Segunda 20 de Maio de 2024

Internacional

Fundamentos da situação latino-americana

07 Oct 2008 | Após alguns anos em que primaram o crescimento econômico e uma relativa estabilização política e social na maioria dos países da região, o começo da crise econômica internacional está modificando rapidamente o panorama que a região enfrenta, o que abre uma conjuntura transitória, indefinida, entre as tendências à desestabilização e os esforços das classes dominantes por contê-las. Dadas as imensas contradições estruturais presentes na região, nem a “prosperidade”, nem os recâmbios políticos “pós-neoliberais” e “nacional-populistas” de “contenção” puderam garantir uma estabilidade duradoura. Agora parece estar iniciando uma nova fase de “turbulências” econômicas e tensões sociais e políticas que, se a burguesia não consegue impor um giro reacionário, possivelmente resulte em um maior desenvolvimento da luta de classes, o que por sua vez exige pensar as hipóteses de uma maior intervenção proletária.   |   comentários

Introdução

Após alguns anos em que primaram o crescimento económico e uma relativa estabilização política e social na maioria dos países da região, o começo da crise económica internacional está modificando rapidamente o panorama que a região enfrenta, o que abre uma conjuntura transitória, indefinida, entre as tendências à desestabilização e os esforços das classes dominantes por contê-las.

Dadas as imensas contradições estruturais presentes na região, nem a “prosperidade” , nem os recâmbios políticos “pós-neoliberais ” e “nacional-populistas” de “contenção” puderam garantir uma estabilidade duradoura. Agora parece estar iniciando uma nova fase de “turbulências” económicas e tensões sociais e políticas que, se a burguesia não consegue impor um giro reacionário, possivelmente resulte em um maior desenvolvimento da luta de classes, o que por sua vez exige pensar as hipóteses de uma maior intervenção proletária.

Elaborar uma caracterização e previsões marxistas corretas frente a um panorama complexo, ressalta a importância do método marxista como “análise concreta de uma realidade concreta” , que busca reter a riqueza do real com suas contradições e possibilidades, e não se conforma com generalizações superficiais. Somente assim pode proporcionar um guia para a ação revolucionária.

Não é este o método de outras correntes da esquerda.

No caso do PO/CRCI, a defesa do “catastrofismo” cria uma visão de que “O capitalismo mundial está sacudido por convulsões que, de maneira constante, quebram todas as relações entre classes e entre Estados, rompendo todos os equilíbrios sociais, políticos e económicos e produzindo re-estabilizações precárias e temporárias” . Na América latina isto significa que “Enquanto a atenção mundial se encontra concentrada nas crises e catástrofes que comovem o Oriente Médio e a à sia Central, no quintal traseiro do imperialismo ianque se desenvolvem acontecimentos de alcance revolucionário. (”¦) A América Latina atravessa, de conjunto, um período pré-revolucionário, cujo progresso produziria uma aceleração da crise política e um novo despertar popular nos Estados Unidos.” E isto está dito em uma Declaração da CRCI não em 2001 ou 2003, mas em meados de 2007, quando a combinação entre prosperidade e desvio por recâmbios governamentais deu um importante respiro às burguesias latino-americanas e suavizou inclusive aqueles processos mais avançados na fase anterior, como na Bolívia e Venezuela.

Por outro lado, excedendo qualquer limite, a LIT-CI/PSTU baseia o “Documento Latino-americano” para seu IX Congresso na alegre “caracterização” de que “continuamos na mesma situação revolucionária continental e mundial” e identifica nada menos do que cinco revoluções entre 2000 e 2005 (Equador, Peru, Argentina, Venezuela e Bolívia), quando se tratou de Jornadas Revolucionárias que não se transformaram, como é evidente, em revoluções abertas. Esta total ausência das categorias marxistas dilui o conceito de revolução para poder manter de pé a teoria morenista da revolução democrática no nível do regime político. Esta pérola se encaixa num esquema de crise objetiva sem saída do capitalismo, um processo de recolonização contínuo em auxílio às “democracias coloniais” no qual atuam uma espécie de frente contra-revolucionária mundial onde as fissuras e contradições interburguesas não tem a menor importância pois “os agentes encarregados dos planos anti-operários e anti-populares serão os governos frente-populistas ou populistas de esquerda” . Isto se traduz, por exemplo, numa política anti-chavista que deixou a LIT apoiando as mobilizações reacionárias dos universitários e votando junto à direita no referendo constitucional. Naturalmente, “novas crises revolucionárias colocarão inevitavelmente a questão do poder” , numa revolução qualquer, com um programa qualquer. A conseqüência deste esquema é um programa com grandes concessões ao nacionalismo ’ como a forma em que é desenvolvida a tese da luta por uma “segunda independência” ’, e uma prática oportunista de pressão sobre as direções reformistas e a burocracia sindical para que “dirijam” essas revoluções que explodem a cada minuto e em todas as partes, proclamada finalmente com a velha proposta oportunista de “quarta internacional com os trotskistas em minoria” .

No centrismo, este tipo de visões não se reduz a enormes erros de análise e caracterização, mas está marcada pela adaptação à democracia burguesa e ao sindicalismo, a serviço de justificar um programa e políticas oportunistas.

Evidentemente, um bom método não garante uma resposta política revolucionária, mas sem dúvida é um melhor ponto de partida para elaborá-la. Nossa corrente tem buscado também nesse terreno recuperar os aportes teórico-metodológicos de Trotsky. Assim, retomamos sua concepção organicamente internacionalista, o conceito de equilíbrio capitalista com a inter-relação entre economia, relações estatais e luta de classes, uma visão não mecanicista da relação entre economia e política, e outras noções que são essenciais para poder captar as complexidades do atual momento político internacional e latino-americano em particular.

Nesse sentido, elaborar uma análise correta da conjuntura latino-americana requer ter em conta premissas metodológicas como:

a. A produtividade da categoria de “equilíbrio instável” ou “estabilização relativa” do capitalismo, elaborada por Trotsky, para escapar das armadilhas do economicismo, da geopolítica ou do “impressionismo das lutas” , comuns no pensamento vulgar do centrismo de origem trotskista, e abordar a análise do processo latino-americano.

b. O importante grau de unidade da América Latina (por razões históricas e estruturais) se combina com a heterogeneidade das formações sociais, níveis de luta de classes e processos políticos nacionais, sendo fundamental não dissolver as concretas situações nacionais e sub-regionais nas tendências mais gerais.

c. A importância de uma análise cuidadosa das mudanças e giros nas situações e conjunturas, registrando a evolução variável das relações de força, as combinações instáveis e transitórias que são características das fases de crise na época imperialista.

É tratando de ter em conta estes critérios que escrevemos este trabalho, cujo humilde objetivo é proporcionar um marco e algumas chaves para a reflexão coletiva sobre o processo latino-americano, que desenvolvemos na Conferência da FT-CI.

I. O processo político e a conjuntura atual

Apesar da estabilização relativa dos últimos anos, a América Latina continua sendo um setor avançado (em termos relativos) desde o ponto de vista dos níveis da luta de classes e dos fenómenos políticos, no contexto de uma situação mundial marcada pelos triunfos do capital e do imperialismo durante décadas anteriores. A América Latina começou a trilhar, desde início do século, uma etapa de signo distinto ao dos 90, (anos de ofensiva burguesa e imperialista, derrotas do trabalho e auge do neoliberalismo). Esta fase se caracteriza pela crise do neoliberalismo, crescentes contradições no domínio imperialista e uma tendência crescente da luta de classes.

Nesse marco, enquanto no cenário mundial o Oriente Médio concentra as contradições de ordem geopolítica, já que aí estão as tentativas norte-americanas empreendidas para contrapesar seu declínio hegemónico; a América Latina expressa as maiores tendências à luta de massas em uma atmosfera política mais “clássica” , com processos que oferecem importantes lições da luta de classes e atraem a atenção internacional, desde a Venezuela à Bolívia.

Os recâmbios “pós-neoliberais” e nacionalistas dos últimos anos conseguiram conter e fazer retroceder em parte o desenvolvimento da luta de classes, mas à custa de algumas concessões e sem poder liquidar uma relação de forças que é menos desfavorável ao movimento de massas, pelo menos em vários países da América do Sul, ou melhor, onde há uma continuidade relativa no lento processo de experiências sob o progressismo e o nacionalismo.

Este processo tem atravessado várias fases:

”¢ Desde 1997 a 2002, a região (em particular a América do Sul), atravessou uma recessão indicando o esgotamento e a crise do programa neoliberal, motorizando um salto na resistência de massas frente à penetração imperialista. O importante ascenso conduziu a levantamentos e jornadas como as do Equador, Argentina e Bolívia, a derrota da intentona golpista na Venezuela, e outras; ainda que ao norte do Canal de Panamá, a situação continuou sendo mais estável e favorável ao imperialismo.

