Quinta 18 de Abril de 2024

Questão negra

CONSCIENCIA NEGRA: Pão e Rosas lança a campanha SOMOS AS NEGRAS DO HAITI

Fora as tropas da ONU comandadas pelo exército de Lula

21 Nov 2009   |   comentários

No último dia 13 de outubro, uma vez mais foi renovado pelo Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) por unanimidade o prazo para manutenção da MINUSTAH [1]. Ao longo desses cinco anos de ocupação, temos expressado no Jornal Palavra Operária as diversas denúncias sobre o verdadeiro papel que cumprem as tropas da ONU neste país, comandadas desde o início da missão pelo exército brasileiro. Assassinatos, estupros, repressão às mobilizações populares e às tentativas de organização sindical dos trabalhadores haitianos são alguns dos exemplos do que configura a atuação dos chamados “capacetes azuis” no Haiti.

O governo de Lula e os homens que ocupam os altos postos nas tropas brasileiras retomam com mais hipocrisia seus discursos humanitários sempre que surjem novas denúncias sobre a realidade que enfrenta o povo haitiano ’ que, aliás, até hoje se manifesta contra a ocupação, tendo que enfrentar ainda uma situação de extrema miséria que chega ao ponto de ter bolos de lama como parte de sua alimentação.

Todos os anos, ao anunciar a renovação do prazo da ocupação, a ONU faz questão de dizer que ainda há muitos desafios para conquistar a paz no Haiti, que deve estar ligada a uma estabilização política e desenvolvimento económico. Pela segunda vez, um dos objetivos da ocupação está relacionada à organização das eleições, que ocorrerão em 2010. A eleição que colocou em 2006 no poder René Preval, atual presidente, se deu já com o país ocupado, marcada por fraudes e manifestações de protesto por parte do povo haitiano.

René Preval é um agente da política do imperialismo estado-unidense e francês, países que historicamente arrancaram as riquezas e o sangue das terras haitianas. Não bastassem os lucros que a França obteve ao longo da colonização de São Domingos, a absurda dívida que o Haiti segue pagando até hoje, o saque e a opressão imperialista dos Estados Unidos ao longo do século XX ’ orquestrando vários golpes e ditaduras no Haiti ’, hoje o que chamam de desenvolvimento da economia significa a privatização do sistema de saúde, portos, aeroportos, etc. Isso está acompanhado pelo estabelecimento de empresas transnacionais em 18 zonas de “livre comércio” que superexploram a força de trabalho haitiana com um salário mínimo de 1,70 dólar por dia, o que equivale a 70 reais por mês. Mais alarmante que isso é saber que cerca de 80% da população do país vive abaixo da linha de pobreza e está desempregada.

Como já dissemos anteriormente, o fato de o Haiti ter hoje um presidente negro nada representa de avanço para a população haitiana, que se constitui por 95% de negros. Preval segue apoiando a manutenção das tropas, ou seja, entre Preval e o povo negro do Haiti existe um rio imenso de sangue. Os dados sobre a repressão no Haiti descarregada pela PNH (Polícia Nacional Haitiana) em conjunto com as tropas da MINUSTAH assustam e denunciam o verdadeiro caráter dessa missão. É parte fundamental de seu objetivo reprimir a resistência que se expressa tanto em manifestações pela retirada das tropas e também por outras demandas urgentes como foi no início do ano passado quando houve grandes protestos contra a fome e a carestia dos alimentos e neste ano pelo aumento do salário mínimo. Em ambos os casos, as tropas da ONU cumpriram seu papel de reprimir brutalmente.

Somente como exemplo, podemos mencionar algumas ocasiões que foram noticiadas internacionalmente. Numa madrugada em julho de 2006, cerca de 300 soldados ’ grande parte brasileiros ’ mataram mais de 60 haitianos em apenas dois bairros (Cité Soleil e Bois Neuf). Contrariando o discurso de que a partir do governo de Preval o país avança para uma maior “paz social” , em junho deste ano as tropas seguiram cumprindo seu papel repressivo assassinando um homem ’ segundo relatos, atingido pelo exército brasileiro ’ num protesto contra a ocupação, o que gerou revolta ainda maior.

No Mês da Consciência Negra, quando todo o movimento negro resgata as histórias de resistência à escravidão e ao racismo, trazendo à tona exemplos de confronto às elites como a Revolta dos Malês e o Quilombo dos Palmares, entre tantos outros exemplos, silenciar sobre a realidade atual do Haiti significa falar do passado para encobrir uma atuação impotente e atrelada ao governo Lula. O que pode explicar que amplos setores do movimento negro, após cinco anos de ocupação, não tenham colocado de pé uma ampla campanha pela retirada das tropas e pela defesa do povo negro haitiano frente à opressão imperialista da França e dos Estados Unidos, mantida hoje pelas tropas da ONU, comandadas pelo governo brasileiro?

