Segunda 29 de Abril de 2024

Nacional

DEBATE COM O PSTU E SUA POLÍTICA DE “FRENTE DE ESQUERDA” COM O PSOL

É necessário superar os métodos da esquerda petista e cutista

06 Apr 2008   |   comentários

Por vezes, na luta cotidiana, companheiros do PSTU expressam acordo político com nossas críticas ao PSOL e ao seu programa, fazendo parecer muitas vezes que as críticas que fazemos à política do PSTU na Frente de Esquerda são de caráter tático e não estratégico. Apoiada nisso, a direção desse partido tenta nos apresentar como sectários e tentam demonstrar a justeza de sua política no número de militantes do PSOL que conseguiram atrair [1].

A política do PSTU com a Frente de Esquerda expressa mais do que uma “flexibilidade” tática na tentativa de ganhar militantes do PSOL e dialogar com a base eleitoral de Heloísa Helena. A política do PSTU é, em nossa opinião, a repetição da estratégia e da tática levantada pela esquerda trotskista durante mais de uma década no interior do PT, não apontando para superar as adaptações que o próprio PSTU admite ter cometido durante o “vendaval oportunista” na década de 90, que para nós teve sua origem bem antes, já na formação do PT, e antes ainda. Vejamos:

Elementos de balanço da esquerda petista e cutista

Na tradição do PT e da CUT, a esquerda trotskista podia fazer toda a luta política que quisesse internamente desde que a política para as massas (nos sindicatos, nas declarações públicas em momentos de crise, nas eleições) fosse definida pela burocracia lulista, pela igreja e pela intelectualidade pequeno-burguesa.

Vejamos um documento sobre o encontro de fundação do PT, no Colégio Sion em fevereiro de 1980, recentemente publicado pela Fundação Perseu Abramo: “Foram feitas acusações recíprocas de ”˜obreirismo”™ e de ”˜linguajar pseudo-radical”™, de ”˜legalismo”™ e ”˜parlamentarismo”™. (...) Não obstante, no final foi aprovado por consenso, na Comissão de Redação, e por aclamação, no plenário de 1.200 pessoas, um Manifesto de Lançamento que não difere, no essencial, da sua versão original, mas que contém mudanças de forma no sentido de acentuar a diferenciação entre as classes trabalhadoras e o conjunto da sociedade” [2]. Num momento em que a classe operária vivia um poderoso ascenso que poderia derrubar a ditadura pela via revolucionária, a esquerda trotskista aplaude por aclamação um “manifesto de fundação” que se mantém nos marcos de uma transição pacífica da ditadura para a democracia burguesa. Aí se “inaugura” a tradição da esquerda petista e cutista (e trotskista) de aceitar programas nos quais algumas frases “classistas e socialistas” aparecem como adornos “esquerdistas” , em um programa de conjunto reformista. Esses amálgamas são até hoje reivindicados como “bandeiras históricas” que, se sob alguns pontos de vista expressam demandas reais das classes exploradas e oprimidas, terminam como bandeiras para os “dias de festa” , enquanto o dia-a-dia dos sindicados continua sendo pautado pelas ordinárias campanhas salariais nas datas-base dentro dos marcos democrático-burgueses.

A própria Convergência Socialista (corrente que deu origem ao PSTU) defendia abertamente que o PT, em nome da unidade, deveria ter o programa de Lula e dos autênticos, um programa de capitulação à transição pactuada imposta pela burguesia, abrindo mão de lutar nos sindicatos, nas comissões de fábrica e no PT, pelo seu próprio programa. Diziam em 1980: “defendemos sempre e vamos seguir defendendo este PT. Que saibamos não existe outro, nem queremos que exista. Defendemos este PT e suas bandeiras de luta. E vamos combater os que querem modificar os objetivos traçados desde seu início pelos companheiros Lula, Bittar, Cicote, Ibrahim, Skromov e demais dirigentes sindicais. Não queremos que o PT tenha todo o nosso programa.” [3]

Esta foi a prática da esquerda trotskista durante as décadas de 80 e 90: a cada crise política importante, encontro político ou sindical ou eleição, este método foi reproduzido e naturalizado. Inúmeras oportunidades para constituir um pólo alternativo de direção revolucionária foram perdidas e o resultado é um petismo extremamente forte e uma esquerda trotskista que não influencia, nem de forma minoritária, a relação de forças objetiva nacional. Mas este fato não é suficiente para que o PSTU questione estes métodos e busque superá-los.

