Quinta 18 de Abril de 2024

Internacional

CRISE ECONOMICA MUNDIAL

Entre o fantasma de “Lehman” e a negociação

28 Jul 2011   |   comentários

Quando, em 1937, Roosevelt decidiu retirar as medidas de estímulo estatal da econômica norteamericana, os EUA escorregaram e caíram sentados na mesma desgraçada posição na qual estiveram durante os primeiros anos posteriores ao estouro da crise de 1929. Quando, em setembro de 2008, o governo George Bush decidiu cortar a cadeia de resgastes estatais deixando à própria sorte o quarto banco de investimento de Wall Street, Lehman Brothers, desatou a conhecida reação em cadeia de todos os mercados financeiros do mundo e a “globalização” da crise econômica. Um destino semelhante está vivendo hoje a economia mundial, porém, desta vez, em dois cenários simultâneos: Estados Unidos e Europa. A poucos dias da cúpula de Bruxelas aprovar um novo resgate – frente aos temores do quase certo não pagamento das dívidas pela Grécia – fracassou o princípio do acordo Democrata-Republicano para aumentar o teto da dívida pública dos EUA, restabelecendo o pânico nos mercados mundiais e os temores de que um novo “Lehman” poderia estar às portas.

Quando o “impensável” começa a ser pensado

No próximo 2 de agosto vence o prazo para que o Congresso norteamericano autorize o poder executivo a aumentar o tamanho da dívida pública que, com 14,3 trilhões de dólares (100% do PIB), alcançou seu topo. Este trâmite burocrático, que desde a presidência de Reagan tem sido levado à cabo por diversas vezes, adquire um caráter totalmente distinto no contexto da atual situação econômica mundial. Democratas e Republicanos já acordaram que tal aumento deve ser feito em troca de um corte de gastos do Governo Federal de aproximadamente 3 trilhões de dólares que seriam aplicados nos próximos dez anos e aparentemente Obama já teria renunciado a sua pretensão anterior de aumentar os impostos dos ricos. O ponto pelo qual a negociação rachou é que os republicanos querem aproveitar profundamente a atual debilidade do governo e propõem um plano desenhado em duas fases permitindo um aumento temporário do teto da dívida até o fim do ano, obrigando a uma nova negociação no Congresso durante o ano de 2012. O plano republicano amarra o governo de Obama que deveria optar entre um default técnico a partir da semana que vem ou a reprodução em escala superior da crítica situação atual durante o ano das eleições presidenciais. Porém, o problema central é que – além de ser muito provável que seja selado algum tipo de acordo antes de 2 de agosto – “a imagem dos EUA como o grande chefe da economia mundial já sofreu um dano que será difícil de reparar” (El País, 27/07). E só o fato de imaginar que pela primeira vez na história da dívida norteamericana possa perder a qualificação que lhe assegura aos Títulos do Tesouro um “risco zero”, o fato de que um default nos EUA possa ser pensado, é um duro golpe à ideia de que a América do Norte pode endividar-se infinitamente imprimindo dólares e títulos de dívida sem nenhuma contrapartida de valor real. É um duro golpe na ideia de que o Estado nortemaericano e sua moeda podem exercer o papel que outrora exercia o ouro. A única “garantia” dos Títulos do Tesouro é a “fortaleza” de sua economia ao menos a “crença” de que esta fortaleza relativa existe. A queda da qualificação de sua dívida indicaria a diminuição dessa confiança pela qual seus bônus perderiam valor aumentando-se os juros. Muitos investidores institucionais estão obrigados a ter entre seus ativos instrumentos com a máxima qualificação e muitas operações financeiras utilizam estes instrumentos como respaldo. Se a qualificação da dívida norteamericana cai, os investidores devem compensar a perda adquirindo outros instrumentos com a máxima qualificação. É provável que o dinheiro para fazê-lo saia da venda de outros instrumentos, tais como ações, os quais impulsionariam fortes quedas nas bolsas. A perda de qualificação induziria muito provavelmente a China (principal detentora de Títulos do Tesouro, ou seja, principal credor da dívida norteamericana) e Japão a se desfazerem de seus ativos em dólares, mas também, os bancos europeus que durante o primeiro trimestre aumentaram sua participação na dívida estadunidense de 479.600 bilhões de dólares para 752.600 – o que representa aumento de 56% (Banco de Pagamentos Internacionais). Tal como apontava um executivo de Barclays Capital: “Dado que a dívida pública dos EUA tenha quase a condição de padrão ouro para o mercado mundial de títulos, [um rebaixamento de sua qualificação] poderia ser como um terremoto” (El Pais, 27/07). Tal situação traria junto o fim da possibilidade do Estado norteamericano de conter a crise econômica através do endividamento do Estado, assim como vem fazendo desde a quebra do Lehman.

