Sexta 3 de Maio de 2024

Internacional

Cúpula do G20

Acordos pragmáticos e de pouca substância: crise longe de ser solucionada

07 Apr 2009   |   comentários

  • Obama e Gordon Brown na reunião do G20

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O encontro do G20 ocorrido no dia 02 de abril se deu em meio a grandes expectativas geradas pelo recrudescimento da crise financeira e económica internacional, e pelo avanço das tensões interestatais. Em relação ao epicentro da crise, os EUA, o encontro foi antecedido pelas contradições abertas pelo polêmico plano de salvamento do sistema financeiro de “dinheiro por lixo” de Obama, pela ameaça de concordata da GM e pelo anúncio de o desemprego já atingiu a marca de 8,5% com cinco milhões de postos de trabalho fechados. Em diversos países da União Européia também se tornou notório o aprofundamento das contradições abertas pela crise económica, o que atuou como um tenso pano de fundo para o G20. Soma-se a isso o próprio aparato policial, o maior já organizado na Grã-Bretanha, em estado de alerta para barrar as manifestações contra o encontro.

Após a sua realização, a mídia burguesa tentou vender a imagem de que o G20 havia sido um sucesso, repercutindo sentenças como a proferida pelo primeiro-ministro Gordon Brown de que a “era do segredo bancário havia acabado” , de fim do Consenso de Washington em nome de uma distribuição de poderes mais equitativa entre os países, e de que agora começaria a era da regulamentação do controle financeiro. Entretanto, olhando mais de perto torna-se nítido como o resultado do G20, se por um lado não foi a ruptura que o avanço da crise podia antecipar, por outro esteve longe de tocar as raízes dos problemas económicos e políticos que abalam o cenário internacional. O montante de US$ 1,1 trilhão anunciado como parte do esforço para reativar a economia global, pode ter motivado uma alta das Bolsas no dia seguinte ao seu anúncio, mas não será capaz de resolver a crise económica, como desenvolveremos abaixo.

Recuo relativo dos EUA em troca de apoio para a OTAN

A preparação da cúpula do G20 foi marcada pela discordância entre os EUA e a União Européia sobre como responder imediatamente ao avanço da crise. No plano estratégico mais que fundar uma “nova ordem mundial” , o G20 expressou o impasse da “não mais” dominação inquestionável dos EUA, mas sem que nenhuma oura potência emirja. Os EUA haviam iniciado uma pressão sobre a UE para que estes lançassem novos pacotes de estímulo económico global, questão à qual se negavam. Em outro artigo definimos que a raiz desta pressão estava na intenção dos EUA de impedir que as economias européias, sobretudo a da Alemanha, altamente exportadora se beneficiasse do relativo aquecimento da demanda norte-americana após os pacotes anunciados por Obama. Isso se somava a outro elemento de discórdia em relação a qual instância seria responsável por arcar com as imensas conseqüências da crise económica no Leste europeu, onde hoje se questiona a continuidade do governo ucraniano, o outrora mais bem-sucedido das “revoluções coloridas” apoiadas pelos EUA como política para estender seu domínio na região. Os EUA tinham a política de que o problema dos países do Leste fosse encarado como uma questão européia, cabendo ao BCE arcar com quaisquer ações para recuperar a economia da região, enquanto a União Européia mantinha a posição de que possíveis estímulos viessem pela via de organismos globais, como o FMI. Concretamente, a posição da UE apontava no sentido de que os EUA, portanto, também tomassem parte do problema das economias européias do Leste, além de terem colocado todo eixo na regulamentação do sistema financeiro internacional, política que vai contra os interesses dos EUA e da Grã-Bretanha. Neste sentido, o resultado alcançado no G20 se caracteriza por um recuo relativo dos EUA no plano económico, que não póde forçar a UE a votar planos de estímulo globais, e um avanço relativo da UE, já que o pacote aprovado que anuncia um montante de 1,1 trilhão de dólares ao FMI destinado a aquecer a economia dos emergentes engloba também os países do Leste europeu.

