Quinta 16 de Maio de 2024

Nacional

Sobre a atuação do PSOL no regime

Um novo partido contra a velha política. Ou uma cara nova para a desgastada política reformista?

05 May 2006 | A crítica - a mais implacável, violenta e intransigente - deve dirigir-se não contra o parlamentarismo ou a ação parlamentar, mas sim contra os chefes que não sabem - ou mais ainda contra os que não querem - utilizar as eleições e a tribuna parlamentares de modo revolucionário, de modo comunista. (Esquerdismo, doença infantil do comunismo, 1920)   |   comentários

A experiência dos trabalhadores com o PT se desenvolve como o motor para a reorganização da esquerda no país. Os seus ritmos e contradições não serão objeto da nossa reflexão no artigo, mas sim o papel cumprido pelo principal produto do processo de rupturas na esfera política, o PSOL. Também não nos interessa aqui o debate, realizado diversas vezes nas páginas de nosso jornal, sobre o caráter do partido e seu programa, mas o papel que cumpriu na profunda crise política do ano de 2005 a partir dos seus resultados atuais, que definimos como uma crise orgânica latente, ou seja, que desnudou o regime de dominação burguesa.

Alguns meses após a estabilização das tendências mais centrífugas e convulsivas da crise, não somente a intervenção da esquerda em geral esteve aquém da situação, como o seu peso objetivo foi e é muito reduzido. Não obstante essa importante ressalva, o papel do PSOL ’ que possuirá milhões de votos nas próximas eleições ’ foi reproduzir as tendências que há muito estão colocadas para o desenvolvimento do partido, ou seja, a ligação umbilical com o regime da democracia burguesa, no parlamento ou nas campanhas eleitorais desse ano.

A enorme aparição de seus parlamentares nos últimos capítulos da crise política, onde prima a disputa “pelo alto” entre governo e oposição rumo às eleições reacende, sob diversos aspectos, o papel que cumpre no regime e, inclusive, que tipo de partido ”” nas palavras de Heloísa Helena nada além de um “abrigo para a esquerda” ”” pode se consolidar a partir do processo de rupturas com o PT, se depender do esforço dos socialistas do PSOL. É bem verdade que isso se colocou como uma opção já desde a sua formação, ou seja, construir um novo partido como um “laboratório avançado” das principais correntes mundiais que adotam um curso de abandono do marxismo, da independência de classe e da revolução operária e socialista. Assim, o caminho trilhado pelo PSOL desde o início foi delimitar-se através de longínquos “horizontes socialistas” , adaptando-se a pressão de setores que rompiam com o PT, como a APS e a DS, que forneceram uma série de figurões e parlamentares.

Diferente seria se a origem do PSOL fosse uma ruptura revolucionária com a tradição de conciliação de classes do PT. Porém é justamente o contrário, é a linha de menor resistência, que é ocupar o espaço político aberto pela crise do PT (especialmente no auge da crise de 2005 isso foi decuplicado) no que diz respeito à defesa da “ética na política” . Independente dos interesses pragmáticos dos chefes do PSOL ’ agregar um novo setor de militantes petistas, fortalecer uma plataforma para as eleições ’ poderiam ter cumprido um papel progressivo na crise. Nesse sentido, a frente parlamentar impulsionada como campanha central com a participação de diversos partidos burgueses em si seria uma questão secundária, mas é de fato uma pequena expressão da adaptação em toda linha do PSOL ao regime capitalista.

Adaptar-se ao regime da classe dominante, permitindo que a sua hegemonia no movimento de massas continue intocada significa uma derrota dos trabalhadores. Estariam satisfeitos os chefes do PSOL em meramente existir na democracia dos ricos? Ao se colocar, dessa maneira, como partido alternativo à “falsa polarização entre PT e o PSDB” , “contra a política económica” em geral, mas não contra o regime burguês ’ como na crise de 2005 ’ o PSOL se coloca de fato como o partido das ilusões constitucionalistas.

