Sexta 3 de Maio de 2024

Nacional

A POLÍTICA BRASILEIRA PARA O PARAGUAI

Uma história escrita com sangue para defender os interesses imperialistas

10 Jul 2012   |   comentários

O golpe institucional que tirou o ex-presidente paraguaio Fernando Lugo do poder reacendeu a questão da influência política do Brasil sobre o país vizinho. Desde então os brasiguaios detentores de grandes parcelas de terra, e empresários, saíram a comemorar a entrada no poder de Federico Franco, desejando abertamente “mão-dura” contra os camponeses sem-terra do país, conhecidos como “carperos”. No que se remete à geopolítica regional, embora a retirada temporária do Paraguai do Mercosul seja vendida pela mídia burguesa como uma medida ofensiva dos governos latino-americanos pós neoliberais com Dilma à cabeça, seus efeitos são muito mais simbólicos que reais. Acima de tudo, este forcejo frente ao imperialismo não indica uma reversão da política dos governos pós-neoliberais e de Dilma, de fechar os olhos e negar completamente os direitos dos carperos paraguaios. Nem uma palavra foi dita contra o assassinato e a escalada de violência que estes setores vêm sofrendo.
Como cume deste processo, a mídia burguesa faz coro com os setores mais reacionários da burguesia paraguaia, acusando os camponeses daquele país de serem xenófobos com os brasiguaios. Buscam com isso esconder uma história escrita a sangue e opressão. Esta combina capítulos mais remotos, embora nem por isso esquecidos, dos quais a Guerra do Paraguai de 1864 é a maior expressão, com outros mais recentes, como o conflito entre os ricos latifundiários, muitos dos quais brasiguaios, e os camponeses paraguaios para os quais as terras de seu país é negada. Uma história em que a burguesia brasileira demonstrou seu caráter subserviente em toda a linha ao imperialismo. E que o Brasil tem uma dívida histórica com os nossos irmãos paraguaios.

O massacre em defesa dos interesses ingleses

O papel do Brasil em relação ao Paraguai é marcado pelo imenso massacre daquele povo protagonizado pelos países que compuseram a Tríplice Aliança na segunda metade do século XIX. Embora ainda em nossos dias se apresente nas escolas a Guerra do Paraguai como um episódio heróico protagonizado pelas tropas brasileiras, glorificando figuras como Duque de Caxias, tratou-se de uma vergonhosa ação que visava garantir os interesses da potência hegemônica daquele momento, a Inglaterra.

Se a declaração de independência dos países latino-americanos os permitiu deixar de serem colônias da Espanha, de nenhuma maneira este processo significou a conquista de uma autonomia efetiva em relação à Inglaterra, potência que se fortalecia cada vez mais. O Paraguai conquistou sua independência em 1811 sem nenhum enfrentamento, produto da própria decadência da Espanha frente à Inglaterra. A partir de então, o Paraguai passaria a ser governado com ditaduras, sendo a primeira a de José Gaspar Rodríguez de Francia, que levou adiante uma política isolacionista em relação ao conjunto da região, impedindo a emigração e a imigração.

Mas foi com Carlos López que o sucedeu, que o Paraguai teria erradicado o analfabetismo, e estaria se alçando como um país com bases para obter margens de manobras um pouco superiores se comparado aos demais vizinhos da região, contando com um exército significativo. Isso não quer dizer que o Paraguai fosse uma potência, como defendem algumas leituras. Questões territoriais sempre marcaram a formação do Paraguai. Uma mostra disso é que parte de seu território teve que ser dado à Argentina, como a província de Misiones em 1852, em troca do reconhecimento de sua independência pelo país vizinho. Esta perda agravou ainda mais os problemas territoriais do país, que não conta com uma saída para o mar.

