passou à contra-ofensiva desprendendo um arsenal de “contra-reformas” económicas, políticas e sociais, conhecidas como “neoliberalismo” que buscavam reverter as conquistas das décadas do boom ’ a assistência social, os serviços públicos e as condições de vida e de trabalho da classe operária ’ mudando o paradigma do “compromisso keynesiano” pelo do livre mercado, o monetarismo e a financeirização como base para garantir os lucros capitalistas.

Distintos fatores determinaram este giro ao neoliberalismo, desde o ponto de vista económico a crise de 1973-74 levou a uma queda da taxa de lucro, por sua vez, reemergeram Japão e Alemanha como potências competidoras que vinham obtendo vantagens frente aos Estados Unidos nos mercados mundiais. Aqui só vamos nos referir ao que levou à classe capitalista a sua decisão de lançar uma verdadeira “guerra de classes” contra os trabalhadores para restaurar seus níveis de rentabilidade e exploração da força de trabalho.

O triunfo dos tories nas eleições de 1979 na Grã Bretanha foi precedido por uma persistente campanha ideológica que tinha como centro de argumentação, que os sindicatos eram os culpados pela inflação e a baixa produtividade da economia britânica, que a tornava menos competitiva frente aos Estados Unidos ou Alemanha. Este discurso ideológico-político que alentaram vários intelectuais e acadêmicos, tendo à frente as teorías de von Hayek, apontavam para construir um novo consenso social baseado nas classes médias, que ressaltava o individualismo e a responsabilidade pessoal de cada trabalhador em seu “êxito” ou “fracasso” , ligava a liberdade e os direitos individuais ao direito de propriedade e de consumo, e propiciava a privatização dos serviços públicos e um certo “populismo de mercado” . Esta cultura política reacionária tinha como norte destruir a solidaridade de classe que tinha se expressado no processo grevista, sobretudo no surgimento de uma militância industrial em organizações por fábrica, principalmente na indústria automobilística (Cowley, Leyland, etc.).

Thatcher assumiu o governo com o objetivo estratégico de levar a frente uma “revolução” que quebrara o “consenso do pós-guerra” que regia as relações capital-trabalho desde 1945, baseado na colaboração entre os sindicatos, as patronais e o governo. O conteúdo essencial desta “revolução” conservadora era quebrar a força dos sindicatos e permitir a patronal reestruturar suas indústrias e restaurar sua rentabilidade. Conseguiu isto logo após a derrota da greve mineira de 1984-85.

Reagan fez o mesmo nos Estados Unidos, ainda que tenha enfrentado uma resistência menor. A batalha decisiva foi em 1981 contra o grêmio de controladores aéreos (PATCO), que nas eleições de 1980, junto com o sindicato de caminhoneiros e o de pilotos de linhas aéreas, chamaram a votar em Reagan, como parte do fenómeno conhecido como os “democratas de Reagan” , principalmente trabalhadores que tradicionalmente votavam no Partido Democrata mas que tinham mudado seu voto para os republicanos, no meio de uma situação económica muito difícil para os trabalhadores e do crescimento do desemprego.

A greve de PATCO por aumento de salários e redução da jornada de trabalho foi declarada ilegal por Reagan, que decidiu aplicar a legislação existente que proibia as greves no setor público. Em somente 2 dias foram demitidos 11.000 dos 13.000 trabalhadores em greve. Foram substituídos rapidamente por um efetivo militar e o sindicato deixou de existir em outubro desse ano.

No caso da Grã Bretanha, a derrota da greve mineira e a ofensiva anti-sindical e anti-operária, foi facilitada pelo triunfo imperialista na guerra das Malvinas em 1982 [9], que permitiu a reeleição de Thatcher e fortaleceu qualitativamente seu governo.

A ofensiva patronal e imperialista que se prolongou ao menos por 25 anos, constituiu uma verdadeira contra-revolução levada adiante com “métodos pacíficos” . Sobre a base das derrotas anteriores, este assalto às conquistas materiais dos trabalhadores, era acompanhado de uma extensão da democracia liberal e de um discurso que ressaltava as “liberdades individuais” . A estes regimes democráticos burgueses que surgiram logo após as ditaduras da década de 70 denominamos “democracias pós-contra-revolucionárias” justamente para dar conta deste conteúdo reacionário.

Esta democracia liberal que se estendeu a quase todo o globo, tem sua base nas classes médias, ou mais precisamente no indivíduo de classe média, na “opinião pública” formada pelos meios de comunicação de massas (principalmente a televisão) e em uma “desideologização” do discurso político, que pretende dar por mortas as diferenças entre “esquerda e direita” , o que se expressa em uma tendência dos partidos ao centro do espectro político e em um discurso comum de “gestão” do estado.

Como coberta da ofensiva neoliberal, é uma democracia burguesa degradada o que se expressa no despotismo social, na perseguição contra os imigrantes e os pobre urbanos que levou à uma escandalosa “criminalização da pobreza” . Junto à isso, se desenvolveram fortes tendências ao bonapartismo, e inclusive a retirada de liberdades democráticas formais nos países centrais como por exemplo os governos de Sarkozy ou de Bush, que com a justificativa da “guerra contra o terrorismo” e a “guerra preventiva” impulsionaram a chamada “patriotic act” além de legalizar a espionagem estatal sobre as comunicações privadas e reinstalar publicamente a tortura como método válido.

As direções reformistas e burocráticas do movimento operário colaboraram com o ataque patronal. O exemplo extremo deste processo foi a transformação da burocracia stalinista de agente indireto a agente direto do capitalismo.

As conseqüências da ofensiva neoliberal foram catastróficas para os trabalhadores em relação a perda de conquistas materiais, a uma redução muito significativa na capacidade de luta, e a um importante retrocesso na organização e na consciência de classe, o que somado às condições sociais de desemprego e fragmentação, limitou a resistência operária.

Nos países que foram o centro da ofensiva neoliberal, Grã Bretanha e Estados Unidos, isto é nítido: na Grã Bretanha os sindicatos passaram de ter 13 milhões de filiados em 1979 a cerca de 7 milhões em 2008, segundo os dados oficiais do TUC. Nos Estados Unidos, a quantidade de filiados aos sindicatos vem caindo de maneira permanente desde o início da década de 1980. O chamado “modelo Wal Mart” é o símbolo da política anti-sindical da patronal. Atualmente, segundo dados da AFL-CIO somente 15 milhões de trabalhadores estão filiados a algum sindicato, isto representa cerca de 12% da força de trabalho. Mas enquanto no setor público os trabalhadores sindicalizados alcançam cerca de 36%, no setor privado estão no ponto histórico mais baixo, só 7,8%. Isto tem importantes conseqüências nas condições de “venda coletiva” da força de trabalho. Segundo um estudo do Economic Policy Institute [10], o salário/hora de um trabalhador sindicalizado é de em média 28 dólares, enquanto que o de um não sindicalizado é de 18 dólares.

O neoliberalismo, com desigualdades se estendeu nas últimas décadas do século XX aos países semicoloniais com o chamado “consenso de Washington” e aos ex-estados operários burocratizados depois do colapso do stalinismo entre 1989-91 e da restauração do capitalismo. Nos países europeus por fora da Grã Bretanha, a social-democracia se transformou no principal agente da ofensiva neoliberal, mas a introdução destas medidas foi mais gradual e ainda hoje amplos setores do movimento operário sindicalizado, conservam conquistas sobre as quais a UE está tratando de avançar com suas novas normativas como a extensão da jornada de trabalho, com as que pretendem liquidar a velha “Europa social” .

As direções tradicionais do movimento operário capitularam ou diretamente foram cúmplices das políticas neoliberais. Enquanto a sindicalização caía a níveis historicamente baixos, e os governos promulgavam leis anti-sindicais, as burocracias reformistas chegaram inclusive a transformar-se em sócios menores nos processos de privatizações. Este processo colaborou na instalação de um clima de desmoralização persistente nas fileiras operárias.

4.1 Os processos de 1989-91 e a restauração capitalista

O governo de Reagan deu um novo norte ao imperialismo norte-americano após a derrota no Vietnã: enfrentar a União Soviética, a qual chamava de “império do mal” e dar aos Estados Unidos a vitória na Guerra Fria. Um dos principais meios para este fim, foi a empreitada armamentista que teve seu ponto mais alto no programa de defesa “star wars” . Esta política imperialista agressiva acelerou a decadência económica da ex-URSS que já estava estancada desde a década dos ”™70, e colaborou com a profunda desorganização da economia que marcou o período da perestroika de Gorbachov, cujas consequências foram devastadoras para os trabalhadores e a população soviética.

