Sexta 19 de Abril de 2024

Economia

CRISE CAPITALISTA MUNDIAL

Uma votação que é incapaz de fazer recuar a crise da economia

11 Aug 2011   |   comentários

O último movimento do Congresso norte-americano foi o atestado eloqüente de uma potência em decadência histórica, e que em condições de instabilidade crítica, trará fortes convulsões para a Europa e o mundo. Apesar da aprovação na Câmara dos Representantes por 269 votos a favor (174 republicanos e 95 democratas) e 161 contrários (66 republicanos e 95 democratas) do acordo que prevê o aumento do teto da dívida dos EUA – e o prolongamento de seu endividamento – evitando a declaração do default, não se pôde conter uma crise no pacto bipartidário que feriu seriamente a imagem dos dois partidos, Democratas e Republicanos, danou a liderança de Barack Obama e prejudicou o prestígio que gozavam os EUA de uma maneira difícil de reparar.

Apesar da votação ter liberado imediatamente US$ 400 bilhões de dólares para Obama pagar as contas imediatas, evitando o que diversos analistas classificam como um grande desastre para a economia dos EUA e mundial, não resolveu nenhuma das disputas mais importantes, e simplesmente postergou a crise.

O compromisso contempla cortes de gastos públicos em uma década de um total de US$2,4 trilhões em duas etapas, e uma extensão da dívida na mesma quantidade e nos mesmos prazos. De imediato se reduzem mais de US$900 bilhões, sem incluir gasto social, elevando-se correspondentemente o teto da dívida para que o país pague suas faturas até o final do ano.

Contradições inescapáveis para os partidos no coração da crise econômica mundial

Ao mesmo tempo em que se aprova a liquidez conjuntural dos EUA, criou-se uma comissão parlamentar bipartidária que terá plenos poderes para cortar outros US$1,5 trilhão de gastos do orçamento público. Se o Congresso – encarregado de aprovar sem emendas o corte – rechaçar a aplicação desse corte adicional, o que prejudicaria a posição de Obama frente à contração de dívidas até o ano que vem, o próprio corte será “tesourado”, passando automaticamente ao valor de US$1,2 trilhão. Mas, como ameaça aos Republicanos no caso de deixarem essa “casa de loucos” chegar a tal ponto, os cortes seriam divididos entre gastos sociais e em Defesa.

Todos os dirigentes partidários e líderes parlamentares saíram debilitados. Embora o presidente da Câmara dos Representantes e líder dos Republicanos, John Boehner, tivesse manifestado “que não há nada neste acordo que se oponha a nossos princípios,” não conseguiu assim acalmar a dissidência do Tea Party, que teve 66 de seus membros em oposição ao acordo (ainda prevendo a ameaça de deixar Obama com a mão livre para reduzir gastos com a Defesa).

É importante definir que a crise no acordo da dívida não se localizava numa disputa concreta sobre evitar ou não a suspensão de pagamentos. Visando o cenário eleitoral de 2012, o roteiro dessa crise se baseava numa demonstração de forças entre os dois partidos, e para os republicanos, a aprovação da elevação do endividamento tinha de dar origem a uma nova relação de forças, favorável a si, a partir dos danos que poderiam causar aos democratas frente à opinião pública e aos mercados.
A limpeza do estúdio em que se encenou a crise traz mensagens importantes: ao contrário do que propagava em sua maneira de colocar as condições da elevação do endividamento, ainda no mês passado, Obama renunciou à resolução de aumentar os impostos às rendas mais altas, e se curvou à exigência dos Republicanos de que o corte do déficit passasse exclusivamente pela redução dos gastos sociais. Distintos porta-vozes da chamada “esquerda” democrata pediram a Obama que não negociasse cortes com os republicanos, que pisoteasse o Congresso e utilizasse mecanismos constitucionais para elevar o teto da dívida à revelia deste, mas nada que colocasse Obama fora do “espírito bipartidário” da conciliação imperialista. Isso fez com que essa “esquerda”, que está tão tranquilamente convencida da necessidade de fazer os trabalhadores pagarem com suor e sangue o rombo especulativo e a crise econômica como o mais ortodoxo dos funcionários de Wall Street, rompesse definitivamente com Obama, o que já leva a que não seja impensável a apresentação de uma candidatura alternativa à de Obama nas próximas eleições.

