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Teoria

DEBATE

Para avançar na luta do transporte: reflexões sobre programa e estratégia

04 Jul 2013   |   comentários

Passados quase três meses desde que os primeiros atos pela redução da passagem em Porto Alegre começaram e que vieram a se generalizar por todo o país no mês de junho, ligando-se a outras reivindicações nas ruas como saúde, educação, denúncia dos gastos da Copa do Mundo e luta contra a corrupção, parece-nos central refletir estrategicamente nosso programa frente aos novos (...)

Passados quase três meses desde que os primeiros atos pela redução da passagem em Porto Alegre começaram e que vieram a se generalizar por todo o país no mês de junho, ligando-se a outras reivindicações nas ruas como saúde, educação, denúncia dos gastos da Copa do Mundo e luta contra a corrupção, parece-nos central refletir estrategicamente nosso programa frente aos novos desafios em um momento em que começamos a ver cada vez mais um forte politização entre a juventude e setores da classe trabalhadora em todo país, no marco das mobilizações.

Qual programa para conduzir a luta pelo transporte público a uma verdadeira mudança?

As massivas mobilizações com forte protagonismo da juventude efetivamente colocaram em xeque uma velha lenda de que, na sexta maior economia do mundo, não existe dinheiro pra transporte, saúde e educação. Em muitas capitais, até agora, foram reduzidos alguns centavos (vinte ou trinta em geral) nas passagens e possivelmente os parlamentares votarão o passe livre para estudantes. São “pequenas” vitórias que deixam grandes lições: algumas semanas atrás o PT de Fernando Haddad e o PSDB de Geraldo Alckmin estavam juntos em São Paulo anunciando que era “impossível reduzir as passagens” (barrar o aumento), não havia “recursos”. A população mostrou nas ruas que sim, era perfeitamente viável reduzir a passagem se não operássemos com a lógica dos governos burgueses e dos cartéis do transporte, que querem uma equação onde a população paga e seus lucros bilionários fiquem intactos. Evidentemente, essa foi apenas uma batalha dentro da guerra contra esses monopólios, pois a linha dos governos burgueses é de “cortar outros gastos” para garantir o transporte, ou seja, querem transformar essa conquista em seu contrário, numa precarização em outros direitos.

Devemos ir por mais. Não haverá transporte de qualidade e que seja um verdadeiro “direito” da população enquanto esses monopólios capitalistas dominarem as frotas. A nossa luta deve avançar com tudo para um grande movimento pela estatização do transporte sem indenização, que seja controlado pelos trabalhadores e usuários do transporte, auto-organizados. Os trabalhadores (motoristas e cobradores) e a população que usa cotidianamente e estão imersos no transporte podem e devem controlá-lo a partir de comitês eleitos em cada lugar bairro ou cidade. As linhas são determinadas hoje de acordo com o que é mais rentável para as empresas que compõem a máfia dos transportes, e todos podem imaginar o quanto a rede poderia melhorar se fossem aqueles que a utilizam (trabalhadores e usuários) que opinassem e definissem itinerários, rota e horários de partida e chegada, tamanho das frotas de acordo com a real demanda, etc.
Essa deve ser a conclusão, portanto, de todos os jovens e trabalhadores do Brasil: podemos mudar o país atacando o lucro dos capitalistas (do transporte, da saúde, da educação etc). Em cada ramo de “direito social” elementar no Brasil existe um monopólio fazendo rios de dinheiro às custas da população. É perfeitamente possível a gratuidade das passagens (o passe livre) para o conjunto da população se cobrarmos impostos progressivos na fortuna das 20 mil famílias que recebem quase metade de toda a riqueza da população gasta no pagamento da dívida pública brasileira.

Dois perigos na reflexão programática do movimento

Diante da magnitude das marchas de centenas de milhares em algumas capitais no Brasil - que atingiram com maior ou menor força centenas de cidades – o movimento e a esquerda se defrontaram com a reflexão de que programa levantar nas manifestações, sofrendo pesadamente os efeitos de anos e anos de marasmo e seus reflexos ideológicos no movimento.

