Quinta 2 de Maio de 2024

Nacional

POLÊMICA COM A ESQUERDA

Quem precisa da polícia?

23 Aug 2008   |   comentários

A política de assassinato sistemático de jovens, trabalhadores, negros e pobres através da ação policial vem atingindo seus mais altos níveis. Estima-se que a polícia matou só no Rio de Janeiro pelo menos 1.260 pessoas em 2007 [1], e a previsão para o saldo final deste ano já é cerca de 11% maior. Deste total, 694 são classificados pela polícia como “auto de resistência seguidos de morte” , ou seja, uma espécie de “legítima defesa” para os policiais, o que “justificaria” o gatilho fácil contra a população pobre e, sobretudo, negra. Se compararmos os números da ação da polícia brasileira com a guerra do Iraque, veremos que esta nada deve em termos de violência ao exército imperialista. Segundo a CNN, para cada soldado americano morto, 28,23 iraquianos morrem. No Rio de Janeiro, para cada policial morto em serviço (29 em 2006), ocorrem 36,65 “autos de resistência” [2]. E estes são números oficiais que seguramente são muito inferiores à realidade.

Por isso, a polícia brasileira, sobretudo a do Rio de Janeiro ’ que mata uma pessoa a cada oito horas ’ é considerada a mais violenta do mundo até mesmo pelas organizações internacionais ligadas ao imperialismo, como a ONU. Segundo um relator do estudo apresentado pela ONU em março deste ano, operações como a do Complexo do Alemão em 2007, que envolveu 1.350 policiais, são a mostra mais aberrante da política de assassinato sistemático. “Eu fiquei chocado ao ouvir que em 24 horas de ocupação por 1.350 homes foram apreendidas duas metralhadoras, seis revólveres, três fuzis (...) Nenhum policial foi morto e poucos ficaram feridos, mas a ”˜resistência”™ encontrada levou à necessidade de 19 mortes ” [3]. Das quais, vale lembrar, 5 eram crianças (uma com 8 anos ) e adolescentes.

Esta é a política de Lula e dos governos estaduais para lidar com as contradições inerentes ao sistema capitalista. Apesar de a economia nacional ter crescido no último período, o fato é que o Brasil segue sendo um país com um dos piores índices de distribuição de renda do mundo. Neste marco, quando estas contradições se acumulam, Lula ’ e nisso conta com o apoio das frações burguesas e seus partidos ’ não hesita: endurece a repressão.

É frente a esta realidade que consideramos que todos os que aspiram e lutam contra esta sociedade de exploração não podem ignorar esta política assassina levada à frente pelos governos federal e estaduais, de repressão e assassinato sistemático do povo pobre, negro, da juventude e dos trabalhadores. É preciso que levantemos urgentemente uma campanha ampla contra a violência policial.

Mas para isso precisamos retomar uma discussão que desde a nossa participação no Congresso de Mulheres da Conlutas e no I Congresso da Conlutas já vínhamos pautando em relação ao caráter de classe da polícia. Nestes momentos, defendemos como a polícia não é parte da classe trabalhadora, já que seu “trabalho” se constitui na defesa da propriedade privada e no extermínio dos trabalhadores e do povo pobre. E nessa defesa nos confrontamos com os companheiros do PSTU quando diziam que “as greves policiais desestabilizam o regime, portanto haveria que apoiá-las” . Frente a esta visão equivocada, argumentamos que tal “desestabilização” se dá pela direita, na medida em que os policiais ao fazer greve e reivindicarem aumentos salariais ou ainda “melhores condições de trabalho” , na verdade estão reivindicando melhores condições para defender a propriedade privada, reprimir os trabalhadores e o povo pobre. Contra a posição da direção do PSTU, que defendia o apoio às greves policiais como “uma tática para dividir as forças armadas e fazê-las passar para o nosso lado” , resgatamos a diferença entre o papel da polícia e do exército na Revolução Russa de 1917, e argumentamos, baseando-nos nas lições de Trotsky, que os trabalhadores só poderão “rachar as forças armadas” como resultante de “sua intensa radicalização, impossível de se obter se segue perpetuando-se agora na voz dos que se reivindicam revolucionários e trotskistas o legado pacifista típico do petismo de agitar a possibilidade da unidade de lutas com a polícia, ao invés de preparar a classe para os
combates que certamente ocorrerão (...) contra a polícia” [4].

Mas, infelizmente, no I Congresso da Conlutas, os companheiros do PTSU foram responsáveis pela aprovação da equivocada política de seguir apoiando as greves policiais e permitir a participação dos sindicatos de polícia dentro da Conlutas.