Neste marco se deram os processos de 1989-91 que terminaram com a queda dos regimes stalinistas, a dissolução da URSS e o avanço da restauração capitalista. Estes processos foram muito contraditórios: enfrentavam a burocracia stalinista, mas com um nível de subjetividade historicamente baixo, o que se expressava nas ilusões pró-capitalistas e democráticas do movimento de massas. Essas ilusões permitiram que a direção do processo caísse em setores da intelectualidade e das classes médias agrupados em “fóruns democráticos” em alguns países do Leste Europeu, ou em alas igualmente restauracionistas da burocracia com discurso “democrático” como foi Boris Yeltsin e sua “Plataforma democrática” na União Soviética, que conseguiu conquistar base entre os mineiros que eram vanguarda da classe operária. Desde nosso ponto de vista, este “paradoxo” somente se explica porque as mobilizações de 1989-91 foram o último ato de um largo processo de revoluções políticas derrotadas e esmagadas nas décadas anteriores no Leste Europeu (ver dossiê EI Nº. 22), que se combinou com o retrocesso da classe operária ocidental frente a ofensiva neoliberal.

Na China, a derrota de Tianamen reforçou a orientação restauracionista da burocracia que, diferente do Leste Europeu e da ex-URSS, manteve ferrenhamente o controle do estado e foi o mesmo PCCh o agente do restabelecimento do capitalismo.

A queda dos regimes stalinistas e a desaparição dos ex-estados operários, começando pela unificação capitalista da Alemanha, estimulou o triunfalismo capitalista e a propaganda burguesa contra o marxismo.

Temos denominado “restauração burguesa” a essa situação na qual parece não haver desafios em vista ao domínio político capitalista, em analogia com a “restauração borbónica” em 1815, depois da derrota de Napoleão. Como veremos na disussão sobre o clima ideológico dos últimos anos, igualmente aos anos da restauração, também ressurgiram todo tipo de utopias que expressam por sua vez o retrocesso sofrido e os primeiros episódios do surgimento de uma nova subjetividade.

4.2 Neoliberalismo e crise de subjetividade

As conseqüências socais, políticas e ideológicas do neoliberalismo têm sido devastadoras: desde o ponto de vista social, a reorganização da força de trabalho introduziu uma importante fragmentação na classe operária e a expulsão de milhões de trabalhadores de suas fileiras que passaram a engrossar as estatísticas de pobres urbanos e desempregados, que junto com a perda de peso dos sindicatos e da colaboração das direções sindicais e políticas reformistas com as patronais, foram a base objetiva que minaram a capacidade de resistência organizada dos trabalhadores frente a ofensiva capitalista.

Por fora dos Estados Unidos e Europa, as direções do movimento operário oficial, a social-democracia e o stalinismo, que tinham se fortalecido nas condições do boom do pós-guerra, ou seja, como direções reformistas que garantiam a “paz social” em troca de gestionar as concessões do estado de bem estar social, entregaram conquistas materiais e sindicais. Os partidos socialistas como o PS francês com Miterrand na cabeça da aliança com o Partido Comunista, foram os artífices das medidas neoliberais. As burocracias sindicais fizeram o mesmo, como por exemplo na Argentina, que no governo de Menem se transformaram em sócias menores nas privatizações.

Esta relação de forças totalmente desvantajosa para a classe operária se prolongou por pelo menos duas décadas. Se no ocidente se expressava como retrocesso das posições conquistadas, no mal chamado “bloco socialista” os levantamentos anti-burocráticos puseram em evidência um nível baixíssimo de subjetividade do movimento operário e das massas, após décadas de stalinismo e após a derrota do ascenso de 1968-81 e das tentativas de revolução política anteriores.

Os processos de 1989-91 que se desenvolveram no Leste Europeu e na União Soviética e culminaram com a queda dos regimes stalinistas, foram mobilizações populares hegemonizadas por setores médios com uma ideologia “democrática” e pró-capitalista. Na ex-URSS, Boris Yeltsin usou os mineiros como base de manobras para impor-se às outras alas da burocracia. Esta confiança na ala “reformista” da nomenclatura foi fatal para a classe operária russa, e suas ações terminaram sendo instrumentais à restauração capitalista.

O colapso dos regimes stalinistas e a restauração do capitalismo na ex-União Soviética, Leste Europeu e China, marcaram o ponto mais alto do triunfalismo capitalista, que através do livre mercado, a “globalização” e a extensão da democracia burguesa, anunciavam o fim dos antagonismos de classe e de fato da época da revolução social. A esta situação somou-se o triunfo norte-americano na primeira guerra do Golfo em 1991 com a exposição midiática de seu enorme poderio militar.

A ausência de toda perspectiva de classe favoreceu o desenvolvimento de fenómenos políticos reacionários nos países periféricos, como as direções nacionalistas das lutas de autodeterminação nacional nos Bálcãs, notavelmente o UCK cosovar que se transformou em uma força pró-imperialista. No mundo árabe e muçulmano, frente ao fracasso dos velhos nacionalismos burgueses laicos, floresceram distintas variantes de fundamentalismos islâmicos, algumas com programas populistas, que fizeram audiências de massas tomando as bandeiras do anti-norteamericanismo.

A aparelhagem política da religião é um fenómeno que acompanhou a reação ideológica-política desde a década de 1970, e de nenhuma maneira foi exclusividade do mundo muçulmano. Nas vésperas do triunfo de Reagan, o pastor evangélico Jerry Falwell ’ sucessor de Bill Graham ’ constituiu o movimento político-religioso chamado “A Maioria Moral” , que invocava a religião para que os Estados Unidos recuperasse seu lugar de liderança no mundo. Com este discurso, os republicanos se apresentaram como “um mais” aos trabalhadores intimidados pela inflação e o desemprego, contrapondo-se às idéias “liberais” da “elite” democrata iluminada e desta forma, ganharam o voto de boa parte dos operários brancos atrasados que normalmente eram a base eleitoral do partido democrata. Isto se aprofundou durante o governo de Bush que apelou a restauração dos “valores cristãos” dando-lhes um peso importante na educação e na ajuda social às organizações evangélicas. Sem ir tão longe, nas últimas primárias, o candidato republicano Johan McCain recorreu à mesma estratégia reaganiana.

O outro grande exemplo, além do estado de Israel, foi o papel da Igreja católica no processo de restauração capitalista na Polónia e seu peso em um importante setor de operários do Solidariedade, incluindo seu dirigente, Lech Valesa.

Tamanho foi o retrocesso que os marxistas, até poucos anos atrás, tínhamos que discutir não a necessidade e a possibilidade de uma revolução social, mas a existência da própria classe operária como classe e das relações de exploração contra o auge das teorias sociais do “fim do trabalho” e as novas teorias políticas da democracia plural e a política da identidade.

Esta situação teve e tem conseqüências duradouras.

Desde o ponto de vista político, significou o desaparecimento em alguns países ou a profunda crise em outros, da velha representação política reformista da classe operária ’ o partidos social-democratas e os partidos stalinistas.

A social-democracia se transformou em instrumento e agente direta da ofensiva patronal, evoluindo ao centro do espectro político. Com a adoção da “terceira via” que lhe aparentava com o partido democrata norte-americano, se transformou em social liberalismo. Ainda que este termo seja pouco preciso, e pode gerar confusão porque indicaria uma suposta mudança da referência ao “socialismo” pelo “liberalismo” , o que evidentemente é falso já que os partidos social-democratas há décadas gestionam estados capitalistas-imperialistas, podemos usá-lo em um sentido descritivo para assinalar que de governar com um programa de reformas mínimas ’ salariais, de condições de emprego, etc. ’ no marco do estado de bem-estar social, passaram diretamente a ser os partidos da ofensiva capitalista. Majoritariamente sob governos “socialistas” avançou o projeto imperialista da UE, tratando de liquidar conquistas operárias que ainda ficaram do estado de bem-estar social, atacando aos trabalhadores imigrantes e ilegais, perseguindo um programa de reforma da previdência social e das aposentadorias e de privatizações. Por isto são quase indistinguíveis de suas faces tradicionais da direita. Os exemplos são vastos: desde o governo do SPD na Alemanha com Schröeder até a atual coalizão com a direita cristã do CDU no governo de Merkel; ou New Labour de Tony Blair como continuidade do thatcherismo; os governos da esquerda plural na França; o PT do Brasil, etc. No caso do PS Francês e do PSOE, se transformaram simplesmente em partidos burgueses “normais” , ainda que isso ainda está em discussão sobre todo o caso daqueles partidos que conservam laços orgânicos com os sindicatos, como o Labour Party ou a social democracia alemã.