Mas mesmo assim, a política de resistência relativa à Inglaterra foi suficiente para que o país fosse alvo a ser destruído pela coroa britânica. A compra de mercadorias inglesas no Paraguai era menor se comparada aos demais da região, além do que este impedia a entrada de capital britânico, produto da política delineada por Carlos López. Consta que o lema britânico da época é que “o Paraguai não é bom para os negócios, pois dele compramos mate e nada vendemos”. Assim, impelidos pelos interesses da Inglaterra, a Tríplice Aliança, como ficou conhecida a unidade entre Brasil, Argentina e Uruguai, declara guerra ao país, no mais sangrento dos conflitos que compõem a Questão da Prata. Durante a ditadura de Solano López, que sucedeu Carlos López, a Inglaterra se apoiando nas disputas fronteiriças existentes financia o Brasil, a Argentina e o Uruguai para que estes protagonizem a Guerra do Paraguai, o maior conflito sul-americano, que durou de 1864 a 1870.

Coube ao Brasil o papel mais hediondo. Utilizando-se dos então escravos negros e mestiços como bucha de canhão, o Brasil enviou cerca de 150 mil homens à guerra, dos quais se estima que metade tenha perdido a vida neste conflito, que favoreceu os interesses do capital britânico. A população negra caiu drasticamente, já que havia no exército brasileiro durante a Guerra do Paraguai um branco para cada 45 negros. A Argentina e o Uruguai enviaram contingentes menores, dos quais cerca de 50% morreram.

Os resultados do conflito selaram o destino do Paraguai, que se transformou em um dos países mais pobres da América do Sul. Foram massacrados cerca de dois terços da sua população masculina. Suas terras foram devastadas, e uma grande fome se abateu sobre o país, sendo que cerca de 40% de seu território foi perdido para a Argentina e o Brasil. Além disso, uma pesada indenização foi imposta pelo Brasil, estando vigente até meados da Segunda Guerra Mundial. Muitos paraguaios foram trazidos para o Brasil e trabalharam como escravos.

Do ponto de vista do Brasil, os resultados do conflito fratricida aprofundaram a submissão econômica e política em relação à Inglaterra. O criminoso espólio de guerra imposto ao Paraguai pelo Brasil foi usado para que este pagasse à Inglaterra imensos juros pelo financiamento da guerra, tendo que ser complementado imensamente. O único que se beneficiou de fato com o massacre no Paraguai foi a Inglaterra.

Esta memória é pouco evocada, embora sirva para demonstrar como desde sua formação os países da América do Sul só conseguirão uma verdadeira independência se sua classe trabalhadora e seus povos unirem-se contra a dominação imperialista, e de suas burguesias nacionais.

Defendemos o direito dos camponeses paraguaios às suas terras

Onde a imprensa burguesa vê xenofobia dos carperos contra os brasiguaios, nós vemos apenas o anseio legítimo de nossos irmãos paraguaios de terem acesso à fértil terra de seu próprio país. De acabarem com a situação de miséria a que estão submetidos há décadas. A instalação dos brasiguaios data em sua maioria da década de 1970, quando os agricultores que viviam nas proximidades de Itaipu tiveram suas terras desapropriadas, e se mudaram para o Paraguai, onde puderam adquirir grandes faixas de terra na fronteira com Foz do Iguaçu a um preço irrisório. Isso se deu em meio à ditadura militar de Alfredo Stroessner, que governava o Paraguai naquele período, e ascendeu através de um golpe apoiado pelo Partido Colorado. Alfredo Stroessner, filho de imigrantes alemães foi um aberto simpatizante dos nazistas, asilando vários deles no Paraguai, como Josef Menghele. Stroessner massacrou a economia paraguaia pagando a imensa dívida externa e vendendo as férteis terras do país a preços praticamente simbólicos para os brasileiros.

A venda destas terras se deu de maneira completamente ilegal, mas o mais importante é que se tratou de uma política que confirma completamente o caráter antinacional das burguesias semicoloniais, que preferem praticamente doá-la, como se deu com a ocupada pelos brasiguaios, a permitir que o seu povo possa dispor dela. Desde então, alguns brasileiros que aí se instalaram se constituíram como verdadeiros latifundiários, que rendem homenagem à sua maneira à política de saque levada adiante com os imensos encargos impostos após a Guerra do Paraguai.