Entretanto, se no plano económico primou a reivindicação européia, no plano político os EUA tampouco saíram prejudicados. Em sua primeira aparição em um evento internacional importante, Obama emergiu como uma liderança política “moderada” e aberta ao diálogo, renovando o mandato internacional obtido para recompor a localização dos EUA no mundo após os imensos desgastes gerados pelos governos de Bush. Neste sentido, Obama levou à frente a política que havíamos caracterizado em artigo anterior, em que poderia ceder no G20 para exigir da União Européia maior colaboração política e militar na OTAN, questão que se confirmou nesta cúpula ocorrida dias após o G20. Assim foi como conseguiu um acordo com a UE e, sobretudo com a França, que retorna a OTAN após 43 anos de ausência, de envio de 5000 efetivos militares ao Afeganistão. Apesar de ser um montante reduzido frente aos 21.000 soldados previstos pelos EUA , a maior importância do acordo pragmático entre EUA-UE nos encontros da última semana reside justamente no aberto apoio político brindado aos EUA. Isso se demonstra nas declarações de Sarkozy, presidente francês “Não podemos nos permitir perder, por que uma parte da liberdade do mundo está em jogo ali. A nova estratégia de Obama equivale palavra por palavra ao que nós cremos” . Neste sentido, após o anúncio de uma cúpula de crise aberta, o G20 se caracterizou por ser um encontro de crise velada, com aparência de consenso, no qual pouco se tocou nos temas de fundo em relação à economia, e cada uma das partes fundamentais, EUA e UE atuaram de acordo com as possibilidades de obterem algum ganho. Assim, as contradições fundamentais do cenário internacional longe de terem sido resolvidas, foram postergadas e as tendências à enfrentamentos e tensões seguem vigentes.

Por outro lado, a efetividade do próprio montante de U$1,1 trilhões de dólares para o FMI, em que 850 bilhões seriam destinados em sua maioria aos “países emergentes” e 250 bilhões para reativar o comércio mundial, anunciado pelo G20 como política de contenção dos efeitos da crise é altamente duvidosa. Em primeiro lugar por que grande parte desta quantia não é composta por “dinheiro novo” . De acordo com análise do Financial Times, U$100 bilhões seriam de injeções já anunciadas previamente pelo Japão, enquanto U$101 bilhões pela UE. Dos saques previstos pelos DES (Direitos Especiais de Saque) do FMI apenas 250 bilhões são dinheiro realmente novo, disponível no imediato. “Não houve novos anúncios de verbas por parte de EUA, China e Arábia Saudita, mas apenas uma promessa genérica de bancar um novo esquema de financiamento de US$ 500 bilhões, no qual todos esses compromissos já existentes e dinheiro novo seriam colocados” , segundo Financial Times. Em relação aos U$ 250 bi para aquecer o comércio mundial o ceticismo é ainda maior “No que tange aos financiamentos comerciais, o número de US$ 250 bilhões não sobrevive a qualquer teste. Um anexo ao comunicado diz que o dinheiro novo oferecido fica entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, e o valor de US$ 250 bilhões representa uma aspiração quanto ao montante de comércio a ser financiado em dois anos, e não quanto ao valor a ser oferecido para financiamento comercial em si” , afirma a mesma nota (Financial Times, 03/04/2009). Portanto, sequer deste ponto de vista, e apesar do alto volume de dinheiro anunciado, de fundo persiste a discordância sobre quem e como deverá pagar o custo da crise, sobretudo entre os EUA e a UE.

Fim do segredo bancário?

