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Nacional

Revolta popular contra o racismo e a brutalidade da polícia na terra do carnaval

16 Feb 2008   |   comentários

Às vésperas do carnaval, um dos mais famosos do Mundo, a violência da burguesia contra os trabalhadores e o povo pobre ganha abertos contornos de violência racial e aparthaid na Bahia, justamente o Estado com maior proporção de negros do país [1].

Enquanto a classe média e a burguesia preparavam a festa no Pelourinho e nos pontos turísticos cercados e protegidos, no lado esquecido da cidade de Salvador se registrava a chacina de quatros jovens negros moradores da Favela do Pela-Porco. Essa época do ano é também conhecida pelo “faxinaço” nas periferias da capital baiana.

Tudo indicava que esse seria mais um banal episódio do “faxinaço” de Salvador, onde a polícia ano a ano faz a “limpa” , literalmente assassinando, prendendo e impondo toques de recolher aos moradores das favelas, para que a cidade receba “em paz” os milhares de turistas que a invadem no Carnaval. Tudo deveria ocorrer como de praxe, não fosse a resposta violenta dos moradores da favela do Pela-Porco, que protagonizaram, no dia seguinte da morte de Djair e seus três companheiros, uma revolta que se generalizou por vários bairros com bloqueio de ruas, barricadas com ónibus incendiados e enfrentamento com a polícia.

Com as reivindicações de “basta de mortes” e “fora polícia racista” , os jovens e trabalhadores do Pela-Porco e dos demais bairros pobres, mandaram o recado para o governador Jaques Wagner, de que estão fartos da violência cotidiana a que estão submetidos e que não podem mais tolerar o racismo que vêm sofrendo há anos. Antes sob o governo proto-fascista de ACM e os Magalhães e agora sob a administração petista. Wagner, diante da revolta massiva, se limitou às lamúrias de que “estou consciente do que recebi, não adianta chorar, tem de consertar” [2] , ao passo em que mantém no comando da polícia o carrasco da juventude negra, da época carlista chamado Jorge Santana.

Dando o tom da resposta popular massiva e contundente, dona Djane, mãe de um dos jovens brutalmente assassinado, diz: “Os policiais estão brincando de tiro ao alvo com nossos filhos. Estão fazendo de nossas crianças passarinhos” , expressando a angústia de toda mãe de qualquer jovem de periferia hoje no país. Em Salvador, as mortes oficialmente registradas (pois os números reais são maiores) por violência policial já somam mais de 20 [3] só no mês de Janeiro. Em São Paulo e no Rio o quadro não é muito diferente. Nem mais os órgãos de pesquisa burgueses conseguem maquiar as estatísticas alegando “mortos em confronto” ou “resistência a prisão” . Até mesmo ONGs financiadas pelo imperialismo como a Human Rights Watch admite que se tratam de execuções sumárias.

Jaques Wagner, um dos possíveis presidenciáveis que o PT almeja para suceder Lula em 2010 tem realmente um abacaxi para descascar, já que não se trata de um problema regional isolado, mas sim de uma realidade nacional, de um país que está marcado em sua história pelo racismo e reacionarismo das classes dominantes, em mais de 500 anos de exploração e opressão do povo negro.

O debate racial que veio à tona com a ascensão do governo de Lula e do PT desde 2003 hoje ocupa lugar de destaque até na novela das oito, Mas não se revelou ainda em toda sua importância e centralidade, já que a estrutura racista do Estado brasileiro e a divisão do trabalho social pesam sobre os ombros negros de tal forma que não se resolverá com a aceitação da classe média branca em dividir as cadeiras das universidades. Isso é só o começo, a opressão racial irá cobrar seu preço à burguesia branca que segue dominando o país, e Lula e o PT, por mais que tenham tentado se embandeirar das demandas do povo negro, fazendo concessões como a política de cotas, se enfrentarão com novas revoltas como a de Salvador, pois no essencial governam para a mesma elite branca reacionária de seus antecessores.

Diante de um inicial desgaste das instituições do regime, a exemplo dos seguidos escândalos de corrupção no congresso e do desgaste dos partidos políticos oficiais com suas bases tradicionais, abre-se o caminho para novos fenómenos de ação independente de setores do proletariado e do povo pobre. Ainda que não possamos tratar revoltas como a de Salvador ou a da favela Real Park [4] em São Paulo como respostas da classe operária organizada resgatando os métodos históricos da luta de classes, num sentido mais amplo podemos dizer que se trata de um avanço no nível de consciência desses setores, que começam a identificar a polícia e o aparato repressivo da burguesia como seus carrascos.

Podemos dizer até que há uma tendência a respostas mais explosivas das camadas mais precarizadas dos trabalhadores e pobres urbanos. Esse setor descolado dos grandes batalhões da classe trabalhadora poderá protagonizar muitas revoltas isoladas que tendem a ser duramente reprimidas, expondo as enormes contradições e a podridão da democracia dos ricos brasileira.

À vanguarda dos trabalhadores e as organizações de esquerda, bem como aos sindicatos anti-governistas, a exemplo da Conlutas e Intersindical, cabe o papel de levantar uma campanha nacional contra a repressão policial aos lutadores e ao povo pobre, exigindo o fim imediato da violência policial e das ocupações de tropa nas periferias das grandes cidades. Fora polícia dos bairros operários! Basta de chacinas aos jovens e negros, seja em Salvador, São Paulo ou Rio de Janeiro!

David Rehem é estudante de História da UFBA e trabalhador da prefeitura de Salvador

[1Segundo o último censo do IBGE, de 2000, Bahia, Amazonas e Pará, são os Estados com maiores proporções de negros, próximas a 80%. Somando-se os Estados de São Paulo, Bahia e Minas Gerais, tem-se mais de 30 milhões de negros do país (fonte: www.seade.gov.br).

[2A Tribuna da Bahia de 15/01/2008.

[3De acordo com a revista Carta Capital, edição 481, 96% dos mortos em chacinas policiais são jovens negros entre 16 e 22 anos.

[4Ainda no final de 2007, moradores da Favela que fica na Zona Norte de São Paulo, próxima a Marginal do Rio Tietê, deram uma resposta às seguidas chacinas promovidas pela polícia, bloqueando por horas a principal via de acesso à cidade e combatendo com bombas caseiras e molotovs a tropa de choque.

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