A derrocada dos Partidos Comunistas do ocidente é similar. Desde o início da década de 1970, com o giro eurocomunista [11] tinham abandonado inclusive toda a retórica de classe e transformaram-se de fato em partidos social-democratas. Em distintas oportunidades foram parte dos governos social liberais em aliança com os PS.

Esta evolução até formações de centro-esquerda sem nenhuma relação com o velho reformismo operário deu um salto após a desaparição da União Soviética, como ilustra a rápida transformação do ex-PCI no atual partido de Veltroni, que já perdeu inclusive toda a referência de “esquerda” para passar a chamar-se diretamente Partido Democrático.

Nos últimos anos, o descontentamento com os governos social-democratas se expressa na oscilação de sua base eleitoral, majoritariamente operária, que desde a década de 1980 alterna entre votar neles para contrapor o avanço da direita e castigá-los votando majoritariamente em algumas variantes mais à esquerda ou nos partidos da direita, o que resulta numa forte polarização eleitoral. O exemplo mais eloqüente foi a crise do PS nas eleições presidenciais de 2002 e o fortalecimento da racista Frente Nacional de Le Pen.

Nas últimas eleições se alavancou assustadoramente a direita em quase todos os países da EU com exceção da Espanha onde Zapatero conseguiu sua reeleição.

Esta situação de direitização do velho reformismo tem dado lugar a alguns fenómenos políticos, o mais notável foi o surgimento de um espaço reformista de esquerda no qual que majoritariamente se localizaram velhos partidos stalinistas como o Refundación Comunista e sobre os que se embasaram nos projetos de “partidos amplos” impulsionados por correntes de origem trotskista. Parte deste mesmo processo, ainda que com um caráter distinto que ronda mais ao reformismo operário clássico, é o surgimento do Die Linke na Alemanha, sobre o qual iremos tratar mais adiante.

5. Os novos fenómenos políticos

5.1 A desigualdade entre a luta económica e política

Esta situação de aguda reação começou a se reverter em 1995 com a greve dos trabalhadores públicos franceses contra o plano Juppé. Esta ação voltava a colocar em cena a classe operária com seus métodos de luta e inaugurava uma resistência renovada à ofensiva patronal (greve de UPS nos Estados Unidos em 1997, “guerras operárias” na Coréia do Sul em 1996, etc.).

Na América Latina, em meados da década de 1990 irromperam na cena os camponeses, os povos originários (levantamento zapatista em 1 de janeiro de 1994, as ocupações de fazendas do MST brasileiro, etc.). Na Argentina surgiu em 1996 o movimento de desempregados com um novo método de luta, os piquetes e cortes de ruas que logo se generalizaram às lutas de outros setores sociais, incluindo a classe operária. Este movimento de trabalhadores desempregados se conformou como um movimento político-reivindicativo, organizado por distintas correntes (e onde setores da esquerda como o PO concentrou sua construção nestes anos).

Em 1999 veio à tona em Seattle o chamado “movimento anti-globalização” que marcou o despertar político de milhões de jovens em todo o mundo e que, em alguns países de maneira indireta e em outros como a Itália diretamente, influiu sobre o movimento operário, sobretudo em suas camadas mais jovens de trabalhadores recentemente incorporados à força de trabalho já em condições de precarização e flexibilização.

Este movimento muito extenso numericamente, mas com pouca profundidade social e sem se ancorar em nenhum setor social significativo, seja a classe operária ou o movimento estudantil, teve majoritariamente uma ideologia reformista de “humanizar o capitalismo” que se expressou através de distintos movimentos como ATTAC, partidos como o PT do Brasil e na orientação predominante dos Fóruns Sociais. Também tinha uma ala esquerda “anti-capitalista” com métodos mais radicalizados no enfrentamento com as forças de segurança, mas que era minoritária. Este movimento se transformou a partir de 2003 em um movimento contra a guerra imperialista no Iraque, aumentando sua massividade.

Na América latina se aprofundou a tendência à ação direta e os governos que tinham sido agentes da ofensiva neoliberal caíram por mobilizações populares, levantamentos ou jornadas revolucionárias como as da Argentina em dezembro de 2001. Na Bolívia se abriu um processo mais profundo, que levou a queda de Sánchez de Losada e à ascensão do governo de frente popular de Evo Morales.

Em 2006 no México surgiu a “comuna de Oaxaca” que enfrentou o governador do PRI Ulises Ruiz Ortega, que deu lugar ao processo de organização da Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO) sobre a base da seção XXII da CNTE (a coordenação docente), ainda que sua direção conciliadora levou a luta à derrota.

Estes processos deixaram escancaradas a crise política dos partidos burgueses e um questionamento muito importante à autoridade estatal, que em países como a Argentina aonde se combinou com um crack da economia, impulsionou a ação direta e a queda do governo de De La Rua. Isto nos levou a retomar o conceito de Gramsci de “crise orgânica” para explicar esta crise da hegemonia burguesa.

Mas apesar da radicalização em alguns casos das ações, estes levantamentos não chegaram a se transformar em revoluções que apontassem uma situação de duplo poder ou quebrem o poder estatal e foram desviadas pelos mecanismos tradicionais democrático burgueses. Nossa corrente as definiu como “jornadas revolucionarias” para demarcar de vez que eram processos qualitativamente distintos das lutas parciais, e os limites que tinham as forças sociais que as protagonizaram ’ essencialmente as classes médias urbanas, os desempregados e a juventude ’ enquanto que os trabalhadores participaram não enquanto classe, mas diluídos dentro do movimento geral, com exceção de um setor de vanguarda que na Argentina deu lugar ao processo de ocupação de fábricas.

Durante o último ciclo de crescimento económico, as fileiras da classe operária têm se fortalecido socialmente com a incorporação de milhões de novos trabalhadores e no terreno da luta reivindicatória e da organização sindical. Esta recomposição tende a cristalizar-se em novas organizações ou instituições da vanguarda operária, por exemplo na Argentina, que se expressa no surgimento de corpos de delegados, comissões internas, delegados anti-burocráticos, que de conjunto conformam uma esquerda sindical com importante influência na vanguarda operária e nas lutas atuais. Na Bolívia, o proletariado que quase não teve nenhum papel nos processos de 2003 tem se recomposto, o que se manifesta nas lutas sindicais e na criação de novos sindicatos.

Entretanto, política e ideologicamente ainda pesa o neoliberalismo. As velhas organizações reformistas em crise não foram superadas pela esquerda, tão pouco tem se desenvolvido tendências à independência de classe de setores significativos da classe operária, menos ainda ao marxismo. Isto ficou em evidência nas últimas eleições na Itália, onde o Refundación Comunista, após ter sido parte do governo anti-popular de Prodi, perdeu sua força eleitoral, e passou de presidir a câmara de deputados a ser, pela primeira vez em sua história, uma força extra-parlamentar. A outra cara deste fenómeno político é o fortalecimento da racista Liga Norte que fez sua melhor eleição com cerca de 30% dos votos.

Um fenómeno similar se dá na Grã Bretanha, onde os resultados eleitorais adversos aprofundaram a crise do Respect e do SWP.

Temos denominado de “restauração burguesa” a esta situação na qual parece não haver desafios à vista à hegemonia política das classes dominantes, em analogia com a restauração da monarquia dos Bourbon depois da revolução de 1815.

5.2 Die Linke. Um novo reformismo operário

Os companheiros da Alemanha apresentaram um documento para discutir com precisão este ponto, aqui somente nos referiremos para dar conta de um fenómeno político novo dos últimos anos.

Comparado com a Grã Bretanha, França e Itália, a dinâmica de um setor do SPD ligado à burocracia sindical que rompeu frente o giro à direita de seu partido e fundou um novo partido que pretende recuperar o reformismo clássico da social-democracia, um reformismo com base operária e programa burguês, aparece como uma exceção [12] e teríamos que discutir se está antecipando um fenómeno mais amplo da classe operária européia.

A diferencia dos agrupamentos “anti-capitalistas” amplos impulsionados essencialmente por correntes de origem trotskistas, e em sua maior parte com pouca ou nula incidência operária, a constituição de Die Linke em meados de 2007, produto da fusão entre o ex-PDS (stalinista) com peso na região oriental e o WASG (fundado por setores da burocracia sindical que romperam em 2005 com o SPD), expressa um fenómeno com peso orgânico no movimento operário [13], ainda que minoritário e essencialmente eleitoral. Sua figura mais conhecida é Oskar Lafontaine, dirigente de referência com a ala esquerda da social-democracia, e sua fundação coincide com um ressurgir da luta de classes. Die Linke é produto em primeiro lugar, do escandaloso giro à direita do SPD que sob o governo de Schröeder avançou com uma agenda anti-operária e que posteriormente se integrou à coalizão de governo com o CDU. Isto gerou uma importante crise dentro do SPD e uma desafeição de sua base operária [14].