É necessário um programa de independência de classe

Na penúltima edição do jornal Opinião Socialista, o PSTU corretamente coloca que “o aparato de repressão policial existe para reprimir e agir coagindo o povo pobre. E, em países como o Brasil, o povo negro que vive nas favelas e nos bairros operários [5]” . Completa colocando que “não se trata somente de policiais bons ou maus, mas de um Estado que é o maior impulsionador da violência e da criminalidade” . Outra afirmação com a qual temos acordo, e é avanço dos companheiros do PSTU reconhecerem a necessidade de fazer essa denúncia ao invés de ficarem ressaltando os policiais como “trabalhadores da segurança” .

Entretanto, quando desenvolvem o programa para responder à crescente violência policial, não são conseqüentes com essas caracterizações corretas acerca do caráter da polícia. Defendem a “criação de uma Polícia Civil Unificada, que atenda aos interesses dos pobres (...), com uma estrutura democrática (...), direitos a sindicalização e a realizar greves em defesa de suas reivindicações” . O problema deste programa apresentado pelos companheiros do PSTU é novamente a ausência de um norte de independência de classe claramente definido. Em outras palavras, se a polícia é a instituição repressiva por excelência e visa salvaguardar a propriedade privada e o monopólio da violência para o Estado, que por sua vez atua em benefício da burguesia contra os trabalhadores, o programa dos revolucionários não pode ser a defesa de uma nova polícia, seja Civil ou Militar.

Ao invés de defender este programa que só pode levar a enganos, acreditamos que devemos retomar a importante tradição revolucionária da classe trabalhadora que ao longo de suas vastas experiências no século XX soube se organizar militarmente de maneira independente das instituições do estado burguês em diversas ocasiões. Como por exemplo na Revolução Espanhola de 1936, quando a classe trabalhadora construiu as milícias operárias; ou ainda a partir da constituição de comitês de autodefesa baseados nas organizações da classe operária, como os sindicatos. Estas instituições da luta revolucionária funcionavam a um só tempo como órgãos de autodefesa e de ofensiva contra a sociedade burguesa de conjunto. Alguns poderão afirmar que a situação nestes momentos era diferente, pois eram situações revolucionárias enquanto hoje prima uma situação de relativa passividade na luta de classes. Isso é certo.

Mas nos tempos de relativa paz, já que os trabalhadores e o povo pobre e negro é recorrentemente vítima de uma política burguesa de extermínio, é uma tarefa preparatória essencial dos revolucionários agitar um programa que permita fazer com que estes setores avancem em sua consciência, entendendo que é necessário se organizar e dar uma saída independente enquanto classe, resgatando os métodos históricos de luta e organização da classe operária. Isso passa pela luta pela dissolução da polícia, que só é possível a partir de um ascenso da luta de classes que dê origem a milícias e comitês de autodefesa baseados nas organizações operárias, que tenham um claro caráter de classe. Não no “aperfeiçoamento” ou na “democratização” das instituições de repressão.

Em segundo lugar, cabe ressaltar o caráter altamente utópico do programa do PSTU, pois como a polícia armada se submeterá ao controle, e aos “interesses” da população desarmada? Esta utopia acaba assumindo um caráter altamente regressivo na medida em que alimenta na classe trabalhadora e na população pobre a ilusão de que é possível democratizar, popularizar e aperfeiçoar uma instituição que é um dos pilares mais essenciais do Estado burguês, como contraditoriamente se afirma no mesmo jornal Opinião Socialista. Infelizmente, é um programa que faz lembrar a “polícia cidadã” sempre sonhada pelo reformismo petista.

Por fim, ressaltamos que apesar de termos acordo com as corretas denúncias recentemente feitas pelos companheiros do PSTU em seu jornal em relação ao caráter da polícia, o começo do combate à violência desta só pode ser conseqüente se partimos de adotar a política de negação intransigente à participação de sindicatos policiais na Conlutas e de nenhum apoio às greves policiais. Isso é um pressuposto necessário para resgatarmos o melhor da tradição da luta da classe operária.

[1Dados de relatório da Anistia Internacional de dezembro de 2007.

[2Relatório de Philip Alstom, supracitado.

[3Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos ’ www.direitos.org.br

[4Para ver nosso balanço mais aprofundado sobre a luta política que se desenvolveu no I Congresso da Conlutas sobre esta questão, acessar “Novamente sobre o caráter de classe da polícia”, nesse site.

[5“Marcas da violência: a política de extermínio contra a população negra e pobre” . www.pstu.org.br

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