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Teoria

TEORIA | SEMINÁRIO "O MARXISMO DE LEON TROTSKY"

Por que Trotsky?

14 Mar 2012 | Síntese do primeiro encontro do seminário “O marxismo de Leon Trotsky”, organizado pela juventude do PTS e ministrado por Christian Castillo, dirigente nacional do PTS. – Assista o vídeo em espanhol AQUI   |   comentários

O marxismo na época de crises, guerras e revoluções

Leon Trotsky foi um dos nomes proeminentes da terceira geração de marxistas clássicos. Esta definição pertence a Perry Anderson, eo que ele chama de "marxismo clássico" teve um período fundacional de Marx e Engels. A segunda geração foi incorporado por Plekhanov, o fundador do marxismo russo, Kautsky, o principal teórico do Partido Social-Democrata Alemão, Franz Mehring, biógrafo de Marx e o filósofo italiano Antonio Labriola, para citar os mais relevantes. Na terceira geração dos nomes mais proeminentes são os de Trotsky, Lênin e Rosa Luxemburgo.

Marxismo clássico teria como característica a relação entre teoria e prática. Se alguma coisa distingue a terceira geração é o que Lênin e a Terceira Internacional define como "um momento de crises, guerras e revoluções." Marx participou das revoluções de 1848e, em seguida, na Comuna de Paris de 1871 e até escreveu sobre guerras e revoltasdo século XIX, as revoluções proletárias durante a vida de Marx e Engels erammomentos episódicos.

O que fez da época de Lênin ser a de crises, guerras e revoluções?

Em primeiro lugar, o capitalismo entrou numa nova fase, que nós marxistas definimos como imperialista.

A tendência à concentração e centralização do capital e o avanço até o domínio dos monopólios, levantadas por Marx, era uma realidade. Em 1880 o mundo já era controlado por uma série de grandes monopólios. Um punha do de potências reparte o mundo, enquanto outras tentam emergir e avançar enfrentando-se com as dominantes, para forçar uma nova repartição dos domínios coloniais. Estas mutações no capitalismo levaram a um debate no marxismo. Uma tendência sustentava que as contradições que Marx assinalava em O Capital tendiam a ser superadas e que o socialismo poderia ser alcançado através da “via pacífica”. As contradições do capitalismo haviam se atenuado e por conseqüência os clamores classistas e revolucionários de Marx deveriam ser superados. Esta foi a posição dos revisionistas da II Internacional, associados ao nome de Edward Bernstein.

Hilferding sustentou a teoria do “capitalismo organizado”, enquanto Kautsky, que enfrentava as idéias de Bernstein em defesa da “ortodoxia” logo avançou a teoria do “ultraimperialismo”, segundo a qual a fusão dos cartéis e dos trustes internacionais em um supertruste permitiria conciliar os interesses dos capitalistas de diferentes países eliminando a anarquia da produção e a guerra.

Em contrapartida, mas com diferenças entre si, Lênin, Rosa Luxemburgo e Trotsky se colocavam em uma tendência que deduzia do domínio dos monopólios o agravamento das contradições capitalistas e o desenvolvimento das tendências revolucionárias. De fato, o século XX começa com uma série de levantamentos revolucionários e guerras imperialistas (ainda que de imperialismos menores), que pré-anunciam o que vai se dar em 1914 com a Primeira Guerra Mundial. Trotsky e Lênin vivem a revolução russa de 1905, a primeira grande revolução do século XX. Há outras duas revoluções neste período: a mexicana de 1910 e a chinesa de 1911.

A guerra e a social-democracia: tática e estratégia

A Primeira Guerra provocou enormes massacres e gerou inicialmente tendências chauvinistas-nacionalistas no movimento operário de numerosos países. Os partidos social-democratas apoiaram suas próprias burguesias, traindo a posição internacionalista votada nos congressos anteriores à guerra, que dizia que esta guerra iria convocar a luta contra as próprias burguesias para defender o proletariado da carnificina imperialista.

Em um momento em que deveria ser muito audaz para poder dizê-lo, Lênin sustenta que a guerra iria trazer a revolução. E lança sua consigna: “transformar a guerra imperialista em uma guerra civil”. Isto significava preparar-se para quando se esgotasse o chauvinismo das massas e os soldados se cansassem de morrer na frente de batalha, preparar-se para quando os operários e operárias se fartem de passar fome, para quando a máquina de guerra entre em crise e então o descontentamento popular, com milhões de operários e camponeses armados, abra a possibilidade de dirigir as massas, não contra seus irmãos de classe de outros países, mas contra sua própria burguesia.

