Sexta 3 de Maio de 2024

Teoria

As bases para a construção do Partido Revolucionário no Brasil

05 Jun 2006   |   comentários

Depois do refluxo da revolução russa de 1917, da derrota da revolução alemã e da morte de Lênin em 1924, se apoderou do Partido Bolchevique (Partido Comunista da União Soviética - PCUS) e da III Internacional fundada por Lênin e Trotsky uma casta burocrática dirigida por Stalin que soterrou todas as lições deixadas pela experiência russa e assassinou centenas de milhares de revolucionários, e milhões de operários e camponeses que de alguma forma se opunham aos ditames da burocracia stalinista. Isso mesmo! Longe de representar a continuação da revolução, a fração stalinista para se encastelar no PCUS e na III Internacional foi obrigada a massacrar toda uma geração de revolucionários. Somente um punhado de revolucionários, organizados primeiro na oposição de esquerda internacional e depois na IV Internacional fundada em 1938, foi capaz de manter viva a tradição revolucionária do marxismo durante a segunda guerra mundial, a maior tragédia da história da humanidade. A IV internacional, que lutou com todas as suas reduzidas forças para transformar a guerra imperialista em guerra revolucionária de classes, deixou raízes profundas também no Brasil, com a formação da Liga Comunista Internacionalista que combateu desde o final dos anos vinte e durante toda a década de 30 as capitulações e os giros “esquerdistas” do stalinismo.

A segunda guerra mundial terminou com um resultado extremamente contraditório. Esteve colocado a partir de 1943 com as situações revolucionárias que se abriram em países como França, Itália e Grécia, impor derrotas decisivas ao imperialismo, que pela primeira vez ocorreriam em países centrais de capitalismo avançado. Se isso não aconteceu foi por que as direções stalinistas do movimento operário, fortalecidas com o avanço militar da URSS sobre Hitler, impediram que a classe operária caminhasse para a tomada do poder nestes países. Como parte dos pactos selados entre Stalin, Roosevelt e Churchill ao final da 2ª Guerra, esses países eram reconhecidos pelo stalinismo como “zona de influência” dos EUA e do “Ocidente” . O ímpeto revolucionário das massas era tão grande e a debilidade da burguesia tanto maior, que apesar das traições stalinistas, o imperialismo foi incapaz de evitar que a burguesia fosse expropriada na China e em todo o leste europeu. Essa situação contraditória, com o stalinismo fortalecido, fez com que a geração de jovens trotskistas que tiveram sobre seus ombros a responsabilidade de levar adiante a estratégia e o programa da IV Internacional após o assassinato de Trotsky em 1940, não fosse capaz de responder aos novos desafios colocados pelo stalinismo fortalecido, e assim evitar que a IV Internacional terminasse explodindo em diversas correntes trotskistas, com uma ala direita pró-stalinista (majoritária) e setores mais à esquerda que tentaram combatê-la, porém sem conseguir manter viva a tradição deixada por Lênin e Trotsky.

Nossa pequena organização brasileira, que consideramos uma liga marxista de propaganda e ação, a Liga Estratégia Revolucionária ’ Quarta Internacional, se orgulha de pertencer à Fração Trotskista ’ Quarta Internacional, uma corrente internacional que conta com partidos e organizações na Argentina, na Bolívia, no México, no Chile e na Europa. Nosso combate é para resgatar os fios de continuidade com o marxismo revolucionário, que como dissemos, se perderam depois que a IV internacional explodiu no início da década de 50. No Brasil não partimos do zero e podemos nos apoiar nas elaborações e na prática da Liga Comunista Internacionalista, que expressou no Brasil a continuidade da III Internacional de Lênin e de Trotsky e combateu, assim como os trotskistas em outras partes do planeta, os crimes do stalinismo em território nacional.