Isso porque, por um lado, a pressão que anos de petismo exerceu em boa parte da esquerda e de ativistas era de atuar com a cabeça do “mundo do possível”, uma lógica que parte de se subordinar completamente à ideologia empresarial e dos governos do capital de que “não há recursos” e que, por isso, o melhor a fazer é tentar barrar o aumento ou reduzir um pouco as passagens. Uma lógica que sempre perpassou a luta de classes há já mais de cem anos, reformista, presa na ilusão de que mudanças parciais podem conduzir a uma grande mudança num futuro remoto – que na realidade só conduzem ao despreparo do movimento e a aceitação de ataques mais profundos em troca de migalhas.

Por outro lado, o erro inverso seria pensar um programa que pudesse dar “solução” aos problemas sem passar pelo que realmente toca a juventude e os trabalhadores, sem dialogar com a consciência atual e conduzi-la a um questionamento efetivo da sociedade de classes (um “programa máximo” desvinculado da conjuntura colocada). Assim, por exemplo, a luta por atacar os capitalistas e seus lucros e pela estatização do transporte deveria partir das demandas motoras - passe livre pra juventude - e explicar pacientemente as massas (na propaganda e na agitação nos muitos atos) a necessidade de, com toda essa força demonstrada nas ruas, questionarmos até o final os cartéis do transporte e os governos, que servem aos lucros desses cartéis e de todos os capitalistas, única forma de dar uma solução real para o problema que, nesse sentido, extrapola os marcos desse sistema capitalista degradante.

Nesse sentido, como disse Leon Trotsky, em seu conhecido texto de 1938 (“Programa de Transição”), os revolucionários “não rechaçam as reivindicações do velho programa “mínimo” na medida em que elas conservam algo de sua força vital. Defendem incansavelmente os direitos democráticos dos operários e suas conquistas sociais, mas realizam este trabalho cotidiano no marco de uma perspectiva correta, real, vale dizer, revolucionária. Na medida em que as reivindicações parciais -“mínimum” – das massas se choquem com as tendências destrutivas e degradantes do capitalismo decadente – e isso ocorre a cada passo (...)” os revolucionários devem propor “um sistema de reivindicações transitórias, cujo sentido é o de dirigir-se cada vez mais aberta e resolutamente contra as bases do regime burguês

“Expropriar os expropriadores”: conduzir a luta do transporte ao rechaço contra todo o sistema capitalista

É preciso eleger, portanto, as principais questões que vem “motorizando” as mobilizações, sentidas pela juventude e os trabalhadores, e conduzi-las ao choque com esse regime e Estado de exploração e opressão da população. A luta pela estatização do transporte público é apenas um primeiro passo necessário contra todos os ataques neoliberais dos últimos 30 anos, para preparar os trabalhadores a verdadeira luta, pela revolução socialista.

Já Friedrich Engels, um dos fundadores do socialismo científico, alertava que “as forças produtivas (...) convertendo-se em propriedade das sociedades anônimas e dos trustes, ou em propriedade do Estado, não perdem sua condição de capital (...) A relação capitalista, longe de se extinguir com estas medidas, tornar-se-á mais intensa, embora se desmorone ao chegar a seu ápice. A propriedade do Estado sobre as forças produtivas não é a solução para o conflito; mas já abriga em seu seio o meio formal, o recurso para se chegar a ela”.

Ou seja, não é a “união de estatizações” que nos conduzirá a ultrapassar a sociedade de classes: devemos levantar um programa que faça desmoronar a série de privatizações e precarizações do serviço público orquestrada pelo Estado neoliberal nos últimos 30 anos, mas conduzir essa luta em cada fábrica e setor de transporte à luta pelo controle dos trabalhadores da produção e dos grandes serviços – uma luta possível, como a que temos visto em Zanon, fábrica sem patrões na Argentina sob controle dos trabalhadores.

Apenas um programa que expressa uma estratégia revolucionária de fato poderá provocar nas mobilizações os primeiros passos para uma sociedade que acabe com o Estado burguês e seja governada pelos trabalhadores, uma sociedade de produtores livremente associados, aniquilando as classes sociais, a exploração e a opressão. A luta pelo transporte público (como a luta por educação e saúde que se avizinha), conduzida por um programa revolucionário, poderá ser um enorme exercício das massas na preparação de sua grande tarefa histórica: a expropriação dos expropriadores. Como disse Karl Marx em seu célebre O Capital, “antes, houve a expropriação da massa do povo por poucos usurpadores; hoje, trata-se da expropriação de poucos usurpadores pela massa do povo”.

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