O marxismo de Trotsky está forjado por esta nova época de crises, guerras e revoluções, onde o problema de como chega o proletariado ao poder, está no centro da questão.

Trotsky explica como a distinção entre estratégia e tática na linguagem da política marxista é produto destas novas condições: “Entendemos por tática em política, por analogia com a ciência bélica, a arte de conduzir as operações isoladas, e por estratégia a arte de vencer, ou seja, de apoderar-se do controle. Antes da guerra, na época da II Internacional, não fazíamos estas distinções, nos limitávamos ao conceito da tática social-democrata; e não por acaso, a social-democracia tinha uma tática parlamentar, uma tática sindical, uma municipal, uma cooperativa etc. Na época da II Internacional não se discutia a combinação de todas as forças e recursos de todas as armas para obter a vitória sobre o inimigo, pois aquela não se colocava na missão de lutar pelo poder”1. A social-democracia centrava sua atitude em diversas intervenções parciais, porém seu pensamento não estava cruzado por como conseguir um acesso ao poder. Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo e outros dirigentes bolcheviques, que eram por sua vez grandes teóricos revolucionários, estão embebidos destas discussões sobre a estratégia para que o proletariado tome o poder.

O que é o marxismo?

Originalmente, o marxismo expressava o movimento social que sintetizava teórica e praticamente as experiências do proletariado europeu de finais do século XVIII e da primeira metade do século XIX, forjando-se teoricamente na critica das correntes de pensamento mais avançadas de seu tempo: o idealismo alemão, a economia política inglesa e o socialismo utópico inglês e francês.

Nós dizemos que o marxismo de hoje tem que recorrer essas grandes experiências e também ser a síntese das experiências teórico-práticas da classe operária do século XIX e XX se propondo a conquistar, mediante a revolução proletária, estados operários transicionais, governos de trabalhadores e ditaduras do proletariado, que baseando-se em conselhos operários, sejam por sua vez democracias operárias. Onde se nacionalizem os meios de produção para organizar a economia de acordo a um plano democrático, que permita progressivamente ir avançando até a liquidação das classes, a moeda e o Estado, ou seja, até uma sociedade comunista, questão que só pode conquistar plenamente com a liquidação do capitalismo a nível mundial. Esta seria para nós uma definição sensível de marxismo, e inclui, desde o ponto de vista teórico, uma concepção de mundo, a dialética materialista, uma teoria da história, o materialismo histórico, uma série de teorias científicas específicas, como a análise do modo de produção capitalista, expressada fundamentalmente em “O Capital”, e uma teoria das classes do Estado. E também a arte da ação política revolucionária, que poderíamos dizer que é uma arte, um saber prático, com base científica.

O marxismo é um guia para a ação revolucionária. Isto é importante pois nos diferencia do marxismo academicista, que primeiro com a stalinização e depois com o retrocesso do movimento operário, transformou o marxismo em uma teoria que trata de explicar parte da realidade, reclusa nos meios acadêmicos, sem levar em conta o objetivo final da luta pelo poder operário, desligado dos problemas da estratégia revolucionária. O objetivo que assinala Marx não era apenas a conquista do poder em um Estado. Não lutamos apenas porque a classe operária argentina conquiste o poder para construir um estado operário. O estado operário é um meio, para avançar na transformação socialista da sociedade onde triunfa a revolução, e assim favorecer a revolução socialista a nível internacional, sem o qual é impossível avançar até o comunismo.
Esta perspectiva não é uma ilusão voluntarista, tem há ver com as potencialidades que brindam as forças produtivas engendradas pela própria sociedade capitalista, e que não podem se desenvolver-se devido o domínio das relações sociais de produção baseadas na propriedade privada dos meios de produção e de troca (as fábricas, a terra, os bancos). Mesmo sem um salto qualitativo das forças produtivas, os flagelos do capitalismo poderiam ser eliminados. Não há fome porque falta capacidade de produzir alimentos, ou falta de moradias porque faltem meios para construí-las. Não há desemprego porque é impossível de se organizar o trabalho de outra maneira. São as relações capitalistas que impedem que se organize a sociedade sob outras bases. 700 monopólios governam o mundo e organizam toda a produção em seu próprio benefício. Expropriando os monopólios segundo um plano de prioridades que poderia se estabelecer democraticamente.

