Sexta 26 de Abril de 2024

Nacional

O choque entre as expectativas e a agenda de ajustes

30 Oct 2014   |   comentários

Por um lado, para associar a Aécio a imagem de uma direita reacionária, o PT teve que exageram em promessas demagógicas. Por outro lado, ao alimentar ilusões, o novo governo potencializa a frustração que existirá quando atender às exigências do empresariado de implementar uma série de ajustes para enfrentar a crise econômica.

A polarização alentada pelo PT na reta final das eleições para estimular o voto útil em Dilma como mal menor frente a um eventual retorno dos tucanos aumenta as contradições do novo governo. Em seus primeiros discursos, já se percebe uma tentativa de desviar o foco para minimizar o inevitável choque entre as expectativas exacerbadas e a necessidade de atender aos reclamos dos empresários e do mercado financeiro por um forte ajuste econômico.

Alentando expectativas para ganhar

Por um lado, para associar a Aécio a imagem de uma direita reacionária, o PT teve que exageram em promessas demagógicas. Boa parte da campanha de Dilma foi destinada a enaltecer as pequenas melhorias de vida que os trabalhadores tiveram no último ciclo de crescimento econômico como “grandes avanços sociais”.

Para resgara a militância petista desmoralizada depois de tantos anos de frustração, para dialogar com o sentimento de mudança que prima na sociedade desde as manifestações de junho de 2013, a campanha de Dilma se esforçou para vender a ideia de mesmo esses “grandes avanços sociais” eram apenas um primeiro passo, e que um novo governo teria a tarefa de ampliá-los muito mais.

Não poderia ser distinto, pois não é possível esconder o grande descontentamento com os precários e caríssimos serviços públicos e direitos básicos que explodiu nas manifestações de junho. Se Dilma não alentasse expectativas no futuro, perderia as eleições falando do passado.

Os perigos em jogar com as emoções da população

Por outro lado, ao alimentar ilusões, o novo governo potencializa a frustração que existirá quando atender às exigências do empresariado de implementar uma série de ajustes para enfrentar a crise econômica. Essa rota de choque já começou a ser trilhada quando o atual ministro da economia, Guido Mantega, declarou após as eleições, para acalmar os mercados, que o novo governo fará todos os esforços possíveis para ajustar as contas públicas nos próximos anos.

Levando em conta a enorme dívida que o governo tem com investidores financeiros e que mais de 42% do orçamento público anual é destinado a pagar-lhes juros e amortizações, levando em conta que o governo não vai cortar nos subsídios fiscais aos empresários e nos investimentos em infraestrutura para não aumentar ainda mais a recessão, essa mensagem só tem um significado: os recursos para a saúde, a educação, a moradia e os transportes serão cortados.

Combinado com o ajuste das contas públicas, o Planalto, na última reunião do Banco Central, já começou a elevar as taxas de juros novamente. Assim, camina mais abertamente para uma política de combater a inflação esfriando a economia e gerando desemprego. Justamente oque vem pedindo o mercado financeiro. Exatamente o que Dilma criticava que Aécio iria fazer. Essa é a rota de colisão com as demandas de junho que está sendo traçada.

Quem será o novo ministro da economia?

Depois do resultado eleitoral ter provocado várias quedas na bolsa de valores e altas no dólar, o mercado financeiro só melhorou seu humor quando surgiram boatos de que o novo ministro da economia será um nome de confiança das altas finanças.

A mudança de humores se deve ao rumor de que o filósofo Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, poderia ser convidado. Trabuco seria o nome dos sonhos dos investidores.

Outro nome que circulou nas conversas entre analistas foi o de Henrique Meirelles. O ex-presidente do Banco Central de Lula após comandar a operação mundial do Bank of Boston, Meirelles também é querido no mercado.

Esses rumores apontam no sentido de que o novo governo poderia caminhar para uma virada mais “ortodoxa” (de direita) na política econômica, o que implicará em ajustes mais duros contra os trabalhadores.

Um golpe de efeito para distrair a atenção das expectativas criadas

Os primeiros discursos e ações de Dilma após as eleições foram focados nas propostas de reforma política e de combate à corrupção. Nenhuma palavra sobre as expectativas geradas de melhoria das condições de vida, dos direitos básicos e dos serviços públicos.

Esse movimento do governo não tem nenhuma gota de acaso. Foi calculado para esfriar as expectativas no plano econômico e social, transferindo-as para eventuais reformas no sistema político. Desta forma, Dilma prepara o terreno para trilhar um novo governo mais à direita no plano econômico e social, mais próximo da medida que os empresários e banqueiros exigem, ao mesmo tempo em que busca alentar a áurea de embates progressistas no plano das reformas do regime político, profundamente desgastado.

Está por ver-se em que medida tal manobra poderá ser bem sucedida. Contra seu êxito estão não só as profundas energias liberadas pelas manifestações de junho de 2013 e pela maior onda de greves desde a década de 80; mas também as dificuldades que o governo tem a enfrentar tanto em seu flanco “interno” (um aliado complexo como o PMDB, que saiu engrandecido das eleições e vem anunciando que dará trabalho) como “externo” (uma oposição forte como a muito tempo não se via).

Para além das históricas dificuldades de se costurar as alianças necessárias para qualquer reforma política minimamente democrática (já que a casta política não quer abrir mão de seus privilégios), mal saiu vitorioso das urnas e o novo governo já acumula dos importantes reveses: foi obrigado a recuar da proposta de plebiscito para tentar negociar um referendo dentro do Congresso; e sofreu uma derrota na Câmara dos Deputados para o projeto de fortalecer os “conselhos” destinados a viabilizar consultas do governo à sociedade civil.

Nesses dois reveses se mostra que o governo Dilma terá extrema dificuldade em implementar qualquer medida em que busque se apoiar mais diretamente na população para regatear melhores condições de negociação no Congresso. Uma demonstração da fragilidade do triunfo obtido nas urnas e das dificuldades que o novo governo enfrentará.

Como pode-se ver, são poucas as margens de manobra que o PT tem para desviar o foco nas expectativas que criou e minimizar a rota de choque traçada entre essas e os ajustes que estão por vir.

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