Este ataque chegava a setores da aristocracia operária e da própria burocracia sindical que via cair à quantidade de filiados aos grêmios (em um ritmo de uma perda de 5% anual). Isto os fez decidir fundar um partido à esquerda do SPD. Na situação alemã atual, onde há crescimento económico, mas tem piorado a situação dos trabalhadores, este partido ganhou rapidamente apoio na classe operária e também em setores da juventude, por sua posição contra a permanência das tropas alemães no Afeganistão e contra o tratado constitucional da UE.

Em somente um ano, Die Linke se transformou na terceira força política nacional e a primeira no Leste, deixando aos Verdes e os Liberais, os sócios tradicionais das coalizões governamentais do SPD e do CDU, o quarto e quinto lugar. Está em 10 de 16 governos regionais e divide com o SPD o governo de Berlim. Segundo as últimas pesquisas, obtinham entre 12% e 14% dos votos nas próximas eleições de 2009. O objetivo de Lafontaine é esperar que se imponha a ala esquerda do SPD e tratar de formar parte da coalizão do governo de 2009. Neste sentido, seria uma política similar a da Refundación Comunista que havia se transformado em referência da “esquerda anti-capitalista” após as mobilizações de Gênova e do Fórum Social de Florência, mas pouco depois entrou no governo centro-esquerdista e anti-popular de Romano Prodi e terminou dilapidando seu capital político nas últimas eleições.

Entretanto, este partido é produto do giro à direita da direção majoritária do SPD mais que de um giro à esquerda de seus fundadores e aonde é governo, vota as mesmas políticas anti-operárias que o SPD. Isto é mais que evidente no caso do ex-PDS no governo de Berlim e sua política de buscar “atrair” alterações no Leste da Alemanha aproveitando os baixos salários dos trabalhadores orientais comparados com os ocidentais.

As organizações da esquerda trotskista que participam deste partido, como o grupo ligado ao SWP britânico, têm se adaptado à direção e ao caráter reformista (burguês) deste partido, repetindo a política desastrosa que tiveram as correntes trotskistas em sua prolongada participação dentro do Refundación Comunista.

5.3 Os partidos amplos “anti-capitalistas” e as “frentes anti-neoliberais”

No último número da Revista Estratégia Internacional publicamos uma extensa polêmica com os projetos de construção de “partidos amplos anti-capitalistas” e “frentes anti-neoliberais” impulsionados por organizações que se dizem trotskistas. Esta polêmica estava centrada essencialmente na LCR e em menor medida no RESPECT e no SWP, e partia de assinalar que existe uma relação entre “a hipótese de revolução” de uma organização e o tipo de partido que tenta construir.

Sinteticamente defendemos que nos últimos anos importantes setores da esquerda de origem trotskista buscou responder, pela via da adaptação às condições dadas, à situação gerada pelo ressurgir da luta de classes e de movimentos políticos, mas no marco mais geral da desaparição da perspectiva de revolução, ao menos a curto prazo.

O raciocínio era aproximadamente o seguinte: a revolução não está na ordem do dia, porém têm surgido novos setores que, a sua maneira e com uma importante confusão ideológica, questionam os aspectos mais brutais do neoliberalismo. Isto determinou o surgimento de um espaço à esquerda do reformismo que se transformou em social-imperialismo, que segundo o SWP e a LCR era “radical mas não revolucionário” . Os partidos amplos anti-capitalistas e as frentes anti-neoliberais (como o RESPCT) foram as ferramentas para se construir neste espaço.

Com base na correta afirmação de que as lutas atuais são defensivas, a LCR teorizou sobre a “dialética” entre reforma e revolução segundo a qual se chegaria à revolução por meio da luta conseqüente por reformas [15]. A isto, lhe corresponderia não um programa de transição, mas sim um programa mínimo para que triunfem as lutas em questão.

Estes partidos amplos, não só não defendiam nenhuma delimitação de classe, como mantinham sua ambigüidade na medida em que deixavam em aberto se a estratégia era a reforma ou a revolução. A conseqüência lógica foi adotar um programa mínimo que em essência respondia aos interessas alheios à classe operária.

Alguns destes projetos já tinham entrado em crise ou tinham se disfeito, notavelmente o SSP escocês e a aliança RESPECT que estava em pleno processo de ruptura. Desde que publicamos esse artigo até hoje, em alguns casos essa crise tem se aprofundado: as duas alas nas quais se dividiu o RESPECT obtiveram magros resultados nas últimas eleições na Inglaterra, onde houve um importante giro à direita com a recuperação dos tories. No processo de deserção por membros do RESPECT que obtiveram algum cargo nos governos locais, principalmente os que respondem às organizações da baixa burguesia comercial muçulmana, não cessaram, alguns passaram diretamente ao bando tory. No entanto, a reflexão do SWP sobre as verdadeiras causas desta profunda crise é quase inexistente, e baseando-se no fato real do giro à direita, evitam tirar as conclusões dos resultados de sua política oportunista.

Na Itália, Refundación Comunista, ainda que seja um fenómeno político parecido com o surgimento do Die Linke, que aos “partidos amplos” , era apresentado por esta esquerda partidária dos movimentos comuns entre reformistas e revolucionários, como um exemplo a seguir. Esta reivindicação acrítica de RC entrou em crise com o ingresso no governo de Prodi e sua votação por políticas completamente anti-operárias e reacionárias (como a permanência das tropas italianas no Afeganistão) o que teve um preço altíssimo para RC que pela primeira vez em sua história ficou sem representação parlamentar.

A crise para a vanguarda operária e juvenil é que o rápido desprestigio de RC por sua colaboração com um governo de “centro-esquerda” não foi superado pela esquerda, e ainda que algumas correntes trotskistas que durante anos estiveram dentro de RC conseguiram extrair 1% dos votos, são essencialmente grupos que têm capitalizado uma situação eleitoral, mas que têm uma militância muito reduzida e uma influencia nula entre os trabalhadores.

No caso da LCR o projeto do “Novo partido anti-capitalista” se dá no marco de uma crise profunda do OS e de uma crise ainda mais importante do PCF, que tem deixado relativamente vaga a oposição ao governo direitista de Sarkozy. Entretanto, não está claro qual vai ser finalmente a composição do NPA, mas pelo desenvolvimento até agora, parecia estar apontando para um tipo de LCR ampliada a uma periferia de ex-militantes da LCR, militantes do ATTAC, sindicalistas da CGT ou de SUD, membros dos coletivos anti-liberais, ou seja, essencialmente setores da velha vanguarda política ou sindical que não compartilha o objetivo de fazer uma revolução, e a qual a LCR busca adaptar-se rebaixando seu programa ao “anti-capitalismo” , ainda que molecularmente também pode arrastar a alguns indivíduos de esquerda. O que sim é um fato, que faz da França um lugar distinto ao resto da Europa, é o fortalecimento da figura de Besancenot como político da extrema esquerda, em parte também impulsionado pelo regime, que já preocupa o PS. Este espaço político que hoje capitaliza, Besancenot pode manter-se ou não segundo a evolução do PS e de sua política, se termina impondo-se no próximo congresso deste partido uma linha social liberal (Royal planeja abandonar a aliança com o PCF e os Verdes e avançar a uma aliança com Bayrou) e a política da ala esquerda do PS.

Também está por ver se esta influência se limita a uma figura eleitoral (ao estilo do que era Zamora para o MAS) aprofundando a crise que vem manifestando a LCR pela enorme disparidade entre seu espaço eleitoral e sua capacidade de organizar-lo em um projeto político. Para o marxismo revolucionário esta é uma importante oportunidade para tentar criar uma ala esquerda deste partido, ganhando aos melhores elementos para uma estratégia verdadeiramente revolucionaria. Nesse sentido estamos intervindo junto com os companheiros do CRI (os companheiros apresentarão um documento específico para a discussão e um informe oral na conferência)

A seu modo, no Brasil surgiu há alguns anos o PSOL, uma frente de distintas tendências que atuavam no seio do PT e rompenram frente a direitização da política do primeiro governo de Lula. Este partido é essencialmente um bloco de intervenção eleitoral construído a partir do importante peso conquistado por sua principal referência, Heloísa Helena, que obteve 6 milhões de votos nas últimas eleições presidenciais. É uma organização vazia de militância, onde se encontra vários parlamentares arrivistas e com uma política claramente de conciliação de classes, que não permite desenvolver um trabalho revolucionário em seu seio.