A história do movimento no Brasil

A grande tragédia do movimento operário brasileiro, assim como do movimento operário internacional, é que não contou até hoje com um forte partido revolucionário que pudesse derrubar a burguesia do seu trono. Na década de 30, ao invés de preparar a classe operária para responder com uma política independente à enorme crise nacional, o PCB, “armado” com uma concepção etapista da revolução e com uma estratégia ultra-esquerdista, que negava, por exemplo, a luta pela assembléia constituinte, facilitou o caminho para a ditadura varguista do Estado Novo. Esse partido acreditava que a principal contradição de classe no Brasil era entre as oligarquias agrárias e os industriais da cidade, o que levava este partido a pregar uma revolução dirigida pela pequena burguesia, “arrastando” a burguesia industrial contra a oligarquia agrária e o imperialismo, e na qual por isso mesmo a classe operária não deveria ter qualquer política independente. Mais tarde, já na década de 60 o Partido Comunista, apostando suas fichas numa “transição pacifica” ao socialismo, sustentava o governo burguês de João Goulart. Essa estratégia levou a que a heróica classe operária brasileira, os camponeses que se rebelavam em todo o país e os soldados e marinheiros que desejavam uma “república sindical” fossem derrotados sem luta pelos comandantes militares e pela burguesia. Mais recentemente, entre o ano de 1978 e a maior parte da década de 80, o mais impressionante ascenso operário já visto no Brasil foi desviado e contido, primeiro com a estratégia eleitoralista em torno do PT e de Lula (1980-1982), a seguir com a defesa policlassista da campanha pelas diretas em 1983 e 1984 e, por fim, com a constituinte em 1986-1988. Nenhuma das contradições estruturais da sociedade brasileira foi sequer tocada seriamente. Com o PC ferido de morte depois de sua derrota sem luta em 1964, coube ao recém fundado PT, levar o movimento operário ao beco sem saída do regime democrático burguês, sem que os setores que se reivindicavam trotskistas tivessem uma política de fato independente, ao colocarem a “unidade do PT” acima de tudo. Neste dois grandes ascensos o movimento operário e as massas em geral tiveram que amargar a falta de uma poderosa organização, que unificasse toda a vanguarda dos trabalhadores e indicasse sem vacilações o caminho a seguir.

Também no Brasil os trotskistas foram incapazes de se apoiar nas suas tradições históricas para se ligar à classe operária e tentar mudar o rumo da luta de classes. Para avançar na construção de um verdadeiro partido revolucionário no Brasil temos que partir de nos apoiar no mais avançado que já deu o movimento operário de nosso país. Tanto nos seus processos de mobilização, quanto nas organizações revolucionárias que foi capaz de construir, como a LCI dos anos trinta. Do mesmo modo, não poderemos deixar de fazer um balanço critico da atuação dos que se reivindicavam revolucionários, especialmente dos trotskistas durante o ascenso operário de 70/80, especialmente porque esta foi a experiência que moldou a maior parte da esquerda brasileira que atua hoje em dia.

A LCI na década de 30 estabeleceu as bases para a formação de um partido revolucionário no Brasil

Lutando contra as traições do stalinismo brasileiro a Liga Comunista Internacionalista, elaborou profundamente sobre a realidade nacional e participou ativamente do movimento operário da época. Combateu as teses do PCB, de uma “revolução democrática” ou “agrária e anti-imperialista” separada por toda uma etapa histórica da revolução proletária, defendendo as teses de Trotsky de que somente a classe operária poderia conduzir a luta contra o imperialismo e resolver o problema agrário nos países semi-coloniais. Contra as falsas concepções da revolução no Brasil defenderam, portanto, que somente uma revolução proletária e socialista poderia dar solução aos problemas que a burguesia brasileira, desde o seu nascimento, foi incapaz de resolver. Contra a posição do PC de oposição entre a oligarquia do campo e a burguesia industrial das cidades, demonstraram como a burguesia brasileira surge no campo e não nas cidades. Como ela surge do seio dos senhores de engenho e não em luta contra eles.

Contra as concepções do PCB, de que um setor da burguesia industrial poderia se unificar com os operários na luta contra a dominação imperialista, demonstraram claramente como a burguesia brasileira, dividida entre seus interesses regionais a tal ponto que entrou em guerra civil em 1932, nasce atrelada ao imperialismo: “A burguesia nacional vê fugir das suas mãos a força do estado e é condenada a ceder o controle político à ação internacional imperialista, na sua incapacidade histórica de agir coletivamente como classe” ; “A burguesia nacional, só pelo pavor da revolução social está tomando consciência” . A partir destas posições a Liga conclui “no Brasil, nas condições presentes, a tarefa mais importante que cabe ao proletariado, é a criação de um verdadeiro partido comunista, de massa, capaz de guiá-lo no sentido do curso histórico: a implantação da ditadura do proletariado e a salvaguarda da unidade e independência nacional pela organização do estado soviético” .