”¢ Estes processos de luta de classes tiveram importantes êxitos, com jornadas revolucionárias que conseguiram derrubar vários governos neoliberais, acumulando importantes avanços políticos, de organização e experiência, mas não conseguiram se transformar em revoluções abertas. Não conseguiram desenvolver um duplo poder (ainda que houvesse elementos fugazes com em El Alto em 2003 na Bolívia), não destruíram as forças armadas, nem colocaram em debandada o setor burguês, que conseguiu organizar “transições” nos marcos constitucionais e em geral, conter os processos. Tão pouco o proletariado póde impor seu peso e imprimir uma perspectiva política própria, o que facilitou maiores margens de manobra à burguesia.

”¢ A partir de 2003 se implementam pela via democrático-burguesa amplos recâmbios políticos de corte “pós-neoliberal” , desde Lula a Kirchner. Nos países onde a crise do regime ou a irrupção de massas foram mais profundas, os fenómenos políticos se expressaram mais radicalmente, como no nacionalismo chavista na Venezuela ou como na Bolívia com o governo de Evo Morales. Isto, no marco de um novo ciclo de crescimento económico, permitiu às burguesias da região atingir certa estabilização política e reabsorver as tendências mais agudas à ação de massas, canalizando o giro à esquerda dos amplos setores que buscavam uma alternativa aos desacreditados partidos neoliberais. Para isso, puderam se apoiar no papel das mediações reformistas e burocráticas, situação facilitada pelo caráter popular e camponês do ascenso, no qual o proletariado que se incorporava bem atrás sem poder cumprir um papel centralizador.

Mas a estabilização relativa não resolveu nenhuma das grandes contradições que estavam na base do ascenso e crise ’ não houve “democratização” nem “redistribuição” em “ruptura com o neoliberalismo” ’ e as concessões materiais foram muito reduzidas. Entretanto, permitiu o refluxo e cooptação dos “movimentos sociais” de base popular, camponesa ou indígena que foram vanguarda na fase anterior. Ao mesmo tempo, foi acompanhada por uma certa recomposição social do proletariado (com a incorporação de milhões de assalariados), alguns passos na reorganização sindical e animou ondas de luta operária e fenómenos pontuais de vanguarda em vários países como Argentina, Venezuela, Bolívia, etc .

A conjuntura atual

A mudança nas condições económicas internacionais está provocando crescentes “turbulências” económicas e políticas regionalmente, as quais as classes dominantes respondem preventivamente, tratando de forçar à direita o panorama político em distintos países.

Desde o fim de 2007, o começo da crise económica internacional está modificando rapidamente o panorama que a América Latina enfrenta. Abriu-se uma conjuntura transitória, fluída, instável, marcada por tendências contraditórias: entre a continuidade do crescimento económico e os elementos de “fim de ciclo” ; entre a pressão imperialista e as expectativas numa mudança de política em Washington; entre a popularidade dos governos “pós-neoliberais” e o começo de desgaste; entre as crescentes tensões políticas e os esforços para contê-las.

A valorização do petróleo e das matérias primas sustentaram o crescimento regional e podem prolongar por mais um período para os países mais favorecidos, mas já começa a se sentir uma maior instabilidade e tendências à baixa em seus preços e, além disso, o paradoxo é que aumentam o “superaquecimento” das economias locais, alimentando desequilíbrios que se manifestam na valorização das moedas, inflação, “doença holandesa” , etc. Por outro lado, uma série de países estão diretamente ameaçados pela recessão (México, América Central e Caribe) mais diretamente dependentes da economia estado-unidense.

Entretanto, os efeitos mais dinâmicos parecem estar se condensando no patamar das superestruturas, na esfera do político, como mostram as crises políticas nos países de importância como México (onde Calderón tenta avançar com a entrega petroleira em meio a fissuras no regime) e Argentina (onde o confronto campo-governo também mostra as rachaduras no regime pós-2001), a erosão que sofre o contra-revolucionário regime uribista a partir dos escândalos da “para-política” na Colómbia, ou o recrudescimento da “crise crónica” na Bolívia onde a direita busca ameaçar o governo de Evo Morales e suas tentativas de avançar com as reformas da nova Constituição Política do Estado.

É certo que nesta conjuntura o aspecto da luta de classes é nesse momento o menos dinâmico, mas a dialética entre “economia e política” , que empurra as classes dominantes a buscar preventivamente variantes reacionárias, ao mesmo tempo em que afeta a situação das massas trabalhadoras, pode acentuar a polarização social, levar a novas crises políticas e terminar também dinamizando processos de mobilização operária e popular. Por isso, a conjuntura deixa aberta a possibilidade de mudanças bruscas e giros da situação, e num horizonte mais estratégico, cenários de maior luta de classes.

II. Tendências à desestabilização

Estas tensões apontam à decomposição do frágil equilíbrio conseguido pelas classes dominantes nos últimos anos. Para compensar este risco, há um movimento à direita nas super-estruturas políticas, governos e regimes, desde tentativas de avançar por métodos repressivos (Colómbia, Peru, México) aos atritos na Argentina, à ofensiva da oposição autonomista na Bolívia, ou a busca de Chávez de um acordo com a burguesia na Venezuela. Mas este movimento, ao invés de reassentar o equilíbrio com facilidade, está promovendo maiores tensões, polarizações e contradições que afloram nas várias crises políticas.

Os momentos de equilíbrio tendem a ser mais breves e frágeis na periferia do que nos centros do capitalismo imperialista. A erosão do equilíbrio no patamar do “sistema mundo” capitalista-imperialista pode impactar mais rápida e profundamente as áreas do mundo semicolonial mais expostas e com menos reservas, do que os países imperialistas (que, além disso, podem utilizar sua dominação para descarregar parte dos custos da crise nas semicolonias). Por isso, enquanto a “curva” de conjunto a nível mundial pode mostrar oscilações mais lentas e de menor grandeza, o que freqüentemente tem caracterizado o mundo semicolonial são as bruscas oscilações e a recorrências de crises agudas.

Isto é particularmente irrefutável para a América Latina. A fragilidade do equilíbrio em escala regional é determinada pela condição semicolonial e é derivada da situação geral do sistema capitalista-imperialista em declínio histórico. As peculiaridades do processo na América Latina têm suas raízes no fato de que é a região do mundo semicolonial que mais cedo se ligou ao mercado mundial e constituiu seus Estados, alcançando um certo grau de desenvolvimento relativo (pelo menos em alguns países maiores) já desde meados do século XX. O declínio relativo registrado há algumas décadas (em relação a outras regiões da periferia como o Sudeste asiático, ainda que com processos de desenvolvimento desigual e combinado como no Brasil) se combina com a erosão da hegemonia norte-americana e os altos níveis históricos da luta de classes, apesar da relativa solidez dos Estados nacionais. Tudo isto acentua as tendências à instabilidade e produz o chamado “movimento pendular” , entre curtas fases de estabilidade relativa e fases de aguda desestabilização económica, social e política, ligadas à debilidade do “equilíbrio instável” do capitalismo em seu conjunto.

De fato, a importante “modernização capitalista” , que nos anos 90, ao calor da penetração imperialista, impulsionou uma vasta reconfiguração das economias, das estruturas sociais e das formas políticas, não conseguiu constituir uma base sólida para o equilíbrio regional. E apesar das derrotas da etapa anterior, a resistência de massas dificultou as contra-reformas neoliberais, levando finalmente a assentar as bases de um novo ciclo ascendente da luta de classes nesta mudança de século. A América Latina mostrou uma fragilidade ainda maior em momentos de crescimento e as tendências recessivas ou turbulências políticas a nível internacional se expressaram na região com periódicas explosões nacionais sob a forma de cracks financeiros (Venezuela, México, Argentina), agudas crises políticas (Brasil, Equador, Bolívia, Venezuela, Argentina) e erupções da luta de classes (países andinos, Argentina).

O fato de que a nova crise internacional começa a se estender a partir seu epicentro nos Estados Unidos, afeta particularmente a América Latina, dada a relação de dominação particularmente estreita e direta da metrópole sobre esta parte do mundo, ainda que inicialmente suavizados pelas boas condições económicas que a região mostrou nos últimos anos. Os traços desse impacto provavelmente seguirão as particularidades da situação desigual dos distintos países e sub-regiões, golpeando mais imediata e diretamente o México e a América Central, mais estreitamente subordinados à órbita norte-americana, e mais lentamente na América do Sul, que conta com um comércio mais diversificado e maiores margens políticas de autonomia relativa.