6. As vias para a recomposição de uma subjetividade operária revolucionária.

6.1 A reação ideológica contra o marxismo

Trotsky dizia que as épocas de reação “não só debilitam e desintegram a classe operária separando-a de sua vanguarda, senão também rebaixam o nível ideológico geral do movimento, trazendo para trás o pensamento político, até etapas já superadas há muito tempo” . Se observamos o panorama da esquerda marxista e das correntes ideológicas que emergiram dos fenómenos dos últimos anos, como o movimento anti-globalização e o movimento anti-guerra, essas palavras têm uma atualidade impressionante.

O neoliberalismo criou um novo “imaginário” do qual desapareceu a revolução social. Esse sens comum concebe que as revolução não só seriam utópicas, senão sobretudo algo totalmente execrável, o caminho mais rápido para o totalitarismo e a espoliação do esforço social coletivo por uma burocracia parasita. Justificam esse discurso reacionário com a experiência da stalinização da URSS, diante da qual resaltam as virtudes da democracia burguesa como

Este paradigma ideológico, baseado no individualismo, na exaltação do mercado e na destruição das identidades de classe, têm tocado muito fundo as últimas gerações de trabalhadores e jovens que nunca viram uma revolução e que a realidade parece confirmar-lhes que não há alternativa possível ou desejável ao capitalismo.

Este “espírito de época” foi abonado desde o meio acadêmico por um ataque em regra contra o marxismo. Desde o pós-modernismo até o pós-marxismo, os intelectuais transformaram o retrocesso do movimento operário em uma nova ideologia social e política da resignação ante um capitalismo invencível. Ao mesmo tempo, deram fundamentos desde distintas referências teóricas e disciplinas à propaganda burguesa de que a revolução social inevitavelmente conduz ao totalitarismo.

Essa situação reacionária desde o ponto de vista ideológico, levou ao surgimento de um tipo de “neobernsteinianismo” . Mas enquanto o revisionismo de Bernstein surgiu em um momento de auge capitalista , no qual o movimento operário alemão conseguia importantes conquistas materiais e aumentava seu peso na política parlamentar, os “revisionistas” atuais desenvolvem suas teorias não no momento do crescimento orgânico do capitalismo, mas sim de seu declínio. Seu “reformismo” não expressa a confiança que a classe operária possa conseguir “avanços graduais” , mas sim a resignação, produto do cetisismo histórico reinante, fundamentado nos retrocessos dos últimos anos e a burocratização da URSS.

Essas correntes de pensamento compartilham um “paradigma democrático” segundo o qual, oúnico legítimo e “politicamente correto” ao que se pode aspirar é a algum resquício de liberdade individual e de realização de identidades sociais (de gênero, etc.). A grande maioria opta por nem sequer referir-se às condições económicas e sociais e menos ainda a pór a prova suas teorias. (ver ponto 6.3)

Se as derrotas dos anos anteriores à segunda guerra tinham empurrado, como diz Trotsky, às direções operárias “oficiais” a um conservadorismo ainda maior e aos revolucionários pequeno-burgueses a desertar as fileiras do marxismo, na situação aberta nos anos do neoliberalismo, isso se deu de uma maneira sem precedentes.

A degradação da experiência da revolução russa como “modelo” da revolução operária, também fez efeito nas fileiras da esquerda marxista.
Por exemplo, a LCR considera dada a desaparição da União Soviética houve uma mudança de época, ou seja, que a época aberta com a revolução russa de 1917 se fechou e que hoje uma organização revolucionária não pode ter como referência a revolução de outubro.
No caso da LCR, isso vem acompanhado de um balanço mais radical sobre a relação entre a nacionalização dos meios de produção na ex-URSS e o surgimento e a consolidação da burocracia stalinista, o que os fez dar um giro, que muitos comparam com o do euro-comunismo, pelo qual renunciam ao objetivo estratégico do poder do proletariado em troca da “democracia até o final” .

No terreno político, isso se manifestou na participação da seção brasileira do Secretariado Unificado, a DS, primeiro na suposta “intendência vermelha” de Porto Alegre, e depois diretamente com um ministro no governo capitalista de Lula.

A luta no campo teórico-ideológico pelas idéias do marxismo é uma tarefa indispensável nessa época histórica, na qual tem surgido, produto das derrotas acumuladas e da degeneração stalisnista do marxismo, uma sorte de neo-revisionismos que longe de representar uma inovação teórica que permita atualizar e aprofundar o sentido revolucionário do marxismo como guia para a ação, questionam e acabam liquidando suas premissas fundamentais.

Contra aquéllos que se han apresurado a decretar la “muerte del marxismo” , nosotros estamos convencidos que lo que mantienen su vigencia y su actualidad es ante todo la persistencia de las condiciones que le dieron surgimiento, es decir, el capitalismo y sus relaciones sociales de producción, sus contradicciones intrínsecas y la generación de un sujeto social, la clase obrera, capaz de derrocar ese sistema.

6.2 Marxismo e movimento operário

Não é a primeira vez na história do movimento marxista que existe uma grande disparidade de forças entre os núcleos pequenos de revolucionários e setores amplos da vanguarda ou de massas. Na verdade, o trotskismo ao ser produto da derrota que implicou a stalinização da URSS, ficou a margem das grandes massas operárias, dirigidas majoritariamente pelo partido comunista ou a social-democracia. Nos anos 30, quando a luta de classes se fazia mais aguda e haviam se acelerado os tempos de enfrentamento decisivo, Trotsky pensou um conjunto de táticas e políticas de transição que buscavam reduzir essa distância, como por exemplo, o entrismo em organizações centristas de massas ou a tática do partido de trabalhadores. Essas táticas mantinham uma dialética entre o objetivo da construção de um partido revolucionário e o momento concreto da evolução da classe operária até posições revolucionárias. Isso era evidente no caso do projeto da tática de partido de trabalhadores para os Estados Unidos.
A situação atual apresenta importantes diferenças com esse momento histórico. Não há ainda processos agudos de luta de classes que dêem origem a fenómenos políticos similares, que permitam fazer entrismo e confluir com os setores de esquerda de organizações centristas de massas, para o qual devemos estar preparados e ser conscientes que para intervir nesses processos é imprescindível manter a clareza estratégica para não degenerar nem se adaptar a essas organizações.
Como dissemos antes, o entrismo nas organizações reformistas depois da segunda pós-guerra, sem que ao interior dessas se deram processos de radicalização, e com o abandono progressivo da estratégia revolucionária- levou grupos centristas de origem trotskista a adaptar-se a essas organizações e a permanecer durante anos sem construir as bases para desenvolver fortes partidos marxistas arraigados na classe operária quando mudaram as circunstâncias.
Trotsky dizia que as derrotas políticas levam a uma revisão de valores, e que esta revisão se dá em dois sentidos: aqueles que, atemorizados pela derrota chegam a conclusão de que é melhor não lutar e os que, ao contrário, se enriquecem com a experiência das derrotas, defendem a continuidade do pensamento revolucionário e com base nessa experiência, tentam educar as novas gerações de revolucionários. Inclusive, não podem conservar suas conquistas materiais e políticas, o principal é conservar as posições ideológicas [16].

Na verdade, depois da derrota do último ascenso e o subsequente ataque burguês, ficou claro que a classe operária não contava em suas fileiras com essas organizações que defenderam a continuidade do pensamento revolucionário e tiraram as conclusões das derrotas. Vale como exemplo a corrente morenista, que depois de mais de 30 anos ainda não tem um balanço de sua atuação no ascenso dos 70 na Argentina.