A luta contra o racismo é internacional e para se fortalecer precisa ter como um dos seus fundamentos a luta anti-imperialista. O fato é que o governo Lula, ainda que hoje tenta concretizar algumas ações na política internacional que lhe garanta relativa autonomia regional, a verdade é que este governo não deixa de compactuar com os projetos do imperialismo, o que tem sua maior expressão do comando das tropas no Haiti. E para o povo haitiano nada mudou com o fato de os Estados Unidos ter hoje um presidente negro. Obama governa para a burguesia imperialista e apesar de toda a demagogia com a diminuição lenta e gradual das tropas de ocupação no Iraque, temos visto a ofensiva no Afeganistão. No Haiti, nada mudou!

Sobre os que preferem manter a imagem de Lula, defendendo o mesmo governo que aplica mais e mais verbas para a repressão nos morros e favelas, é preciso dizer que estão renunciando a defender o povo negro do Haiti. Está feito o chamado a todos que estão dispostos a defender consequentemente o povo negro haitiano, que historicamente protagonizou a revolução de São Domingos, conquistando a independência a partir do levante dos negros escravizados que expulsaram os brancos colonizadores da ilha. No Mês da Concsiência Negra, saímos a dizer: a luta pela emancipação do povo negro passa pela defesa do povo haitiano. Fora as tropas do Haiti!

Pão e Rosas lança a campanha SOMOS AS NEGRAS DO HAITI

O grupo de mulheres Pão e Rosas lança neste mês a campanha “Somos as negras do Haiti” . Ao mesmo tempo em que gritamos pelas mulheres e homens que são hoje assassinados pela polícia no Brasil, com destaque para a ofensiva repressiva nos morros e favelas do Rio de Janeiro, gritamos pelas mulheres haitianas que seguem vivendo sob a ocupação das tropas da ONU há cinco anos.

Além de ter seus filhos, companheiros, familiares assassinados pela polícia haitiana ou pelas tropas da ONU ’ quando não são elas mesmas assassinadas ’, as mulheres haitianas vivem sob o drama da violência sexual, em grande parte promovida pelos soldados da dita “missão de paz” . Dados de 2006 de uma pesquisa revelaram um número de 35 mil mulheres e crianças violadas em dois anos, incluindo aí 32 mil estupros. No carnaval de 2007, a própria Ministra da Condição Feminina, Marie Laurence Jocelyn Lassegue, declarou que "a polícia nacional recebeu denúncias a respeito de 800 casos, entre as quais muitas vítimas de violência carnal" (Folha On Line, 01/03/2007). Na mesma ocasião, verificou-se que a idade das vítimas ia de 3 a 65 anos de idade. E a impunidade segue vigente. Em 2007, o Sri Lanka deixou a MINUSTAH depois das denúncias contra 108 soldados de ter abusado sexualmente de mulheres e crianças. O que deveria ter se tornado um escândalo internacional, foi silenciado pelas instituições imperialistas, pelos governos e pela imprensa.

Além disso, enquanto a ONU informa que o prazo da manutenção das tropas tem por objetivo garantir a segurança nas fronteiras do país, sob o argumento de combater o tráfico de armas e drogas, crianças e mulheres seguem sendo traficadas para outros países. Somente de janeiro a abril de 2008, foram registradas 1353 crianças traficadas do Haiti para a República Dominicana ’ que sabemos que é um número que sequer corresponde ao total.

Quando gritamos Somos as negras do Haiti queremos dar voz a mulheres como Esterlin Marie Carmelle, uma jovem haitiana, moradora de Cité Soleil ’ imensa favela de Porto Príncipe ’ que perdeu seu filho assassinado numa ofensiva de repressão da polícia e das tropas da ONU. Seu filho de dois anos dormia dentro de casa, abraçado com ela e recebeu uma bala na cabeça.

Basta de discursos humanitários da ONU e do governo Lula! Não podemos nos calar frente a tamanha repressão ao povo negro haitiano. Fora as tropas do Haiti!

Acompanhe nosso jornal, artigos no blog e atividades no mês de novembro. Acesse:
http://nucleopaoerosas.blogspot.com

O invasor não aceitou ser expulso da terra

Mesmo arrando a riqueza, só deixando miséria

Pra França milhões, pro haitiano grilhões

Fome às multidões

Igualdade e fraternidade, o discurso

Que só tem validade em outro canto do mundo

Aos que possuem a riqueza daqui arrancada

São Domingos produziu, em suas mãos não se manteve nada

Quem possui hoje o poder tentar brecar o rebelados

Quem quer cadeira na ONU manda arma, manda soldado

Todos se escondem atrás da máscara das Nações Unidas

Missão de paz: exterminar quem luta é o que está na lista

Vão mandar caderno pra criança que perdeu o pai ou o irmão

Atingido pelas balas das tropas da missão

Falando que os haitianos não se entendem sozinhos

Menosprezam, jogam fora a história dos negros jacobinos

Pra ter o destino nas mãos a resistênca não se esgota

Sou negra haitiana pela saída das tropas

[Trecho do rap Livre Haiti, Mara Onijá]

[1] Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti, que é apresentada pela ONU como uma “missão de paz”, que se formou depois da queda do predidente então eleito Jean Bertrand Aristide por ação do imperialismo estado-unidense e francês.

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