A experiência da esquerda do PT e da esquerda cutista já deveria ter ensinado ao PSTU que, quando os revolucionários rebaixam seu programa e silenciam sua crítica política para se unirem com os reformistas, o que se fortalece é a política conciliadora e não a luta pela independência de classe. [4] É exatamente a essa política, revolucionária de palavra e na prática de adaptação ao reformismo, que chamamos de centrista. A crítica de Trotsky ao POUM durante a revolução espanhola poderia muito bem, apesar das diferentes situações, ser dirigida ao PSTU: "Teoricamente, têm tratado de apoiar-se sobre a fórmula da Teoria da Revolução Permanente (...) Mas a revolução não se contenta com simples aceitações teóricas. Em lugar de mobilizar as massas contra os chefes reformistas, incluindo aqui os anarquistas, o POUM tratava de convencer estes senhores das vantagens do socialismo sobre o capitalismo." [5]

A Frente de Esquerda e as eleições de 2008

Na recente II Conferência Eleitoral do PSOL, este partido dá mais um passo rápido no caminho que o PT demorou um pouco mais a trilhar.

O programa aprovado alega ser “aquele que nega a domesticação e a acomodação à ordem burguesa” e que teria “elementos voltados para a edificação da revolução socialista” [6]. Poderia parecer aos desavisados que o partido avança em uma ruptura programática com o regime democrático burguês, mas um olhar mais cuidadoso mostrará o contrário.

Nas suas resoluções, a Conferência diz: “O PSOL diferencia as alianças de cunho estratégico daquelas de cunho tático” , sendo que como “aliados táticos” deve-se entender aqueles que “não contradigam o programa do partido e seus princípios (...) setores sociais e partidários que tenham contradições com o governo federal e com as forças majoritárias dos seus próprios partidos” . E mesmo esse critério “amplo” , que inclui nada menos que o PV no Rio Grande do Sul, não foi suficiente. As resoluções ainda dizem que “exceções deverão ser sempre referendadas pelos Diretórios Estaduais e Nacional” . Alguma diferença em relação aos métodos que permitiram ao PT durante tanto tempo manter um “verniz de esquerda classista e socialista” para o consumo interno e para a vanguarda enquanto na sua política de massas já conciliava com a burguesia?

Desde o ponto de vista programático, as resoluções defendem que “é necessário um programa que seja ao mesmo tempo exeqüível e transformador” . Isso significa, entre outras coisas, um “sistema integrado de participação popular” ; “uma nova economia na cidade baseada na cooperação e na solidariedade, envolvendo os micro e pequenos proprietários, os trabalhadores autónomos, informais e desempregados, estimulando sua auto-organização em empresas coletivas de caráter solidário e cooperativo” ; e “políticas contratendentes às desigualdades inerentes à formação social capitalista” . Alguma diferença com o “orçamento participativo” , a “democracia participativa” , a “economia solidária” e as “políticas públicas” do PT dos anos 80 e 90?

É mais uma demonstração de que o “socialismo e liberdade” ou o “socialismo com democracia” do PSOL significa nada menos que o programa de gerência mais “justa” e “democrática” da exploração capitalista, que busca dar novos ares para a velha e inúmeras vezes fracassada estratégia de “chegar ao socialismo acumulando forças dentro do Estado burguês” .

Esse é o conteúdo da “oposição de esquerda” defendida pelo PSOL, que não por acaso não se chama “oposição classista” , pois para levar adiante seu projeto precisa conciliar com os setores da burguesia descontentes com o neoliberalismo tucano-petista. Essa é a base político-programática que autorizou os parlamentares do PSOL a votarem o Super-Simples, uma lei que ataca os trabalhadores; ou que convive pacificamente com a campanha de Heloísa Helena contra o direito ao aborto, revelando seu caráter utópico e reacionário.

