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DEBATE

“Golpe da direita” ou mobilização progressista das massas?

26 Jun 2013   |   comentários

Após os atos da última semana, em que pareceu se repetir em diversas cidades o estranho fenômeno de as organizações de esquerda e alguns movimentos sociais serem hostilizados e até “expulsos” das manifestações, por elementos de ultradireita que conseguiram manipular um setor dos atos, muitos militantes ficaram preocupados, o que é natural. Porém, passada a perplexidade inicial, é necessário analisar friamente o significado desses acontecimentos e sua relação com o conjunto do processo em curso, sem impressionismo ou visões interessadas, que acabam por distorcer o verdadeiro conteúdo das ações massivas nos atos e suas contradições.

Dois medos distintos

Trata-se na verdade de dois processos combinados. De um lado, os setores de militantes de esquerda e dos movimentos sociais que foram surpreendidos pela hostilidade dos grupos de extrema direita, ou, melhor dizendo, pelo insólito “apoio de massas” a tal hostilidade. Já veremos que se trata, na realidade, muito mais de um “pseudo apoio”, uma capacidade momentânea e efêmera de manipular a confusão, mas carente de uma base estável ou permanente. No entanto, o inesperado do fenômeno é o que explica a reação sincera de preocupação (e em alguns casos, de medo mesmo) que se instalou em muitos companheiros do movimento.

Do outro lado, o que vimos nos dias seguintes, na repercussão que foi dada a esses acontecimentos, foi uma outra coisa bem distinta: a tentativa (bem sucedida num primeiro momento) dos setores reformistas ligados ao governo federal e ao PT (como CUT, CTB, MST, UNE, PCdoB, UJS, PPL (ex—MR8), entre outros), de instrumentalizar o “susto” da esquerda para tentar retomar o controle, domesticar e direcionar o movimento seja “de volta para casa”, seja para a pauta da “defesa da democracia e dos avanços sociais” (ou seja, defesa do próprio governo e seu modelo de país questionados tão violentamente pela explosão das massas nas ruas).

Para que fique claro: apesar da retórica, o verdadeiro “medo” dos petistas não é com relação aos direitistas infiltrados, nem sequer com a manipulação da mídia e da grande burguesia com relação às pautas do movimento, mas simplesmente... do próprio fato do movimento existir e ter adquirido um caráter de massas em todo o Brasil, levantando as demandas próprias dos diversos setores sociais sem pauta única ou direção burguesa ou burocrática que consiga “domesticar” o movimento. Ou seja, o “susto” dos petistas é por estar diante de mobilizações nunca vistas e sem que tenham o controle e poder de freio, particularmente porque o papel estratégico do petismo foi justamente conter, sufocar a mobilização social, sequestrando os grandes sindicatos e movimentos sociais para a passividade e conciliação com os capitalistas e submissão à institucionalidade e "legalidade" dessa democracia degradada. A função estratégica dessas direções — lulismo — foi impor a contenção social, elemento fundamental num país com tamanhas feridas históricas aprofundadas pelo período neoliberal de Collor a FHC que vivia grave crise desde 1998.

Um massivo sentimento de repúdio ao regime político

Num país que conviveu com mais de uma década de estabilidade burguesa, tendo uma esquerda incapaz de fazer frente à ofensiva lulista dos últimos anos e com uma pressão sectária em relação ao movimento de massas, tem-se disseminado um discurso bastante impressionista ao se lidar com mobilizações massivas sobre “a hegemonia da direita” (alguns dizem até do fascismo) no interior do movimento, especialmente a partir da questão do repúdio as bandeiras dos partidos nos atos.

Ainda que partamos de considerar altamente positiva (e vital em um sentido estratégico) a iniciativa de muitos ativistas independentes de se solidarizar com as organizações e defender o direito de manifestação e dos partidos de esquerda - tão caro num país que vivenciou décadas de ditadura militar -, é preciso entender que a canalização que a direita vem fazendo dessas ações nos atos não se refere a um sentimento da juventude imediatamente antioperário, antissindical ou mesmo contra a esquerda estritamente. O que sim vem existindo é um forte sentimento antirregime, tanto ao parlamento burguês quanto aos partidos que, na leitura das massas, são os instrumentos da corrupção e do ataque aos direitos da juventude e dos trabalhadores e, como parte do mesmo fenômeno, um forte repúdio ao PT, por suas alianças setores mais reacionários e corruptos.