III. As dificuldades dos Estados Unidos e a crise da “ordem regional”

O complexo jogo entre pressão imperialista, crise da hegemonia norte-americana e margens de manobra para os países da área, se expressa em uma crise da ordem regional semicolonial. De seu modo, isto reflete na América Latina as conseqüências do fracasso de Bush em impor um “unilateralismo” agressivo e as dificuldades com as quais o imperialismo se choca num cenário “geopolítico” onde participam, não somente seus sócio-rivais imperialistas, mas também potências de segunda e terceira ordem, como a Rússia e a China, as aspirações locais do Brasil, e outros como a Venezuela, que aspiram aliviar o grau dependência económica e os laços semicoloniais.

O processo de tomada das economias latino-americanas pelas transnacionais não parou, estendendo seu controle sobre os setores mais dinâmicos e rentáveis (no setor de serviços, bancário, na indústria, no “agrobusiness” e no setor de minerais, ainda que no setor de hidrocarbonetos se choca com uma contrapressão nacionalista, como na Venezuela e na Bolívia). Entretanto, o debilitamento hegemónico dos Estados Unidos tem impedido que o grande peso do capital imperialista se veja acompanhado por um simétrico aprofundamento do domínio semicolonial, apesar da pressão ianque para aprofundar seu controle e articular o conjunto da região às suas necessidades, o que deixa pendente a condição do status semicolonial dos países latino-americanos, abrindo espaço para fricções e regateios.

A condição semicolonial é estrutural, mas não estática, e mostra um amplo leque de situações nacionais que pode oscilar bastante em distintos momentos históricos, segundo correlações de força com o imperialismo, marcadas pela evolução das relações económicas, interestatais e da luta de classes. Por exemplo, o Brasil é um país economicamente dependente e está ligado ao imperialismo por laços de tipo semicolonial; entretanto, estes laços são menos estreitos aos que submetem El Salvador (que até renunciou a sua própria moeda para adotar o dólar e abriga bases militares ianques em seu território).

Alguns países como a Venezuela e a Bolívia, após os anos 90 em que a penetração imperialista atingiu graus muito elevados, com relações quase-coloniais em alguns campos (como na “estrangeirização” dos hidrocarbonetos ou a intervenção direta na “luta contra o narcotráfico” ), buscam recuperar margens de “autonomia relativa” se apoiando nas massas para regatear frente ao imperialismo. Além disso, há que mencionar que Cuba ainda é um Estado Operário burocratizado no qual apesar dos avanços da restauração, subsistem importantes conquistas da revolução. Por isso, ainda que seja economicamente dependente e esta dependência tem se acentuado gravemente nos últimos anos com medidas restauracionistas, como a abertura para o investimento estrangeiro, não é semicolonial, mas sim politicamente independente. Nos últimos anos a tentativa do imperialismo norte-americano de impor um salto em seu domínio económico e político sobre a América Latina começou a perder velocidade no começo do século, frente ao aumento da resistência de massas na região, à série de derrotas dos governos mais pró-imperialistas e às próprias dificuldades de Washington, profundamente comprometido no Iraque e com vários setores relutantes à extensão da ALCA. Entretanto, isto não significou o cessar da pressão norte-americana, mas uma adaptação pragmática às novas relações de força, negociando TLC”™s bilaterais no económico, mantendo pressão política e diplomática e apoiando aos regimes mais pró norte-americanos, inclusive militarmente, como é o caso da Colómbia.

As rivalidades interimperialistas estão, todavia, amortizadas no cenário latino-americano, pois em geral, a Europa e os Estados Unidos atuam em “frente única” em defesa de seus investimentos e interesses, ainda que o peso dos interesses europeus empurre a UE a avançar mais na América do Sul (com acordos que “cruzam” os TLC que Washington impulsiona e algumas divergências políticas com Washington). Mas ao mesmo tempo, a decadência da hegemonia norte-americana, os fortes laços comerciais com a Europa e a China, certa presença da Rússia e da China criando oportunidades adicionais para obtenção de armamento, apoio diplomático, etc., e as relações de força impostas em um qüinqüênio de intensa luta de classes, têm ampliado as margens de manobra das semicolonias da região, particularmente na América do Sul, onde o grau de dominação ianque económica e política é menor.

Os fracassos de Bush na arena internacional, a partir do empantanamento no Iraque, o obrigaram a uma linha mais pragmática para a América Latina no último período, ainda que já no final no mandato, parecer ter um esforço da ala mais dura para aumentar a pressão, tratando de “marcar terreno” para a futura administração. Mas isto incide em um panorama de polarização regional que evoluiu de modo desfavorável aos Estados Unidos:

”¢ A tentativa de constituir um “Arco do Pacífico” do México ao Chile, economicamente neoliberal e politicamente conservador, integrado aos planos norte-americanos e de seus aliados na à sia (ASEAN), se choca com grandes dificuldades e é o contexto no qual se coloca o posicionamento económico, político e militar da Colómbia como principal aliado de Washington. Que apesar de seus êxitos militares contra as FARC e seu papel de contrapeso a Chávez, o Congresso norte-americano tenha postergado indefinidamente a negociação do TLC com Bogotá, é mostra das contradições deste pólo. Por outro lado, o próprio Chile ensaia uma posição mais “ao centro” da qual os EUA gostariam.

”¢ Neste ínterim, se busca instalar um “sul-americanismo” moderado impulsionado pelo Brasil (como se viu na constituição da UNASUL). O governo Lula se localiza como o “modelo de centro” frente aos pólos de alinhamento tipo o Uribe ou o chavismo, se apoiando no tamanho económico, geográfico e demográfico do Brasil para cumprir um maior papel na arena internacional, para o qual busca consolidar um papel de “liderança regional” e se impor no redesenho da ordem semicolonial latino-americana (o que traz conflitos com alguns vizinhos como a Colómbia e a Argentina). Entretanto, apesar do relativo avanço do Brasil neste plano e suas negociações com Washington, não há condições estruturais para imaginar um equivalente da UE, isto é, para se consolidar um bloco regional “autónomo” em torno de Brasília. É certo que a crise de hegemonia imperialista amplia as margens de manobra do Brasil, e este ’ como parte dos “BRIC” ’ busca explorá-las para negociar maiores margens para a “acumulação nacional” . Mas, apesar de sua força, o Brasil não é um “subimperialismo” como afirmam alguns setores de esquerda, mas um país dependente, submetido ao capital financeiro internacional e atado ao imperialismo por laços semicoloniais. O desenvolvimento da crise pode acabar desestabilizando o Brasil e minando essa estratégia da burguesia brasileira, o que o converteria não em um fator de “ordem regional” e “moderação” , como hoje se posiciona no Haiti, na Bolívia, na Venezuela, ou frente à Colómbia, ou em um “motor da integração económica” (como o MERCOSUL), mas sim em um fator de crise e desestabilização para toda a América do Sul.

”¢ Ao mesmo tempo, o projeto da ALBA liderado por Chávez não consegue se consolidar, pela debilidade da própria economia venezuelana para oferecer mercados e apoio à seus aliados (em que pese sua capacidade hidrocarborífera e financeira), pela extrema dependência destes frente o capital estrangeiro e as ambigüidades políticas e reticências dos mais “moderados” , que não querem se arriscar a maiores choques com Washington; tudo o que em última instância ratifica a lição histórica de que não há possibilidades para a necessária unidade económica e política dos países da região nos marcos capitalistas e sem romper com o imperialismo.

Em última instância, estes movimentos refletem que há uma crise da ordem semicolonial regional, que já não pode ser dirigido por Washington como nos “velhos tempos” , mas que não encontra uma nova forma, o que favorece constantes negociações, realinhamentos, desgastes bilaterais e conflitos com os Estados Unidos.

A ocupação militar do Haiti ’ um país considerado “estado falido” pelo imperialismo ’, em nome de “razões humanitárias” sob o mandato da ONU, é um experimento onde os estados latino-americanos (encabeçados pelo Brasil, Chile, etc.), aspiram demonstrar sua capacidade de defender a ordem frente crises políticas agudas ou erupções revolucionárias. As tropas latino-americanas e de outros países na MINUSTAH, são uma força de ocupação sob pretextos “humanitários e democráticos” que mostra sua verdadeira cara na repressão ao povo haitiano, sem poder, entretanto, recompor o estado e o regime, levando a que a ocupação tenda a se prolongar indefinidamente.

No mesmo sentido, a agressividade da Colómbia (incidente com o Equador) tenta transportar para a região os “princípios” de agressão unilateral e “preventiva” na “guerra contra o terrorismo” promovido pela administração Bush. Não somente a Venezuela e o Equador, mas também o Brasil e outros países se opuseram a essa incursão, ainda que depois todos negociaram aceitando as necessidades da “guerra contra o terrorismo” , mas colocando limites a Uribe e aos norte-americanos.

As iniciativas da OEA e do “clube de países amigos” e Lula, frente à crise política na Bolívia, respaldando o governo Evo e colocando limites às posições mais extremas dos autonomistas, é outro traço desta preocupação regional pela “manutenção da ordem” com seus próprios recursos, sob pretextos de defesa da “democracia” .