Hoje estamos entrando num período de novas turbulências na economia e na política mundial. É muito provável que a crise em curso leve a novos choques violentos entre as classes. Não devemos esquecer o último momento de recesso na economia mundial, ainda temporalmente limitado, esteve por trás dos levantes na América Latina que levaram à queda de governos anti-populares na Bolívia, Argentina e Equador. A diferença com aqueles momentos é que hoje o movimento operário chega a crise fortalecido socialmente e com maior quantidade de destacamentos que tem passado por experiências de luta e organização nesses anos, ainda quando a maioria dos trabalhadores mantêm nesses momento expectativas nos governos “pós-neoliberais” . Na região, a crise pode assumir duas formas principais: a) uma queda dos preços das matérias primas- cujo crescimento tem um importante componente especulativo-, que apresentaria um agravamento das contradições de classe em toda a região e levaria a uma desestabilização dos regimes e governos que se assentaram a partir a apropriação de rendas extraordinárias; b) uma continuação da alta em um mercado mundial dos alimentos e combustíveis, com pressões inflacionárias tanto nos países exportadores como importadores, questão que pode levar a lutas operárias contra o alto custo de vida e a queda salarial. Frente a essa perspectiva de maior instabilidade política (incluindo crescentes disputas inter-burguesas) e luta de classes, sabemos que serão maiores as oportunidades para por em prática o programa marxista revolucionário e que esse se faça carne nos setores do movimento de massas. Já na crise de 2001-2002 na Argentina vimos como o projeto transicional de ocupação e produção sob controle operário das fábricas fechadas por seus patrões se transformou numa realidade concreta , em particular na experiência de Zanon, permitindo não só o processo de gestão operária como a emergência de um sindicato com programa classista, o SOECN, que é uma referência ineludível para toda a vanguarda operária e popular. Uma experiência na qual o PTS vem cumprindo um papel de suma importância e que mostra que quando se combinam as tendências à radicalização dos trabalhadores com a presença de quadros operários revolucionários, aspectos muito importantes de nosso programa podem tornar-se força material e símbolo de luta para amplas faixas da vanguarda. Hoje o PTS, produto de uma orientação sistemática, conta com uma inserção muito superior entre os trabalhadores do que tinha até então, com delegados e militantes operários em várias das principais fábricas e empresas do país. Essa inserção é chave para poder atuar no amadurecimento político dos setores de vanguarda que recorrentemente se destaca na luta de classes, não só nas vitórias parciais que se obtenham senão também para tratar que as inevitáveis derrotas desmoralizem o conjunto do ativismo, como estamos fazendo com a luta da Mafissa.
Cada uma em seu nível, as organizações da FT têm que preparar-se em sentido similar para confluírem no próximo período com setores da classe operária que se radicalizem em razão da crise.

6.3 Nossas tarefas atuais e sua relação com a estratégia de reconstrução da IV Internacional

Essa situação objetiva e subjetiva nos indica levar adiante as tarefas preparatórias para por em pé partidos revolucionários fortemente arraigados na classe operária que podem influir decisivamente nos momentos de radicalização da luta de classes.
Essas tarefas para o próximo período são de três tipos:

I) Luta teórica e ideológica

A “restauração burguesa que implicou o neoliberalismo reforçada pelo triunfalismo burguês depois da queda da União Soviética, que anunciou o suposto “fim da história” com a extensão da democracia burguesa e os mercados, nos apresentou nesses anos a necessidade de uma dura luta ideológica em defesa dos princípios e dos fundamentos essenciais do marxismo revolucionário, tarefa que continua tendo importância central na atualidade.

Foi tal a situação da reação que inclusive esteve pensada uma dura discussão acerca do potencial revolucionário da classe operária e ainda de sua própria existência. Assim, as distintas variantes do “pós-marxismo” tiveram no ataque ao suposto “essencialismo de classe” do marxismo clássico, um de seus alvos prediletos, apresentando como novidade projetos que na realidade haviam sido adiantados por Bernstein no início do século XX. As teorias sobre o “fim do trabalho” acompanharam a ofensiva neoliberal juntamente com um ataque aos princípios fundamentais do marxismo, como a dialética, a vigência da lei do valor e a tendência do capitalismo às crises catastróficas. Por sua vez, colocando em um mesmo plano o stalinismo e o marxismo revolucionário que o combateu, essas visões atuaram no sentido de desacreditar não só a necessidade de conquistar um estado operário transicional baseado nos orgãos de autodeterminação de massas e a nacionalização dos meios de produção, senão incluindo a mesma necessidade do proletariado de organizar-se politicamente, algo que já está dito no Manifesto Comunista.

Ainda que desde meados da década dos 90, mais precisamente com a derrota do Plano Juppé na França em 1995, começou uma lenta e tortuosa reversão da brutal queda nos níveis de consciência e organização que provocou a capitalização pela direita da derrubada dos regimes stalinistas, a emergência centralmente de outros sujeitos sociais, como o camponeses na América Latina, que marcou primeiros anos de resistência contra o neoliberalismo, foi acompanhada de um reverdecer de distintos tipos de posições que reforçavam a ilusão em que havia que buscar-se “novos sujeitos” , distintos do proletariado, na hora de questionar a ordem vigente.

O surgimento do zapatismo no México, que declarava explicitamente que sua estratégia não era tomar o poder, serviu de inspiração para as tendências autonomistas, que tiveram em Toni Negri e, em menor medida, em John Holloway duas de suas maiores referências. Esse autonomismo que se apresentava como uma variante “de esquerda” das teorias de globalização, gerou a ilusão transitória de que os estados nacionais haviam perdido toda sua importância ou haviam deixado de existir e que agora o mundo era governado por monopólios. A essa ficção de desaparição dos estados, correspondia, na luta de classes, à estratégia do “êxodo” baseada na idéia peregrina de que se podia “construir o comunismo” nos interstícios da sociedade capitalista (pensar global, atuar local, volta a um tipo de anarquismo comunitarista, etc). A influência desse pensamento nas lutas da vanguarda foi muito extensa, desde o movimento anti-globalização até organizações de desempregados na Argentina.

Esse autonomismo já esgotou seu momento de glória e passou de uma estratégia de presão sobre os aparatos reformistas a inttegrar-se aos governos ou parlamentos (e no caso de Negri, a aprovar o projeto neoliberal da UE). Os exemplo mais eloquentes são García Linera na Bolívia, que passou do autonomismo a vice-presidente da nação, ou grupos como os “Desobedientes” italianos que se integraram ao parlamento como deputados da Refundação Comunista e acompanharam a entrada desse partido no bloco governamental com Prodi. Mas isso não quer dizer que superou-se um dos pontos mais persistentes dessas teorias: o rechaço à organização político-partidária e a necessidade da classe operária estar a frente em uma aliança com as classes subarternas para tomar o poder e construir seu próprio estado.

Se em certo sentido, a emergência dessas idéias expressa objetivamente um primeiro momento de recomposição da subjetividade do movimento de massas, seus projetos sintetizados na idéia de “mudar o mundo sem tomar o poder” dão conta de uma profunda resignação à ordem de coisas existente, apesar de ser realizado em ocasiões com linguagem “ultra-esquerdista” . A ficçã de uma hiper-madureza das forças produtivas que fazem possível a construção do “comunismo aqui e agora” é complementar a uma ação minimalista que despreza e condena a ação de pór em prática o programa transicional, a necessidade do objeto estratégico da conquista do poder e a construção de partidos e uma internacional revolucionários. Inclusive suas apelações a “horizontalidade” e sua oposição a luta de partidos constituem um freio ao desenvolvimento dos organismos de democracia direta que surgem no movimento de massas, já que empurram à conciliação com as variantes reformistas em nome da “democracia do consenso” .

Visto de conjunto, o resurgimento de novas idéias utópicas, têm dado renovada atualidade ao terceiro capítulo do Manifesto Comunista, onde Marx e Engels combatiam as correntes do socialismo e comunismo utópicos.

Mais recentemente, a recomposição social da classe operária e o incremento das lutas reivindicatórias, junto com a crise política do movimento operário, têm dado lugar ao resurgimento na vanguarda dos trabalhadores de tendências sindicalistas, que separam a luta sindical da luta política, uma consciência do tipo “economicista” da que falava Lênin em “O que fazer?” . Assim como no caso das posições autonomistas, para os marxistas é de fundamental importância combater entre os operários da vanguarda essa ideologia economicista que é um grande obstáculo para que a classe operária se transforme em “sujeito político” , quer dizer, rompa com o corporativismo da luta sindical e se projete como classe hegemónica tomando as reivindicações do resto dos setores explorados pelo capital.

Ligados aos processos que puseram fim aos governos neoliberais na América Latina, o outro grande fenómeno político-ideológico com o qual vínhamos lidando são as ideologias possibilistas e populistas expressadas no “nacionalismo burguês” de Chávez, ao qual tem capengado grande parte da esquerda marxista mundial, e a frente populista de Evo Morales.

Tanto no plano nacional como internacional, a luta pela defesa e desenvolvimento dos fundamentos teóricos e programáticos do marxismo deve seguir sendo, sem dúvida, um dos eixos de atividade dos distintos grupos da FT. Somo s conscientes que é impossível desenvolver organizações marxistas revolucionárias somente intervindo na luta de classes e que é imprescindível dedicar o esforço de dirigentes e quadros da FT para discutir e intervir nos principais debates do marxismo e da esquerda a nível internacional. Nossa atitude deve ser a oposta a da corrente morenista que usava como justificativa a definição do “trotskismo bárbaro” dos países semicoloniais para se adaptar ao sindicalismo e atraso do movimento operário não marxista.

