Sexta 26 de Abril de 2024

Questão negra

Obama retoma Martin Luther King para conter a luta dos negros

09 Mar 2015   |   comentários

O Presidente negro Barack Obama pede para que os afroamericanos retomem o espirito de Selma, tentado barrar a radicalidade de Ferguson usando a figura de Martin Luther King.

Nesse sábado, dia 07 de março o primeiro presidente negro dos EUA, Barack Obama, fez parte da marcha em Selma que comemorou 50 anos da grande marcha por direitos civis que resultou no direito voto aos negros.

Essa marcha foi liderada por Martin L. King após uma primeira tentativa que foi duramente reprimida pela polícia, esse episódio ficou conhecido como “domingo Sangrento”, a resposta foi uma marcha de milhares.

O filme que conta a história sobre esse processo ganhou prêmio de melhor trilha sonora no Oscar. As ideias de King têm aparecido com muita força no último período, impulsionadas em certo sentido por setores como o presidente Obama, que fez um apelo para que a população siga o “espírito de Selma”. Mas por quê?

A primeira vista, um presidente negro que reivindica que os negros marchem pelos seus direitos assim como fizeram vários negros e negras ao lado de King parece muito progressista. Mas é preciso analisar melhor o desenvolvimento do próprio movimento negro da época para entender porque em tempos de revoltas populares como Ferguson o governo usa Selma como freio para a rebeldia negra.

Isso se justifica do seguinte modo: além de King, vimos nos EUA no fim da década de sessenta surgir um setor do movimento negro muito mais radicalizado, esse setor ficou conhecido como movimento Black Power, alguns grupos e figuras desse setor são muito conhecidos como Stokely Carmichael, Malcolm X e o Partido dos Panteras Negras. Mas qual a diferença?

O movimento Black Power, tirando conclusões das tentativas dos negros na luta por justiça e liberdade decidiu seguir um caminho diferente de King. Percebeu que não era possível fazer pequenas reformas para inserir os negros na sociedade Norte Americana. Os negros não poderiam se libertar até o fim das amarras sociais e econômicas de anos de escravidão sem acabar com o esse sistema.

Heuy P. Newton, em uma mensagem à sessão plenária da Convenção Constitucional dos povos revolucionários, ao colocar a situação dos negros norteamericanos diz que:
“Nós não compreendíamos, no entanto, que qualquer tentativa de cumprir as promessas de uma revolução do século XVIII no quadro de uma economia e de uma sociedade do século XX estava fadada ao fracasso.(...)
O Movimento dos Direito Civis não conseguiu a promulgação dessas leis e, de fato, nunca a conseguiria dada a natureza da sociedade e da economia americanas. A perspectiva do Movimento de Direitos Civis era a de alcançar objetivos que dois séculos de transformações violentas modificaram profundamente.
Consequentemente, o Movimento dos Direitos Civis – e os movimentos similares- não conseguiu criar quaisquer bases para a vida, a liberdade ou para a felicidade. Só criaram humilhantes programas de ajuda social, de compensação contra o desemprego, programas que, embora conseguindo enganar o povo, são incapazes de modificar a repartição fundamental do poder e dos recursos deste país.
Além disso, enquanto estes movimentos tentam integrar as minorias no sistema, vemos que o governo prossegue a sua política, a qual contradiz a sua retórica democrática.” ¹

Chegando a se apropriar de teorias marxistas, como no caso do Partido dos Panteras Negras e outro, o que esses grupos se propunham era a derrubada desse sistema a partir da organização dos setores oprimidos. Sabiam que o Estado que governa para uma classe dominante e no caso dos EUA para os grandes monopólios não poderia dar-lhes nada a não ser essa vida miserável e a violência policial que já conheciam há anos.

Esses setores não se radicalizaram apenas no conteúdo, mas também nos métodos, se armando para se proteger da polícia, alguns setores optando pela luta armada, organização de greves selvagens em Detroit e etc. Ganharam respeito de grande parte da comunidade negra e foram um grande problema para o governo, foi preciso destruir essas organizações e matar seus líderes para resolver esse “problema”. Os negros não poderiam decidir seu próprio caminho, pois isso significaria colocar de pé, como protagonistas de uma luta para derrubar esse sistema, um dos setores mais oprimidos, mostrando para o “Terceiro Mundo” e para os negros do mundo inteiro que temos um inimigo comum.

Os atos em resposta a morte de Mike Brown e Eric Garner, retomaram um espírito de radicalidade, com aparição de grupos armados como “Heuy P. Newton Guns Club”, enfrentamento com a polícia e etc. Mesmo com a tentativa de vários líderes negros e até mesmo da polícia e do governo de acalmar a revolta popular o que esse episódio mostra a todos e todas é que o povo negro sabe que são alvo da polícia e que o fato de ter um presidente negro no país não alterou em nada a realidade cotidiana dos negros nos EUA.

“Justiça”, era isso que exigiam, mas nem isso o governo norteamericano podia dar, o policial que matou o jovem Michael Brown não foi nem será processado pelo governo. Assim como a polícia não deixará de assassinar os negros nos EUA, pois isso não é apenas uma questão que preconceito da corporação ou falta de policiais negros. Isso faz parte da estrutura de um estado e de um sistema que foi criado e se sustenta pela subjugação dos negros, das mulheres dos LGBTs e etc.

Para que essa rebeldia não reviva o espírito Black Power é que o governo na imagem de Obama tenta a qualquer custo reviver o espírito de Selma. Mas será que o espírito de King e a marcha por direitos civis é capaz de mudar a realidade vivida pelos negros hoje?

O que aponta tanto a experiência do movimento negro norteamericano como os próprios levantes contra o assassinato de negros pela polícia é a necessidade da organização dos negros e negras para dar uma resposta radical que esteja a altura dos acontecimentos e que tire lições políticas dos erros e acertos dos grandes movimentos anteriores para atacar com ainda mais força esse sistema criado para nos explorar, humilhar e oprimir. Que seja internacional e que ligue todos os oprimidos e explorador e que consiga atacar o coração do capitalismo.

1- http://pretotrotskismo.blogspot.com.br/2014/04/mensagem-de-huey-newton-sessao-plenaria.html

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