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Internacional

A Grécia e o Syriza: onde está a força real de transformação?

05 Mar 2015 | Não resta dúvidas de que a experiência que vem ocorrendo na Grécia, a partir da ascensão do Syriza, tem uma importância internacional para os debates na esquerda e dos trabalhadores. No entanto, as lições que se podem extrair dessa experiência dividem águas e devem ser a base da reflexão sobre qual estratégia devemos adotar para fazer surgir, no interior de um capitalismo em crise, uma resposta superadora do sistema de exploração e opressão que vivenciamos.   |   comentários

Não resta dúvidas de que a experiência que vem ocorrendo na Grécia, a partir da ascensão do Syriza, tem uma importância internacional para os debates na esquerda e dos trabalhadores. No entanto, as lições que se podem extrair dessa experiência dividem águas e devem ser a base da reflexão sobre qual estratégia devemos adotar para fazer surgir, no interior de um capitalismo em crise, uma resposta superadora do sistema de exploração e opressão que (...)

A ascensão do Syriza marca um fenômeno de “novo tipo”, com centralidade em uma figura “midiática” (Tsipras), que frente a decadência do bipartidarismo europeu em geral e do regime político grego em particular - com a bancarrota de um dos pilares da política dominante na Grécia, o PASOK – pode ganhar grande protagonismo e chegar a se postular como uma suposta alternativa de governo na Grécia.

Ou seja, frente a falta de uma mediação burguesa que se apresentasse como menos conservadora, possibilitou-se uma coalização entre o reformista Syriza e o partido soberanista nacionalista Gregos Independentes – ANEL para atingir o governo grego. Nesse sentido, frente ao relativo “deserto” da política dos trabalhadores no terreno internacional nas últimas décadas (fruto da derrota subjetiva dos trabalhadores nos anos de neoliberalismo), os olhos do mundo se voltaram ao governo do Syriza com a esperança de que poderia ser o novo canto da emancipação, da “salvação nacional”.

No entanto, na primeira oportunidade de testar sua estratégia o Syriza apostou nas manobras entre os governos do capital na Europa ao invés da mobilização dos trabalhadores: o resultado foi uma derrota fragorosa nas negociações e uma primeira demonstração de impotência frente aos planos da chamada troika (comissão europeia, FMI e BCE) e o governo alemão. Firmou-se um acordo no qual, nos próximos quatro meses, continuar-se-á muitas medidas de austeridade na Grécia, estando questionado o aumento do salário mínimo, as privatizações não serão interrompidas (aceitaram todas as feitas pelo governo anterior), não readmitirão os funcionários públicos demitidos e, acima de tudo, Tsipras reconhece o irreconhecível: o montante total da dívida da Grécia com as instituições que tem parasitado a população grega, seu suor, sangue e lágrimas.

Um dos entusiastas do Syriza, Pedro Fuentes (do Movimento Esquerda Socialista – uma tendência interna do PSOL) diz que não é uma demonstração de que o Syriza capitulou, pois a luta está apenas começando.

E para pensar isso traça duas hipóteses (extremas inclusive): ou o Syriza continuará com a mesma linha de negociação e vai acabar impondo completamente os planos de austeridade ou o Syriza romperá com o acordo, o que levará a um “Grexit” (uma saída da Grécia da Zona do Euro) e obrigará a Tsipras a tomar medidas anticapitalistas, como “nacionalização de todos os bancos, controle de todos os capitais”.

Frente a isso a proposta seria acompanhar o fenômeno do Syriza e avaliar quais serão as decisões de Tsipras, partindo nesse momento de apoiá-lo em frente única, para não “confundir os trabalhadores” com uma política alternativa, o que fortaleceria a direita grega.

Essa forma de colocar o problema é emblemática para o debate. Qual a armadilha dessa forma de pensar? Precisamente pensando esse debate, nos vem à cabeça a célebre frase de Karl Marx, segundo a qual “a emancipação dos trabalhadores só pode ser obra dos próprios trabalhadores”.

O principal problema é acreditar que as questões vão ser definidas por cima, pelas decisões do Tsipras ou mesmo do Syriza em paralelo a refletir com profundidade os passos, a organização e a política que terá o conjunto da classe trabalhadora grega e a juventude.

Essa é a estratégia (de fortalecer a organização dos trabalhadores e sua resposta) que o Syriza tem demonstrado na prática que não possui. Nós partimos de depositar toda nossa confiança na resposta que podem dar os trabalhadores gregos nas ruas e seus irmãos de classe no mundo todo. Angela Merkel teme mais a mobilização dos trabalhadores alemães em defesa dos gregos do que mil manobras de Tsipras.

Por isso a “grande política” partindo de buscar uma saída que responda a fundo os anseios da população grega (que vivencia enorme crise social) é buscar barrar de todo jeito a opressão que sofrem por parte dos monopólios bancários e das potencias imperialistas, chamando a anulação imediata da dívida grega e os planos da troika. Isso sim seria uma fortaleza internacional que devemos buscar dar aos trabalhadores gregos.

Combinado com isso, a esquerda deveria basear-se na estratégia comunista de Marx e alertar os trabalhadores que só a resposta deles pode dar uma solução para a crise grega, e não um governo reformista de coalizão como o Syriza. Dizer as coisas como elas são é o primeiro passo para os trabalhadores tirarem suas lições e se prepararem para os enfrentamentos necessários com os poderosos bancos e empresários e construir uma alternativa política que esteja a altura disso.

Essa é a única maneira de preparar uma real possibilidade de aplicar um programa de nacionalização dos bancos, em sistema único, sob controle dos trabalhadores, o controle operário das fábricas etc. Não será um programa da cabeça de um político isolado que essas medidas se darão e se perpetuarão, mas como expressão ativa dos trabalhadores em seu movimento real e sua luta organizada contra o capital.

Ademais, mesmo no interior do Syriza a “ala esquerda” dirigida por Kouvelakis, Lapavitsas, Gliezos e o ministro Lafazanis já tem feito severas críticas ao acordo e a condução política que tem feito o Syriza, chegando Gliezos, depois do acordo da Grécia com o Eurogrupo, a se “desculpar da população grega pela ilusão que ajudaram a alimentar”. Um debate que aparentemente tem avançado e chegou a ganhar 41% dos votos na direção do partido (segundo informou Kouvelakis nas redes sociais). Não avançar nas críticas ao Syriza e sua atual falta de uma estratégia de enfrentamento com a troika é estar completamente por fora do debate que até mesmo nesse partido está havendo.

Lenin dizia em 1917 que um dos principais erros que poderiam cometer os que lutam pela revolução social era “a substituição de verdades concretas por raciocínios demasiadamente gerais”: a verdade concreta a que ele se referia era que, exceto o proletariado, não havia “nada, nenhuma força” capaz de derrotar os que lutavam contra a revolução em 1917. Em outras condições sociais, essa é uma verdade concreta para pensar o caso da Grécia...e depositar confiança no Syriza, isolando-se de uma estratégia política que tenha os trabalhadores como sujeitos, é não aprender nada com a história e desarmar a população para os novos desafios do futuro na sua luta pela emancipação.

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