O PSOL atua no parlamento a serviço do quê?

Embora o momento atual ultrapasse a estatura política do PSOL, o partido aparece como alternativa para importantes setores das massas e devemos portanto considerar sua responsabilidade política, principalmente por ter a possibilidade ””a qual vêm desperdiçando sistematicamente”” de atuar no parlamento como um partido de verdadeiros tribunos do povo. Não tinham tudo nas mãos para atuar dessa maneira na crise de 2005? Ou mesmo quando governo e oposição burguesa, polarizados hoje pela disputa eleitoral mostram para as massas que devem decidir periodicamente qual o membro da classe dominante há que esmagar o povo no parlamento? Tinham tudo para atuar como tribunos do povo, atuaram porém como partido das ilusões constitucionalistas e esperam mendigar um espaço no novo plano de forças, que necessariamente ajuda a obscurecer a consciência dos trabalhadores, quando se trata de esclarecê-la; que propaga as ilusões na democracia burguesa ao invés de refutá-las; numa palavra, reforça a influência da burguesia sobre as massas ao invés de libertá-las do seu jugo.

A tarefa dos revolucionários no parlamento e nas eleições burguesas é compreender que estes espaços só são importantes “na medida em que possam contribuir para desenvolver a consciência das massas, elevar o seu nível político, organizá-las, não em nome da placidez filistéia, da ”˜tranqüilidade”™, da ”˜ordem”™ e da ”˜prosperidade pacífica (burguesa)”™, mas em nome da luta, da luta para conquistar a plena libertação do trabalho de toda a exploração e opressão” .

Dois pequenos exemplos concretos bastam para demonstrar essa questão:

1. Como “desafio” aos milhares de parlamentares do país, Chico Alencar, deputado do PSOL, apresenta um catecismo liberal, “inspirado no contrato republicano” e “espírito público” : “Também a gravíssima crise da representação em que mergulhamos pede o resgate de alguns princípios fundantes, derivados do preceito da soberania popular, inscrito no artigo 1º da Carta Magna da República Federativa do Brasil: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição." O deputado Alencar foi um dos mais procurados no recente conflito do Conselho de Ética e em seu manifesto, dizem os parlamentares que o conflito do Conselho de Ética que foi “desprezado pelo plenário da Casa” e colocam no programa que os pontos para acabar com a crise seriam em primeiro lugar “colocar em votação a Proposta de Emenda Constitucional 349/01, que acaba com o voto secreto no parlamento” e, em segundo, “ampliar as prerrogativas do Conselho de Ética, para que, nos processos disciplinares ali instaurados, possa haver convocação de testemunhas, quebra de sigilos e requisição de diligências a outros órgãos como o Tribunal de Contas da União e a Polícia Federal.” É no mínimo interessante já que assinam, “para que a Câmara dos Deputados recupere ao menos parte de sua credibilidade, renovando, com transparência e espírito público, suas práticas hoje tão apequenadas” ,os deputados do PSOL Alencar e Fantazzini junto com Júlio Delgado (PSB/MG), Carlos Sampaio (PSDB/SP) e por procuração César Schirmer (PMDB/RS). Os “socialistas” e os representantes éticos da burguesia, uns pela direita e outros pela “esquerda” , juntos para reciclar o regime de dominação burguesa...

2. Ivan Valente, ao tratar da resposta da Câmara dos Deputados à sociedade quando da aprovação de algum relatório que não serviu para punir nem meia dúzia de corruptos, foi categórico: “É a resposta da verdade; é a resposta que valoriza o Parlamento e a ação política como uma atividade nobre, como a que muda a vida e a sociedade.” Essa frase é todo um programa estratégico quando Valente afirmar que além de “valorizar o Parlamento” , deve-se reformar os seus aspectos visivelmente abalados (que na verdade são muito mais profundos). E por fim emenda, demonstrando a estreiteza de seu horizonte, “Aí seria o fim do contrato social e a barbárie” (!). Como afirmou Lênin, “os oportunistas e a social-democracia contemporânea aceitaram as formas políticas burguesas do Estado democrático parlamentar como um limite intransponível; quebraram a cabeça de tanto se prosternar diante desse ”˜santo dos santos”™.”

