Sexta 26 de Abril de 2024

Teoria

CICLO DE ESTUDOS

Abolicionismo(s) e Abolição

19 Sep 2008   |   comentários

No primeiro semestre deste ano, sob a perspectiva de estudar e difundir importantes elaborações sobre o povo negro no Brasil, nós da LER-QI realizamos na Fundação Santo André o curso livre “Sociologia do Negro no Brasil” . Essa iniciativa está marcada pela necessidade que vemos de questionar o caráter elitista e racista da universidade, que se expressa não somente no pequeno número de estudantes e menos ainda de professores ocupando suas cadeiras, mas também de maneira muito profunda no conhecimento que se produz e se propaga a partir da universidade em nosso país. Por um lado, a quantidade de estudos produzidos sobre a população negra e o racismo é ainda muito pequena frente à dimensão do problema da opressão secular sobre o nosso povo, que marca a história do Brasil e faz parte da estrutura da sociedade brasileira até os dias atuais. Mas ao mesmo tempo, a invisibilidade que se mantêm sobre importantes elaborações - muitas delas produzidas por pesquisadores negros - mostra que ainda persiste a tentativa de ocultar todas aquelas iniciativas que questionam o “lugar comum” a que nós, negros, estaríamos destinados, a partir das determinações da burguesia branca.

Estamos convictos de que a tarefa de estudar, refletir e produzir conhecimento a serviço da libertação do nosso povo passa necessariamente por subverter a ordem que se impõe na universidade, do mesmo modo que a própria luta por essa libertação passa por subverter a própria ordem da sociedade capitalista. Nesse sentido, os estudos que estamos iniciando encontram-se no marco em que nos colocamos: questionar o caráter e a estrutura de poder na universidade e ao mesmo tempo colocar o conhecimento a serviço dos trabalhadores e do povo negro. Por isso, neste semestre, decidimos dar continuidade a essa iniciativa, realizando um ciclo de estudos chamado “Abolicionismo(s) e Abolição” .

A 120 anos da Abolição

Neste ano, completaram-se 120 anos da assinatura da Lei à urea, que aboliu a escravidão. Uma primeira tarefa do nosso estudo passa por questionar todos os estereótipos nefastos que até os dias de hoje ocupam lugar nos livros didáticos, onde a Princesa Isabel aparece como redentora do povo negro e nós como meros escravos passivos que teríamos esperado por mais de 300 anos a salvação vinda de uma mão branca lá do alto do poder, ainda imperial. Em nosso primeiro encontro, discutimos sobre a resistência negra à escravidão, passando por alguns processos de formação de quilombos, levantes e outras formas de resistência. Sabemos que este é um tema fundamental da história do povo negro e por isso, em outros momentos, queremos destacar especial atenção, partindo de investigações históricas que mostram a dinâmica e o caráter dessas lutas.

Em nosso segundo encontro, entramos diretamente no tema do ciclo de estudos, contextualizando em que dinâmica social e política foram votadas as principais leis que diziam respeito ao trabalho escravo, antes da lei de 1888. Sob fortes pressões da Inglaterra, em 1831, foi votada a primeira lei de proibição do tráfico de africanos. Foi aí que se criou o ditado “pra inglês ver” , já que não foi implementada, enquanto o governo imperial fazia “vistas grossas” frente ao desembarque de africanos no litoral do país. Enquanto isso, a região de Salvador passava por um forte processo de levantes contra a escravidão, tendo ficado mais conhecida a Revolta dos Malês de 1835.

O fim do tráfico de africanos, a partir da Lei Eusébio de Queiroz (1850), abre um novo cenário em que os senhores de engenho buscaram se adaptar. O tráfico interno cresceu extremamente, ao mesmo tempo em que o preço dos escravizados cresceu a passos largos. É na segunda metade do século que o movimento abolicionista ganha força nos principais centros urbanos do país. Nos próximos encontros ’ e também em próximos artigos que publicaremos no Jornal Palavra Operária ’ queremos discutir as diferentes tendências que se apresentaram no abolicionismo, passando por figuras de destaque como Joaquim Nabuco, Luiz Gama, André Rebouças, José do Patrocínio e outros. Queremos discutir qual era o caráter do movimento abolicionista e qual o projeto que apresentava cada setor para a constituição do país dali pra frente, e qual o destino que propunham ao povo negro neste projeto (em alguns casos, fora deste).

Num próximo artigo, discorreremos sobre outras duas leis anteriores à Lei à urea: a lei do Ventre Livre, de 1871, e a Lei dos Sexagenários, de 1885. Apenas para adiantar, uma questão que nos chamou muito a atenção é que ambas geraram muitas polêmicas, já que setores importantes de latifundiários, entendendo essas leis como um mal menor à abolição direta do trabalho escravo, reivindicavam que fosse preservado o “direito à propriedade privada” , ou seja, a libertação das crianças que nascessem depois de 1871 e a dos idosos (60 anos) a partir de 1885 deveria estar condicionada ao pagamento de indenização. E ambas leis foram aprovadas preservando a noção de que os escravizados eram propriedade privada de seus senhores, marcando os passos lentos e graduais da transição ao trabalho livre, buscando garantir que esse processo se desse da maneira mais “segura” possível...

Aproveitamos a oportunidade para convidar os leitores do Jornal Palavra Operária a participar dos próximos encontros do nosso ciclo de estudos na Fundação Santo André.

Informações: [email protected]

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