Como uma pequena Liga de propaganda e ação os trotskistas brasileiros na década de 30 não se contentaram em estabelecer as bases para uma análise marxista da formação do capitalismo brasileiro. Foram bastante ativos nas lutas do movimento operário. Antes mesmo da burguesia paulista se levantar de armas na mão contra o governo de Vargas em 1932 em nome de uma assembléia constituinte, a LCI exigia do PC que rompesse com sua linha ultra-esquerdista e encabeçasse a luta pela demandas democráticas, não deixando que a reacionária burguesia paulista se embandeirasse destas demandas. Porém, o principal exemplo da diferença que pode fazer uma pequena Liga armada com uma clara estratégia revolucionária veio alguns anos depois. Os integralistas (semi-fascismo brasileiro), se fortaleciam e atacavam diversos sindicatos e organizações operárias. Os stalinistas no mundo todo estavam com uma linha ultra-esquerdista em que se negavam na prática a fazer frentes únicas operárias contra o fascismo. Foi graças à ação dos trotskistas, que se aliaram a partir do sindicato dos gráficos (a UTG ’ União dos Trabalhadores Gráficos ’, de grande peso e influência na época) aos anarquistas e diversos outros setores de esquerda, que o Brasil foi o único país do mundo onde o PC foi arrastado a uma frente única operária contra o fascismo. È graças à LCI que podemos hoje nos lembrar do que ficou conhecido como “a revoada dos galinha verdes” , quando em 1934 um comício Integralista na Praça da Sé com cerca de 10 mil participantes foi dissolvido pela ação de milícias operárias. Se depois Vargas foi capaz de implantar um Estado semi-fascista mesmo sem apelar para a ajuda direta dos integralistas para derrotar a classe operária, foi graças à ação ultra-esquerdista do PC com a intentona comunista de 1935, que após ser derrotada pelo governo com relativa facilidade, possibilitou uma enorme ofensiva reacionária contra as organizações operárias, deixando os trabalhadores e sua vanguarda completamente desarmados.

Resgatar a tradição marxista para reconstruir a Quarta Internacional

Estas posições, que queremos resgatar, constituem um ponto de partida fundamental para um reagrupamento da vanguarda revolucionária no Brasil. Infelizmente, nos últimos 60 anos da luta de classes elas foram esquecidas. Depois da derrota de 64 diversos intelectuais, principalmente Caio Prado Jr. e Florestan Fernandes, se destacaram por rever vários aspectos da teoria do PCB. Em muitos pontos retomam elementos da teoria da LCI, porém de maneira fragmentária e parcial, muito aquém do que a própria LCI elaborou. O PT nasce supostamente como superador do PCB, porém abrigando vários stalinistas e sem sequer fazer um balanço das causas que levaram à vitória do golpe militar em 64.

A própria LCI não consegue resistir à pressão do Estado Novo, combinada aos acontecimentos internacionais (pacto entre Hitler e Stalin) que provocaram divisões na Quarta Internacional. Seu principal dirigente, Mário Pedrosa, que participou do congresso de fundação da IV Internacional na França, rompe com Trotsky pouco depois. A força do PCB depois da segunda guerra mundial e a explosão da IV internacional na década de 50, fazem com que estas primeiras bases sólidas para a construção de um partido revolucionário no Brasil sejam relegadas ao passado. Da mesma forma que a nível internacional nenhuma das correntes trotskistas consegue se manter integralmente no marco das posições marxistas revolucionárias e capitulam de uma ou outra forma ao stalinismo, ao castrismo ou ao maoísmo, - também em alguns casos ao nacionalismo burguês nos países atrasados e à social-democracia na Europa ’ também no Brasil se rompe o que nós da FT chamamos de fios de continuidade com o marxismo revolucionário.

Mesmo com o movimento trotskista ressurgindo no Brasil a partir do ascenso entre o fim dos anos 70 e os 80, a tradição da oposição de esquerda internacional e da IV internacional, e mais ainda a tradição do trotskismo brasileiro não consegue ser recuperada. Queremos seguir a discussão com todos os militantes que se reivindicam revolucionários e com toda a vanguarda dos trabalhadores e da juventude no Brasil sabendo que para a construção do partido que o proletariado brasileiro necessita não partimos do zero. Queremos seguir essa discussão e avançar para um balanço da atuação dos trotskistas na década de 80, que na nossa opinião esteve bastante aquém, tática, programática e estrategicamente, dos desafios colocados pela revolução brasileira.

Artigos relacionados: Teoria









  • Não há comentários para este artigo