“Revolução democrática” e “radicalização da democracia” : algumas precisões

Na última edição do nosso jornal, com base em uma declaração da senadora Heloísa Helena, iniciamos um debate em torno de categorias como “revolução democrática” , a “radicalização da democracia” e realizamos um contraponto com a teoria marxista da revolução permanente. É necessário, no entanto, precisar mais a nossa polêmica.

Já combatemos duramente o conteúdo oportunista da estratégia de “radicalizar a democracia” (pois isso significa admitir a continuidade da dominação de classe da burguesia). Porém, estaria correto dizer que o PSOL e suas principais figuras são conseqüentes com o seu próprio lema de “radicalização da democracia” ? Propostas como uma PEC que crie o referendo revogatório (como foi na crise de 2005), uma frente pelo voto aberto que tem o apoio até de César Borges, testa de ferro de ACM e do PFL na Bahia, e todos os outros interessados em aproveitar dos “votos éticos” nas próximas eleições, seria isso “radicalizar a democracia” ? É evidente que não, esses exemplos são apenas expressões da crença (oportunista) de que o socialismo pode ser atingido pelo desenvolvimento gradual da democracia capitalista para uma democracia “cada vez mais ampla” . Crença que em última instância não difere, do ponto de vista dos princípios, daquilo que importantes dirigentes do PT, José Dirceu por exemplo, difundiram por anos e anos a fio, quando o “PT ainda era de luta” . Conforme está amplamente documentado, “radicalizar a democracia” para José Dirceu no início da década de 90 era atrair um setor do empresariado para apoiar o PT e a estabilização do novo regime burguês “democrático” no Brasil.

Para nós, o significado de “radicalização da democracia” na prática dos dirigentes do PSOL é implementar pequenas e magras reformas no Estado (essa é a via de difusão das ilusões constitucionalistas, ou seja na democracia burguesa). Essa questão está registrada sem maior dúvida nesse documento da direção nacional do PSOL, escrito no auge da crise: “Avançar em conquistas democráticas significa, antes de mais nada, aumentar os espaços e possibilidades do povo interferir e decidir diretamente nos rumos do governo e no destino dos governantes.” (grifo nosso) .

Ao se recusar a derrubar a burguesia, os dirigentes do PSOL se adaptam à estreiteza do seu regime de dominação, e nesse caso não se pode falar sequer de qualquer “radicalização” : convertidos em defensores do regime atual, recuam até mesmo diante de propostas que implicassem uma reforma ampla do regime, nem falar então de lutar em momentos de crise como a do ano passado por uma Assembléia Constituinte livre e soberana que questione a fundo os problemas estruturais do país. Em sua prática política, substituem essa perspectiva por reformas cosméticas: a questão do voto aberto no parlamento, a proposta de plebiscito no auge da crise de 2005 e a defesa da constituição de 88 por meio de uma PEC (supostamente em nome dos trabalhadores).

No plano do discurso e da estratégia, a “radicalização da democracia” é uma forma que os principais intelectuais franceses da LCR (que exercem profunda influência sobre os setores majoritários do PSOL) encontraram em primeiro lugar para “superar” a estratégia da ditadura do proletariado e, em segundo, para no interior da sociedade burguesa buscar efetivamente “levar a democracia até o final” (expressão disso são os conselhos populares, tentativa inconclusa do PT durante muitos anos no Brasil). No plano prático, o PSOL defende sob esse mesmo rótulo de “radicalização” , uma política que conduz muito mais diretamente ao “aperfeiçoamento” do domínio burguês.