Uma “nova roupagem” para velhos métodos

Hoje, essa política centrista se reproduz ainda mais deteriorada nos esforços que o PSTU faz para estar lado a lado com os 20% de intenções de voto de Heloísa Helena ou com setores da igreja como Dom Cappio [7]. Internamente e de forma esparsa nos seus jornais, o PSTU critica o caráter reformista do PSOL. Mas nos sindicatos, nas alianças eleitorais, nos palanques dos “dias de luta” ou nas frentes únicas para a atuação em conflitos reais, quando a luta pela independência de classe deve buscar seu caminho em direção às massas, o PSTU se cala frente aos aspectos mais direitistas do PSOL.

Essa estratégia centrista é a única coisa que pode explicar a vergonhosa cena na qual Zé Maria, principal figura pública do PSTU, aparece junto a Dom Cappio rezando (literalmente) o “Pai Nosso” em ato no dia 1º de abril em São Paulo. Uma ofensa à combatividade e à abnegação de muitos militantes do PSTU. Um ato que infelizmente nada discutiu de concreto para que a Conlutas e a Intersindical possam intervir na calamidade pública do Rio com uma política operária independente. O próprio Zé Maria, presidente do partido, explica como as táticas do PSTU em relação ao PSOL estão ligadas a uma estratégia: “Zé Maria não se resumiu às lutas pontuais. Ele opinou que é necessário ”˜fazer avançar a unidade de ação e ter a grandeza de se sentar numa mesa, todos nós, para construir uma alternativa estratégica da classe trabalhadora”™. Essa alternativa, segundo ele, deve ser socialista” . [8] Que alternativa estratégica seria essa? Construir um partido em comum com Heloísa Helena? Negando-se a combater a política conciliadora de HH como antes se fazia com Lula?

É a serviço de recuperar a tradição revolucionária do trotskismo, na qual o programa e as táticas dos revolucionários estão a serviço de se dirigir às massas e desmascarar estas as direções reformistas e traidoras, que nós da LER-QI colocamos nossas forças. Por isso fazemos um chamado aos companheiros do PSTU que rompam com sua política de adaptação ao PSOL e se apóiem na força da Conlutas para colocar de pé uma Frente verdadeiramente classista nas próximas eleições municipais.

[1Não podemos nos esquecer que até agora foi o PSTU que perdeu importantes quadros e dirigentes do Comitê Central quando foi fundado o PSOL, em função da política que levantava até 2002 de construir um partido com a esquerda petista e as pastorais operárias. Essa política o levou inclusive a votar em Lula no segundo turno em 2002.

[2“Divergências na fundação do PT. Avaliações diferentes das perspectivas de legalização do Partido” . Movimento. São Paulo, nº 242, de 18-24/02/1980, p. 8. In Perseu ’ História, memória e política. Revista do Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo. Nº 1. Ano I, dez. 2007. p. 124.

[3Convergência Socialista Nº 9 (março 1980)

[4Para as correntes trotskistas que se mantêm dento do PSOL, como a CST, a incapacidade de tirar as mais elementares lições da experiência com o PT é ainda mais aguda. Enquanto não rompem com este partido, não fazem mais que fortalecer “pela esquerda” a política direitista de Heloisa Helena e Cia.

[5Trotsky, "A lição da Espanha (Última advertência) - Bolchevismo e menchevismo na Espanha". Escrito em 17 de dezembro de 1937. Extraído do livro A revolução espanhola, publicado por El puente editorial.

[6Todas as citações sobre a Conferência são extraídas das “RESOLUÇÕES DA II CONFERÊNCIA NACIONAL ELEITORAL DO PSOL” , Brasília, 29 e 30 de março de 2008.

[7Bispo de Barra-BA, que se fez conhecido na luta contra a transposição do Rio São Francisco pela greve de fome realizada em 2007.

[8“Ato com dom Cappio, em São Paulo, reuniu 500 pessoas” , Portal do PSTU, 02/04/2008.

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