Rupturas do equilíbrio político no tabuleiro das operações imperialistas

O êxito dos Republicanos em vincular a aprovação das medidas que evitam a suspensão de pagamentos do país a algum acordo sobre as condições de redução do déficit orçamentário mediante o corte em gastos sociais, fez com que, pela primeira vez na história, os títulos da dívida norte-americana perdessem a qualificação de “risco zero”. O rebaixamento da nota dos títulos da dívida norte-americana (de AAA para AA+) detonou uma descarga elétrica pela economia mundial. Tanto assim, que líderes das potências européias começaram a se mobilizar para evitar o risco de ver a nota de seus dividendos rebaixados em cadeia. O mesmo gerou protestos da China – maior credor dos EUA – acerca do “vício de dívida”. Com o rebaixamento, o dólar deverá perder valor nos mercados em relação ao ouro e outras moedas fortes, gerando maiores tensões para novas rodadas de guerra cambial. Com isso, será necessário maior quantidade de dólares para a compra de mercadorias, e abrem-se as portas para a tendência de que as commodities (petróleo e alimentos) aumentem de preço, pois são em geral fixadas em dólar (ainda que, fruto das expectativas de recessão, o preço nominal das commodities possa cair, como é o que ocorre agora, apresentando o cenário combinado de recessão mais deflação). Há que ver qual cenário ganha predomínio a partir das respostas do mercado e dos Bancos Centrais.

A queda da qualificação de sua dívida significa, no mercado especulativo, a queda de confiança na segurança dos papéis do governo e a insustentabilidade técnica de sua dívida. Isso afeta diretamente os países da zona do euro, cujos principais bancos elevaram a posse de dívida norte-americana, só no último trimestre, de 479 bilhões a 752 bilhões de dólares1, aumentando conseqüentemente sua dependência em relação aos ativos nessa moeda. O resultado, já em curso mesmo com a decisão da Câmara, é o aprofundamento da crise do euro.

De maio de 2010 ao mesmo período deste ano, o Brasil aumentou em 30,9% a obtenção de títulos dos EUA. Dos US$ 340 bilhões de reservas internacionais, o país tem US$ 211,4 bilhões (cerca de R$ 333 bilhões) em dívidas dos EUA. A China aumentou em 33,6% sua compra de papéis do governo americano, e mantém-se como principal credor norte-americano – acumula US$ 1,16 trilhão, mais de um terço de suas reservas internacionais.

Os efeitos da decisão da Câmara estadunidense tiveram repercussões profundas em toda a economia mundial; repercussões recessivas. A resolução do último Conselho Europeu em Bruxelas, que anunciou uma redução da carga da dívida da Grécia em tímidos 21% - em troca de manter todos os ataques draconianos aos trabalhadores gregos, acelerando o processo de privatizações e de extinções de cargos públicos – operou uma reestruturação demasiado limitada para restabelecer a capacidade de pagamento do país heleno, colocando a classe operária e o povo pobre do país à mercê dos abutres alemães e franceses. Nem a dotação do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira da capacidade de comprar dívida dos países com problemas – mecanismo que transfere o ônus dos bancos privados para as costas dos trabalhadores – foi capaz de restaurar a confiança dos especuladores nas respostas de sua própria classe, cujo resultado foi o vislumbre de quedas nas bolsas espanholas e italianas.

Para remate dramático, logo após a aprovação do acordo, as principais praças bursáteis no mundo estiveram em queda (de quase 5%) após conhecer-se o dado de desemprego nos EUA que evidencia um estancamento na atividade do mercado trabalhista da maior potência mundial. Em Wall Street, índices como Dow Jones perdeu 5,55% (a maior queda desde 2008), o S&P 500 6,66% e o Nasdaq 6,90% (El País, 9/8). Na Europa, Madrid perdeu 3,8%, Frankfurt 3,4%, Paris 3,9%, Londres 3,4%, Milão 5,2%, Suíça 3,7% y Atenas 1,3%. O Ibovespa caiu quase 10% a 8/8, ameaçando fechar temporariamente. Segundo dados da Oficina de Análise Econômica, de julho, no segundo trimestre de 2011 o PIB norte-americano cresceu a uma taxa anualizada de 1,3%, enquanto os dados revisados do primeiro semestre mostram que cresceu apenas 0,4%, com anúncios de grandes demissões nas maiores multinacionais no país, como Cisco, Bank of America e HSBC.