As eleições norte-americanas abrem um ritmo de espera e negociação, à espera de eventuais mudanças na política norte-americana para a América Latina caso os democratas ganhem. Entretanto, Obama não deu sinais claros de qual curso pensa impor à política exterior de Washington, nem qual estratégia adotará para os países ao Sul do Rio Grande. Em todo caso, um governo mais adaptado ao “multilateralismo” nem por isso deixará de seguir as linhas chaves da estratégia imperialista que exigem um maior controle económico e político sobre a região. Longe de uma “convivência pacífica” com laços semicoloniais cada vez mais débeis, novos atritos e choques são esperados alimentados pelas dificuldades económicas, e a luta anti-imperialista em todos os terrenos conservará um lugar primordial em nosso programa.

IV. Economia: do crescimento às “turbulências”

Estão se esgotando os fatores que promoveram um ciclo de crescimento económico sustentado durante o último qüinqüênio. O crescimento regional continua alcançando taxas globalmente positivas (o PIB regional cresceu 4,5% em 2007), e altos indicadores em países como Argentina, Venezuela, Peru, com uma tendência ascendente no Brasil (onde algo mais de 4% é considerável, dada as dimensões do país que provê 46% do PIB sul-americano). Entretanto, não somente mostra uma dinâmica desigual, com tendências recessivas no México (menos de 3%), na América Central (onde já se sente o impacto da recessão norte-americana, tendo começado a diminuir as remessas dos imigrantes, que para vários países equivalem entre 10 e 20% do PIB); além disso, seus índices tendem a se reduzir. A economia regional enfrenta crescentes “turbulências” e “desequilíbrios” (“superaquecimento” inflacionário, valorização cambial, gargalo na produção, diminuição do superávit comercial, competitividade externa), que parecem o prelúdio de uma desaceleração e inclusive de um “fim de ciclo” que inverta a curva até agora ascendente.

O boom do último qüinqüênio dependeu estreitamente do esquema de acumulação mundial, no qual a América Latina cumpre um papel como provedor de matérias primas, insumos industriais e energia (além de seu mercado secundário e fonte de valorização financeira). Nestes anos os Estados Unidos atuaram como “consumidor em última instância” e como tal, foi motor da produção nas “fábricas” da China, Ã ndia e do Sudeste asiático, aumentando a demanda de matérias primas e insumos latino-americanos. Após longos anos de depressão, a alta nos preços do petróleo, dos cultivos de cereais e oleaginosas e dos minerais, significou uma recomposição da renda que beneficiou os países produtores de matérias primas da região e dinamizou o ciclo económico latino-americano.

Por outro lado, a própria alta de preços dos hidrocarbonetos, minerais e alimentos, que beneficia vários países, alimenta desproporções e desequilíbrios (como a “reprimarização” ou a “doença holandesa” ), e atua promovendo as chamadas “crise dos alimentos” e “energética” , que afetam sobre outros países da própria região, tencionando a economia e as relações sociais, além de motorizar uma disputa pela renda e apropriação dos recursos naturais que estão na base das divisões burguesas e tensões políticas crescentes.

Além disso, os efeitos desta fase de crescimento sobre a acumulação são relativamente limitados, pois ao longo da mesma, e em que pese os movimentos defensivos de alguns estados (no campo dos hidrocarbonetos, na distribuição das rendas extraordinárias), as características dependentes do capitalismo local não somente se mantiveram, em geral, mas que inclusive se acentuaram.

O papel dominante das transnacionais nos setores chaves da produção agrária, extrativa, financeira e de serviços, lhes permite se apropriar de uma desmedida parte da renda, ampliando os efeitos do saque imperialista (lucratividade, pagamento da dívida externa e interna, etc.) e “estrangeirizando mais o destino do excedente” . A isto se agrega um enorme fluxo de saída de capitais nacionais ’ como os investimentos de empresas locais no exterior, a especulação financeira, etc. ’ que em boa medida “esterilizam” os efeitos do crescimento sobre o investimento e deformam ainda mais o esquema de acumulação.

Ainda no ápice do crescimento ’ anos 2005 a 2007 ’, o investimento não superou os 20-22% do PBI em comparação com a China e outros países do Sudeste Asiático, que superam os 30%. Não se modificaram de maneira radical as características estruturais da “acumulação dependente” estruturalmente débil e restringida pelas enormes proporções do saqueio imperialista. Um amplo “excedente” é constituído a partir das altas taxas de exploração operária, as rendas extraordinárias e monopólicas e a impostos dos setores não e semi-capitalistas da economia. Mas não tem seu correlato no investimento, mas que alimenta os circuitos financeiros subordinados à Wall Street, financia o consumo de altas camadas através do endividamento, e em suma, é exportado como capital, subsumindo aos fluxos financeiros mundiais.

Por isso, diversos Estados tentaram aproveitar o crescimento para melhorar suas “condições macro-económicas” frente aos vai e vens da economia internacional como a acumulação de reservas, diversificação de sócios comerciais (só o Brasil vende aos EUA 16% de suas exportações, ainda que em outro pólo o México realiza 80% de seu comercio exterior através de sua fronteira norte), mecanismos de “integração regional” como o MERCOSUL (ainda que no caso da CAN se assiste a uma dura crise pelo distinto rumo de seus integrantes), etc.

Agora, frente às “turbulências” e o previsível impacto da crise internacional, distintos governos se vêm obrigados a um maior intervencionismo estatal com políticas como as cotas de exportação, subsídios, controle de preços e tipo de cambio, medidas “contra-cíclicas” como a injeção de fundos públicos, etc., buscando modificar a regulação económica e a distribuição do “excedente” .

Isto gera maiores contradições com grupos de capitalistas e as transnacionais, com tendência de distintos Estados a recuperar o controle sobre ao menos parte dessa renda (como mostram as “renacionalizações petroleiras” na Venezuela e Bolívia e a tentativa de avançar no mesmo sentido no Equador) como forma de sustentar sua “capacidade de mediação” .

Ainda que em vários países a política económica se mantém dentro dos moldes neoliberais, como no Brasil sob Lula (que tem mantido um compromisso favorável aos setores mais financeirizados e ao ingresso de capitais estrangeiros), com Calderón no México (que tenta uma “abertura” petroleira e energética) ou na Colómbia, Peru e nos países centro-americanos, se trata de um “neoliberalismo tardio” , que tenta prolongar este esquema após décadas de aplicação e quando os ventos na economia mundial começam a ser mais desfavoráveis a seu êxito.

Por outro lado, em outros países, como na Argentina, é projetado um “neodesenvolvimentismo” (que em última instância não rompe os moldes herdados do neoliberalismo) que busca arbitrar uma associação com o capital estrangeiro em termos um pouco mais favoráveis à acumulação em escala nacional, com medidas como o controle de tarifas, subsídios, retenções, etc.

No caso da Venezuela e da Bolívia, a política económica tem traços mais nacionalistas, pois, além de um esforço para recuperar o controle de parte da renda “estrangeirizada” , tentam reconstituir um setor “capitalista de Estado” limitado (muito longe dos níveis dos anos 50 ou 60), como ponto de apoio para tentar regular a economia.

Estão surgindo distintos movimentos defensivos frente um panorama internacional que se complica e, ainda que todavia siga o crescimento e o boom das matérias prima possa dar uma “sobrevida” na América do Sul, ao que contribuiria a certa solidez “macro-económica” e financeira e o fluxo de capitais que busca oportunidades, refúgio e valorização ’ no ano passado a América Latina recebeu a quantia recorde de 16 bilhões de dólares em IED-. Entretanto, apesar das expectativas burguesas de uma “desaceleração suave” , estão se agudizando as desproporções e os desequilíbrios económicos, fazendo mais irregular e divergente a trajetória dos distintos países e criando um clima de “fim de ciclo” , que poderia se agravar caso o aprofundamento da crise internacional leve a uma queda dos preços ou a uma derrocada financeira.

Por isso, são ilusórias as esperanças em um “desprendimento” regional em relação à recessão nos Estados Unidos. A influência da mesma será decisiva, a extensão da crise norte-americana põe em questão o complexo esquema de acumulação internacional do qual a América Latina depende e lança uma série de incertezas sobre as perspectivas regionais, o que já está se manifestando na retração de investimentos, baixas bursáteis, alta de juros e tendências erráticas nos preços das matérias primas.

Desde o próprio início, a tendência é preservar os lucros capitalistas descarregando os custos das dificuldades económicas sobre os ombros das classes trabalhadoras. De imediato, a inflação, que afeta em particular os alimentos populares, já esta implicando um forte ataque aos trabalhadores e ao povo pobre, e significa uma enorme transferência de riqueza desde os setores de ingressos fixos à setores burgueses em detrimento das massas e de outros capitalistas, o que pode levar a maiores disputas inter-burguesas e desenvolver a resistência de massas diante de condições de trabalho, de salário e de vida deterioradas pela inflação.