Daí que a extrema direita tenta canalizar esse sentimento contra os partidos em geral (em especial os de esquerda) e que a chave é as organizações da esquerda classista não se isolarem das massas nesse processo, mas disputar a sua consciência com um programa para a juventude e os trabalhadores, dando resposta a essa insatisfação com o regime burguês. Se fica claro, para a esquerda de conjunto, que estamos diante de novos desafios, e que a questão do enraizamento na classe operária e no povo pobre será a chave para fazer frente aos setores de direita que vão sim continuar tentando manipular os setores mais atrasados e atacar a esquerda; por outro lado, também deve ficar que toda leitura que imagina estarmos diante de uma ameaça fascista, e que busque construir uma “frente única antifascista” , ou “frente da esquerda contra o golpismo” (incluindo os defensores do governo na frente), não apenas erra completamente o alvo, mas pode acabar se contrapondo ao sentimento espontâneo mais do que legítimo de revolta popular com o atual estado de coisas.

Por que não faz sentido temer um golpismo de direita na atual situação?

Devemos mostrar que a direita, antes de "estar nas ruas", está nos governos e alianças petistas (Maluf, Sarney, Collor, Renan, Temer, Feliciano, Marcelo Crivela, Edir Macedo, Ratinho etc.). Mensalão, 33 bi previstos para a Copa, Lei Antiterrorista, repressão nas obras das usinas, entrega das terras indígenas e assassinatos, Código Florestal, abandono dos assentamentos em prol do agronegócio, ataque aos direitos das mulheres e homossexuais etc.

A pressão “antidireita” é política petista (e suas alas fora do PT) consciente, mais forte que no tempo do mensalão

Na verdade, a despeito dos “avanços sociais”, as completamente insuficientes concessões que os governos Lula e Dilma fizeram aos setores mais pobres, é na figura desses governos que vem se mantendo a ditadura do capital financeiro, isto é, da burguesia mais concentrada, “nacional” e imperialista, das grandes corporações (bancos, indústrias, empreiteiras, agronegócio), com sede no Brasil ou no exterior, que extraem o grosso das riquezas naturais e do produto do trabalho dos milhões de brasileiros que produzem tudo, e mal recebem em troca o básico para tocar a vida adiante. A verdade é que os grandes burgueses estão contentes, e a parte maior da direita está no governo, não nas ruas.

Uma análise marxista do fascismo e o Brasil atual

Partindo da análise de classe, foi preciso primeiro pontuar os fundamentos de o PT estar em aliança com setores reacionários (portanto, que estão dentro do governo) e, no plano econômico, vermos uma forte hegemonia dos grandes monopólios capitalistas em aliança com o governo.

Mas ainda é preciso ir ainda à raiz dos conceitos para problematizar a questão do fascismo na atual situação brasileira. Nas várias definições dadas pelo dirigente revolucionário Leon Trotski em seus estudos sobre a ascensão fascista na Alemanha, se destaca sempre o seguinte elemento fundamental: o fascismo é a mobilização reacionária da pequena burguesia arruinada contra o proletariado e suas organizações, a serviço do capital financeiro mais concentrado.

Ora, basta relembrar essa definição para, voltando os olhos para a realidade do país hoje, verificar que nada disso se encaixa com o que estamos vendo. E isso, em primeiríssimo lugar, porque o capital financeiro está amplamente satisfeito com o governo, faz “parte” dele, não apresenta nenhum choque importante de interesse com ele e nem vê, no momento, qualquer perda real de sua capacidade de manter a continuidade dos negócios capitalistas no país.

É preciso olhar as coisas de olhos abertos, e não se levar pelas aparências, nem quando elas são habilmente manipuladas pelos sacerdotes petistas. O fascismo não é simplesmente igual à existência de indivíduos desmiolados e agressivos, portadores de ideias estapafúrdias e reacionárias, e dispostos a brigar fisicamente por elas. Esses, infelizmente, são um produto do capitalismo decadente, mais um sintoma de que esse sistema social apodreceu há muito tempo e merece ser substituído por uma nova democracia instaurada pelo poder operário e popular. Mas é apenas quando o grande capital se vê ameaçado de morte pela organização operária e a revolta de todo o povo, quando a perspectiva da revolução social (não dos inofensivos “avanços sociais” lulistas) se faz sentir e põe a classe dominante a tremer, é só aí, quando a grande burguesia entra em desespero e se vê obrigada a recorrer aos bandos de desmiolados fascistas, essa “poeira de humanidade”, como dizia Trotski, aí sim é que a ameaça fascista pode e deve ser levada em conta, e cumprir um papel determinante na orientação da esquerda classista e revolucionária.

Mas quem determina, mais uma vez, é a luta de classes, o verdadeiro motor da história. E hoje o que ela pede é uma atuação decidida para aproveitar o abalo sísmico que a irrupção da juventude criou no Brasil, furando a apatia, o tédio e o nojo, para organizar e mobilizar os trabalhadores com suas próprias demandas, para que aliados à juventude explorada e oprimida de todo o país, sejam eles a dar o tom das próximas etapas de um combate que ainda está em seus capítulos iniciais.

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