Dentre eles figura o brasileiro Tranquilo Favero, o maior produtor individual de soja do país. O Paraguai é o quarto maior exportador de soja do mundo, e somente Tranquilo Favero detém mais de 45 mil hectares de terra, acumulando lucros de US$ 50 milhões anuais. É um fato público e notório que ele esteve nos bastidores do golpe institucional recente, e que é um defensor aberto do massacre dos carperos. Em 2011 um grupo de carperos ocupou parte das terras de Favero, e foram desalojados pela polícia. Outros donos de longas faixas de terra no Paraguai são Hebe Camrago, Silvio Santos e Ratinho. Enquanto o elenco do SBT enriquece à custa da política historicamente criminosa da burguesia paraguaia, 10 mil carperos seguem desalojados, esperando para ter acesso à terra há mais de 13 anos. Cerca de 35,1% dos paraguaios vivem na pobreza total. Neste sentido, é totalmente legítimo que o povo paraguaio expresse rechaço aos latifundiários brasileiros que acumulam lucros sem fim. Isso nada tem a ver com xenofobia, como quer a mídia burguesa, mas com a raiva acumulada contra os grandes proprietários de terras. Se estes latifúndios fossem expropriados e colocados a serviço dos interesses dos camponeses e do povo paraguaio, os pequenos produtores brasileiros que ali se instalaram não seriam alvo de nenhuma hostilidade, e poderiam conviver pacificamente.

Embora a “festa do lucro” brasileiro no Paraguai tenha vindo à tona a partir da questão dos imensos latifúndios, isso não se restringe a este setor. Empresários brasileiros também compram quase de graças diversas fábricas, acumulando lucros exorbitantes enquanto super-exploram a mão-de-obra paraguaia. Um exemplo é a fábrica têxtil Cortineras Paraguai, de propriedade de Alexandre Bazzan, que acumula lucros de US$ 10 milhões. Outros que estão tirando o máximo de vantagem do Paraguai são a Camargo Correia e a Votorantim, que chegam a dizer que produzir no Paraguai é a via mais satisfatória para competir com a produção chinesa. A explicação para estes lucros é o baixo custo da mão-de-obra aliado à uma política de redução de impostos para a parcela da burguesia brasileira que ali se instala. Evidentemente todos eles apoiadores do golpe institucional.

Por outro lado, se o presidente derrubado Fernando Lugo demonstrou frente à miserável situação dos carperos a mesma passividade com que respondeu ao golpe institucional que o destituiu, agora a perspectiva é de um endurecimento ainda maior da repressão ao povo paraguaio com a ascensão da direita pró-ianque ao poder. Já Dilma Roussef tida como mentora da exclusão do Paraguai do Mercosul, demonstra como sua política nada tem a ver com qualquer preocupação progressista em relação à situação dos carperos. Nenhuma palavra foi dita sobre a situação dos carperos e seu assassinato, isso sim uma verdadeira ameaça à “democracia” que os governos dos países do Mercosul dizem defender.

Nós, marxistas revolucionários, defendemos o direito democrático elementar de o povo paraguaio dispor de suas terras. Defendemos a expropriação dos latifúndios em mãos de brasiguaios, sem indenização. Denunciamos a reacionária campanha que busca transformar os latifundiários brasiguaios em vítimas de xenofobia, e nos colocamos resolutamente ao lado de nossos irmãos paraguaios trabalhadores da cidade ou do campo, contra a burguesia brasileira que ali se instalou dando prosseguimento à política histórica de saque. É preciso que os trabalhadores das fábricas, empresas e grandes monopólios que estão instalados no Paraguai se unifiquem com os trabalhadores do campo, e coloquem os recursos de seu país à serviço de seus interesses. Estamos ao lado da classe trabalhadora e do povo paraguaio para que juntos escrevamos outra história, que seja marcada pela unidade da classe trabalhadora e dos povos da América do Sul.

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