V. Aumentos das tensões e novas crises políticas

As turbulências na economia, os conflitos com o imperialismo e a agudização das contradições sociais estão alentando em vários países, do México à Argentina, fortes tensões, polarização política e a reabertura de grandes crises políticas, sob o signo de “ventos reacionários” , ao mesmo tempo em que começa a se deteriorar a capacidade de contenção dos governos “pós-neoliberais” .

Os governos mais pró-imperialistas atravessam um “mau momento” , como no México (com Calderón debilitado para impor seus planos pela via bonapartista e repressiva). Inclusive na Colómbia, onde Uribe se fortaleceu após seus exitosos golpes contra a guerrilha (como a liberação de Ingrid Betancourt pelo exército) e deve combater o escândalo da “parapolítica” (que mandou pra prisão ou investigação dezenas de legisladores por ligações com o narcotráfico e paramilitares) para poder viabilizar uma segunda reeleição.

Entretanto, os recâmbios “pós-neoliberais” continuam se estendendo (como mostra o triunfo de Lugo no Paraguai e a possibilidade de um triunfo da FMLN em El Salvador), mas isto não significa que contem com um cenário favorável, pois como mostra a Argentina (onde somente seis meses após assumir, Cristina Fernández enfrenta uma importante crise política diante da oposição agropecuária), devem enfrentar problemas económicos, sociais e políticos agudos.

No caso decisivo do Brasil, o governo Lula se fortaleceu, ao superar os momentos de maior debilidade de seu primeiro mandato, assumindo o programa neoliberal num compromisso com as diversas frações burguesas (industriais, agrobusiness, finanças, transnacionais) e se apoiar na burocracia sindical e na passividade das classes trabalhadoras, para se apresentar com um “modelo” de moderação e confiança para a burguesia em seu conjunto. Entretanto, o “modelo Lula” de compromissos se baseou em condições favoráveis mas transitórias para o Brasil, e supós colocar no centro a principal mediação ’ o PT ’ com o qual contava a classe dominante, para administrar o estado (como saída à crise que se dava no começo da década). As débeis bases desta relativa solidez estão estreitamente ligadas à possibilidade de manter um consenso em base ao crescimento económico e a “paz social” , que para nada estão garantidas em médio prazo.

É que a relativa fortaleza de alguns governos contrapesa e se combina com a debilidade de Estados e regimes que não puderam ser consolidados após severas crises de anos anteriores, em que pese os recâmbios “pós-neoliberais” . Os regimes de domínio existentes na maioria dos países são continuidade essencial das “democracias semicoloniais” e as “transições à democracia” em que o neoliberalismo se apoiou. Somente nos casos da Venezuela (com a República Bolivariana), na Bolívia (com o inacabado “processo constituinte” e em meio de uma crise aguda) e agora no Equador (após anos de crise política e levantamentos) se assiste a uma mudança de regime.

Neste marco, está ficando para trás a fase onde, no marco do crescimento económico e dos grandes lucros capitalistas que facilitavam os acordos, a prioridade era a contenção dos antagonismos sociais e as contradições políticas podiam ser amortizadas. Agora, frente às turbulências que obscurecem o horizonte regional, as classes dominantes buscam governos mais duros. Não estão dispostas a aceitar margens tão amplas de autonomia estatal relativa como as que pretendem as camarilhas progressistas do tipo dos Kirchners para exercer seu trabalho de mediação e conciliação de classes, e tão pouco desejam experimentos bonapartistas sui generis de esquerda como o de Chávez, que poderiam acarretar em sérios choques com o imperialismo ou estimular as massas exploradas e oprimidas.

As classes dominantes querem governos que sejam verdadeiros “comitês de gestão dos negócios comuns” confiáveis, que lhes assegurem um maior controle direto do Estado e possam se endurecer frente às tensões sociais. Por isso exercem uma crescente pressão para que os governos “progressistas” sigam o caminho de Lula e Tabaré, se “social-democratizem” ou se façam diretamente “social liberais” , e mantêm uma exasperada oposição sobre os governos “nacionalistas” e “populistas” como o de Chávez ou Evo Morales, para frear seus planos e desgastá-los.

Enfrentando-se com crescentes contradições e sob uma pressão direitista, os governos “progressistas” ’ como é o caso da Argentina ’, vêem se debilitar suas margens de manobra e de contenção, e ainda que retenham a capacidade de arbitrar entre os distintos setores capitalistas e mediar frente ao movimento de massas, começam a sofrer um desgaste político.

Na conjuntura, este clima favorece expressões de uma “nova direita” como na Bolívia e na Argentina, que trata de superar a crise dos velhos partidos neoliberais reagrupando forças sociais com um discurso republicano-liberal e um “regionalismo dos ricos” (que expressa a ligação desigual de diversas regiões com o mercado mundial), com o apoio dos grandes meios de comunicação se apoiando no descontentamento dos setores pequeno-burgueses, que em defesa de sua precária estabilidade se assustam frente o discurso populista e giram à posições conservadoras.

A direita “esquálida” que já vinha atuando na Venezuela, se soma na Bolívia ao movimento autonomista, abertamente burguês e latifundiário dos departamentos do Oriente (cujo qual na extrema direita atuam grupos fascistizantes) e na Argentina a frente do “campo” que arrastou a pequena-burguesia urbana acomodada. No Uruguai os velhos partidos Colorado e Blanco parecem recuperar forças.

Entretanto, o signo não é de uma direitização consistente da região, mas ao contrário, de maior instabilidade e polarização. Em síntese, em meio a essas tensões e em que pese os esforços para impor um grio reacionário na conjuntura e passar para uma correlação política mais favorável às necessidades da grande burguesia e do imperialismo, as perspectivas da situação em um plano mais estratégico poderiam ser de giros bruscos, crises de magnitude e novos fenómenos da luta de classes, possivelmente nos países já vinham mais golpeados por “crises orgânicas” e ascenso de massas durante os anos anteriores.

VI. Os limites e contradições do nacionalismo

À esquerda do espectro político regional estão os governos de Chávez e Evo Morales, que expressam distintos projetos de conciliação de classes e regateio com o imperialismo, sob um discurso nacionalista e populista. Em ambos casos, e apesar da popularidade que mantêm, as limitadas medidas de caráter nacionalista ou semi-nacionalista que têm tomando, estão mostrando seus limites frente à grandeza das contradições económicas, sociais e políticas as quais o capitalismo semicolonial está confinado. Frente à pressão burguesa e imperialista, estes governos buscam manobrar e, enquanto oferecem compromissos e concessões à classe dominante, devem ensaiar algumas concessões parciais ao movimento de massas, o que mantém os altos níveis de confronto político com a oposição. Dentro deste curso geral, não podem se descartar oscilações à esquerda no marco de maior polarização social e política e dificuldades económicas crescentes. Mas o ponto mais alto e “mais à esquerda” de seus governos parece ter ficado para trás, diminuindo suas possibilidades de manter “hegemonia política” de maneira duradoura.

Na Venezuela, Chávez começa a mostrar um certo desgaste, como mostra a derrota no referendo pela reforma constitucional, o que o empurra, sem ceder em suas tentativas de consolidar seu papel bonapartista, à busca de negociações com o empresariado e o imperialismo. Sob o argumento de que “o povo não está maduro para o socialismo” , Chávez tem girado à busca de um compromisso (como mostraram o giro a uma atitude conciliadora no conflito com a Colómbia, endurecendo suas críticas às FARC; ou a estender pontes desde agora com a futura administração da Casa Branca), mas também, com a grande burguesia venezuelana, como no encontro com os empresários em junho. De fato, e sem descartar novos gestos como a nacionalização da SIDOR (subproduto da luta dos trabalhadores) ou das industrias de cimento, o curso de Chávez é a uma maior moderação, e uma mudança de política em Washington depois de Bush pode acabar levando a uma “suavização” das relações com os Estados Unidos. As tendências a um maior desgaste interno implicam um começo de esgotamento político.

Na Bolívia, há dois anos e meio de assumir o governo com um amplo apoio não só eleitoral, mas dos “movimentos sociais” mais combativos, Evo Morales e o MAS, vêem o projeto reformista de “re-fundar o país” pela via da assembléia constituinte empantanado frente à ofensiva da direita autonomista encorajada pelas concessões do oficialismo e fortificada nos departamentos da “meia lua” . O governo cumpre rigorosamente com seu papel frente-populista de contenção, impedindo que as massas intervenham com sua mobilização, mas sua estratégia de colaboração de classes se choca com a profundidade dos antagonismos sociais no país andino e a agudeza da “crise política crónica” , em uma situação de “regime fraturado” pelo rechaço agressivo a ceder posições da reação “autonomista” liderada pelos prefeitos, o que desnuda o papel do reformismo nacionalista-indigenista, freando as massas e cedendo ao avanço da direita em uma crise que afeta o conjunto do andaime político-estatal e que mantém latentes tendências a maiores enfrentamentos entre revolução e contra-revolução.