O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, saiu efusivamente e declarar o “fim da era do segredo bancário” , por conta dos pretensos avanços na regulamentação do sistema financeiro internacional e às ações contra os paraísos fiscais, uma das políticas apresentadas como parte do “consenso” do G20. O texto final traz uma cláusula que indicaria que a regulamentação/fiscalização do sistema financeiro seria exercida nacionalmente, mas seguindo parâmetros internacionais, chegando a controlar inclusive os hedge funds. Entretanto, é muito mais provável que isso não se concretize, pois significaria simplesmente atacar os interesses dos setores mais concentrados da burguesia financeira de Wall Street, setor a quem o presidente Obama já demonstrou ser guardião fiel dos interesses, como se comprova mediante o último pacote anunciado para absorver os ativos tóxicos, e também dos mesmos setores na Grã-Bretanha. Neste sentido, é altamente improvável que paraísos fiscais de peso onde se concentra o grosso do capital investido, como é a própria Suíça, sejam desmantelados ou mais controlados, justamente por que isso equivaleria a atacar os interesses dos mais altos setores das finanças, questão que até o momento nenhum governo central se movimentou para fazer, por mais que renovem cartas de intenções que possam apontar neste sentido.

Dessa forma, “acabar com a era do segredo bancário” não pode ser um processo pacífico, muito menos votado em um encontro, pois está relacionado diretamente ao tema de quem pagará os custos da crise. O segredo bancário é fundamental para garantir os lucros obtidos pelos investidores. Isto por que o capitalismo na época imperialista, ou seja do capital monopolista, depende do segredo sobre o funcionamento da economia, utilizando-o como um elemento de “compló constante contra a sociedade” . Se na década de 30 o presidente norte-americano Roosevelt teve que enfrentar o compló das 20 famílias mais ricas dos EUA quando teve que lançar mão de medidas de controle e que feriam o segredo bancário e comercial, a perspectiva de que isso se dê hoje, mesmo em meio a tamanha crise, não é menor. Sobretudo agora quando há mais especulação, e interligação entre o capital bancário e industrial, tendo em vista a imensa proliferação dos instrumentos financeiros. Se no pós II Guerra Mundial houvesse algum elemento de regulamentação do capitalismo, superior ao menos aos anos posteriores de neoliberalismo, isso se deu justamente pela possibilidade de reorganizar o capital internacionalmente após a imensa destruição de forças produtivas da guerra. Portanto, o “fim do segredo bancário” será o resultado de processos de magnitude histórica mais próximo a este episódio, que a um encontro entre governos que sequer conseguem evitar as tendências protecionistas que seguem operando como pano de fundo do desenvolvimento da crise económica.

Manifestações contra G20 e OTAN: início do ressurgir da juventude anti-capitalista?

Durante a cúpula do G20 e dias após na França e na Alemanha durante as reuniões da OTAN aconteceram uma série de manifestações. As primeiras em Londres foram marcadas por consignas como “o capitalismo não está funcionando” , e foram duramente reprimidas pela polícia, que haviam armado o maior esquema de segurança em décadas. Ainda que os atos não tenham sido tão massivos, contando com a participação oficial de 5000 pessoas, sua importância residiu na radicalização demonstrada nos enfrentamentos com a polícia, que expressam a raiva crescente contra a maneira como os governos estão lidando com a crise económica. Já durante as reuniões da OTAN os protestos foram maiores e mais radicalizados. Ao todo estima-se que participaram cerca de 30 mil pessoas, e durante um dos um hotel chegou a ser incendiado. Esta é manifestação distorcida da raiva contra a crise, e deixou o saldo de mais de 300 pessoas presas.

Não podemos descartar que como resultado da crise económica estejamos diante do início do ressurgimento do movimento anti-capitalista, que nos anos 90 havia se levantado contra as grandes corporações e os símbolos do imperialismo. Composto por jovens e muito influenciados pela ideologia autonomista, o movimento anti-globalização, cuja ala mais esquerda se denominava anti-capitalista foi um ponto fora da curva nos anos de neoliberalismo, cujo internacionalismo era um dos pontos mais fortes. Hoje, com o início de alguma movimentação operária em países como a França ou Grécia, que enquanto se realizava o G20 passava por mais uma paralisação geral contra o governo, o debilitamento das ideologias de “mudar o mundo sem tomar o poder” , e o avanço da crise económica, pode ser que haja uma nova versão do movimento anti-globalização, mais próximo do anti-capitalismo, o que teria uma grande potencialidade caso se unisse com os trabalhadores. Apostemos nisso.

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