O marxismo da III Internacional e de Trotsky

O marxismo de Trotsky, da mesma forma que o de Lênin, caracteriza-se por ser um marxismo estratégico.

A burguesia também tem estrategas que pensam em como dominar. A classe dominante norte-americana tem, por exemplo, distintas estratégias desde as quais luta por manter seu domínio no mundo. No caso de Bush filho, baseava-se nos “neoconservadores” que diziam que se devia jogar a carta forte dos EUA, seu poderio militar, para golpear nos países inimigos dos interesses norte-americanos e sobretudo no Oriente Médio, para forçar regimes favoráveis aos EUA. Os “neocon” terminaram fracassando, e levaram os EUA a um desastre, à crise da guerra do Iraque e do Afeganistão. Agora com Obama sua política externa está guiada essencialmente pelo pragmatismo, enquanto buscam uma nova orientação estratégica para tratar de contra-arrestar sua decadência histórica.

A III Internacional colocava a estratégia no centro de suas preocupações, mas desde o ponto de vista proletário. Ou seja, em como fazer avançar a revolução internacional. Depois da revolução russa, houve tendências à revolução em muitos países. Em novembro de 1918 a revolução alemã colocou a possibilidade de um triunfo como o russo, mas em um país central, o que teria mudado a história. Mas essa tentativa é derrotada, e também fracassa a revolução húngara. Em março de 1921 os comunistas alemães tentam um putch que termina sem êxito. Malogra também a revolução na Bulgária, com o antecedente da derrota na Hungria.

Há um primeiro momento de ofensiva revolucionária e um segundo momento em que o capitalismo europeu resiste o primeiro embate do movimento de massas. No III e IV Congressos da III Internacional Lênin e Trotsky discutem que o momento revolucionário imediato passou, agora os partidos comunistas precisavam alavancar uma tática chamada “frente única”, que significa dizer aos social-democratas que há que sair a lutar nas ruas, disputar a base dos sindicatos social-democratas e promover a luta pelas massas. Não está colocada imediatamente a luta pelo poder, mas a luta pelas massas. Esta maneira de colocar a questão se defrontava com uma corrente chamada “comunistas de esquerda”, que opinava que a linha era a de ofensiva permanente, e que, entre outras questões, para salvar a União Soviética, dizia que havia que fazer experimentos revolucionários ainda quando não estivessem maduras as condições gerais para levá-los a cabo.

Não é que Lênin e Trotsky nunca se equivocavam nas medidas que tomavam. No curso da guerra civil, por exemplo, os bolcheviques opinavam que entrando na Polônia iam desatar a energia revolucionária dos camponeses e proletários, para derrubar seu próprio governo, e que isso seria ao mesmo tempo um canal para levar a revolução à Alemanha. Mas os operários e camponeses poloneses viram, em última instância, o exército bolchevique como um exército invasor, e esta tentativa fracassa.

Lênin e Trotsky sabiam reconhecer os erros e corrigir as opções quando estas não serviam. Depois da tomada do poder na Rússia, como a burguesia sabota, têm de encaminhar-se a uma política não prevista, o “comunismo de guerra”. Para poder abastecer os exércitos, se expropria tudo e aos camponeses se tira tudo o que vai para além de seu próprio consumo. Os camponeses suportaram por algum tempo esta situação mas logo passaram a uma oposição violenta. Os bolcheviques tiveram de fazer um retrocesso tático, e permitir que se voltasse a comercializar o excedente agrícola durante um tempo. A Nova Política Econômica (NEP) restabelece certas relações capitalistas no Estado operário, o que criou contradições, mas nesse momento foram necessárias para manter e sustentar o poder operário. O marxismo de Lênin e Trotsky é um marxismo profundamente criativo, não dogmático, na estratégia da revolução e nas respostas aos problemas imediatos.

Nós tratamos de retomar essa tradição revolucionária, já que aquele que não aprende com ela dificilmente pode fazer novos aportes com sua própria prática.

