Segunda 29 de Abril de 2024

Nacional

A luta por uma moradia digna

04 Aug 2003 | Multiplicam-se as ocupações de terrenos e prédios abandonados nas cidades, como resposta do povo pobre aos brutais ataques às condições de vida, produto das crises econômicas capitalistas que preservam os lucros patronais e lançam milhões no desemprego e na miséria.   |   comentários

Desde o último dia 20 de julho, o terreno da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, ABC paulista, havia sido ocupado por cerca de 4 mil famílias de desabrigados e moradores das regiões locais e de outras áreas de São Bernardo, acompanhando a onda de ocupações de terrenos e prédios vazios que se intensificam por todo o país. Esses setores saem à luta por moradias dignas empurrados pela enorme carestia e precarização da vida e o desemprego crescente que assola o país.

No dia 7 de agosto o terreno da Volkswagen foi desocupado pelas tropas do batalhão de choque da polícia militar do Estado, fazendo cumprir a reintegração de posse do terreno por ordem de um juiz local. Nesse dia a maioria das famílias se viu completamente coagida pelo aparato da polícia e começou a abandonar o terreno, sob ameaças das armas de fogo, cães, até atiradores de elite, etc. As cerca de 700 pessoas que permaneceram na ocupação até o último momento, saíram em marcha rumo à prefeitura da cidade para protestar. Durante a marcha, foram covardemente reprimidos por policiais, com bombas e cassetete, o que resultou em inúmeros feridos e o sumiço de um caminhão com pertences dos sem-teto.

O avanço das misérias do capitalismo, aumentando a carestia de vida, e os ataques cada vez mais freqüentes aos trabalhadores, têm acelerado e intensificado os processos de lutas de diversos setores do movimento de massas. Porém, por estes rebelarem-se contra sua condição miserável, e tomarem ações que questionam frontalmente a propriedade dos capitalistas, a burguesia promove uma campanha midiática que tenta a todo custo criminalizar a luta dos trabalhadores e do povo pobre, colocando um caráter de "violência gratuita" aos movimentos e ocupações dos sem-teto e sem-terra, tentando jogar a opinião pública e o conjunto da população contra eles, bem como fazem com a greve dos servidores públicos.

A verdade é que, há uma agudização dos conflitos políticos no país, devido aos ataques brutais à condição de vida do povo pobre, sobre a qual os capitalistas tentam descarregar sua crise económica, respondida com a repressão armada, seus capangas, e sua polícia assassina de trabalhadores. Desde já devemos desmascarar essa imprensa burguesa que tenta encobrir a profunda crise que vive o país, culpa dos próprios capitalistas e seus planos de fome, com todo tipo de sensacionalismo. Denunciamos, sim, a violenta repressão policial que sofrem os trabalhadores em suas lutas legítimas por melhores condições de vida e por uma moradia digna!

Porém detenhamo-nos um pouco na questão em si da moradia, para daí avançar na compreensão do fenómeno das ocupações e dos movimentos sociais dos setores sem-teto.

Perguntamos: por que existem mansões e condomínios de luxo para a burguesia, e falta moradia para a maioria do povo pobre e os trabalhadores? Por que a classe operária que constrói todos esses edifícios, não pode ter direito a um simples apartamento? Por que tem que viver amontoada nos barracos, ou em casas precárias enquanto existem milhares de imóveis sem uso nenhum? Só na cidade de São Paulo existem mais de 420 mil imóveis abandonados, enquanto a cada dia são mais pessoas que, por não terem onde morar, abrigam-se embaixo das pontes.

A expulsão, em décadas anteriores, de quantidade de camponeses de suas terras, e as condições miseráveis no campo e nas regiões mais pobres do país fizeram com que grande parte dos trabalhadores rurais, pequenos camponeses e de várias áreas do interior, fosse para as cidades em busca de emprego e melhores condições de vida. Porém, a crescente crise económica resultou na expulsão dos trabalhadores das moradias nas regiões centrais, fazendo com que, não podendo mais pagá-las, fossem para as periferias onde os aluguéis são mais baratos, além do que o aumento crescente do desemprego e dos milhares que a patronal lança às ruas, acabou por precarizar ainda mais as habitações para o conjunto dos trabalhadores e da população pobre. Segundo dados do próprio governo são mais de 40 milhões de brasileiros morando em situação informal ou em condições precárias.

Assim, as construções das regiões centrais das cidades, passaram a engordar o monopólio dos grandes capitalistas, que cobram aluguéis extorsivos e especulam com o valor destas que na ampla maioria ficam desocupadas e abandonadas - a chamada especulação imobiliária.

A cada dia que passa encontramos mais pessoas sem moradia, ou vivendo amontoadas nos barracos, ao passo que os enormes prédios abandonados nas principais regiões das cidades servem ao aumento dos lucros e ações dos capitalistas. De saída, defendemos a desapropriação imediata destes enormes prédios e terrenos desocupados sem nenhuma indenização, para que em seu lugar sejam construídas habitações dignas para a classe trabalhadora e o povo pobre desabrigado.

Se, no sistema desigual do capitalismo, o proletariado não tem nada mais senão sua própria força de trabalho para sobreviver, contando somente com "um salário e, portanto, exclusivamente com a soma de meios indispensáveis para sua existência e para a reprodução de sua espécie" [1] não poderia ser diferente quanto à moradia. Na época atual onde o desenvolvimento e o avanço da tecnologia permitiriam condições para melhorar a qualidade de vida, a redução da jornada de trabalho permitindo a incorporação de todos os trabalhadores à produção e a divisão da riqueza produzida em benefício de todos os produtores diretos, vemos que a sociedade capitalista cria cada dia mais desemprego aumentando cada vez mais o chamado exército industrial de reserva (desempregados), impossibilitando que o trabalhador tenha sua casa própria, ou mesmo quando fica sem emprego, nem consegue alugar um barraco.

