Sexta 3 de Maio de 2024

Teoria

Uma discussão com Trotsky sobre a questão negra nos EUA

10 Dec 2006 | Com a série de discussões e debates que estamos realizando queremos colocar a questão negra no exato lugar que ela deve ter para os marxistas revolucionários do Brasil: uma questão crucial para a vitória da revolução social em nosso país. A postura de muitas das organizações que se reivindicam revolucionárias, é tratar desta questão com fómulas gerais e vazias como “o racismo será combatido somente com a revolução socialista” ou “combater o racismo é combater a reforma trabalhista” ou ainda, quando se trata da luta contra o rascismo como uma questão moral. Isso não faz mais do que afastar os negros conscientes da situação do seu povo da luta revolucionária. Assim como em outras questões cruciais da luta revolucionária, acretitamos que também neste terreno devemos resgatar a tradição do marxismo revolucionário, para a partir daí avançar numa pratica que de resposta às demandas mais sentidas dos trabalhadores e do povo negro na sua luta contra a opressão e a exploração. Dando continuidade a esse debate que estamos organizando conjuntamente com os companheiros da Corrente Operária do PSOL, publicos abaixo fragmentos de uma discussão entre Trotsky e dirigentes do SWP (Partido Operário Socialista) dos Estados Unidos em abril de 1939 no México. Participou desta discussão C.R.L. James, militante negro e escritor jamaicano, autor do livro “Jacobinos Negros”, sobre a revolução negra no Haiti.   |   comentários

PLANOS PARA A ORGANIZAÇÂO DO NEGRO

Leon Trotski

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Curtiss: Sobre abrir a discussão sobre o socialismo no boletim [o proposto jornal teórico], mas exluindo-a, ao menos por um tempo, do semanário: parece-me que isto é perigoso. Cai na idéia de que o socialismo é para intelectuais e para a elite, mas que o povo de baixo deve estar interessado apenas nas coisas vulgares, nas coisas do dia-a-dia. O método deve ser diferente em dois aspectos, mas, acredito que deveria ao menos ser uma guinada em direção ao socialismo no semanário não apenas a partir do ponto de vista das tarefas cotidianas mas também no quê chamamos de discussão abstrata. É uma contradição - um jornal de massas deveria tomar uma posição clara sobre a questão da guerra, mas não sobre o socialismo. É impossível fazer o primeiro sem fazer o segundo. É uma forma de economismo [que] os trabalhadores deveriam estar interessados nas questões cotidianas, e não em teorias socialistas.

James: Eu vejo as dificuldades e as contradições, mas há algo mais que eu não posso deixar de perceber: se queremos construir um movimento de massas não podemos mergulhar em uma discussão sobre o socialismo, pois eu creio que isto poderia causar mais confusão do que trazer algum ganho. O negro não está interessado em socialismo. Ele pode ser levado ao socialismo sobre a base da sua experiência concreta. De outra forma nós teríamos que formar uma organização socialista de negros. Eu acredito que devamos apresentar um programa mínimo, concreto. Concordo que não devamos deixar o socialismo muito distante no futuro, mas estou tentando evitar longa discussão sobre o marxismo, a Segunda Internacional, a Terceira Internacional, etc.

(...)

Trotsky: Acredito que a primeira questão seja a atitude do Socialist Workers Party entre os negros. É muito inquietante descobrir que até agora o partido não tem feito praticamente nada neste terreno. Não foi publicado sequer um livro, um panfleto, folhetos, mesmo um único artigo na New International. Dois companheiros que compilaram um livro sobre a questão, um trabalho sério, ficaram isolados. Aquele livro não foi publicado, nem se estima quando o será. Não é um bom sinal. É um mal sinal. O peculiar sobre os partidos americanos de trabalhadores, organizações sindicais, etc., é a sua característica aristocrática. Isto é a base do oportunismo. Os trabalhadores qualificados que se sentem estabelecidos na sociedade capitalista ajudam a classe burguesa a dominar os negros e os trabalhadores desqualificados. Nosso partido não está a salvo desta degeneração se ele continuar sendo um lugar de intelectuais, semi-intelectuais, trabalhadores qualificados, e trabalhadores judeus que constróem um meio muito fechado o qual está quase isolado das massas genuínas. Sob estas condições nosso partido não pode desenvolver - degenerar-se-á.