No Equador, o presidente Correa, que desde o início se mostrou receoso em seguir o caminho de Chávez, tratando de manter um perfil “intermediário” , mais moderado, enfrenta dificuldades políticas no “processo constituinte” do qual espera um fortalecimento à instituição presidencial, que o localize como árbitro, ao mesmo tempo em que ajude a recompor o débil regime político; está tropeçando em uma forte oposição das petroleiras em aceitar uma renegociação de contratos, se distanciou dos Estados Unidos com a devolução da base militar de Manta, e teve fortes choques com Uribe pela agressão em seu território, mas também sofre o distanciamento de movimentos sociais. Estas contradições ratificam as dificuldades para assentar projetos de mediação e conciliação de classes aí onde os níveis de crise económica e política e de mobilização de massas têm sido maiores.

Como foi dito, que Chávez, Evo Morales ou Correa, tratando de definir seu papel de arbitragem e conciliação de classes, busquem concertar com as distintas frações burguesas e transnacionais, não exclui a priori oscilações à esquerda, para se defender da pressão imperialista ou conter sua base social, como algumas nacionalizações ou concessões de outra ordem, especialmente democrático-formais. Entretanto, os estreitos limites que já tem se mostrado em uma situação relativamente favorável como a destes anos, revelam a impotência dos atuais nacionalismo e populismo burguês (inclusive em relação a seus antecedentes históricos, como o peronismo ou o varguismo nos anos 40 e início dos 50), em relação às tarefas nacionais e democráticas, e às penúrias das massas. O desenvolvimento da crise económica e dos antagonismos sociais e políticos, exacerbará as contradições destes tipos de governos e limitará suas possibilidades de arbitragem e contenção, ao mesmo tempo em que sua própria política de colaboração de classes contribui para alimentar o desenvolvimento de uma agressiva “nova direita” .

A burguesia e o imperialismo não contam, todavia, com força suficiente para substituí-los e, ao contrário, pressionam para contê-los e desgastá-los enquanto tratam de recompor alternativas conservadoras. Mas não podem se excluir novas e maiores ofensivas reacionárias, pois apesar dos esforços para conseguir um acordo, estes tipos de governos não são funcionais às necessidades da classe dominante em momentos de crise. Por isso, a possibilidade de enfrentamentos mais abertos entre a revolução e contra-revolução continua inscrita, socialmente onde, como na Bolívia, a crise é mais profunda. Desde este ponto de vista, é estrategicamente crucial que avance a diferenciação política no seio das massas, a partir da possibilidade de que setores operários e populares avançados aprofundem sua experiência com o nacionalismo, o reformismo e o indigenismo e possam opor seus métodos e seu programa à reação.

VII. A crescente polarização social

O crescimento suavizou os rachas interburgueses e com o capital estrangeiro, ao mesmo tempo em que a necessidade de conter o movimento de massas e as crises políticas agudas de anos anteriores, tornavam mais aceitáveis os recâmbios “progressistas” para as classes dominantes. Estes, se apoiaram sobre alianças sociais “neodesenvolvimentistas” e “democratizantes” instáveis (pois não incluem grandes concessões materiais ao proletariado e às massas). A erosão das condições económicas e políticas estão tencionando todos os antagonismos sociais, contribuindo para reabrir cenários de maiores disputas entre setores capitalistas e realinhamentos de classe, e desgastando as possibilidades de manutenção de sua base social.

No exemplo da Argentina, o bloco burguês que vinha fazendo grandes lucros graças à desvalorização do “3x1” e às altas taxas de crescimento rompeu torno de conflitos pelas retenções às exportações de soja e outras, e está se descompondo em um “pólo agrário” e um “pólo industrial” , ao mesmo tempo em que a inflação e os altos níveis de exploração “esfriam” as ilusões dos trabalhadores no kirchnerismo, meio ano depois que Cristina Fernández assumira com um amplo triunfo eleitoral.

Como parte desses realinhamentos de classe, setores da classe dominante pressionam à direita e arrastam camadas da pequena burguesia que nesta etapa, e frente a ausência de centralidade proletária, cumpre um importante papel político como base das democracias semicoloniais. Frente à ameaça da instabilidade, esta tende a girar à direita alimentando a recuperação do pólo conservador (ainda que este comportamento não seja estável nem homogêneo, pois o nacionalismo chavista ou o MAS também são fenómenos que incorporam segmentos da classe média).

Este fenómeno se entende ao México (onde não faltam os que olham AMLO com receio), passando pela Colómbia (onde são base do ultra-reacionário uribismo) e a oposição “esquálida” venezuelana, à Bolívia e à Argentina. Nestes dois países um novo fato são os fenómenos de oposição reacionária que conquistam ampla base pequeno-burguesa. Na Bolívia, o “autonomismo” das regiões produtoras de hidrocarbonetos e de agricultura capitalista (a “meia lua” ). Na Argentina, os setores médios que fizeram frente com a reivindicação ruralista contra as retenções.

Os movimentos de base popular, camponesa ou indígena que foram protagonistas destacados na primeira fase do ascenso, se encontram em uma etapa de desmobilização, contidos ou desviados através da cooptação, concessões formais ou, simplesmente, desmotivados pela melhora na situação económica. Isto não significa que tenham desaparecido ou que não possam cumprir um papel importante na próxima fase. Mais ainda, há importantes lutas camponesas e populares, que junto aos processos operários que já analisaremos, dão conta de um importante nível de “conflitividade social” : desde a resistência mapuche e as massivas lutas estudantis e de professores no Chile, aos levantamentos regionais e as lutas dos cocaleiros no Peru, as mobilizações de tipo popular em São Domingos, as revoltas pela fome no Haiti que mostram o descontentamento frente à ocupação pela MINUSTAH, ou diversas lutas na América Central.

Isto é expressão da profundidade da polarização social, da situação de miséria que afoga a metade da população latino-americana e da gravidade da crise social que, ainda em pleno crescimento, se manifesta nos altos índices de desemprego, subemprego, penúrias na saúde e na educação, marginalização, repressão que sofrem grandes camadas da população pobre e trabalhadora, a violência social em muitas cidades latino-americanas, refletem como o decadente capitalismo semicolonial enquanto lança milhões à miséria, ao desespero e a decomposição, aplica uma bárbara “criminalização da manifestação, da pobreza e da juventude” .

Sob o signo da crescente polarização social podem se produzir novos fenómenos de classe, tanto à direita (como o giro conservador de setores médios) como à esquerda (que poderia ser estimulado por uma maior intervenção operária), nos quais há que incluir a possibilidade de que as disputas inter-burguesas ’ a divisão entre blocos conservadores e progressistas ou nacionalistas ’ empurre as classes subalternas, e além disso, está colocada a possibilidade de uma maior intervenção operária, o que resultaria decisivo para a dinâmica da situação.

VIII. Situação e perspectivas do movimento operário

O ciclo de crescimento permitiu um importante fortalecimento objetivo das forças operárias, ao re-inserir milhões de trabalhadores ao trabalho ’ apesar de que em sua maioria em condições de precarização ’. Também há um lento processo de recomposição subjetiva que se expressa pela via sindical e em chave reformista ’ sob a influência político-ideológica do nacionalismo (cuja principal referencia hoje é Chávez) e do sindicalismo (economicista e às vezes antipolítico), sem que tenha todavia um auge operário nem radicalização de vanguardas da classe. Por outro lado, a experiência da primeira grande fase de ascenso após 2000, e das ondas de luta sindical dos últimos anos de “estabilização relativa” , já são um componente importante para setores avançados do movimento operário, ainda que este parta de um patamar muito baixo de subjetividade.

Atualmente existem importantes sinais de recomposição operária, estendidos a vários países, em um processo regional que é parte das tendências que estão manifestando um “fortalecimento” das fileiras no proletariado internacional, com as lutas que se estendem desde a Coréia do Sul ao Egito.

Na América Latina o processo se expressa principalmente através de lutas setoriais ’ por ramo e por empresa ’, de tipo reivindicativo, de luta e de reorganização sindical que se dão “por baixo” , e, todavia não registra grandes ações de conjunto do proletariado, que ademais, segue sendo mais passivo em países chaves como o Brasil. Entretanto, é muito estendido e abarca tanto novos setores do proletariado precarizado da industria e dos serviços, como aos trabalhadores da educação e da saúde, tradicionalmente combativos, e a setores tradicionais da classe trabalhadora como os mineiros e petroleiros. Vale a pena se deter um pouco em algumas de suas manifestações durante o último período:

”¢ Mobilizações industriais às vezes isoladas, mas de importância, durante o último período na Venezuela (SIDOR) e na Argentina (Mafissa e outras empresas), além de alguns conflitos no Brasil (GM no ABC).