II) A inserção no movimento operário e la intervenção na luta de classes

Na contramão daqueles que anunciavam o fim do potencial revolucionário da classe operária, a FT vem apresentando a necessidade de conseguir, na medida das possibilidades de cada organização, uma maior composição operária de suas fileiras.
Pensamos que uma maior estruturação operária de nossos grupos deve estar acompanhada de uma participação ativa nos processos de luta de classes que se dêem nos distintos países, assinalando nossa distinção com correntes que, apesar de ter uma importante estruturação sindical, não têm atuado sequer como dirigentes nas lutas sindicais de importância, como é o exemplo do PSTU no Brasil. Vejamos alguns exemplos dessa orientação.

O PTS tem avançado , fundamentalmente desde 2000 até hoje, em uma troca de sua composição social, que era majoritariamente estudantil, conquistando novos dirigentes, quadros e influência no movimento operário, processo que tentaremos aprofundar no próximo período. Não só temos tido protagonismo na grande luta de Zanon e no desenvolvimento do SOENC, como um sindicato classita, mas também temos intervido na grande maioria dos conflitos operários que se tem dado desde 2004 até os dias de hoje, em alguns deles com responsabilidade dirigente (como a ex-Jabón Nacional, Pepsico, Mafissa ou FATE), conjuntamente impulsionando, frequentemente em frente única com outras correntes, diversos abaixo-assinados anti-burocráticos nos sindicatos. No movimento operário industrial, a presença da nossa corrente em seus setores de vanguarda é claramente superior ao resto da esquerda, que está presente preponderantemente em grêmios docentes, estatais e de serviços, onde também nosso partido tem conseguido uma maior inserção.

Na Bolívia, a LOR-CI, apesar de suas limitadas forças militantes, tem participado ativamente do processo de construção de novos sindicatos em El Alto , e tem conseguido importantes relações com um setor dos mineiros de Huanuni, um dos setores estratégico do proletariado boliviano. Os dirigentes da LOR-CI tem participado em várias das difíceis lutas que se tem dado nesse período, ganhando para o trotskismo alguns de seus principais dirigentes.

No Brasil, os militantes da LER-QI são parte da vanguarda de um dos sindicatos mais combativos de São Paulo, o SINTUSP. Enquanto avança em sua inserção em outros setores de trabalhadores (aeroviários, judiciário, docentes, metroviários, automotivos do ABC, etc.), participava ativamente da CONLUTAS, o agrupamento sindical anti-governista dirigido majoritariamente pelo PSTU, alentando a construção em seu seio de uma ala verdadeiramente classista.

Na Venezuela, a fundação recente da LTS contou com a presença de trabalhadores da SIDOR e Sanitários Maracay, duas das lutas mais importantes protagonizadas pelo proletariado venezuelano, além de ter uma política desde o setor dirigido por Chirino, baseada na defesa da independência dos sindicatos frente ao estado e do regime chavista.
Essa orientação de conseguir a maior estruturação possível no movimento operário não implica nenhum “obrerismo” da nossa parte. Pelo contrário, alentamos a construção de frações revolucionárias no sentido do movimento estudantil e buscamos influenciar com nossas idéias revolucionárias setores da intelectualidade. Mas, diferentemente do que ocorria nos 90, acreditamos que a recomposição social e a emergência das lutas reivindicatórias entre os trabalhadores, nos dá a possibilidade de ganhar para o marxismo revolucionário parte do novo ativismo operário que se desenvolve em muitos países. Sem ganhar uma camada de quadros operários e sem uma certa inserção entre os trabalhadores, será impossível capitalizar os futuros processos de radicalização que permitirão a emergência de verdadeiros partidos revolucionários.

III) A luta política dentro da esquerda e a reconstrução da IV Internacional

O terceiro elemento é a luta política no terreno nacional e internacional que desenvolvemos a partir de cada organização que integra nossa corrente, assim como a FT de conjunto. Por isso, a V Conferência da FT-QI votou quatro campanhas políticas internacionais: contra as perseguições aos trabalhadores e trabalhadoras imigrantes, contra a presença das tropas brasileiras, argentinas, uruguaias, chilenas e bolivianas no Haiti, o apoio à luta de Zanon sob controle operário por sua expropriação definitiva e pela reconstrução da IV Internacional a 70 anos de sua fundação. Por sua vez, no documento sobre América Latina precisamos os aspectos que fazem à intervenção política nesse subcontinente, em particular para países como a Bolívia a Venezuela e a Argentina frente à crise dos governos “nacionais e populares” e a ofensiva de setores patronais de direita.

Como parte da luta política, temos que levar em conta para nossa orientação, que estamos localizados nos países que tem uma esquerda trotskista significativa: Argentina, Brasil, Bolívia (onde o trotskismo ainda que esteja numa profunda crise em relação ao peso que teve historicamente segue representando o “espectro” de uma corrente revolucionária) e, devido a nossa recente relação com os companheiros do CRI, na França. Estamos também na Venezuela que, mesmo que militância trotskista não seja tão numerosa, se transformou também em outro dos centros da luta política na esquerda mundial. Internacionalmente, o outro centro importante do trotskismo é a Grã-Bretanha, onde não temos trabalho.

Nos últimos anos, produto das condições objetivas e subjetivas que temos assinalado, não têm surgido alas a esquerda (“centristas progressivas” ) nas principais organizações que se proclamam trotskistas, salvo exceções de pequenos grupos ou indivíduos.
Uma parte das correntes historicamente referenciadas no trotskismo, as mais oportunistas, sustenta distintos projetos de “novas esquerdas” e “partidos amplos” anti-capitalistas, que mencionamos anteriormente. Em alguns casos seu oportunismo tem mostrado a perda de todo o rumo revolucionário, como o apoio dado pelo MST argentino `s patronais agrárias no recente conflito pelas retenções agrícolas.
Diferente dos setores mais oportunistas que tem o projeto de liquidar o trotskismo em outro tipo de formações políticas, o PSTU brasileiro (principal partido da LIT) e o PO (CRCI) defendem formalmente a estratégia da revolução socialista e a reconstrução da IV Internacional, à maneira tradicional do centrismo trotskista, oscilando permanentemente entre o oportunismo político e o sectarismo auto-proclamatório.

Enquanto a LIT mantêm a teoria da “revolução democrática” o que os tem levado a posições programáticas e políticas de capitulação como é o caso de Cuba (já polemizamos com a concepção do PSTU no Claves nº1) e Venezuela onde tem se alienado com a oposição esquálida e o movimento estudantil, que saiu à mobilização com o programa reacionário da oposição contra o governo de Chávez.

O PSTU, seu partido mais importante, oscila entre uma política aparatística de manter o controle da CONLUTAS e o oportunismo político que os têm levado a manter a Frente de Esquerda com o PSOL, que como já criticamos,se apresentou às eleições com um candidato a vice-presidente referenciado com o desenvolvimento burguês e com um programa de acordo com a burguesia “não monopolista” (queda das taxas de juros, etc.) e depois votou a lei do “super-simples” (uma flexibilização trabalhista para as “MPEs” ) o que provocou um êxodo de intelectuais de esquerda do partido comandado por Heloísa Helena.
A outra corrente significativa nesse setor do trotskismo é o CRCI do qual participa o PO argentino. Essa corrente que auto-proclamou a reconstrução da IV Internacional a partir da constituição desse agrupamento no qual confluem só 3 organizações nacionais (o PO, o grupo grego e o PCL italiano) e outros pequenos grupos, está atravessando agora uma crise importante, fruto das diferenças políticas públicas que mantêm o grupo italiano com o resto.