Devemos colocar este grande perigo diante dos seus olhos. Muitas vezes propus que todos os membros do partido, especialmente os intelectuais e semi-intelectuais, que, durante um período de, talvez, seis meses, não tenha conseguido ganhar um trabalhador para o partido deveria ser rebaixado à categoria de simpatizante. Podemos dizer o mesmo na questão do negro. As velhas organizações, a começar pela AFL, são as organizações da aristocracia trabalhista. Nosso partido é parte do mesmo meio, não da base explorada das massas, onde se encontram a maioria dos negros explorados. O fato de que o nosso partido até agora não tenha voltado à questão do negro é um sintoma muito inquietante. Se a aristocracia dos trabalhadores é a base do oportunismo, uma das fontes de adaptação à sociedade capitalista, então o mais oprimido e discriminado é o mais dinâmico meio da classe trabalhadora.

Nós devemos dizer aos elementos conscientes dos negros que eles estão convocados pelo desenvolvimento histórico para se tornar a vanguarda da classe trabalhadora. O que funciona como freio para as camadas mais elevadas? São os privilégios, a comodidade que as impedem de se tornarem revolucionárias. Isto não existe para os negros. O que pode transformar um determinado estrato social, torná-lo mais imbuído de coragem e sacrifício? Encontra-se concentrado entre os negros. Se acontece de nós do SWP não estarmos aptos a encontrar o caminho para este estrato, então nós não somos capazes de nada. A Revolução Permanente e todo o resto seriam apenas uma mentira.

Nos Estados Unidos temos agora várias competições. Uma competição para ver quem vende mais jornais e assim por diante. Isso é muito bom. Mas devemos também estabelecer uma competição mais séria: o recrutamento de trabalhadores e especialmente de negros trabalhadores. Em um certo grau que seja independente a criação da organização do negro em especial.

Eu acredito que o partido deva utilizar a estada do companheiro James nos Estados Unidos (a viagem seria necessária para familiarizá-lo em condições) mas agora, pelos próximos seis meses, por um trabalho político e organizacional [clandestino?] com o objetivo de atrair muito mais atenção das autoridades. Um programa de seis meses pode ser elaborado para a questão do negro, e então se o James for obrigado a voltar à Grã-Bretanha, por razões pessoais ou devido à pressão da polícia, após meio ano de trabalho nós teremos a base de um movimento negro e um núcleo sério de negros e brancos trabalhando juntos neste plano. É uma questão vital para o partido. É uma questão importante. É uma questão de se o partido está para se transformar em uma seita ou se é capaz de encontrar seu caminho até a porção mais oprimida da classe trabalhadora.

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Proposta tomadas, ponto por ponto

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5. A questão do socialismo - se introduzi-la através do jornal ou do boletim (o jornal teórico proposto).

Trotsky: Não acredito que possamos começar com a exclusão do socialismo da organização. Você está propondo uma organização muito ampla, um tanto heterogênea, que aceitaria, também pessoas religiosas. Isto significaria que se um operário negro, um camponês ou comerciante negro fizer um discurso na organização no sentido de que a única salvação dos negros é a igreja, seremos tolerantes demais para expulsá-lo e, ao mesmo tempo, tão sábios que não o deixaremos discursar em favor da religião, mas não discursaremos em favor do socialismo. Se entendemos o caráter deste meio, adaptaremos a apresentação das nossas idéias a ele. Seremos cautelosos; mas amarrar nossas mãos de antemão - dizer que não introduziremos a questão do socialismo porque é um assunto abstracto - isto não é possível. Uma coisa é apresentar um programa socialista geral e outra estar atento para para as questões concretas da vida do negro e opor o socialismo ao capitalismo nestas questões. Uma coisa é aceitar um grupo heterogêneo e trabalhar nele e outra é ser absorvido por ele.

James: Concordo com o que você diz. Meu receio é a apresentação de um socialismo abstrato. Você há de lembrar-se que eu disse que o grupo dirigente deve entender claramente o que está fazendo e aonde está indo. Mas a educação socialista das massas deveria surgir das questões do dia-a-dia. Estou apenas ansioso para prevenir a coisa de se desenvolver no sentido de uma discussão interminável. A discussão deve ser livre e exaustiva no órgão teórico.