Com o aprofundamento da crise económica que vive o país, cresce, também a crise da moradia. Cada vez mais pessoas encontram-se em moradias precárias e em diversos casos, nem essas moradias conseguem sustentar. Nesse cenário, é notável o crescimento de movimentos sociais que lutam pela moradia, com métodos de ocupações de terrenos e prédios vazios. Ações que tem atraído cada vez mais setores de trabalhadores e desempregados que perderam suas casas ou que não suportam mais pagar aluguéis extorsivos para morar em péssimas condições.

Reivindicamos e defendemos completamente esta luta dos trabalhadores e desempregados sem-teto, que tem sido protagonizados por todo o país.

Porém, questionamos a estratégia das direções destes movimentos, como o MTST. Para este movimento, como para outros similares que existem, cada conflito é um conflito, não unificando numa grande ação coordenada a luta pela moradia, o que leva a que o governo e a patronal possam derrotar essas lutas. Além do fato de que desvinculam a luta por moradia de maneira exclusiva das demais demandas e movimentos da classe trabalhadora, o que leva ao isolamento dos sem-teto e ao desarme de sua resistência. A política orientada a pressionar o governo e as prefeituras para que solucionem o problema da moradia mostra seus limites já que isto leva esta importante luta a um beco sem saída. Dentro dos limites da lei e das instituições do regime burguês sabemos que este sistema não dá nem pode dar uma saída para o problema habitacional.

Por isso acreditamos que a condição fundamental para a vitória de qualquer luta por moradias é a aliança dos trabalhadores sem-teto com a classe trabalhadora das fábricas e das empresas. Por exemplo, no caso da ocupação de São Bernardo, poderia ter-se articulado esta importante aliança. Nesse caso a mobilização dos operários metalúrgicos da Volks, ameaçando cessar a produção se não se desapropriasse o terreno, seria um exemplo concreto da imprescindível aliança que se deve formar entre a classe operária e as demais classes exploradas e oprimidas. Frente à ameaça de expulsão os trabalhadores poderiam ter declarado que paravam imediatamente as máquinas. Ainda mais, sabendo que entre os que ocupavam o terreno da Volks estavam muitos ex-operários da fábrica que haviam sido demitidos pela empresa. Aqui se teria demonstrado a força dos trabalhadores e seus métodos de luta. Mas não foi esta a política da direção do MTST nem da direção burocrática do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, facilitando a derrota. A formação de um comitê unificado de empregados, desempregados e trabalhadores sem-tetos, a partir do qual poderia se levantar um programa com reivindicações comuns de moradia, emprego e salário dignos para todos, dentre outras mais urgentes; começando por exigir do governo federal que desenvolva um grande plano de obras públicas que gere emprego para amplos setores, e que comece pela construção de habitações para os desabrigados. Um grande plano de obras públicas nacional, além de gerar emprego, deveria solucionar a necessidade das mais de 6,6 milhões de novas unidades e a requalificação das mais de 12 milhões de moradias, que o mesmo governo fala.

Esta luta deve ser parte de um programa operário de solução para a crise que vive o país, abarcando o problema de emprego e salário para todos e moradia digna para todos, como uma demanda democrática, assim como o não pagamento da dívida externa, a independência do imperialismo e a divisão da terra. Uma luta assim, acaudilhada pelos trabalhadores, poderia resolver as demandas das demais classes exploradas e, assim, consolidar a aliança revolucionária com estas, em um grande combate nacional. Mas infelizmente as direções dos movimentos sociais, e principalmente dos partidos e direções sindicais limitam-se a um apoio formal e não lutam por uma unificação concreta dos diversos setores em luta.

Obviamente, os patrões e os proprietários capitalistas dirão ser impossível realizar as demandas por moradia, emprego, salário e uma vida digna para todos, porém a força dos trabalhadores em aliança é sem dúvida muito maior, pois sem nós, a máquina capitalista não pode funcionar, e somente por nossas mãos o país pode sair da crise em que se encontra. O governo Lula prefere pagar a sangrenta dívida externa e interna, e deixa que os capitalistas continuem explorando os trabalhadores, a dar solução a suas demandas.

A classe trabalhadora, através de seus métodos de luta, tem capacidade de parar a produção capitalista e ameaçar diretamente seus lucros, precisa incorporar à sua luta reivindicação a questão central de reforma urbana e garantia de casas para todos. Em síntese, uma estratégia de luta assim, começando por unir e coordenar os diversos setores do movimento de massas, sejam os servidores públicos em greve, os operários metalúrgicos da GM e da Volks que resistem às demissões, ou os sem-terra, daria uma dimensão nacional à luta podendo derrotar a política do governo e da patronal.

Dizemos que a burguesia é a culpada pela miséria, fome e violência que nos assola e que não devemos suportar mais nenhuma medida que descarregue sobre nossas costas a crise que os próprios capitalistas engendraram.Dizemos: "se o capitalismo é incapaz de satisfazer às reivindicações que surgem infalivelmente dos males que ele mesmo engendrou, que morra!" [2].

[1F. Engels. Contribuição ao problema da moradia, pág. 137.

[2Leon Trotsky. Programa de Transição.

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