”¢ Têm acontecido importantes conflitos nos serviços e no transporte, como no setor aeronáutico (como na Argentina), motoristas (Brasil), etc.

”¢ Importantes greves mineiras vêm acontecendo no México, no Peru (onde há um amplo processo de reorganização por baixo dos terceirizados que são 80% do setor), no Chile (com um processo muito importante de conflitos dos terceirizados do cobre) e na Bolívia (com o grande centro mineiro de Huanuni).

”¢ Na Colómbia, e apesar da situação reacionária, uma importante greve de 10 dias permitiu um grande triunfo de milhares de trabalhadores das empresas terceirizadas petroleiras da ECOPETROL.

”¢ Os trabalhadores da construção saíram à luta no Peru, onde também há um processo muito importante de organização de sindicatos industriais e mineiros por empresa, mas também no Panamá (um duro conflito que teve vários mortos pela repressão) e no Brasil (Fortaleza).

”¢ Em São Domingos, Costa Rica (apesar da imposição do TLC e da repressão oficial) e outros países centro-americanos (como Honduras, onde em fevereiro houve uma “paralisação cívica” nacional) há luta setoriais e protestos da educação e professores, médicos, funcionários públicos, etc.

”¢ A jornada nacional de protesto no Peru dos dias 8 e 9 de julho contra o governo entreguista e repressivo do APRA pode estar antecipando uma tendência à paralisações gerais de caráter mais político.

Os grandes aparatos sindicais, crescentemente cooptados ao estado burguês e dirigidos pela burocracia, que apesar de seus distintos graus de super-estruturalização e crise interna, continuam dirigindo o movimento operário e o colocando no rastro dos distintos projetos de colaboração de classes, seja desde a oposição, como a CUT chilena, seja com o oficialismo, como a CGT e a CTA com o peronismo na Argentina; e são um pesado freio para o avançar deste processo de recomposição operária.

Neste marco se destaca a importância dos fenómenos de vanguarda que mostram uma maior tendência a escapar do controle burocrático e recuperar métodos de luta e pontos programáticos avançados. Nos últimos anos lutas por empresa em distintos países têm mostrado ações de vanguarda avançadas que, apesar de algumas derrotas e retrocessos, tendem a ficar como exemplos e incorporadas pelas camadas mais avançadas. Não só aportam a este novo “sedimento” de aquisições subjetivas das ações da primeira fase do ascenso, que combinaram as lutas políticas e de massas nas ruas, e os levantamentos insurrecionais, ou os processos mais claramente operários, como as “fabricas recuperadas” na Argentina (cujo exemplo vivo continua sendo Zanon). Também as experiências da recente fase de estabilização relativa, com processos de organização sindical (como no Peru, na Bolívia e no Chile), as lutas salariais por empresa e o surgimento de um novo “sindicalismo de base” com componentes anti-burocráticos (Argentina), a luta da SIDOR que impós a nacionalização (Venezuela), ou o desenvolvimento de um fenómeno progressivo no reagrupamento da vanguarda operária como é a CONLUTAS no Brasil.

Entretanto, o isolamento destas ações é um dado a mais da profunda contradição que há entre as superestruturas operárias existentes, cada vez mais super-estruturalizadas e integradas ao Estado, com as burocracias como representantes dos planos do capital e seus governos, e as necessidades do proletariado, particularmente dos novos setores precarizados e superexplorados.

Que esta situação mude e surjam novos fenómenos operários, depende em boa medida de como será o impacto de uma nova crise económica. A relação entre economia e luta de classes não é mecânica. Todo o conjunto da conjuntura se move na determinação de como as massas responderão a uma piora de suas condições de vida e novos ataques dos governos e das empresas. E não é um fato menor considerar como está o próprio movimento operário e de massa no começo da crise.

Em geral, a inflação em condições de certa recuperação do emprego e com a experiência viva das seqüelas que a aplicação de medidas de “austeridade” deflacionárias causou nos anos 90, ao implicar um começo mais lento da crise poderia alentar um maior desenvolvimento da resistência, com paralisações e greves em defesa do salário, em um “ensaio grevístico” no qual poderia ir preparando a vanguarda e desenvolvendo tendências à esquerda; enquanto um crack poderia paralisar os trabalhadores ao terror económico, se o movimento operário não estiver preparado para enfrentá-lo... ou empurrar aos saltos na tomada de métodos de luta avançados, como as ocupações de fábrica e a produção sob controle operário, para enfrentá-lo.

É possível que a “aterrissagem” da economia com suas seqüelas ’ inflação, carestia, desemprego, fechamentos e suspensões, etc. ’, proporcione o terreno para uma escola inicial de luta para amplos setores do proletariado. Isto colocaria provavelmente desde o início um maior entrelaçamento entre a luta anti-patronal, anti-burocrática e anti-governamental, assim como contra as transnacionais e o saqueio imperialista. Além disso, de dato os primeiros sintomas de “fim de ciclo” estão provocando atritos burgueses que se deslocam ao campo político e podem abrir “brechas nas alturas” pelas quais o movimento de massas possa irromper. Estes elementos podem incidir favoravelmente para que a classe operária comece a intervir com maior força e estendendo mais seus métodos e perfil de classe.

IX. Início de um novo cenário

No curto prazo da conjuntura transitória, sobre o mapa político da América Latina sopram ventos reacionários como resposta preventiva das classes dominante às turbulências económicas e políticas, e o tensionamento dos antagonismos sociais. Fatos como o fortalecimento de Uribe na Colómbia, a ofensiva autonomista na Bolívia o desenvolvimento de um pólo agrário conservador na Argentina, apontam esta tendência. Entretanto, o caráter da situação não está definido e mais do que uma direitização sem contradições, isto conduz a uma maior polarização.

Os cenários mais estratégicos estão, evidentemente, condicionados pela dinâmica da crise internacional e a forma e ritmos em que esta afete a economia, a política e as relações sociais em patamar regional. Um “mapa político” da região deveria dar conta hoje de um complexo panorama. Esquematicamente:

”¢ O México, a América Central e o Caribe podem ser mais rápida e duramente afetados devido ao fato de que dependem muito mais estreitamente dos Estados Unidos e seu grau de sujeição às pressões de Washington é maior. De fato, a recessão na economia norte-americana já está golpeando esta parte do continente e exceto o México ’ produtor importante de petróleo ainda que hoje em dificuldades ’, os outros são importadores neto de hidrocarbonetos e alimentos, e dependem muito das remessas de sua emigração ao Norte, razões pelas quais a “crise energética” e a “crise dos alimentos” podem golpeá-los severamente. Ainda que os níveis de luta de classes e o peso do proletariado sejam menores, há uma tendência ascendente das lutas e elementos de maior crise política, a partir da qual esta parte da América Latina, relativamente mais estável até agora, possa tender a “se nivelar” com a mais convulsiva América do Sul.

O México mostra elementos de uma situação pré-revolucionária sob o curso recessivo da economia e o debilitamento do regime político, o que pode alentar novos processos de luta contra as privatizações, etc., (apesar de canalizadas atrás de AMLO) e de maior movimentação no segundo maior proletariado da América Latina.

O panorama centro-americano também está se tencionando, como mostra o deslocamento eleitoral à centro-esquerda na Nicarágua e em El Salvador, a resistência ao TLC na Costa Rica e as lutas no Panamá e Honduras. Também no Caribe, com o crescente questionamento à ocupação do Haiti, os freqüentes protestos na Rep. Dominicana (onde a reeleição do atual presidente é resistida pela oposição).

Aqui uma questão chave é aonde vai a Cuba, pois com o governo de Raúl Castro estão se aprofundando as contra-reformas de corte pró-capitalista, enquanto o imperialismo alenta este curso como a melhor maneira de fortalecer o pólo restauracionista e pressionar cautelosamente para uma “abertura democrática” . A questão do destino final da revolução cubana se colocará de maneira mais aguda no próximo período.

”¢ A América do Sul caracteriza-se por maiores margens de autonomia relativa no comercial e político em relação aos Estados Unidos, maiores níveis de luta de classes e processos políticos nacionalistas e “pós-neoliberais” que substituíram muitos das velhas cúpulas governantes mais pró-imperialistas. É também a região mais beneficiada pelo boom das matérias primas e do petróleo, o que lhe deu margens à estabilização relativa em base à contenção, cujas bases estão começando a se desgastar, levando a maiores tensões económicas, sociais e políticas.