Trotsky é quem expressará a continuidade dessa tradição forjada na I Internacional, na II Internacional, primeiro de conjunto, e logo em sua ala esquerda, nos quatro primeiros Congressos da III Internacional. Quando a URSS se staliniza e a própria III Internacional se burocratiza, é Trotsky quem trata de manter vivas as conquistas históricas, e em meio dessa luta contra o stalinismo nos partidos comunistas e na Internacional recria e dá novas teorias, novas táticas e desenvolve o programa e a estratégia para essa luta contra a burocratização do primeiro estado operário da história e da própria Internacional Comunista. Posteriormente, sucede a fundação da IV Internacional, cujo programa é o Programa de Transição. Com o stalinismo no poder, o marxismo “oficial” deixou de ser uma teoria revolucionária em qualquer sentido que damos a esta palavra. Transformou-se em uma série de dogmas que se acomodavam segundo a política da burocracia.

Outro fenômeno que se dará é que os teóricos marxistas que conseguiram maior renome estavam cindidos da luta política concreta. O que predomina é um marxismo não-estratégico. Perry Anderson usa um nome muito genérico, o de “marxismo ocidental”, em que os autores que inclui, à exceção de Gramsci e parcialmente de Lukács, todos estão desvinculados da ação política. Muitos deles são parte dos aparatos culturais dos grandes Partidos Comunistas do pós-guerra: Louis Althusser do PC francês, Colletti e Della Volpe do PC italiano. Outros estão fora dos PCs, como a Escola de Frankfurt, como Adorno, Horkheimer ou Marcuse. Para além dos problemas que possa ter esta tipologia, este abandono dos temas estratégicos por parte destes teóricos é um fato característico.

Vitórias e derrotas

Como teórico, Trotsky teve um altíssimo nível de criatividade. Como responder ao stalinismo? Como explicá-lo? Como definir fenômenos que são híbridos? Em que sentido a revolução seguia viva e em que sentido começava a ser enterrada na União Soviética? A obra de Trotsky é de um pensamento concreto, dialético no sentido de captar as contradições da realidade e não tentar forçá-la, vendo as tendências enfrentadas e as possibilidades que abria o processo histórico.

Nós colocamos as necessidades da ditadura do proletariado contra o poder burguês; a derrubada revolucionária deste, já que não há via pacífica ao socialismo. Ser revolucionário é, antes de mais nada, uma opção realista. Não há nenhum exemplo em que a burguesia tenha entregado pacificamente o poder à classe operária. O século XX esteve cheio de revoluções. E indo mais atrás no tempo, os privilégios feudais não se liquidaram sem revoluções, as potências coloniais não abandonaram suas posições sem guerras de libertação nacional. É uma lei do desenvolvimento histórico: nenhuma classe privilegiada abandona seus privilégios se não é forçada a fazê-lo pelas classes oprimidas.

Quando as massas se levantem é necessário que tenham uma direção que conheça a estratégia revolucionária para vencer. Essa é a importância de conhecer o pensamento estratégico de Trotsky. Para que triunfem as massas, porque cada derrota empurra a história para trás. Que implicou a derrota dos ’70? Em nosso país, o genocídio de Videla e trinta anos de neoliberalismo. O Maio francês, a revolução portuguesa, o Ascenso no Chile, Argentina, Uruguai e Bolívia, todos os grandes processos que se deram desde ’68 não triunfaram. O resultado foi a contra-ofensiva do capital. O triunfo da Revolução Russa, pelo contrário, empurrou a história enormemente adiante, no sentido da luta revolucionária pelo socialismo e pela sociedade comunista. Milhões de operários no mundo se fizeram comunistas. Deu ânimo aos explorados de que se podia vencer, de que os operários e camponeses podiam conquistar o poder e começar a organizar a sociedade sobre novas bases. Pelo contrário, o triunfo da burocracia stalinista desmoralizou milhões. E a burguesia o utilizou como arma. Aos operários dos países avançados lhes diziam: “para que vão fazer a revolução se depois virá este sistema totalitário?” Os triunfos e as derrotas têm essa importância. Daí também a importância de um marxismo capaz de extrair as conclusões estratégicas dos processos revolucionários, para preparar a ferramenta que permita vencer nos próximos combates, agora que a crise capitalista possivelmente dê lugar a novos processos revolucionários, como não vemos desde finais dos ’70.

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