Conclusão: O PSOL e a democracia burguesa

Infelizmente, a campanha eleitoral já colocou toda a cúpula do PSOL a plenos vapores apresentando as mesmas tendências regressivas apontadas na crise de 2005.

Ao não se dar a tarefa de romper de forma revolucionária com a tradição petista, o PSOL atua como mais um defensor da democracia degradada brasileira, gerada no desvio do ascenso operário e popular dos anos 70 e 80, ou “contra-revolução democrática” . É isso o que permite João Alfredo, outro parlamentar do PSOL, afirmar a tese petista de que constituição de 1988, expressão jurídica desse processo, “representa a síntese mais acabada da evolução da democracia brasileira” : mais um pequeno exemplo da integração desse partido ao regime da democracia capitalista. O PT, por diversas razões que não teremos a oportunidade de aqui desenvolver, tornou-se um pilar central do regime democrático (burguês) brasileiro. O PSOL embora não tenha esse “privilégio” do PT, pode dificultar e bloquear uma experiência mais ampla dos trabalhadores que rume para a independência de classe.

Em 28 de março o PSOL lançou e irá coordenar uma “Frente Parlamentar pelo Fim do Voto Secreto” , auto-intitulado “movimento suprapartidário” , tendo como linha de frente a senadora Heloísa Helena que afirmou ser “inadmissível que os parlamentares, deputados e senadores, escondam de seus eleitores o seu voto” . Apesar de ser uma questão secundária e que não envolve diretamente uma questão de princípios, não deixa de ser ilustrativo o problema do voto secreto ou aberto. Essa frente parlamentar é para o PSOL , além da campanha eleitoral, a campanha mais central que no Parlamento a defende com diversos partidos da burguesia, como o PSDB, PFL e PPS.

O debate sobre o voto aberto no parlamento está pautado pela oposição burguesa (PSDB, PFL) para golpear o governo pela direita, seguindo a estratégia de sangrar o PT (mas não o regime, como foi demonstrado na crise) e pela esquerda o PSOL deseja ocupar o espaço aberto pela “crise ética“ do PT; como também é firmado por linhas tortas no Manifesto da Frente Parlamentar: “A democracia resistirá, mas é preciso ética e transparência no Parlamento"

Se essa fosse para o PSOL uma política para desmascarar a rede de rabos presos que mantém o Parlamento e que se mostra às claras nas absolvições dos corruptos, “mensaleiros” ou não, se estivesse voltada a mostrar a completa falência dessa institucionalidade burguesa poderia ainda ser uma mera manobra secundária. Porém ligada a estratégia de defesa da democracia em geral, que só pode ser a democracia da classe dominante, como demonstramos aqui, não deixa de ser mais um favor que o recém nascido PSOL presta aos burgueses e seu parlamento; porque o PSOL se dirige aos “enojados” , aos “indignados” , e ao canalizar estes sentimentos para o programa de “aperfeiçoamento da democracia burguesa” , presta um serviço absolutamente impagável.

Por último, mas não menos significativo, vemos nessa frente parlamentar do PSOL e dos partidos burgueses a velha fórmula de limpar uma e outra sujeira do Congresso Nacional, que de tempo em tempo se abre (poderia ser diferente?) Não fosse esse o caráter dessa frente, qual seria então o pífio objetivo de aprovar uma PEC de 2001, projeto de Luis António Fleury e assinado por boa parte dos corruptos do PT naquela época (no momento contra FHC)? Por parte do PSOL, não colocar uma única demanda sentida pelos trabalhadores e camuflar na “democracia” a não resolução das verdadeiras tarefas democráticas estruturais do país como a submissão do país ao imperialismo, a reforma agrária radical e a questão negra só podem resumir-se em uma única frase: “Socialismo e liberdade” para as massas e oportunismo, traição de classe no parlamento!

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