Nossa política para essas correntes “de centro” tem sido apresentar-lhes permanentemente blocos políticos que consideramos, podem constituir pólos progressivos que propagandeie a independência de classe frente o liquidacionismo do resto. Temos proposto distintas campanhas comuns como por exemplo, contra o “ministerialismo” do SU-DS no Brasil; em defesa da independência do movimento operário na Venezuela contra o ingresso de um setor da esquerda no partido de Chávez. Na Argentina, propomos ao PO e outras organizações menores como o MAS, a constituição de um partido revolucionário comum. Em nenhuma dessas políticas temos tido êxito, além das frentes eleitorais circunstanciais que realizamos com o MAS. Temos realizado muitos acordos práticos para impulsionar mobilizações ou listas estudantis e sindicais

No próximo período, enquanto apostamos no fortalecimento de nossas fileiras e nossa inserção e influência no movimento operário, exploraremos todas nossas possibilidades de confluir com setores progressivos do trotskismo ou dar passos parciais que conduzam ao objetivo estratégico de reconstruir a IV Internacional, ainda que saibamos que esse último só será possível com a reemergência de um movimento operário que retome as tradições revolucionárias.
Contra aqueles que assinalam que o programa da IV Internacional caducou com a queda do stalinismo, nós acreditamos que um novo movimento operário revolucionário não poderá se desenvolver sem o resgate e atualização da tradição que manteve viva a luta contra a degeneração contra-revolucionária da II e III Internacionais. Apesar da IV Internacional ter se degenerado em um movimento de correntes centristas durante o segundo pós-guerra, seu programa e sua estratégia, enriquecidos pela experiência do século XX e as novas experiências da classe operária, continua sendo a expressão do marxismo revolucionário, e não foi superado por nenhum programa ou movimento. Por isso, nossa estratégia não é a construção de uma nova internacional, no sentido que propõe certas organizações trotskistas (como uma V internacional), na qual confluam ex-stalinistas, anarquistas, etc e os trotskistas sejamos uma minoria, mas a reconstrução da IV Internacional revolucionária da IV Internacional, cuja concretização, em última instância, dependerá do surgimento de um movimento operário revolucionário. Com o objetivo estratégico de por em pé um partido mundial da revolução social, a IV Internacional reconstruída, é que a FT e as organizações que a compõe participam de todo passo prático que a classe operária dá até sua independência de classe.

[1Um exemplo disso é a derrota da greve dos trabalhadores automotivos de American Axle de Michigan e Nova Iorque. Essa greve durou três meses, (uma das mais prolongadas na industria automotiva das últimas décadas), foi desgastada pela burocracia do sindicato (UAW) que finalmente conseguiu impor seu plano negociado com a patronal que implica na perda de mais da metade dos postos de trabalho (a liquidação de postos de trabalho na indústria automotiva é um processo que vem desde os 90, só em Detroit perderam-se em torno de 145.000, a metade do total nos últimos 9 anos) e a diminuição dos salários de 28 dólares/hora para 18 dólares/hora, além da perda de benefícios sociais. Segundo os executivos da empresa, o acordo negociado com o sindicato representará uma diminuição de 50% nos custos trabalhistas.

[2Em uma entrevista recente, Olivier Besancenot dizia: “Desde um ponto de vista marxista, nunca houve tantos explorados, gente que venda sua força de trabalho intelectual ou manual. De um lado, nunca fomos tão numerosos como nessa fase da história do capitalismo em ter que vender nossa força de trabalho para viver mas, por outro lado, nunca houve um sentimento de classe tão débil. Quantitativamente, há cada vez mais explorados e, qualitativamente, somos cada vez menos numerosos os que tem consciência da exploração.”

[3Segundo Nahuel Moreno, a mobilização ou o ascenso das massas dos países do Leste, (referia-se à Polónia, mas depois a LIT estendeu para os demais ex-estados operários) nunca poderia levar a restauração capitalista. Como assinala E. Palti em seu livro “Verdades e saberes do marxismo” , a visão de Moreno era que todo avanço da classe operária era objetivamente um avanço da revolução socialista. Nossa corrente fez um processo de ruptura com essa visão, sobretudo reelaborando nossa visão dos processos de 1989-91 e a interpretação da queda do stalinismo. Na verdade, a corrente morenista havia dividido a revolução política em uma etapa democrática (de “fevereiro” ) que segundo esta corrente foi triunfante, a qual deveria se seguir o “outubro” . O paradoxo ao qual chegaram é que uma “revolução triunfante” levou a uma derrota histórica, a desaparição dos ex-estados operários que mesmo que burocratizados, continuavam sendo posições conquistadas da classe operária internacional, e à restauração do capitalismo. Diante disso, a LIT tem ensaiado uma nova explicação para sustentar a concepção de Moreno, segundo a qual, os processos de 1989-91 foram “anticapitalistas” porque a restauração já havia se consumado em 1985-87 (com Gorbachov) e portanto, foram “triunfantes” no entanto frearam os planos de “shock” para a restauração capitalista, como se vê, uma explicação totalmente incoerente.

[4Nesse sentido, voltamos às definições de Lenin d’ O que fazer?, assinalando tanto a relação como a diferença entre classe e partido, entre luta sindical e luta política. Também retomamos a definição de Trotsky sobre o pluripartidarismo soviético (e a própria mecânica do programa de transição como forma de unir as distintas camadas do proletariado), baseada no fato da classe operária ser a mais homogênea das classes dentro da sociedade capitalista, produto da unidade objetiva que confere a condição de exploração, tem uma grande heterogeneidade interna que em parte reflete distintos interesses. Isso tem se agravou com a fragmentação das últimas décadas.

[5O PCF entrou no governo de De Gaulle em 1944 depois da libertação de Paris. Nas eleições de 1945 se transformou na principal orça política obtendo cerca de 25% dos votos, thorez foi vice-primeiro ministro até 1947, ano no qual o PCF foi retirado do governo para permitir o Plano Marshall e marginalizado da possibilidade de ter acesso a cargos no poder burguês. Entre os anos prévios à segunda guerra e o fim da mesma, calcula-se que passou a ter entre 30.000 e 50.000 militantes-filiados. O Partido Comunista Italiano (PCI) teve um papel central no reestabelecimento da ordem burguesa e as “instituições democráticas” à saída da segunda guerra. Sua massividade era ainda maior, segundo o Departamento de Estado norte-americano, na década de 1960 tinha cerca de 1.350.000 filiados-militantes, o que equivalia algo mais de 4% da população em idade laboral. Essa era a relação mais alta entre um partido comunista e a classe operária no mundo ocidental e igualava o PCI com o partido operário reformista mais importante da Europa, o SPD alemão.

[6Ver “A atualidade da análise de Trotsky frente às novas (e velhas) controvérsias sobre a transição ao socialismo” C. Cinatti, Estratégia Internacional Nº 22

[7Ver sínteses do seminário sobre o Programa de Transição realizado em fevereiro de 2008 e coordenado por E. Albamonte e C. Castillo, em La Verdad Obrera 271 y 272.

[8Nahuel Moreno, As revoluções chinesa e indochinesa.

[9Em 1981 o gobierno de Thatcher estava atravessando uma crise muito importante, golpeado por uma coalizão entre o recém- formado SPD (constituido por uma ruptura pela direita de parlamentares do Labour Party) e os liberais da Liberal Alliance.

[10State of Working America 2006-2007.

[11Na década de 1970 distintos partidos comunistas, principalmente na França, Espanha e Italia, deron um giro político que implicava: declarar-se independientes da União Soviética, renunciar formalmente a ditadura do proletariado e considerar que nos países avançados a democracia burguesa era a única forma de superar o capitalismo e que o socialismo ia se alcançar por meio do sufragio universal. Este proceso de social-democratizaçao dos partidos comunistas ficou conhecido como “eurocomunismo” .

[12Na Gran Bretanha o ex-dirigente minero Arthur Scargill tratou de impulcionar um processo similar durante o famoso combate pela derrogação da “cláusula IV” dos estatutos trabalhistas (que se pronunciava pela propiedade comum dos meios de produçao, distribução e cambio e era o que concentrava a “identidade operária” do trabalhismo) contra Tony Blair e o New Labour, no entanto, esse projeto fracassou.

[13Segundo a corrente ligada ao SWP britânico que participa do partido, no momento da fundação tinha cerca de 72.000 filiados (agora seriam mais de 80.000), ainda que o grosso pertencia ao PDS, o setor mais dinâmico quanto a crescimento seria o proveniente do WASG. Em seu congresso de maio passado participaram cerca de 600 delegados. Oskar Lafontaine fez um discurso esquerdista, citando Marx, Engels y Rosa Luxemburgo. Na verdade, há uma disputa dentro do mesmo partido entre uma ala mais moderada e outra, encabeçada por Lafontaine, que considera que a melhor forma de pressionar a social-democracia é através de uma retórica mais “anticapitalista” .

[14O mesmo artigo apresenta que desde o mandato de Schröeder, o SPD perdeu cerca de 180.000 membros, entre 25 e 30% de sua militância.

[15Isso explica claramente o dirigente da LCR, François Sábado: “As trasformações do reformismo em “reformismo sem reformas” nos dá uma responsabilidade histórica maior, isto é, de conduzir a luta pelas reformas até a ruptura com o sistema capitalista, até a transformação revolucionária da sociedade” .

[16Bolchevismo e Stalinismo. Sobre as raízes teóricas da IV Internacional, 1937.

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