Default grego e a cúpula em Bruxelas

Em 21 de julho, a cúpula do Eurogrupo se reuniu na capital belga a fim de definir um novo plano de “resgate” da Grécia e evitar uma interrupção de pagamentos descontrolada que, se deduzidos, provocaria uma reação em cadeia similar à de “Lehman”. Como resultado da cúpula – de cuja restrita mesa de negociação participou Alemanha, França e o Instituto Internacional de Finanças representando os bancos privados (acredite-se ou não, a Grécia não participou) – na qual tanto Alemanha como o BCE cederam posições, se admitiu pela primeira vez que a Grécia não pode pagar suas dívidas o que significa o reconhecimento de um default parcial, pela primeira vez em décadas, de um país capitalista avançado. O mecanismo de “resgate” recentemente aprovado consiste em outorgar um novo empréstimo de 109 bilhões de euros que só poderá ser utilizado para pagar os vencimentos da dívida. A novidade é que uma parte do montante será fornecido pelos bancos credores que concordaram em aderir a um plano voluntário de troca de títulos com vencimentos até final de 2019 por outros com prazos de até 30 anos. O novo empréstimo contempla um rebaixamento nas taxas de juros e um prazo de vencimento médio de 15 anos. Calcula-se que os bancos credores dariam uns 36 bilhões de euros. O resto do montante seria fornecido pelo FMI, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF), a União Europeia e a própria Grécia que deverá privatizar empresas e outros ativos do Estado (aproximadamente 28 bilhões de euros) além de continuar com o plano de ajuste draconiano em curso, destinado a reduzir o déficit fiscal. Com este mecanismo se reduz a dívida em aproximadamente 21% e se evita que a Grécia tenha que continuar demandando fundos no mercado de capitais. A reestruturação é muito limitada para permitir que a Grécia restabeleça sua capacidade de pagamento, obrigando-a a depender de seus sócios europeus que lhe criam uma espécie de guarda-chuva enquanto garantem a submissão das massas gregas durante pelo menos 30 anos.
O plano avança ainda mais na flexibilização das condições de funcionamento do EFSF permitindo que outorgue créditos preventivos a países em problemas (ainda que não tenham sido “resgatados”) e recapitalize seus bancos. Além disso, o habilita (com a autorização do BCE e sob condições de extrema instabilidade) a comprar títulos no mercado secundário de dívidas. Todas essas medidas estão sendo pensadas para “isolar” a Grécia quebrando a linha de contágio e preparando mecanismos de rápida ativação em caso de risco na Espanha e Itália, países nos quais se define o destino do euro. Porém, o aspecto mais débil de todo o plano é que se outorgam novas atribuições ao EFSF sem recapitalizá-lo, o que torna extremamente duvidoso que possa cumprir todas as metas apresentadas.

Negociações frenéticas e manobras excepcionais

Comenta-se que a apenas duas horas de começar a cúpula do Eurogrupo, se deixou vazar um comunicado com as “resoluções finais” para ver como reagiriam os mercados. Como as bolsas não caíram, seguiram adiante e finalizaram a negociação que já estava definida previamente pela França e Alemanha com a aprovação do BCE. Frente aos temores de um cenário pior, a resposta imediata foi uma alta de todas as bolsas. Tudo parecia indicar um cenário de calmaria, mas muito temporário. Contudo, a ruptura do acordo entre Democratas e Republicanos nos EUA deixou bastante tensa a situação e, ainda que o mais provável seja que cheguem a algum tipo de negociação, continua a ameaça sobre a dívida norteamericana, questão que se soma às debilidades do acordo alcançado pelo Eurogrupo. Ambos os fatos geram um clima que prima as “espremidas” e a negociação com um pano de fundo de alto risco que se utiliza buscando negociar em melhores condições. Tanto EUA como o Eurogrupo estão atuando de maneira extremamente pragmática, encurralados entre o cenário de um novo Lehman e outro que consiste em jogar a crise pra frente e ganhar tempo. O teatro excepcional de manobras, negociações políticas e com os mercados (que só pode desenvolver-se mediante o método de tentativa e erro) mostra que assim como a burguesia aprendeu com os anos 30, também aprendeu com a quebra do Lehman e que em todo caso está tentando que algum tipo de destruição de ativos (necessária) se produza a conta gotas e de forma não explosiva. O cenário de um novo “Lehman” não está descartado num clima de extrema tensão no qual toda a negociação pode fugir do controle. O que é certo é que – além dos tempos e formas exatos com os quais a crise vai se desenvolver (que mesmo sendo mundial está muito distante de ser um processo linear e homogêneo) e muito além dos “bons presságios” dos que se apressam em dar por terminada – nos anos de 2007 e 2008 começou um processo estrutural profundo, o mais grave desde a década de 30, do qual não é possível sair com medidas evolutivas e pacíficas e que vai exigir ataques aos trabalhadores e às massas populares, luta de classes e conflitos entre e no interior dos Estados, muito mais violentos do que temos visto até agora.

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