Em relação à questão do socialismo no órgão de agitação, é meu ponto de vista que a organização deveria estabelecer-se definitivamente realizando o trabalho quotidiano dos negros em tal forma que as massas negras possam tomar parte nele antes de se envolver em discussões a respeito do socialismo. Ao mesmo tempo em que está claro que um indivíduo possa levantar quaisquer problemas, ainda assim o problema é se aqueles que estão dirigindo a organização como um todo deveriam começar falando em nome do socialismo. Penso que não. É importante lembrar que aqueles que assumem a iniciativa deveriam ter um acordo comum sobre os fundamentos da política de hoje, ao contrário haverá um enorme problema à medida em que a organização se desenvolva. Mas, ainda que estes, como indivíduos, têm o direito de expressar seu ponto de vista particular na discussão geral, ainda assim a questão é se eles falariam como um corpo de socialistas desde o primeiro momento, e a minha opinião pessoal é que não.

Trotsky: No órgão teórico você tem uma discussão teórica e no órgão de massas você pode ter uma discussão política de massas. Você diz que eles estão contaminados pela propaganda capitalista. Diga-lhes: "vocês não acreditam no socialismo. Mas vocês verão que na luta, os membros da IV Internacional não apenas estarão com vocês, mas serão possivelmente os mais combativos". Eu iria até mesmo ao ponto de fazer com que cada um dos nossos oradores terminassem seus discursos dizendo "meu nome é IV Internacional". Eles acabarão por ver que somos combatentes, enquanto que a pessoa que prega a religião no corredor, no momento crítico irá para a igreja ao invés do campo de batalha.

(...)

12. O relacionamento dos negros com os partidos democrático e republicano.

Trotsky: quantos negros há no congresso? Um. Há 440 membros na Casa de Representantes e 96 no Senado. Então se os negros têm quase 10% da população, eles têm direito a 50 membros, mas têm apenas um. É um quadro claro de desigualdade política. Podemos frequentemente opor um candidato negro a um candidato branco. Esta organização negra deve dizer sempre: "queremos um negro que conheça nos nossos problemas." Pode ter conseqüência importantes.

Owen: Parece-me que o camarada James ignorou uma parte importante do nosso programa, a parte trabalhista.

James: A seção negra quer lançar um candidato negro. Nós lhe dizemos que eles não devem se apresentar apenas como negros, mas que eles devem ter um programa adequado para as massas de negros pobres, Eles não são estúpidos e podem compreendê-lo e isto deve ser estimulado. Os operários brancos lançarão um candidato operário em outra seção. Então, dizemos aos negros na seção branca: "apóiem aquele candidato, porque suas reivindicações são boas reivindicações operárias. E dizemos para os trabalhadores brancos na seção negra: " vocês devem apoiar o candidato negro, porque ainda que ele seja negro vocês perceberão que suas reivindicações são boas para a classe trabalhadora como um todo." Isto que dizer que os negros têm a satisfação de ter seu próprio candidato em áreas onde eles predominam e ao mesmo tempo construirmos a solidariedade operárias. Isto de adequa ao programa do partido de trabalhadores.

Curtiss: Não é chegar perto da Frente Popular, votar por um negro apenas porque ele é negro?

James: Esta organização tem um programa. Quando os democratas apresentem um candidato negro, diremos: "de modo algum. Deve ser um candidato com um programa que possamos apoiar".

Trotsky: É uma questão de uma outra organização pela qual não somos responsáveis., do mesmo modo como eles não são responsáveis por nós. Se esta organização apresenta um certo candidato, e concluímos como partido que devemos apresentar o nosso próprio candidato em oposição, temos todo o direito de fazê-lo. Se somos fracasso e não podemos conseguir que a organização escolha um revolucionário e eles escolhem um negro democrata, podemos até mesmo retirar nosso candidato com um declaração concreta de que nos abstemos de combater, não o democrata, mas o negro. Consideramos que a candidatura negra como oposta à candidatura branca, mesmo que ambas sejam do mesmo partido, é um fator importante na luta dos negros pela sua igualdade; e neste caso podemos apoia-los criticamente. Acredito que possa ser feito em alguns casos.

(...)

James: Concordo com a sua atitude a respeito do trabalho do partido em conexão com os negros. São uma tremenda força e dominarão todos os estados do Sul. Se o partido consegue estabelecer uma posição ali, a revolução está ganha na América. Nada poderá detê-la.

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