A frente de batalha mais difícil se encontra na própria economia

A crise da economia norte-americana acelera os tempos de resposta da burguesia mundial à sua crise e o desenvolvimento da luta de classes. A debilidade da grande potência econômica mundial resulta na falência de órgãos nos países periféricos, inclusive os de capitalismo avançado, como a Grécia. A incapacidade de absorver o produto excedente de países dependentes como a China abre a possibilidade de que esta deixe de atuar enquanto contra-tendência dinâmica numa economia mundial extremamente debilitada, uma vez que o crescimento chinês foi alentado pelos planos de estímulo oriundos dos primeiros capítulos da crise, e não pode continuar crescendo na mesma medida que nos anos recentes sem ter ao lado um monstro que absorva suas exportações, como foi os EUA. A recuperação da economia norte-americana não só foi mais débil do que se previa, como se deteve – o consumo caiu 0,2% e a atividade fabril se encontra “apenas acima dos níveis de recessão” (The Washington Post, 3/8). Com o espectro de que o estancamento econômico seja permanente e ameace recessão, as últimas intervenções do presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, abrem a possibilidade de uma terceira rodada de estímulos monetários, o QE3, se acalmada a inflação interna, mas que exportaria inflação a todo mundo, afetando economias que já dão sinais inflacionários como Argentina, Brasil, China, Índia.

Um trâmite burocrático tão regular quanto a votação da elevação do teto da dívida soberana – algo feito dezenas de vezes desde a gestão de Reagan – se converteu num escarcéu nos círculos especulativos internacionais e nas Bolsas. A questão é que esta aprovação no Congresso não resolve nem em uma polegada os problemas do alto índice de desemprego no país (quase 10%) nem a continuação dos ataques aos direitos dos trabalhadores; pelo contrário, mostra não tanto como a extrema-direita norte-americana pode paralisar as instituições deliberativas e os trâmites do governo, mas como as distintas variantes burguesas no governo só têm ataques e mais exploração a oferecer à população, tendo Obama à cabeça.

A peculiaridade dos tempos é tamanha que enche o momento com um embaraço de podridão, digna de uma democracia dos escravistas capitalistas: descobriu-se que num prazo de pouco mais de dois anos e meio, entre dezembro de 2007 e julho de 2010, o Federal Reserve (Banco Central dos EUA) outorgou empréstimos secretos a grandes corporações e empresas do setor financeiro pelo valor de 16 trilhões de dólares, uma cifra maior que o PIB dos EUA e mais elevada que a soma dos orçamentos do governo federal dos últimos quatro anos. Não só isto: a auditoria da Oficina Governamental de Prestação de Contas (que investiga o Fed pela primeira vez desde que foi criado, em 1913) revelou também que 659 milhões de dólares foram perdoados a algumas instituições financeiras beneficiadas arbitrariamente durante o primeiro capítulo da crise, para que administrassem o resgate multimilionário dos bancos e corporações com problemas2. Desse total, três trilhões de dólares foram destinados a socorrer grandes empresas e entidades financeiras na Europa e na Ásia, o restante sendo orientado ao resgate de corporações estadunidenses, encabeçadas pelo Citibank, Morgan Stanley, Merrill Lynch e o Bank of America.

Enquanto sangram as arcas públicas para resgatar os bancos privados na fase da crise das dívidas soberanas da crise econômica mundial, os trabalhadores perdem suas já tímidas conquistas nos campos da saúde e educação, com a redução dos gastos públicos, e a obstrução de seus direitos de organização política e sindical, como evidenciaram as manifestações dos funcionários públicos de Wisconsin em fevereiro deste ano.

O caráter de classe das respostas do capital financeiro e das grandes potências imperialistas não podia ser mais evidente, e precisa usar os ossos dos trabalhadores como escadaria para redenção. Ambos os partidos agem nos bastidores para que sejam os trabalhadores e os setores mais vulneráveis e que dependem cada vez mais da ajuda estatal que sigam pagando com maior austeridade a crise capitalista. A maneira como a crise norte-americana desabilita as saídas de contenção e cooptação mostra que o processo estrutural profundo colocado em curso não seguirá por vias pacíficas e evolutivas, e os países mais agravados pela crise já começam a atuar como laboratórios de ataques aos trabalhadores e de contenção repressiva, como na Grécia e na Espanha. A luta de classes terá de compor as próximas linhas mais importantes da crise.

1- Ver Paula Bach, “Entre o fantasma de “Lehman” e a negociação”, http://www.ler-qi.org/spip.php?article3010.
2- Ver Atilio Borón, “Una estafa de 16 billones de dólares”, http://www.outroladodanoticia.com.br/inicial/18969-una-estafa-de-16-billones-de-dolares.html

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