No Brasil, como colocado acima, hoje pesa a estabilidade e crescimento e isto, junto à passividade do proletariado, lhe permitiria cumprir no curto prazo um certo papel estabilizador na região. Mas essa estabilidade relativa tem estreitas bases e pode se diluir caso a crise mundial aprofunde, dada a grande dependência ao capital financeiro internacional e as enormes contradições internas deste país-continente. Por isso, está aberto em perspectiva, a possibilidade de que o Brasil se torne na etapa em um importante fator de desestabilização e que sua enorme classe operária comece a intervir em um grau superior.

No Cone Sul, a Argentina, em que pese o crescimento, mostra fortes rachas interburgueses e a erosão do débil regime surgido do 2001, com um giro à direita das camadas médias. O governo de Cristina Fernández suporta um importante desgaste a poucos meses de ter assumido e a pressão inflacionária, golpeando a economia operária e popular, pode acabar favorecendo novas lutas salariais apesar do freio burocrático, tirando o proletariado de sua relativa passividade. Por outro lado, e apesar de sua maior estabilidade relativa, no Chile se vê o retorno da “questão operária” e um importante processo de lutas de trabalhadores e estudantes.

A região andina continua sendo, como dissemos anteriormente, a área mais instável e polarizada da região. Nela, a Colómbia se posiciona como um agente e sócio confiável do imperialismo, mas os elementos de crise política no regime podem se abrir ainda mais diante da nova tentativa de re-eleição de Uribe. Apesar de sua agressividade, é pouco provável que possa contrapesar a situação da área frente à instabilidade do Equador, onde as tentativas de moderar a Constituinte por parte de Correa já estão provocando protestos pela esquerda. Na Venezuela, o caminho do compromisso que Chávez tenta, na medida em que se dá sobre a base de seu projeto bonapartista, dificilmente permita uma “reconciliação” com a grande burguesia e o imperialismo, e menos ainda, uma estabilização do país. No Peru, a tentativa de Alan Garcia de consolidar seus planos pró-imperialistas, apesar do apoio burguês com o qual conta e a escalada repressiva, está aumentando a polarização social frente a um movimento de massas em ascenso, com constantes processos de mobilização operária, camponesa e popular. Finalmente, na Bolívia, que foi a vanguarda da anterior fase de ascenso e uma das vitrines do novo populismo indigenista, continua sendo um “elo débil” em que se joga uma partida decisiva entre a direita autonomista, que ameaça o MAS graças a sua política de conciliação e desmobilização, e o Governo que busca destravar o caminho para suas reformas.

Neste mapa político conjuntural, a evolução da crise internacional e da crise de hegemonia do imperialismo são fatores decisivos. Em um plano mais estratégico, e para pensar algumas tentativas de hipóteses, pode se considerar:

”¢ Que a classe dominante consiga manter o equilíbrio instável, se apoiando nesse giro reacionário preventivo, inclusive com uma desaceleração ou recessão controladas, com crises políticas, mas sem um salto na movimentação dos explorados nem nos atritos com o imperialismo.

”¢ Que a gravidade e o efeito da crise seja tal que paralise a classe operária, permitindo ao grande capital impor sua “saída” , com um novo salto na penetração imperialista como forma de reconstituir um equilíbrio muito mais reacionário.

”¢ Que o desenvolvimento da crise económica e política
provoquem maior instabilidade, incapacidade dos regimes e governos para assegurar a “disciplina social” e maior resistência dos explorados e oprimidos, alentando um salto na luta de classes e criando condições para um auge operário e de massas.

Na realidade, as combinações entre essas hipóteses dependerão da inter-relação entre múltiplos fatores no contexto económico e político mundial e regional, nas relações com o imperialismo, no regime político, na economia e na luta de classes.

No momento, ainda quando se atravessa uma conjuntura reacionária, o resultado final, em uma etapa mais geral de traços preparatórios, pode ser o de convulsões e giros bruscos, marcados pelas disputas inter-burguesas e atritos com o imperialismo, polarização nas camadas pequeno-burguesas e irrupção do proletariado. A região se aproxima de um novo ciclo de ascenso revolucionário como o dos 70? A reabertura em toda sua magnitude da crise capitalista, o enfretamento com a opressão imperialista, o fracasso histórico dos experimentos progressistas e nacionalistas que prometeram remediar o “desastre neoliberal” , as possibilidades de um superior auge operário e de massas, e a superação das lições da primeira fase no ascendente ciclo da luta de classes, parecem incubar condições para uma etapa superior da luta de classes, com maior centralidade operária e enfrentamentos mais aberto entre as tendências à revolução e à contra-revolução.

X. As tarefas do momento

Desde o ponto de vista das tarefas, em uma etapa de caráter preparatório , são chaves o amadurecimento da vanguarda operária e a acumulação teórica, política e organizativa dos revolucionários para se prepararem para os próximos grandes acontecimentos da luta de classes. Como eixos gerais, isto coloca que:

1. Frente à opressão imperialista, levantar um programa de classe e pela aliança operária, camponesa e popular conseqüente e sem concessões ao nacionalismo.

2. Frente a todos as tentativas de descarregar sobre os trabalhadores e o povo pobre os custos da crise, é necessário enfrentá-la com a unidade das fileiras operárias e sua hegemonia na aliança operária, camponesa e popular na luta contra os grandes capitalistas nacionais e estrangeiros, contra o imperialismo e os governos que servem a seus interesses.

3. Lutamos para que os trabalhadores avançados se armem com um programa transicional à altura dos ataques, das tarefas e dos desafios que a etapa coloca.

4. Contra os ataques reacionários e o imperialismo, estamos na mesma trincheira com as massas que mantêm expectativas em Chávez, Evo, etc. As chamamos a confiar somente em suas próprias forças e métodos para enfrentar a reação. Entretanto, rechaçamos que se dê o menor apoio político, ainda que seja “crítico” , aos reformistas e combatemos pela mais ampla e real independência política e organizativa do movimento operário e de massas. Frente ao esgotamento do nacionalismo e populismo à lá Chaves e Evo Morales, é mais do que nunca necessário levantar uma política de classe, lutando pela organização política independente dos trabalhadores.

5. Isto é inseparável de tirar as lições dos convulsivos processos de luta de classes e fenómenos políticos que aconteceram no continente nos últimos anos (da Venezuela à Bolívia, do Brasil ou México à Argentina ou Cuba), e que serão lições vitais para armar a vanguarda nos futuros combates.

6. Intervimos sem sectarismo em todo reagrupamento progressivo, seja em nível mais sindical, como é a Conlutas no Brasil, seja em nível mais diretamente político. Propomos-nos a ajudar a vanguarda a se educar ao calor da luta buscando sentar as bases de seu reagrupamento revolucionário.

7. Intervimos sempre desde uma estratégia soviética enraizada na centralidade da classe operária, como forma de preparar subjetivamente os setores avançados dos trabalhadores e das massas para as tarefas da revolução.

8. Atuando nos setores avançados do movimento operário e de massas, lançamos uma dura luta de estratégias políticas, principalmente contra o nacionalismo, o reformismo e o sindicalismo economicista.

9. Encaramos também um combate com o centrismo que cede àqueles, não somente com a ala direita (mandelismo, El Militante, UIT), mas também com o centro (PO-CRCI, LIT-CI, POR), chamando a unidade de ação e desenvolvendo neste marco a luta política.

10. As possibilidades de desenvolvimento que se abrem para a FT na América Latina demandam:

a. Consolidar uma adequada relação entre a luta teórica e intervenção prática. Teoria, conhecimento profundo das realidades nacionais nas quais atuamos e luta política e “reivindicativa” são inseparáveis.

b. Combinar a estruturação estratégica na classe operária, aprofundando a ligação com setores da vanguarda operária, com o desenvolvimento do trabalho da juventude e estudantil, mas também são importantes as possibilidades de atuar na questão da mulher [1] como mostram as experiências na Argentina e outros grupos.

c. Na situação atual, hierarquizamos a construção na Argentina a no Brasil (pela acumulação conquistadas e as perspectivas de desenvolvimento, tanto como pela importância objetiva e o fato que estão entre as “pátrias do trotskismo” ), e em segundo lugar na Venezuela e na Bolívia (por expressarem os fenómenos políticos mais agudos e, além disso, pela tradição trotskista em segundo caso).

d. Consolidar a presença da FT como a ala revolucionária do movimento trotskista na América Latina, construindo um pólo teórico, político e organizativo que defende o marxismo revolucionário e combate pela reconstrução da Quarta Internacional; um pólo que não é “latino-americanista” , mas que batalha para se ligar ao mais avançado e se construir nos países centrais, como hoje está colocado de maneira inicial em vários países da Europa.

[1Em relação a isso, as companheiras da FT apresentaram uma importante resolução para fortalecer o trabalho sobre a mulher, que foi aprovada pela Conferência.

Artigos relacionados: Internacional









  • Não há comentários para este artigo